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Dossier

Patrimônio Cultural e Flexibilização da Produção Turística na Amazônia Oriental Brasileira

Maria Augusta Freitas Costa Canal, Elcivânia de Oliveira Barreto et Milene de Cássia Santos de Castro
Traduction(s) :
Cultural heritage and flexibilization of touristic production in the eastern Brazilian Amazon [en]
Patrimoine culturel et flexibilisation de la production touristique en Amazonie orientale brésilienne [fr]

Résumé

Este artigo analisa os rebatimentos do quadro normativo de um “novo neoliberalismo” na organização do patrimônio cultural acionada à flexibilização produtiva turística na Amazônia Oriental Brasileira, porção mais ao leste da Amazônia brasileira, conformada pelas Unidades Federativas do Amapá (AP), Maranhão (MA), Pará (PA) e Tocantins (TO). Realizou-se assim, levantamento e análise de documentos e dados do setor turístico e do patrimônio cultural, que revelam a partir dos indicadores: empreendedorismo, produção criativa, privatizações e parcerias público-privadas, a concentração da organização do patrimônio à flexibilização produtiva turística na extensão de abrangência das cidades de Macapá (AP), Belém (PA) e São Luís (MA). Destarte, as interações internas e externas, observadas na AOB, comprovam a construção do quadro normativo do “novo neoliberalismo” que articula empreendedorismo social com aspectos “Neoboemios” de criatividade local; e o aprofundamento da “mercantilização institucional” assentada em parcerias público-privado, flexibilizando o uso do patrimônio por grupos ancorados na racionalidade neoliberal.

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Texte intégral

Introdução

1No Sul Global americano, o patrimônio institucionalizado tem sido acionado à flexibilização produtiva turística como mecanismo de inovação disruptivo das vantagens e privilégios competitivos das corporações transnacionais das áreas centrais e das barreiras aos operadores de áreas não centrais. Na América do Sul, a área da floresta amazônica tem sido acionada de múltiplas formas como recurso cultural ao turismo, tendo a matriz de patrimonialização oficial como projeção à diversificação economicamente de negócios do setor turístico vinculados, de modo geral, ao turismo cultural e seus segmentos criativos e de experiência que são estimulados por organismos internacionais como modelo de sustentabilidade entre lista e salvaguarda do patrimônio cultural e redes de cidades criativas (UNWTO, 2016, UNESCO, 2022). Segundo a Organização Mundial de Turismo (OMT), a volatilidade da demanda turística e as crises econômicas globais não são empecilhos ao crescimento do mercado turístico, sendo o turismo cultural o de maior relevância nesse contexto e o mais indicado a áreas do Sul Global como segmentação capaz de flexibilizar a produção do turismo, impulsionando inovações criativas com estratégia competitiva e desregulamentação do trade internacional.

2Assim conduzida, a produção do turismo atrela segmentação do patrimônio cultural institucionalizado ao empresariamento da cidade como nos movimentos de Slow City (SC) e Slow Food, os quais movem socioeconomicamente o quadro normativo de um “novo neoliberalismo” que se reproduz sob a apropriação de idiossincrasias de locais como mecanismos de flexibilização. Nessa direção, o patrimônio da humanidade torna-se o atrativo turístico mundial prioritário, acompanhado por bens institucionalizados em escalas nacionais com as quais se solidarizam a “mercantilização institucional” e a operacionalização do “empreendedorismo social” (Offeh e Hannam, 2016, Ioannides e Petridou (2017), Ochoa-Zuluag, 2019, Coca-Stefaniak, 2019). Esses elementos fizeram elevar os fluxos em cidades da bacia do rio Amazonas, tendo as cidades de Letícia na Colômbia e as cidades de Manaus e Belém, expressivamente na década de 2010 que, em alguma medida, foram mantidos até a pandemia de COVID-19.

3Analisamos os rebatimentos desse quadro normativo na organização do patrimônio acionada à flexibilização produtiva turística na AOB, porção mais ao leste da Amazônia brasileira, conformada pelas Unidades Federativas (UF) do Amapá (AP), Maranhão (MA), Pará (PA) e Tocantins (TO) (Figura 1). Os resultados derivam de levantamento de dados e documentos realizado entre 2019-2023 nos bancos, plataformas e sites brasileiros: do Ministério do Turismo (MTur), Ministério da Cultura (MINC), espacialmente, nos Mapas e Sistemas de Turismo e Cultura; das Secretarias Estaduais de Turismo e Cultura das UFs relacionadas. Em plataformas e sites: dos Governos da Guiana Francesa, Suriname e Venezuela; e da OMT e da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). Além de monitoramento das redes sociais de grupos e locais com agregação ao patrimônio como: associações de operadoras turísticas, de grupos folclóricos e de artesanatos, grupos e empresas gastronômicas, musicais e souvenirs etc.

Figura 1: Mapa de Abrangência e Concentração de Fluxos na AOB

Figura 1: Mapa de Abrangência e Concentração de Fluxos na AOB

4A área da AOB corresponde a porção mais urbanizada da Amazônia Legal brasileira com 73% de média de urbanização, aproximadamente de 39% da área e 3,7 % (cerca de 17 milhões) da população brasileira. Das quatro UFs que a configuram, o estado do Pará representa 62% da área, 43% receita orçamentária e a concentração populacional, e o Tocantins apresenta o maior IDH:0,73, enquanto a média da área é de 0,69. Essa taxa de IDH, somada com a renda média per capita de um salário mínimo, evidência a vulnerabilidade socioeconômica, baixa densidade técnica e problemas infraestruturais, de serviços e ambientais determinados por uma divisão territorial do trabalho faz mister mecanismos disruptivos das vantagens competitivas e privilégios logísticos das operadoras globais e do sudeste do Brasil. Isso corrobora para que a região busque respostas em atividades de baixa tecnologia como as turísticas, o que denota caráter fundamental e emblemático à lógica de diversificação economicamente do setor turístico pela segmentação do patrimônio institucionalizado, isso vem sendo intensificado na área mais densamente urbanizada: Macapá (AP), Belém (PA) e São Luís (MA). (BRASIL, 2022a, 2022b).

