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O "Outro" pode retornar aos estudos do turismo?

Respondendo a um diálogo assimétrico
Sarani Pitor Pakan
Traduction de Frederico Marinho
Cet article est une traduction de :
Can the ‘Other’ Frame Back in Tourism Studies? [en]
Autre(s) traduction(s) de cet article :
« L’Autre » peut-il invertir le cadrage dans le champ des études touristiques ? [fr]

Résumé

Este ensaio começou com a pergunta sobre a presença rara de turistas não ocidentais nas análises do turismo. Então, busquei responder essa situação exibindo fotografias de estudantes indonésios turistas no ocidente. Este ensaio é basicamente uma reflexão sobre o meu próprio experimento para responder à produção do conhecimento com viés ocidental, eurocêntrico e colonial nos estudos do turismo. Inicialmente, pretendia oferecer enquadramentos turísticos / fotográficos reversos do Sul para o Norte, presa na pergunta sobre se os pesquisadores do turismo não ocidentais conseguem dialogar com a produção acadêmica. Embora esse experimento não seja capaz de desafiar a produção do conhecimento eurocêntrico nos estudos do turismo, ele é útil como uma pedagogia de auto-reflexão através da qual o pesquisador não ocidental do turismo, como eu, situe sua condição pós-colonial, seu pensamento e sentimento, sendo uma semente inicial da futura práxis descolonial.

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Notes de l’auteur

Este ensaio se originou da minha dissertação de mestrado em Lazer, Turismo e Meio Ambiente na Universidade de Wageningen, na Holanda. Agradeço a Linda Boukhris por sugerir reformatar o texto; a Fuji Adriza, Kyana Dipananda e Fajri Siregar pelos comentários, e àqueles que me deixaram usar suas fotografias aqui.

Texte intégral

I. Partida

1Era outono em Wageningen, por volta de novembro de 2016, quando eu e outros alunos estávamos sentados na classe de Desenvolvimento Sustentável e assistindo um documentário Enquadrando o Outro (Kok e Timmers, 2011). O filme foi feito por dois ex-alunos do mestrado em lazer, turismo e meio ambiente da Universidade de Wageningen, como parte dos requisitos do mestrado. Trata-se basicamente do encontro entre a tribo Mursi e os visitantes ocidentais em um cenário turístico típico e mostra como os turistas holandeses viajaram para a Etiópia para ver e fotografar os 'nativos excêntricos', como as mulheres Mursi 'que colocam pratos grandes em seus lábios e enormes brincos ricamente decorados' (Synopsis, sd). Assistir o filme de alguma forma me lembrou meu falecido pai e o lugar de onde ele veio, Tana Toraja. No contexto do turismo, comercial ou acadêmico, considera já há muito tempo, o lugar habitado por pessoas com cultura “exótica”, especialmente cerimônias fúnebres, experiências valiosas para o consumo dos turistas (inter) nacionais e para a investigação dos pesquisadores ocidentais. Com certeza, ouvi muitas vezes o espanto das pessoas quando lhes disse que tenho uma origem (metade) de Torajan. “Ah, aquele com tumbas nas cavernas!” “Você também será enterrada dentro da caverna?” eles costumavam dizer. Portanto, eu quase podia imaginar como a mulher Mursi se sentia e foi capturada no documentário.

2O documentário pode, na verdade, ser representativo de muitos outros relatos que registram (criticamente ou não) a maneira como os turistas ocidentais se apropriam e enquadram lugares, pessoas e culturas não ocidentais. Por exemplo, em artigo com o mesmo título, Framing the Other (Snee, 2013), relata como o ano sabático internacional dos jovens britânicos geralmente reproduz e reforça o discurso já estabelecido do “Outro exótico”. Além disso, ao investigar as fotografias tiradas por estudantes ocidentais que visitaram vários países não ocidentais, Caton e Santos (2008) concluem que as fotografias tiradas reproduzem de forma destacada o discurso representacional colonialista / orientalista sobre o 'Outro' como tradicional, periférico e preguiçoso. Comecei a me questionar: onde estão os relatos opostos, aqueles que falam sobre como os turistas não ocidentais vêm, fotografam e se apropriam de lugares, pessoas e culturas ocidentais? Os turistas são sempre ocidentais? Se sim, quem sou eu quando viajo pelas cidades europeias durante meus intervalos de estudo?

