Navigation – Plan du site

AccueilNuméros24Os destinos de lua de mel : do vi...

Texte intégral

1A temática dos destinos de Lua de Mel, que é o tema desta edição especial da Via, não deve esconder o fato de serem o evento central de uma indústria cerimonial. A lua-de-mel é (mas nem sempre) a continuação lógica que marca o casamento. Encontramos esta modalidade de recepção em outro evento ritualizado que é a cerimônia fúnebre, enquanto o batismo e a circuncisão, os costumes em torno do nascimento e, por vezes, os ritos de passagem para a idade adulta, aparecem em segundo plano. O evento matrimonial, mesmo que apenas parcialmente turístico, passou por um grande desenvolvimento em termos de pompa e de recurso graças às agências de eventos especializados que oferecem serviços que vão desde o mestre de cerimônias, até o all inclusive. A articulação (ou mesmo a imbricação) entre a vertente festiva e a representação social da lua-de-mel é sólida. O casamento, a rigor, que se torna um evento significativo (decoração, vestuário, serviços, alojamento, alimentação, etc.) com seus aspectos turísticos (hospedagem, alimentação para convidados, especialmente em locais de prestígio ou mesmo privatizados pela ocasião) tem como consequência “lógica” a lua-de-mel muitas vezes financiada pelos convidados. Um financiamento coletivo (poupança, fundo) é feito antes ou durante a cerimônia. É utilizado para financiar as despesas da noite de núpcias, que é uma viagem do “novo casal” (mesmo que estejam juntos há muito tempo) que se tornou oficial. Esta viagem é pensada como um parêntese, um momento de intimidade, entre os novos cônjuges, antes de voltarem à vida quotidiana. Um parêntese que tem algum parentesco com um evento que antecede o casamento, denominada despedida de solteiro (a), que gradualmente se tornaram eventos turísticos festivos (um fim de semana) realizado entre amigos (a)s.

  • 1 Em média, o declínio no número de casamentos no mundo ocidental nos últimos 20 anos é de 1 a 2% ao (...)

2É necessário recordar estes elementos de contextualização porque este aumento dos eventos cerimoniais, um precedente para a lua de mel, ocorre numa tendência geral de declínio contínuo no número de casamentos. E isto sem mencionar a redução dos casamentos religiosos (um rito cerimonial em si), especialmente nos países onde a vida pública é secularizada. Há um aparente paradoxo na formalização de um ato que em muitos países já não representa um passo necessário para viver a dois1. Um ato e um juramento que de forma alguma garantem uma vida conjunta duradoura uma vez reconhecido o divórcio. Um ato que, por outro lado, se expandiu para além do casal heterossexual tradicional ao estender-se aos casais homossexuais nos países mais liberais. Um ato que estava ligado à procriação de filhos legítimos (e a lua-de-mel como o momento ideal da concepção) e que já não tem essa função, continua crescendo a percentagem de filhos fora do casamento (por vezes antes do casamento) em vários países sem que isto seja agora considerado negativamente (são 60 % em França, por exemplo, em 2020 ; 52 % no Reino Unido, mas 32 % nos Estados Unidos, veja-se quase 0 % no Japão e na China em 2020). Com a popularidade da lua-de-mel, como extensão normativa do casamento, a sociedade moderna funciona assim como se a dessacralização do casamento fosse compensada por uma acentuação dos rituais, marcadores sociais do conformismo.

3Depois destas breves considerações, recordemos que este número se propõe a explorar o versão mais turística do matrimônio que é a lua-de-mel. Privilegiando certas abordagens, muitas vezes ilustradas pelos artigos propostos.