I. A produção do turismo e o patrimônio cultural na normativa neoliberal

5O modelo explicativo de produção-consumo na economia capitalista global atual se sustenta sobre como a flexibilização produtiva reordena mundialmente a divisão territorial e social do trabalho ancorada em inovações tecnológicas, financeirização da economia e em disputas de vantagens locacionais de mercadorias provenientes de áreas recém industrializadas. A lógica de flexibilização da produção impõe competitividade global regulada sob o modo de política econômica configurado no modelo neoliberalista que index melhorias humanas e desenvolvimento social ao avanço das: “liberdades e capacidades empreendedoras individuais no âmbito de uma estrutura institucional caracterizada por sólidos direitos a propriedade privada, livres mercados e livre comércio” (Harvey, 2008, p. 12). Às estruturas político-econômicas se sobrepõe a um projeto sociopolítico em que, segundo Dardot (2016) e Dardot e Laval (2019), a pluralidade e plasticidade sistêmica de poder envolto no/pelo neoliberalismo o amplifica para além de política econômica e o torna normativa, racionalidade e subjetivação do mundo. O que delimita um “quadro normativo global” em que a lógica capitalista interfere e transforma o mundo inteiro enredando as formas de agir e se relacionar da vida social cotidiana em concorrência interindividual e em empresariamento da dívida e da precariedade.

6Esse quadro normativo dá sustentação ao império do direito privado, inclusive em relação ao controle de processos deliberados democraticamente e consolida o neoliberalismo como processo unívoco entre política de Estado e economia de mercado, ainda que, conforme os autores, o capital sempre se sustentou pelo Estado e na apropriação estatal pelo mercado, tanto pela tomada das políticas públicas de Estado quanto pela implementação das lógicas empresariais na estrutura estatal. O neoliberalismo, como admitem Dardot e Laval (2019, S/I, grifos nossos): “ não hesita em instrumentalizar os ressentimentos de um amplo setor da população [...] inclusive pela ofensiva declarada contra os direitos humanos”. Dessa perspectiva, a naturalização da existencialização do empresariado da vida e do império direito privado permite que o neoliberalismo contemporâneo assuma subjetividades que lhe dá capilaridade à existência do aprofundamento de processos de monetarização, de financeirização, de mercantilização e de austeridade mesmo diante dos défices e colapsos socioeconômicos vivenciados pela própria natureza do modo capitalismo.

7Logo, a flexibilização da produção se desenhava por essas novas formas de subjetividades, portanto, muito mais amplas que aquelas engendradas do consumo e dos parques fabris advindos da reestruturação do regime produtivo pós-industrial. Nesse processo, a desindustrialização promovida por meio da flexibilização produtiva acaba por descentralizar atividades situadas em vantagens locacionais a partir de centros urbanos, comerciais, administrativos e culturais voltados, principalmente, aos serviços de tecnologias/informação e entretenimento/lazer. As estratégias de combate ao colapso produtivo e, concomitantemente, ao mundo do trabalho incidiu sobre a construção do marketing urbano e a economia de serviços, em especial e mais difundida, as atreladas à área do turismo.

8Assim, partindo de Ioannides e Petridou (2017), podemos inferir o desenvolvimento do turismo atrelado à promoção das cidades como tática de reestruturação econômica e social atravessadas pelo “novo neoliberalismo” do consumo-produção do turismo na cidade e suas segmentações, sendo essas, ferramentas à competitividade dos lugares e “empreendedorismo criativo”. Segundo os autores, a instrumentalização da popularização do turismo na funcionalidade da economia urbana apresenta-se nos aspectos flexibilizados do neoliberalismo na produção de enclaves turísticos padronizados nos centros das cidades, bem como, na reestruturação mercantilizada de idiossincrasias de bairros fora dos encraves caracterizados como neoboêmios, resultado da economia criativa das forças locais.

9A economia criativa no urbano impõe à cidade uma lógica empresarial agilizada por dinâmicas turísticas mesmo quando se apresentam como formas diferenciadas e endógena como aquelas veiculadas por movimentos de Slow City (SC) pautada no desenvolvimento comunitário, Slow Food sustentado na cultura, tradição, práticas alimentares e gastronômicas locais (Coca-Stefaniak, 2019) e todas as abordagens de cidade “criativa” e “inteligente”. Segundo Ioannides e Petridou (2017), a inserção de forças locais e o “pensamento criativo”, ao responderem a questões globais invocam o sistema plural e plástico do neoliberalismo e suas racionalidades e subjetivações. O que se revela, conforme os autores, na produção do atrativo turístico urbano independente da segmentação que visa atender, é a sua capacidade de veicular a imagem da cidade como habilidade de atrair novos e potenciais investidores.

10Como aponta Higgins-Desbiolles (2019), a congruência da segmentação turística obedece ao comando de ampliação de investimento capitalista como solução à crise econômica e de empregabilidade e liberação de barreiras ao capital privado do setor turístico, o que se evidencia mesmo em segmentações ditas sustentáveis, alternativas e comunitárias. Assim, segundo o autor, o “turismo sustentável” que, em teoria, articularia soluções e ações coletivas locais à qualidade e manutenção socioambiental, na prática responde à dinâmica de crescimento de fluxos, destinos, usos, comerciais e visitações integrados ao imediatismo econômico e retorno imediato recursos monetários. Destarte, a conformação da segmentação se apresenta como proposta de diversificação produtiva tendo o predomínio da lógica da eficácia e versatilidade do/no sistema econômico.