3Aparentemente, eu encontrei a resposta de minhas perguntas pelo Facebook, onde sou amigo de muitos indonésios que estudam em países ocidentais (EUA, Reino Unido, Holanda, Alemanha, França, Austrália, Suécia, Dinamarca, etc.). Conheci a maioria deles através de programas de bolsas de estudos, na universidade, no ensino médio e em cursos informais. Como eu, cada um deles faz parte de um grupo maior de indonésios - principalmente de classe média, mas não necessariamente - que têm a chance de estudar no exterior, seja com recursos privados ou com bolsas internacionais de estudo. Para resumir, estava vendo minha linha do tempo do Facebook quando repentinamente notei a existência de inúmeras fotos tiradas e compartilhadas por meus amigos, aqueles que estudavam em universidades ocidentais, mostrando suas experiências europeias, americanas ou australianas. Então, novamente, fiquei impressionado com uma pergunta: e se os "Outros" estiverem emoldurando agora?

4Talvez essa pergunta não estivesse lá se eu não tivesse estudado sociologia durante meu curso de graduação na Indonésia. Surgiu devido à imaginação sociológica que aprendi como estudante de sociologia. Foi também durante esse período que me tornei academicamente exposto às teorias pós-coloniais, ao orientalismo e à questão do "Outro". Simplificando, a questão não apareceu no vácuo. O documentário Framing the Other e as fotos de meus amigos no Facebook apenas me levaram a refletir sociologicamente o meu próprio lugar no Ocidente, especialmente na nação com a qual meu país compartilhou seu passado colonial. Ser indonésio na Holanda me trouxe uma revelação. Eu tive que me conscientizar do passado colonial do meu país, do meu lugar nessa realidade pós-colonial e das opções decoloniais que eu possa ter. Este ensaio é o resultado de uma conscientização complexa. Além disso, como ex-estudante de turismo não ocidental em uma instituição ocidental, também gostaria de oferecer este ensaio como um material de reflexão que naturalmente derivou da minha ansiedade de estar cercado por teorias eurocêntricas nos estudos de turismo.

II. O problema com os estudos do turismo

5O que muitas vezes me faz pensar nos estudos contemporâneos sobre turismo é a raridade de análises sobre pessoas não ocidentais como turistas ou viajantes. Aparentemente, ainda existe um binário arcaico de "ocidental como turista" e "não ocidental como nativo" (Cohen e Cohen, 2015a). Winter (2009, pp. 23-34) ressalta: “Dado que o paradigma do turismo foi em grande parte construído em torno de uma análise dos encontros oeste-leste, norte-sul, enraizados nas ideias da globalização como um processo de ocidentalização, nosso turista foi silenciosamente concebido como branco (e masculino)”. Assim, argumento, que não seria problemático considerar os estudos do turismo como eurocêntricos, com viés ocidental e colonial (Cohen e Cohen, 2015b; Alneng, 2002; Chambers e Buzinde, 2015).

6Algumas exceções, no entanto, representam um alívio nessa monotonia. Por exemplo, Peters e Higgins-Desbiolles (2012) tentam desmarginalizar a pesquisa turística discutindo os australianos nativos como turistas, não como objeto do olhar do turista ocidental. Eles identificam vários modos de viagem entre os australianos nativos, como visitar / retornar a territórios ancestrais e coletar restos da cultura aborígine que são "exibidos" nos museus coloniais. Além disso, Li et al. (2017) exploram as práticas fotográficas entre turistas chineses que visitam vários destinos no Reino Unido. Sua pesquisa tem como objetivo des-ocidentalizar e ressignificar o conceito de olhar turístico de John Urry, colocando os turistas chineses e suas fotografias como foco. Ainda assim, ambos os estudos são apenas pequenas rebeliões sob o discurso hegemônico dos turistas ocidentais. Em suma, os turistas não ocidentais ainda são ignorados, apesar do aumento óbvio do turismo não ocidental, especialmente da Ásia (Alneng 2002).