4A primeira abordagem foca nos Destinos de Lua de Mel. Buscou-se verificar o que se enquadra nesta categoria um tanto vaga, onde emergem destinos reconhecidos internacionalmente (ou nacionalmente). Os destinos “românticos”, segundo a linguagem da promoção turística, correspondem aos locais onde acontecem as viagens de lua de mel. O termo "lua de mel" (no sentido etimológico é o mês lunar seguinte ao casamento, a expressão é usada a partir do século XVI, segundo o lexicógrafo Richard Huloet (1552) e só está associada a uma viagem apenas a partir do final do século XIX) aplica-se hoje a dois momentos. Se em geral ela prolonga o casamento, também pode precedê-lo (o exemplo vietnamita é interessante deste ponto de vista), logo há uma lua de mel que conduz ao casamento, e há aquela que conduz a dissolução ipso facto (Os japoneses falam de “divórcio ao estilo Narita” para traduzir o fato de que os casais se divorciam no retorno da lua de mel ao desembarcarem em Narita, o maior aeroporto de Tóquio !). Certos destinos adquiriram (por vezes durante muito tempo) uma reputação internacional nesta área. As ilhas, em primeiro lugar, como símbolo de um isolamento propício à intimidade do novo casal. Podemos citar Santorini (na Grécia), Bora Bora (na Polinésia), Capri (na Itália). Mas um destino mais nacional como a Ilha de Jeju (na Coreia do Sul) desempenha esse papel. As cidades também desempenham esse papel milenar por sua atmosfera propícia aos amantes. Veneza primeiro, mas Paris também, assim como Florença, Viena, Lisboa... Cidades que oferecem um ambiente dito romântico e festivo ("Paris é uma festa", dizia Hemingway), um hotel de nível internacional, um dos recantos íntimos. Finalmente, cidades litorâneas como Nice, Acapulco, Miami... constituem hoje destinos reconhecidos para lua de mel.

  • 2 Um riad é uma casa de dois andares construída em torno de um pátio ao ar livre com uma fonte, local (...)
  • 3 Os “Casamentos chineses” são as núpcias românticas, mas puramente simbólicas, organizadas de 2008 a (...)

5A abordagem do turismo matrimonial apresenta a priori um pré-âmbulo mais do que uma análise da lua de mel. Uma gama de prestadores de serviços (locatários, decoração, vestuários, trabalhadores do enretenimento, alimentação, etc.) em locais de prestígio ou inusitados (castelos, riads2, resorts, chalês, pousadas, ranchos, iglus, etc., reais ou artificiais) em torno dos casamentos, que operam no modelo turístico não poderiam ser deixados de lado. Esta abordagem nos permitiu compreender o que acontece em paraísos nupciais de Nevada, por exemplo como Reno, onde as pessoas se divorciam antes de se casarem novamente durante o dia. Em certos destinos para casamento, a grande popularidade dos turistas asiáticos (especialmente japoneses) como o Taiti e os Castelos do Loire podem ter esbarrado em aspectos legais, que exigem residência. O casamento na lei francesa exige residência comprovada de um dos cônjuges ou de um dos pais. Assim o “produto” turístico está sujeito a manipulações (exemplo da prevaricação no caso do vice-presidente da Câmara de Tours3) ou um simulacro (cerimônia de casamento privadas na Câmara Municipal). Uma farsa, que exigia um verdadeiro casamento, que satisfizesse a visão romântica e fosse percebido como mais econômico do que o evento familiar bancado pelos noivos, como é o caso no Japão. No Japão, onde a escolha de casar no estrangeiro revela-se uma fuga ao peso da tradição (e ao seu custo para os noivos). Em última análise, é o surgimento de uma indústria do casamento que estamos testemunhando. Ela se organiza em torno de prestadores de serviços que trabalham em rede e oferecem produtos padronizados ou personalizados cada vez mais amplos que podem se estender até à escolha de parceiros quando incorporam agências matrimoniais.

  • 4 Imagens populares simplórias produzidas na cidade de Épinal (Vosges) a partir da Revolução Francesa (...)

6A cada artigo, pouco a pouco, esta edição da revista Via tocou, de forma indireta, numa forma de turismo sexual. Este último espalhou-se por todo o mundo, especialmente nos países pobres, com “concentrações” em destinos bem conhecidos do sudeste asiático. Tomar um voo entre Bangkok e Phuket revela a extensão disso quando a cabine está repleta de casais formados por um europeu idoso acompanhado por um jovem tailandês, ou mais raramente por uma garota. A escala deste fenômeno é tal que foi implementada uma legislação na Europa e nos Estanos Unidos para punir criminalmente os clientes desta mercantilização. Mas Manila, Saigon, Bali... Camboja, Laos... continuam a ser destinos importantes com um jogo de cumplicidade entre eles, o que significa que quando um destino se torna demasiado visível é substituído por outro. Pode parecer que estamos nos afastando da questão central da lua-de-mel, entrando no ambiente da erotização das sociedades ocidentais que conduz, de acordo com as leis do mercado, à exploração pós-colonial das populações pobres. O fato de procurar sua companheira (mais do que companheiro) longe do seu ambiente habitual, seguindo canais que por vezes podem ser semelhantes ao tráfico de pessoas, para formar um casal legítimo, é uma forma de turismo sombrio. Um artefato da imagem de Epinal4 da lua de mel, mas que não é tão distante e independente da versão “autorizada”. Os destinos ditos de “lua de mel”, que querem se afastar moralmente dos anteriores, são também destinos (mesmo invisíveis) de prostituição (o Taiti é um exemplo, como Phuket na Tailândia ou Dalat no Vietname) .