11A produção de versatilidade pela segmentação configura instrumento essencial de veiculação do privilégio da mobilidade turística em múltiplas probabilidades de viagens e experiências, bem como, do impulsionamento de forças criativas locais à ativação inovadora de recursos ambientais, sociais, cultural que, por vez, representam eficácia à liberdade competitiva, independente das esferas de governança e da distribuição empresarial turística. A dimensão neoliberal desses aspectos pode ser percebida na conformação do que Ioannides e Petridou (2017) designam como: neoboêmios, projetos de contraposição aos enclaves turísticos de áreas centrais de cidades estadunidenses. Segundo os autores, os neoboêmios fazem a produção turística transitar à atração de indivíduos que consomem cultura assentada em experiências focais de bairros em contraposição a cidade integralmente. Assim, essas experiências se baseiam na versatilidade diversificadora da inovação criativa de sujeitos, empreendedores e artistas locais dos bairros, o que corresponde à contraposição local às empresas da cadeia nacional e global.

12As análises dos autores corroboram ao entendimento mais amplo de uma flexibilização produtiva do turismo, pois, a diversificação segmentada engendrada como reação local às empresas da cadeia nacional e global, acaba revelando que suas experiências não fogem à macroestrutura neoliberal ao no mínimo derivarem de condições resultante das intervenções dessas empresas das áreas centrais, quando delas não são partes integrantes. Além disso, as análises revelam que quanto mais consolidado o consumo e uso da diversificação turística, mais inevitável a padronização, convencionalismo e homogeneização, bem como, a reprodução das condições de emprego e vida dos trabalhos das “bolhas turísticas”, ou seja, baixos salários e inúmeras atividades desempenhadas por um mesmo funcionário, e ainda, a flexibilização de regulamentos e taxas como pressuposto à competição dos locais no mercado de oferta e demanda turística.

13Essa flexibilização revela uma das esferas sob a qual se modelam as parcerias público-privados na produção do turismo e o controle da distribuição orçamentária e de investimento, isso tudo, mediado por várias instâncias de governanças neoliberais nas múltiplas escalas geográficas. E demonstra como a diversificação do turismo pela segmentação coloca o Estado como facilitador das condições imperativas à concorrência das cidades e lugares através da instrumentalização da escolha da política urbana, sendo essa, pautada na ampliação e maximização monetária-financeira empresarial até as condições de overtourism (Higgins-Desbiolles, 2019). Essa condição releva a saturação massiva até de segmentações classificadas como alternativas ou de qualidade, o que é recorrente como as segmentações vinculadas ao patrimônio cultural. Sendo isso decorrente da relevância do urbano e da cidade como tática de concorrência na atração de fluxos turísticos, o que “coloca as áreas patrimoniais no foco” (Ioannides, Petridou, 2017, p. 29), bem como, do volumoso consumo cultural de centros históricos, exposições e produções identitárias declarados como patrimônios da humanidade pela UNESCO, através da confirmação de seu viés de excepcionalidade.

14A constituição de segmentações no interior do urbano com tática de competitividade e concorrência das cidades a fluxos turísticos se dá a partir da disseminação do patrimônio cultural (Richards, 2018) e o redimensionamento na natureza e nicho da tipologia turismo cultural (Espeso-Molinero, 2019), o que determina a mutabilidade desse nicho. Esse redimensionamento se conforma entre “culturização da sociedade” engendrada pela globalização e o “boom patrimonial” do final do Século XX e se expandindo aos recursos das “heranças” intangíveis/imateriais e, posteriormente, formatado como turismo patrimonial acompanha o desenvolvimento do turismo criativo procurando propiciar experiências permeadas pelo cotidiano dos modos de vida visitados. Nesse sentido, em termos globais, a imensa capacidade de atratividade turística da cultura leva governos das diversas escalas geográficas a se empenharem em criar equipamentos e mecanismos que instrumentalizem a cultura ao turismo, e deste, ao mercado de massa. Esse empenho vem, também, de respostas aos direcionamentos da UNESCO e da Organização Mundial do Turismo (OMT) que indicam a visitação como instrumento de preservação e salvaguarda e o turismo cultural com vetor de desenvolvimento econômico de países do Sul Global (UNWTO, 2019, UNESCO, 2022).

15Além disso, a instrumentalização do patrimônio imposta pelo consumo social neoliberal à base produtiva flexível passa a exigir do Estado a adequação do local ao turismo global, a organização institucional da patrimonialização e o acesso da visitação ao bem. De acordo com Offeh e Hannam (2016) e Espeso-Molinero (2019), essa exigência agencia formas de gestão local em novas esferas de governanças incorporadoras dos diversos grupos sociais e setores econômicos que tangenciam o patrimônio e o turismo. Logo, a construção do mercado turístico por meio do patrimônio acompanha os processos neoliberais de economia criativa, inovação/diferenciação técnica e parceria público-privado que incidem sobre a contínua reinvenção simbólica da relação do turismo com a cultura e a criação de imagens sobre o destino visitado. Assim, verificamos o aprofundamento da relação do valor de reverência ocidental transmitido pela excepcionalidade definida e difundida pela UNESCO e o valor monetário da prática patrimonial da cultura incidiu diretamente sobre a correlação entre a requalificação da cultura como bem institucionalizado e o significado segmentado de turismo cultural patrimonial.