7Winter (2009, pp. 27-28) afirma: “O crescimento contínuo de formas de viagem não ocidentais é o ímpeto empírico para o cultivo de novas abordagens e perspectivas”. De fato, os turistas e viagens não ocidentais são empiricamente abundantes, mas teoricamente pobres. Tucker e Hayes (2019) afirmam que a teoria do turismo permanece amplamente enraizada no olhar do turista ocidental, sendo incompreensível não apenas para turistas e o turismo não ocidental, mas também para estudantes de turismo não ocidentais. Portanto, Cohen e Cohen (2015b) pedem uma mudança de paradigma para resolver o problema. Eles sugerem incorporar os estudos do turismo ao paradigma das mobilidades, que afirmam estar livres de suposições eurocêntricas. Winter (2009, p. 27) argumenta que o pluralismo deve ser o ponto de partida e, além disso, pede uma abordagem que “geograficamente, politicamente e epistemologicamente seja plural” e “uma análise multicêntrica”. Em suma, ele nos convida a "questionar seriamente os universalismos no centro dos estudos de turismo".

8Assim, empiricamente, os turistas nem sempre são ocidentais. No entanto, aqueles não ocidentais são silenciados, ignorados, desconsiderados e / ou esquecidos. Foi justamente nesse ponto que comecei a tentar responder e mostrar o enquadramento dos encontros de turistas do Sul para o Norte, graças à inspiração que tirei das fotos de meus amigos no Facebook. Como pesquisador e turista do sul, sou tentado a escrever com "certo grau de raiva" (Spivak, 1990, p. 62) "do meu íntimo [...] de onde arde" (del Arco, 2017, p. vi) contra a ignorância que silenciou as vozes do sul todo esse tempo. Portanto, localizo este ensaio como um experimento para responder ao silêncio e à ignorância na produção do conhecimento eurocêntrico, de viés ocidental e colonial dos estudos de turismo.

III. O que capturamos: Temas principais

9Um dia, enquanto eu percorria minha linha do tempo do Facebook, finalmente percebi que havia três temas visuais dominantes de fotografias que meus amigos - indonésios estudando nos países ocidentais - publicavam em suas mídias sociais. Eu nomeei esses temas como: arquitetura europeia, mudanças sazonais e amizade internacional.

Figura 1. Ilustração dos três principais temas visuais.

Figura 1. Ilustração dos três principais temas visuais.

No sentido horário, da foto superior esquerda: olhando as cerejeiras; Estação ferroviária central de Liubliana; Queda de neve em Breda; Meu adorável grupo de amigos; "Parte mais adorável do outono". Foto cedida

(no sentido horário da foto superior esquerda) de Mohamad Yulianto Kurniawan, Sarani Pitor Pakan, Timoti Tirta, Moniek Zwiers, Kyana Dipananda; montagem de Sarani Pitor Pakan.

10Primeiro, o tema da arquitetura europeia é principalmente identificado e definido pelo elemento das edificações. Como os edifícios estão por toda parte nas cidades europeias, também estão nos instantâneos dos estudantes indonésios. A presença de edifícios (juntamente com seu projeto arquitetônico) é destacada, seja como pano de fundo do autorretrato ou como uma figura fotográfica central. Este tema abrange outros elementos, como pedestres, ruas, pontes, trens, estátuas, monumentos, parques urbanos e outros. Todos indicam "algo ocidental" e podem representar o que o Ocidente é para os estudantes indonésios. Existem muitos tipos de edifícios: igrejas, casas, prefeituras, cafés, lojas, museus, castelos e edifícios icônicos (como Torre Eiffel, Coliseu ou os Moinhos de vento holandeses). O que esses edifícios oferecem é uma imagem síntese da Europa, bem como um olhar da civilização ocidental. Atmaja e Budiastuti (2012), estudando as imagens do Ocidente entre os membros indonésios da AIESEC, mencionam a importância da construção europeia no processo de construção da imagem, pois significa modernidade e civilização ocidentais. Eles acham que os edifícios europeus fizeram da Europa "digna de uma visita" e "digna de ser mostrada (off)" a outros companheiros indonésios (2012, p. 24).

  • 1 Observei que as fotografias de verão dos estudantes indonésios não têm o mesmo destaque. O contexto (...)

11Segundo, o tema da mudança sazonal pode ser identificado pelo uso do símbolo visual. No outono, o símbolo mais destacado são as folhas secas e acastanhadas (com árvores ou no chão). No inverno, a neve branca é o símbolo mais óbvio, incluindo seus derivados, como queda de neve, boneco de neve ou montanha de neve. Algumas fotografias retratam o lago ou canal congelado como epítome do inverno também. Então, a primavera é expressa pela presença de flores. Flor de cerejeira rosada e tulipas coloridas são os símbolos mais fortes1. Todos esses símbolos sazonais fazem parecer obrigatório tirar (e compartilhar) fotografias de folhas secas durante o outono, neve (boneco) durante o inverno e tulipas ou flores de cerejeira durante a primavera. Um dia de outono, eu estava indo de bicicleta para o campus quando vi um grupo de estudantes indonésios tirando fotos no 'cenário de outono' - o chão cheio de folhas secas junto com as típicas árvores de outono. Durante o inverno, se a neve cair, tirar fotos da neve e fazer um boneco de neve é ​​"obrigatório". Então, quando a primavera chegar, os estudantes indonésios irão "caçar" as fotografias de flores de cerejeira rosa.

12Terceiro, o tema da amizade internacional é definido pelo retrato do estudante indonésio com seus amigos internacionais. Estudar no exterior oferece a chance de estabelecer amizade com pessoas vindas de vários lugares - incluindo países ocidentais - e, eventualmente, essa relação pessoa-a-pessoa se transforma em objeto fotográfico. A fotografia deste tema contém mais de uma pessoa (foto de grupo) e sugere que as pessoas dentro do quadro são multinacionais (mais de uma nacionalidade). O último elemento é a chave para apontar a internacionalidade da fotografia. As configurações podem variar, com base no local e na atividade. A configuração de local consiste em sala de aula, área do campus, parque, restaurante / bar, cidade (centro), cozinha, sala de apartamento, casa, café, restaurante, loja, rio, mar, centro esportivo e muito mais. A definição da atividade inclui palestra / aula, trabalho em grupo, excursão de estudo, evento no campus, festa, churrasco, bebida, alimentação, viagem, turismo, prática de esportes, relaxamento, culinária, ciclismo, reunião etc. Por fim, esse tema deve ser visto com seriedade, a amizade com os ocidentais pode ser uma capital cultural valioso para os asiáticos (Bui et al., 2013) e, no contexto indonésio, fazer amizade com os ocidentais realmente representa prestígio e um valor muito alto (Atmaja e Budiastuti, 2012).

IV. O mito por trás do enquadramento

13Até aqui, tudo parece bem. A missão de responder é indiscutivelmente (meio) realizada. Eu mostrei a existência de estudantes-turistas-indonésios. As fotografias mostram claramente que estamos lá: sendo turistas no Ocidente. Barthes (1981, p. 5) diz: “A fotografia nunca é outra coisa senão uma antífona de 'Olhe', 'Veja', 'Aqui está'; aponta um dedo para certos vis-à-vis e não pode escapar dessa linguagem lítica pura.” Se ele estiver correto, as fotografias dos estudantes indonésios poderão dizer algo como “Olha, estamos aqui! Cercado por edifícios europeus”ou “Veja, este é o “Winter Wonderland” ou “Aqui está: os meus amigos internacionais”.

14O problema veio depois, quando tentei entender além da simples moldura fotográfica. Sontag (2005, p. 90) acredita que “a fotografia é avançada como uma forma de saber sem saber: uma maneira de enganar o mundo, em vez de fazer um ataque frontal a ele”. Talvez eu estivesse ofendido por ter sido enganado pelas fotografias, então, como resultado, fiquei motivado a descobrir o 'saber sem saber' dentro do enquadramento fotográfico. Seguindo Barthes (1972), eu queria entender as 'mitologias' subjacentes aos temas visuais da arquitetura europeia, mudança sazonal e amizade internacional.