16E, atualmente, do bem imaterial como fundamento da diversificação e acréscimo de valor à constituição da imagem de atrativos e destinos no interior da oferta turística e sua eficácia e capacidade competitiva de operar os fluxos que mais atraem mobilidades globais chancelados pela UNESCO. Destarte, o uso turístico do patrimônio cultural tem se demonstrado em facilitador de flexibilização dos processos produtivos do setor, pois, mesmo com regulamentações legais e instrumentos de institucionalização, esses acabam por atingir a finalidade de facilitação da organização do bem cultural ao capital e, concomitantemente, conformando-o por parcerias público-privadas. Essas parcerias findam com uma maior injeção financeira do Estado, com empregabilidade mais volátil e remuneração mais precárias (Ioannides, Petridou, 2017). A partir disso, segundo Offeh e Hannam (2016), o Estado passa a imprimir a maximização do direito privado e da liberdade empresarial ao discurso político sobre turismo, naturalizando a pertinência da apropriação estatal pelo mercado e auxiliando as dinâmicas gerais de transmutação do quadro normativo neoliberal, o que consolida a “mercantilização institucional” como instrumentalização e operacionalização da política pública pelo neoliberal.

17De acordo com os autores, essa mercantilização foi observada em Gana onde a promoção do turismo patrimonial como política de Estado tomou com reconhecimento os destinos mais acessados pela demanda afro-americana no país e, em aspecto mais geral, promoveu a desestabilização das bases patrimoniais do artesanato local e implantado uma economia informal conectada à economia global através do fomento à confecção e comercialização de artesanatos como lembranças da herança cultural local através da massificação da produção não artesanal. Já no México e na Colômbia, conforme Espeso-Molinero (2019) e Ochoa-Zuluag (2019), entre os povos indígenas a operacionalização local do turismo pautado no patrimônio colocou em evidência o “empreendedorismo comunitário”, uma forma específica de governança baseada na tradição e no legado dos antepassados de gestão coletiva que foi atrelada a projetos econômicos que vinculam os recursos naturais e culturais ao turismo alternativo, e desse, à conservação e salvaguarda do patrimônio local. Segundo a autora, esse empreendedorismo se configura como empreendedorismo social que aciona a oferta turística pela criatividade local e a diversificação turística como forma de instância democrática mediadora da liberdade do mercado.

18A constatação da incorporação desse empreendedorismo ao mercado traduz a imersão do cotidiano de sujeitos do/no turismo à racionalidade neoliberal e demonstra como o empreendedorismo social carrega a perspectiva de solução econômica da redefinição e ambiguidade gerado ao patrimônio pelo turismo, flexibilizando as condições econômicas de conservação do patrimônio à responsabilidade das comunidades e grupos locais, liberando o bem patrimonializado a grupos empresariais monetaristas e imputando ao Estado apenas o papel de apoiador com parco repasse de subsídios. Assim, a produção turística como difusora sutil da racionalidade e subjetivação neoliberal é reforçada no modo contraditório de implementação do empreendedorismo social que, de um lado, permite alguma continuidade do patrimônio sob o controle dos grupos que os produzem sócio-culturalmente com perspectiva de renda (Sandbook, 2010), por outro, articula até o intangível do patrimônio cultural à monetização da experiência turística como criatividade empreendedora engendradora de rupturas das rigorosas práticas mercadológicas internacional do setor turístico.

19Como assesta Sandbook (2010) sobre a realidade do turismo rural em Uganda, apesar das desigualdades nas relações de poder na produção da atividade e da menor participação dos grupos locais na redistribuição dos rendimentos turísticos, esses ganhos podem ser superiores a outras formas de renda em países não-protagonistas na Divisão Territorial do Trabalho capitalista contemporânea. Destarte, como inferimos das análises sobre Gana, Uganda e México, no Sul Global é determinante o caráter periférico nas relações entre os preços dos produtos oferecidos pelos operados às agências de viagens e fragilidades empregatícias e instabilidades na geração de renda extra derivados das desigualdades nas relações de poder das padronizações e certificações, do sistema de pagamentos e comissões do negócio turístico, além, da necessidade de superação da precariedade logística de acesso determinam.

II. Turismo e patrimônio cultural na periferia

20Na área da AOB, o turismo tem assumido aspectos fundamentais a carência de instrumentos solutos da vulnerabilidade socioeconômica da região, derivada da divisão territorial do trabalho imposta à área e seu rebatimento no baixo IDH da área. Assim, nas quatro UFs que formam a AOB dentre seus 516 municípios, 124 constam no Mapa Turísticos do MTUR, e denota caráter fundamental e emblemático à lógica de diversificação economicamente do setor turístico pela segmentação do patrimônio institucionalizado, fato constatado no crescimento acelerado de titulação de bens materiais e imateriais na área, decorrente de ações em escala local que, quase sempre, não atende a critérios técnicos, mas apenas políticos. Essa lógica vai acompanhar a estrutura do mercado turístico nacional que se pauta por parcerias público-privados, as quais, tanto o trade internacional como as operadoras regionais, têm o Estado como financiador e fundo de reserva ao direcionamento e dinamização do setor.

21Logo, as políticas nacionais de cultura e de turismo e em seus planos e projetos incorrem na indução de racionalidade inovadora e criativa e no empreendedorismo sociocultural como estratégias de flexibilização da cadeia produtiva e impulsionamento de geração de emprego e renda. Esses aspectos político-econômicos neoliberais se explicitam nos planos nacionais de apoio à cultura e ao turismo refletidos em instâncias de governanças através das Regiões Turísticas. E, se condensam entre 2018-2022 com incorporação da Política Cultural ao Ministério de Turismo e a valorização empresarial no Plano de Turismo e o desmonte da Política Patrimonial, a partir do que, se gesta a privatização do patrimônio e da estrutura público do turismo como de unidades de conservação ambientais e mobiliários tombados (museus, casarões, teatros, etc.). Assim, as parcerias público-privadas na AOB são induzidas pelos indicadores globais de avanço do crescimento do setor turístico, em especial, tendo a cultural como ativo expressivo à atenuação de precariedades logísticas de mobilidade e acessibilidade.

22Na AOB a organização do patrimônio à flexibilização produtiva turística concentra-se na extensão de abrangência das cidades de Macapá, Belém e São Luís e, majoritariamente, é a dinâmica turística dessas três cidades que, de maneira inter/intrarregional, possibilita a articulação das relações turísticas na área (ver quadro 1). Sendo que, tanto interna quanto externamente, essas articulações turísticas são delimitadas como estratégias e prospecção de cenários, sem definirem projeto bem especificado e segmentado, apenas impulsionado por proposições pontuais e insatisfatória de parcerias público-privadas. De forma geral, a AOB acompanhou a recessão global e nacional da economia do turismo decorrente da Pandemia de Codiv-19, o que fez despencar todos os índices turísticos da área. Assim, o Pará teve variação dos fluxos internacionais gerais de 81.602 turistas em 2019 para 6.263 em 2021, já o Estado do Maranhão perdeu todos os indicativos de fluxos internacionais em 2021, apesar disso, o pós-crise tem apresentado retomada do setor na área com queda de arrecadação federal apenas em Tocantins (BRASIL, 2022a).

Quadro 1: Fluxo turístico e patrimônio cultural na AOB - 2021/22.

AOB

Dados

Amapá

Maranhão

Pará

Tocantins

Total

Turistas Internacionais

No. Diretos

2.166

-

1.091

-

3.257

% Desembarque*

-

-

0,27

-

0,27

Turistas Nacionais

%

Desembarque*

0,35

1

2,8

0,3

4,45

Ranking

26ª

14ª

21ª

-

% Demanda

0,1

2,3

3,9

1

7,3

% gastos/viagem

0,2

1,3

2,1

0,7

4,3

%

Arrecadação Federal

3,2

25,8

61,1

9,9

100

Total

Equipamento/

Prestador**

275

1.315

1.492

737

2.819

Ocupação Formal

2.453

18.771

30.013

8.145

59.382

Patrimônio Cultural

Mundiais (UNESCO)

Materiais

-

1

-

-

1

Imaterial

1

1

1

-

3

Nacionais (IPHAN***)

Materiais

2

25

51

2

80

Imaterial

2

6

5

2

15

Governança /Atrativo

Regiões Turísticas

5

10

14

7

36

Área de

Maior Visitação

Macapá

São Luís

Belém

Palmas

4

Segmentação

Natural

Sol e

Praia

Cultural/

Negócios

Sol e Praia

Cultural/

Natural/

Negócios

Natural/

Sol e Praia

-

Patrimônio Cultural/ Atrativo

MATERIAL

Centros Históricos Urbanos (CHU)

Vila da Serra do Navio

São Luís e

Alcântara

Belém

Natividade Porto Nacional

5

IMATERIAL

Registrados de Celebrações, Expressões, Formas e Saberes

Arte Kusiwa e Pintura Corporal e Arte gráfica Wajãpi e Marabaixo

Bumba Meu Boi, Tambor de Crioula, Repente, Matrizes do Forró

Círio de Nazaré, Carimbó e

Fazer das

Cuias do Baixo Amazonas

Fazer Bonecas de Karajá e Expr.

do Povo Karajá

12

*Em relação todo do Brasil **Agências, guias, meios de hospedagens e de alimentação cadastrados no MTUR. *** Inst.do Patrimonio Histórico e Artístico Nacional.

Fonte: Elaborado pelas autoras a partir de Brasil (2022), MTUR (2024), Sites e plataformas do MINC, MTUR, SECULT e SETUR -AP, PA, MA, TO.

23O quadro 1 oferece um panorama geral sobre o turismo e o patrimônio cultural na AOB entre 2021/2022, ínterim pós-pandemia, em que os fluxos turísticos da área representam 4,45% da demanda nacional, indicando a periferização da atividade na área e a conformação de um mercado de baixa expressão e concentrado em dinâmicas internas (MTUR, 2024). Em termo dessas dinâmicas, observa-se uma integração/dispersão de fluxos entre: o sul do Pará e o norte do Tocantins ao longo das praias do Rio Araguaia; no sudeste do Pará e no sudoeste do Maranhão ao longo das praias do Rio Tocantins; o nordeste do Pará e o noroeste do Maranhão abarcando as capitais em direção do Marajó e Santarém (PA) e os Lençóis Maranhenses em Barreirinhas; e entre o norte do Pará e o sudeste do Amapá abarcando as capitais em articulação com o Marajó. Nessa dinâmica, os fluxos turísticos concentram-se na área de abrangência de Macapá-Belém-São Luís e, ainda, os dados do quadro 1 refletem o resultado da recessão global do turismo no período pós-pandêmico. A recessão da dinâmica interna fica evidente ao compararmos apenas os fluxos internacionais da área de Macapá-Belém-São Luís que em 2019 eram trinta vezes superiores a todo o fluxo internacional em 2021 na AOB.

24Em termos de dinâmicas externas enredadas pela AOB, identificamos articulações de fluxos turísticos das áreas de Macapá-Belém-São Luís com outras porções territoriais da Amazônia brasileira e com a Amazônia Sul-americana. Logo, observamos fluxos interacionais: Belém e a capital do Amazonas com extensão a cidades venezuelanas; Belém-Macapá em direção a Caiena na Guiana Francesa com extensão a Paramaribo no Suriname, e daí em direção a cidades venezuelanas. Essas interações se apresentam como possível ampliação da atividade turística interna em conexão com a Amazônia Sul-americana e sua expansão ao Caribe e América Central que, hoje, representam menos de 1% das demandas nacionais. Para isso, Macapá e Belém configuram-se como pontos centrais, dada construção da Ponte Binacional e o estabelecimento de voos diretos entre Belém, Caiena e Paramaribo (BRASIL, 2022a), ambas, estruturas resultantes de recursos do Estado e suas ações para sobressair ao atraso estrutural periférico pela criação de viagens via parceria público-privado.