15Descobri que cada tema tem seus próprios mitos: (1) a arquitetura europeia perpetua o espanto em relação às civilizações ocidentais, (2) as mudanças sazonais glorificam a condição climática do Ocidente e (3) a amizade internacional revela o desejo de uma perspectiva internacional ocidentalizada. A diferença é a chave aqui. Hollinshead (1998) considera o turismo uma indústria por excelência de “diferença” e “alteridade”. Portanto, as fotografias que apresentam construções típicas da Europa, queda de neve, folhas de outono, primavera e um grupo de amigos multinacionais podem representar as experiências da diferença, ou seja, experiências que não se tem em casa. No entanto, pós-colonialmente, isso não pode ser uma questão de simples diferença, pois existe uma diferença hierárquica entre a terra natal (indonésia) e as nações estrangeiras (ocidentais) capturadas nas fotografias. É essa hierarquia que me obriga a ver semioticamente os mitos de espanto, glorificação e desejo em relação ao Ocidente sempre que encontrei as fotografias da arquitetura europeia, mudanças sazonais e amizade internacional.

  • 2 A ideia de destino aqui é inspirada por Frantz Fanon (1952, p. 12), que escreve as seguintes frases (...)

16Para ir ainda mais longe, eu conceituei mais colocando esses mitos como parte dos mitos de nível superior, como o conto de fadas ocidental e o oeste como destino. As fotografias dos estudantes indonésios, juntamente com seus padrões temáticos, poderiam representar silenciosamente ('saber sem saber') que: primeiro, estar no Ocidente é uma espécie de conto de fadas para indonésios estudantes-turistas; segundo, o Ocidente - com todas as suas características heroicas nas fotografias - é o nosso único destino2 / destino a seguir. Enquanto o conto de fadas envolve a experiência quase inacreditável de ser (no Ocidente), a noção de destino implica desejo e anseio (pelo Ocidente).

17Para ter certeza de todas essas descobertas e análises visuais, discuti-as com alguns amigos indonésios em Wageningen e eles, como eu, acharam chocante o fato de que nossas fotografias de viagem no Ocidente pudessem ser entendidas como tal. Eles não podiam discordar dos três temas visuais dominantes que encontrei, pois eles também (começam a) percebê-los. Então, embora dolorosos, eles acenaram para minha conceituação sobre o conto de fadas ocidental e o oeste como destino. A ideia de conto de fadas foi inspirada no comentário de uma amiga durante uma aula em particular, onde ela narrou sua posição como estudante indonésia que tem a chance de viajar para a Europa através da educação. Em suma, esse processo de desmitologização provou ser difícil para mim, drenou minha emoção, reposicionou meu ser pós-colonial e me deu mais questões de interrogação e reflexão.

V. A (im) possibilidade do enquadramento reverso

18Acabei de voltar para casa depois de dois anos de jornada acadêmica / pós-colonial em Wageningen, na Holanda, quando me correspondi com o supervisor de minha tese de mestrado por e-mail. Ela estava particularmente curiosa sobre como seria voltar para casa depois de todo esse tempo fora. Respondi então, em parte, mas não tudo, com a seguinte passagem:

19O trecho, em retrospecto, foi muito influenciado pelo meu projeto de desmistificar as fotografias de viagem dos do sul para o norte dos indonésios.

“Percebi que reproduzi meu corpo, pensamento, sentimento e / posição pós-colonial ao ter vivido dois anos na Holanda, a antiga metrópole que colonizou meu país. Era estranho pensar nisso. Como poderia viver na (antiga) metrópole e reproduzir minha condição (pós-colonial) como indonésio, como homem do sul? Sinto que agora tenho uma imagem mais completa de mim e da estrutura social / cultural / política que constrangem minha subjetividade. ”
(correspondência por e-mail com Meghann Ormond, 21 de outubro de 2018)

20Embora meu objetivo inicial seja simplesmente responder à produção de conhecimento eurocêntrico nos estudos do turismo, acabei descobrindo que essa resposta epistemológica / experimental é mais produtiva como forma de auto-reflexão. Minha voz parecia estar refletida de volta para mim e me surpreendeu que minha própria análise tenha indicado algo semelhante à narrativa orientalista. Por exemplo, as representações visuais que encontrei nas fotografias dos estudantes indonésios contêm mistificação, glorificação e desejo em relação ao Ocidente. Para onde estou indo? Essa confusão exemplifica a ambivalência que notei em relação à questão de "de onde vêm as vozes?". Vêm epistemologicamente de dentro ou fora do Ocidente? Quem está realmente falando / enquadrando? Posso afirmar que expressei as perspectivas indonésias, mas elas são realmente nossas vozes interiores? Ou, apenas um eco de vozes ocidentais?