25Em relação às demandas turísticas, as viagens se assentam na divulgação e experiência mediada pelos patrimônios instituídos pela UNESCO na área de abrangência relacional da AOB. Instituídos a partir da última década do séc. XX, esses patrimônios compreendem o topo da hierarquização dos atrativos no espaço de interações inter-intrarregional da Amazônia. Assim, como identificamos na Venezuela, Guiana Francesa e Suriname, os principais atrativos são quatro patrimônios mundiais, sendo dois patrimônios culturais materiais: Coro e Seu Porto e Cidade Universitária de Caracas, na Venezuela e o Centro Histórico de Paramaribo no Suriname. Já na área de abrangência de Macapá-Belém-São Luís os principais atrativos correspondem a três patrimônios mundiais, sendo três patrimônios culturais imateriais: Arte Kusiwa, Pintura Corporal e Arte Gráfica Wajãpi; Complexo Cultural do Bumba Meu Boi e Círio de Nazaré; E um patrimônio cultural material: Conjunto Arquitetônico do Centro Histórico de São Luís (BRASIL, 2022b, UNESCO, 2022).

26Essa hierarquia do atrativo turístico é seguida pelo acionamento de bens patrimoniais institucionalizados nas escalas nacionais, o que se explicita na forma com que a Guiana Francesa formata seu carnaval e ruínas de centros culturais, e a Venezuela projeta seu carnaval, a restauração arquitetônica e a cultura “contada pela herança viva”. Bem como, na AOB, o fomento à atratividade turística agrega bens culturais registrados como celebrações, modos de fazer, expressões, formas e lugares e bens tombados como objetos, prédios e conjuntos arquitetônicos (CHU) (ver quadros 1 e 2). A partir da centralidade desses patrimônios atrativos, as cidades de Macapá, Belém e São Luís gestam, respectivamente, a governança de três regiões turísticas: Meio do Mundo, Belém e São Luís. Nessas regiões turísticas, verificamos a gestão do trade turístico no operativo local induzido pelos meios de alimentação e gastronomia com as altas sazonalidades (marcadamente junho, julho e outubro) ligadas a eventos festivos, e centrado na empregabilidade do setor hoteleiro que totaliza quase de 6 mil empregos formais, dos quais 62% pertencem a São Luís; nas cerca de 6 mil hospedagens concentradas na cidade Belém que, também, tem a maioria das empresas formais do setor (554). Dessas hospedagens apenas 49 estão cadastradas no Sistema do Setor Turista, o qual apresenta registrados 347 guias de turismo (MTUR, 2024).

27Em termos de construção de atratividade vinculada ao turismo cultural e ao patrimônio, a cidade de São Luís é a que define sua segmentação apontando o seu CHU com patrimônio mundial, contudo, apesar de indicar o São João do Maranhão como evento mais expressivo, não aponta o Bumba Meu Boi como patrimônio da UNESCO, ainda que ele seja essencial aos fluxos locais (150 mil visitantes e renda próxima a R$ 85 milhões – em 2022). O mesmo ocorrendo com o Círio de Nazaré (50 mil turistas e renda de cerca de R$ 150 milhões – em 2022), que aparece no cadastro de Belém apenas como evento turístico religioso, além, de tratar o patrimônio CHU pelo isolamento de alguns de seus mobiliários tombados, como destaque ao Ver o Peso. E, Macapá destaca a Fortaleza de São José (em concorrência a patrimônio da UNESCO) e os Ciclos Festivos do Marabaixo, sem aprofundar aspectos de demanda, mas os associam a competitividade de rotas turísticas no norte do Brasil e a operadoras de cruzeiros mundiais do Caribe.

Quadro 2: Pontos focais da Atratividade do patrimônio cultural entre 2018-2023.

MACAPÁ-BELÉM-SÃO LUÍS

Relação Direta

Organização Governamental – Ministérios e Secretarias Estaduais da Cultura e do Turismo. Parcerias Público-Privado (financiamentos BNDS/BASA e apoio/patrocínios Equatorial Energia/ Mineradora -VALE).

Empreendedorismo – negócios e cenários artístico-culturais alternativos e criativos.

Permissionários.

Empreendedorismo Social e/ou Coletivo (fornecedores, autônomos e grupos, cooperados, associados). Relações de pagamento ou benefícios de prestadores.

MACAPÁ

BELÉM

SÃO LUÍS

Relação indireta

Secretaria do Trabalho e Empreendedorismo

Secretaria de Estado de Trabalho Emprego e Renda

Secretaria de Estado do Trabalho e Economia Solidária

Do Uso do Patrimônio Cultural

Espacialização Central

Complexo da Fortaleza

Museu Fortaleza São José - Parque e Praça São José

(constitui o lugar de memória do Marabaixo) - visitação, piquenique e observação do Rio Amazonas).

Casa do Artesão: exposição de 700 artesãos amapaenses na sede e nas unidades da Praça Beira-Rio, Museu Sacaca, Monumento Marco Zero e Aeroporto de Macapá.

Exposições: Permanente com artefatos dos grupos Maracá e Cunani; Rotativas de peças de artistas; e de manualidades comerciáveis de produtores locais e 8 povos indígenas

(especialmente Arte Kusiwa e Wajãpi).

Museu Histórico Joaquim Caetano (Imagens e documentos históricos e peças arqueológicas).

Praça de Alimentação Sabores do Amapá (gastronomia local).