21Faço essas perguntas para não serem respondidas, mas como um dispositivo para pensar mais sobre minha intenção de responder e analisar. Agora, gostaria de refletir sobre isso discutindo a questão do ocidentalismo e uma armadilha que ela possa conter, a saber, o orientalismo reverso.

22Devo admitir que, a princípio, imaginei o ocidentalismo como uma simples reversão do orientalismo, na qual corpos não ocidentais finalmente têm a possibilidade de responder e projetar a imagem do Ocidente. Então, Coronil (1996) me oferece um lembrete de que uma reversão do Orientalismo é impossível no contexto de relações assimétricas entre o Eu e o Outro. Assim, ele entende o ocidentalismo mais como uma condição da possibilidade do orientalismo, não como um reverso dela. Embora alguns estudiosos de fato percebam o ocidentalismo como um meio de reverter o orientalismo, mais tarde desenvolvi lentamente um entendimento de que o primeiro poderia ser apenas outro projeto ocidental (Carrier, 1992; Venn, 2000; Ahiska, 2003). Em suma, o ocidentalismo opera dentro dos termos discursivos do Ocidente e, portanto, endossa o projeto hegemônico de modernidade do Ocidente, através do qual o Ocidente articula, define e se representa como civilização moderna, desenvolvida e maior.

23Assim, para esclarecer, meu projeto de responder, ressignificar e / ou desmistificar aqui não pode ser um projeto de reverter o orientalismo e, da mesma forma, não deve ser chamado de projeto de Ocidentalismo, porque com quem pretendo falar não é o orientalismo per se, mas a produção de conhecimento eurocêntrica, de viés ocidental e muitas vezes orientalista nos estudos do turismo. De fato, eu posso não ter nenhum problema direto com o orientalismo, então por que se preocupar em revertê-lo?

24No entanto, agora, as perguntas são: e o enquadramento reverso? É possível? Bem, não tenho a resposta, mas sinto que a questão (de possibilidade) pode estar errada. Em vez disso, deve ser uma questão de importância. Realmente precisamos reverter o enquadramento eurocêntrico de norte a sul? Pelo que? Para dormir bem, por raiva (depois de Spivak), por vingança ou simplesmente por provocar um diálogo bidirecional? Ainda, o enquadramento reverso só é possível se a relação e o diálogo forem simétricos. Caso contrário, o melhor que podemos fazer é mostrar o enquadramento fotográfico turístico do Sul para o Norte, para reivindicar a existência, mesmo que esse enquadramento também possa ser eurocêntrico, com viés ocidental e, infelizmente, colonial. Os narradores diferem, o conteúdo é semelhante.

VI. Falar com poder é errar

25Era um dia quente em Jacarta, por volta de agosto de 2019, quando eu estava sentado no trem e lendo uma monografia Significados de Bandung (Phạm e Shilliam 2016). Em algum momento, cheguei à seguinte passagem, escrita no capítulo 16:

“(RI :) Precisamos lembrar que, quando você fala em poder, às vezes usa o mesmo idioma e pode acabar reproduzindo a mesma lógica [...] Infelizmente, o poder estava / não está escutando; portanto, não podemos ser ingênuos ao falar ao poder.
TS: Porque o poder fala de volta. ”
(Diálogo entre Rosalba Icaza e Tamara Soukotta, em Icaza e Soukotta 2016)

26Talvez eu tenha sido realmente ingênuo com a intenção de responder ao silêncio e à ignorância que encontrei nos estudos do turismo. Desde o primeiro momento, quando comecei a tentar falar e a ressignificar, imaginei-o como uma espécie de diálogo, onde todo esse tempo fomos silenciados e ignorados, e agora pedimos pra responder. No entanto, o que não consegui imaginar é a quem pretendo responder. Acontece que é "poder"; e quando falamos em poder, é muito complicado porque (1) a relação / diálogo é assimétrica e desequilibrada, (2) a linguagem do diálogo deve ser a mesma e é a linguagem do poder, de modo que a lógica e os termos discursivos são apenas a favor do poder, (3) o poder talvez nunca pretenda ouvir, e (4) quando o poder fala de volta, percebemos que é inútil começar a falar, porque é como “uma nova flor que morre imediatamente”(ibid).