Complexo Cultural Lusitano

Área da Praça Frei C. Brandão e sua adjacência (Museu Forte do Castelo e Artes Sacras e Casa da Onze Janelas - exposição e gastronomia).

Rota Cultural-Gastronômica:

Complexo do Ver o Peso – Feira, Mercado de Carne e Solar de Belém.

Estação das Docas (Pará 2000) - 3 Armazéns (das Artes, cinema e teatro; da Gastronomia; e das Feiras e Exposições) e Anfiteatro do Forte São Pedro

Boulevard da Gastronomia – reforço do título de Cidade Criativa da Gastronomia -UNESCO) – corredor multiuso de prédios tombados nas adjacências da Praça M. Barata.

(gastronomia, festivais musicais, artísticos e culturais, exposições, feiras, eventos e negócios)

Circular – Rede de Parceiros de arte e cultura em espaços, projetos e ações socioculturais e gastronômicas realizados em prédios tombados e suas adjacências.

Circuito dos Museus e Casas

Aristocracia Colonial Portuguesa: (Museus: Histórico e Artístico, de Artes Sacras, e do Azulejo -reformando a Catedral Metropolitana; Palácio dos Leões e Forte S. Luís e Teatro A. Azevedo).

Cultura Popular: arte, festa e gastronomia (Casas do(a): Maranhão, Festa, Tambor de Crioula, Tulhas e Nhozinho; e Museus do(a): Gastronomia e Reggae).

Corredor Cultural dos Casarões

Rota das Praças do(a): Nauro Machado (fest.de música e teatro de rua); Faustina (resistência afrodescendente e realiza Tambor de Crioula); e Catraieiros (samba e matrizes africanas)

Rota da Passagem

Ruas: do Giz (Escadaria de Campos) e Portugal (fachadas de azulejos); e 9 Becos sendo expressivos os: Alfândega (São João), Catarina Mina (Memória da Guiné), e Silva (Escadaria da Correria).

Complexo Cultural Mercês

Convento e Praça da Mercês, Centro Cultural da Vale, mercado central e terminal rodoviário. (gastronomia, festivais musicais, artísticos e culturais).

Artesanato

de várias origens vegetais e em matéria orgânica alimentícia produzidos de frutos e óleos da amazônicos. E Arte Kusiwa e Wajãpi.

de Miriti (brinquedos de miriti do Círio) e Cerâmica de Icoaraci, Marajoara e Tapajônica, Objetos de Palha (variado).

de Buriti (variado); do Bumba-meu-boi: peças da indumentária (vestimentas, máscaras, ornamentos) – vários materiais.

Complexo Celebrações

Formas de Expressão – (música e dança - memória afro-descente do Congo) dos Grupos de Marabaixo em associação às Folias do catolicismo popular. - Ciclos do Marabaixo em Macapá.

Festa do Círio de Nazaré

Devoções: Procissões - Igreja Católicas; Arrastão – Grupo Pavulagem; F. da Chiquita – Grupos LGBTQPIA+ e Auto do Círio – Teatro de Rua.

Formas de Expressão – (música e dança) dos Grupos de Carimbó (memória afro).

Festejos e Cortejos dos Grupos de Bumba-Meu-Boi

Expressão Dramática (5 sotaques convencionais)

Devoção (místico/religioso) e Brincadeiras (Danças).

Tambor de Mina e Toadas (memória afro).

Matrizes do Forró

Fonte: Elaborado pelas autoras a partir de Sites e plataformas do MINC, MTUR, SECULT e SETUR -AP, PA, MA e Redes sociais dos Grupos e Locais.

28Contudo, como verificamos no quadro 2 o patrimônio cultural institucionalizado (material, imaterial e misto) são pontos focais da atratividade turística como oferta e demanda, sendo mobilizado em parcerias público-privado do nacional ao local e em associação ao empreendedorismo Social, Coletivo e/ou de Negócio baseados em “inovações criativas”, o que se evidencia, também, nas relações secundárias em que secretárias de trabalho se conformam pelo “empreendedorismo” e “economia solidária”, além, de “emprego e renda”. Logo, articulam atividade de rendimentos mais voláteis e lança aos grupos sociais a busca por produtividade mais imediatistas e precárias (permissionários), mesmo aos profissionais mais bem posicionados no mercado. O empreendedorismo de negócio e coletivo aparecem na estruturação do turismo em São Luís e Belém na formatação da gastronomia, festivais musicais, artísticos e culturais e eventos, tendo como referências o Complexo de Celebrações na Espacialização Central e, assim, conecta patrimônio material e imaterial em casarões monumentos.

29Os casarões monumentos são mais potencializados em São Luís por seus cortejos e corredores de fazeres culturais, em Belém por seus corredores gastronômicos e fazeres culturais no trajeto do Círio, já em Macapá por exposições e feiras especificamente no em torno do Forte S. José. Esses casarões aparecem como “inovação criativa” de baixa tecnologia viabilizadora da diminuição das barreiras e custos de criação de emprego no turismo que já são os mais baixos do setor econômico e sem ampliar a qualidade efetiva desse. O que permite aporte financeiro, concessões e isenções públicas a determinados grupos locais privados e a limitado número de profissionais liberais do empreendedorismo coletivo e de negócio, como os vinculados pela organização social Pará 2000 e as ações da rede de parcerias Circular (o mais emblemático a articulação de criatividade em Belém). Além, de aportes estatais diretamente atrelados ao estabelecimento e manutenção do patrimônio, como os R$ 30 milhões a requalificação do forte de Macapá a concorrência como patrimônio da UNESCO e, ainda, da participação de empresas como a Vale e a Equatorial inserirem-se nas leis fiscais de apoio cultural.

30Na busca por fomentar emprego e renda, os grupos sociais locais procuram se organizar para participar de editais, projetos e financiamentos engendrados por parcerias público-privadas. Esses grupos se formaram entre a elite intelectual e profissionais liberais com prevalência e privilégios nos/ dos CHU das cidades e de grupos e movimentos culturais alguma capilaridade e vantagens aos fazeres, apresentações e espaço do CHU e, assim, assemelham-se a lógicas dos neoboêmios. Essa lógica pode ser vista tanto na organização de empreendimentos colaborativos e associativos de souvenir e artesanatos como o Espaço Vem, loja que mobiliza produtores de confecções “criativas, diferenciais e sustentáveis” e a Marca Artesanato Rio Grande que articula a produção de artesanato de buriti da Associação de Mães do Rio Grande. Quanto à organização dos grupos culturais em associações folclóricas como os: Berço do Marabaixo e Raízes da Favela, Carimbó Sancari e Trilha da Amazônia, o Bumba Meu Boi V. de S. Fé e Boizinho Barrica, os quais, são lançados à livre iniciativa e concorrência de apresentações, exposições e shows turísticos como mecanismo de geração de renda, de automanutenção, de sustentação de demanda em alta temporada e de divulgação do turismo cultural.

Considerações Finais

31A produção do turismo na AOB acompanha os movimentos globais de recurso ao patrimônio cultural organizado institucionalmente, com prioridade ao uso do bem chancelado pela UNESCO. O recurso patrimonial tem conduzido as estratégias de diversificação e flexibilização das/nas segmentações de turismo cultural como fomento disruptivo das vulnerabilidades, fragilidades e atrasos técnico-sócio-econômicos, o que incide numa normatização da busca de renda voláteis do setor produtivo do turismo. Portanto, as interações internas e externas, observadas na AOB, comprovam a construção do quadro normativo do “novo neoliberalismo” que articula empreendedorismo social com aspectos “Neoboêmios” de criatividade local na proposição de inovações de baixa tecnologias concentradas nos centros urbanos da área, o que proporciona que a organização do patrimônio seja destinada à permissionários e associações locais, formado por profissionais liberais, servidores públicos e elite intelectual. Nesses centros, a revitalização urbana pelo turismo se difere da experiência estadunidense por se conformar fortemente pelo patrimônio cultural e sem grandes corporações globais de turismo. Assim como, o uso dos patrimônios da humanidade à atratividade, apresenta-se periférico em relação às áreas de demanda europeias e nacionais, sendo isso mais intenso no trato do bem imaterial.

32Na AOB, o aprofundamento da “mercantilização institucional” assentada em parcerias público-privado torna mais aceitável e flexível o uso do patrimônio por determinados grupos com capilaridade político-econômica e sustentados na racionalidade neoliberal do empreendedor prestador de serviços e a renda de cachês pelos “shows patrimoniais” que consolidam o bem material e imaterial em atração como casarões monumentos como os complexos, corredores e rotas culturais no interior da AOB. Assim, patrimônio como catalisador da cultura na produção de criatividade e inovação é acolhido em centros urbanos capazes de engendrar fluxos pelos/nos casarões monumentos sem, contudo, que as parcerias público-privadas conforme segmentação cultural e patrimonial bem definida e estruturada, o que não corrobora a práticas solúveis da periferização no Sul Global dos bens da UNESCO, das demandas e fluxos do turismo cultural na Amazônia Sul Americana, além, de mobilizar recurso público e grupos sociais ao empresariamento volátil, com retorno econômico imediato, precários e de longo prazo fragilizados. Porém, ante a baixa média de renda per capita na AOB, a perspectiva de empreendedorismo veiculada pelo uso turístico patrimônio cultural e a possibilidade de inserção a resíduos de percentuais do setor turístico auxiliam na difusão da racionalidade neoliberal na área.

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Table des illustrations

Titre Figura 1: Mapa de Abrangência e Concentração de Fluxos na AOB
URL http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/viatourism/docannexe/image/11821/img-1.jpg
Fichier image/jpeg, 212k
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Pour citer cet article

Référence électronique

Maria Augusta Freitas Costa Canal, Elcivânia de Oliveira Barreto et Milene de Cássia Santos de Castro, « Patrimônio Cultural e Flexibilização da Produção Turística na Amazônia Oriental Brasileira », Via [En ligne], 26 | 2024, mis en ligne le 20 décembre 2024, consulté le 25 mars 2025. URL : http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/viatourism/11821 ; DOI : https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/130r8

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Auteurs

Maria Augusta Freitas Costa Canal

Doutora em Geografia pela UNESP-Presidente Prudente. Professora da Faculdade de Turismo da Universidade Federal do Pará. Suas pesquisas incluem Festa, Territorialidade Humana e Turismo na Amazônia Urbana. Também publicou em Confins Paris e em revistas de geografia e turismo.

Elcivânia de Oliveira Barreto

Mestre em Geografia pela Universidade Federal do Pará. Professora do Eixo Tecnológico Turismo, Hospitalidade e Lazer do IFPA – Campus Santarém/Pará. Suas pesquisas incluem Patrimônio Cultural, Planejamento de Turismo Urbano e Turismo Comunitário na Amazônia. Também publicou em Confins Paris e em revistas de geografia e turismo.

Milene de Cássia Santos de Castro

Estudante de doutorado da UNIVALI. Professora da Faculdade de Turismo da Universidade Federal do Pará. Suas pesquisas incluem Patrimônio Cultural Imaterial, Planejamento de Eventos e Turismo. Também publicou em Confins Paris e em revistas de geografia e turismo.

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Droits d’auteur

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Le texte seul est utilisable sous licence CC BY-NC-ND 4.0. Les autres éléments (illustrations, fichiers annexes importés) sont « Tous droits réservés », sauf mention contraire.

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