27Ainda assim, o objetivo não é permanecer em silêncio. Como me ocorreu, experimentar responder (ao poder) pode ser gratificante como uma pedagogia da auto-reflexão. Nesse contexto, a auto-reflexão pode implicar a possibilidade de re-situar nosso ser pós-colonial, pensamento e sentimento. Esse reposicionamento, eu argumento, pode ser potencialmente uma semente da práxis descolonial, significando um trampolim inicial para a desobediência epistêmica e desvinculação das categorias ocidentais de pensamento (depois de Boukhris, 2017; Mignolo, 2013), pois sempre acredito que o primeiro passo da revolução é perceber. Perceber só pode ser feito quando refletimos, quando resituamos nossa posição.

28Além disso, podemos precisar aprender a não falar com o poder. Na minha humilde opinião, é muito mais benéfico evitar o impulso existencial de falar (ressignificar) e responder, especialmente em relação ao poder. Enquanto isso, poderíamos tentar relembrar, recompilar, reconstruir e reformular nossa própria lógica de ser, pensar e sentir. No entanto, não estou pedindo mais silêncio, pois ainda acredito na importância do diálogo bidirecional e simétrico. Seguindo Grosfoguel (2012), o que eu gostaria de propor é um diálogo inter-epistêmico no qual qualquer episteme pode conjugar a conversa sem que ela e suas vozes sejam dissolvidas, incorporadas e desestabilizadas (depois de Coronil, 1996). Somente se isso acontecer, poderemos retomar essas questões e ressignificar.

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Bibliographie

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Notes

1 Observei que as fotografias de verão dos estudantes indonésios não têm o mesmo destaque. O contexto indonésio explica essa questão, a temperatura é relativamente quente todo o ano, por isso eles não tem um interesse especial em registrar o verão, daí o pouco simbolismo. Assim, excluo deliberadamente o verão aqui.

2 A ideia de destino aqui é inspirada por Frantz Fanon (1952, p. 12), que escreve as seguintes frases em Black Skin White Masks: “Por mais doloroso que possa ser para eu aceitar essa conclusão, sou obrigado a declarar: Para o homem negro, há apenas um destino.e ele é branco.

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Table des illustrations

Titre Figura 1. Ilustração dos três principais temas visuais.
Légende No sentido horário, da foto superior esquerda: olhando as cerejeiras; Estação ferroviária central de Liubliana; Queda de neve em Breda; Meu adorável grupo de amigos; "Parte mais adorável do outono". Foto cedida
Crédits (no sentido horário da foto superior esquerda) de Mohamad Yulianto Kurniawan, Sarani Pitor Pakan, Timoti Tirta, Moniek Zwiers, Kyana Dipananda; montagem de Sarani Pitor Pakan.
URL http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/viatourism/docannexe/image/4179/img-1.jpg
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Pour citer cet article

Référence électronique

Sarani Pitor Pakan, « O "Outro" pode retornar aos estudos do turismo?  », Via [En ligne], 16 | 2019, mis en ligne le 30 mars 2020, consulté le 14 février 2025. URL : http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/viatourism/4179 ; DOI : https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/viatourism.4179

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Auteur

Sarani Pitor Pakan

Gadjah Mada University, Indonesia, mail : saranipitor26@ugm.ac.id

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Traducteur

Frederico Marinho

Instituto de Geociências (IGC) / Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG

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Droits d’auteur

CC-BY-NC-ND-4.0

Le texte seul est utilisable sous licence CC BY-NC-ND 4.0. Les autres éléments (illustrations, fichiers annexes importés) sont « Tous droits réservés », sauf mention contraire.

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