7A questão da viagem de lua-de-mel, uma questão aparentemente superficial e pitoresca, permite abordar questões complexas e interconectadas, das quais este número apresentou um panorama obviamente não exaustivo. Buscamos abordar e aprofundar temas importantes. Citemos alguns : o turismo de lua de mel como substituto do Jardim do Éden (paraíso terrestre “perdido”) ou o turismo como construção voluntaria positiva da memória. A escala econômica do fenómeno... O cruzamento de áreas emergentes como de eventos e de estadia temática, a experiência da estadia de casais apaixonados num destino idílico e secreto... é um produto de marketing que demonstra as características de uma sociedade de consumo, que levou à proliferação de destinos ad hoc, desde ilhas paradisíacas a cruzeiros, incluindo estadias inusitadas (em castelos, árvores, iglus, etc.), viagens customizadas e destinos articificais.

Haut de page

Bibliographie

Rachid Amirou, « “Le Paradis, c’est les autres”. Isolat relationnel et expérience du paradis. Une entrée par le tourisme » in Articulo, n° 4, 04.10.2008. http://articulo.revues.org/index179.html

Emmanuel Jaurand, « Espaces de pacs. Géographie d’une innovation sociale » in Annales de Géographie, vol. 667, 2009, pp. 179-203.

Stéphane Leroy et Emmanuel Jaurand, « Le tourisme gay : aller ailleurs pour être soi-même ? », EspacesTemps.net [En ligne], Travaux, 2010 | Mis en ligne le 15 février 2010, consulté le 15.02.2010. URL: https://www.espacestemps.net/articles/toursime-gay/;

Annette Pritchard, Nigel J. Morgan, Diane Sedgley, Elisabeth Khan et Andrew Jenkins, « Sexuality and Holiday Choices. Conversations with Gay and Lesbian Tourists » in Leisure Studies, vol. 19, n° 4, 2000, pp. 267-282.

Jasbir K. Puar, « Circuits of Queer Mobility. Tourism, Travel and Globalization » in Glq, vol. 8, n° 1-2, 2002, pp. 101-137.

Laurent Queige, « Du placard aux cocotiers » in « Marché du tourisme gay », Espaces. Tourisme et Loisirs, n° 175, 2000, pp. 20-26.

Mathis Stock, « L’hypothèse de l’habiter poly-topique. Pratiquer les lieux géographiques dans les sociétés à individus mobiles » in EspacesTemps.net, 26.02.2006. https://espacestemps.net/document1853.html

Mathis Stock, Olivier Dehoorne, Philippe Duhamel, Jean-Christophe Gay, Rémy Knafou, Olivier Lazzarotti et Isabelle Sacareau (dir.), Le tourisme. Acteurs, lieux et enjeux, Paris, Belin, 2003.

Jean-Didier Urbain, L’idiot du voyage. Histoires de touristes, Paris, Plon, 1991.

Yujie Zhu, Heritage and Romantic Consumption in China. Amsterdam University Press. https://www.aup.nl/en/book/9789462985674/heritage-and-romantic-consumption-in-china

Haut de page

Notes

1 Em média, o declínio no número de casamentos no mundo ocidental nos últimos 20 anos é de 1 a 2% ao ano. É ainda reduzido pelo aumento de novos casamentos que se segue aos divórcios. Mas há países onde o declínio é muito superior à média, como Itália, Espanha e Grécia. Note-se que durante a pandemia de COVID a queda pode ter ultrapassado 30% na França e nos Estados Unidos (diminuição de 34% dos casamentos), com efeitos de recuperação nos meses seguintes, o que afetou a média de casos no período da primavera.

2 Um riad é uma casa de dois andares construída em torno de um pátio ao ar livre com uma fonte, localizada nas cidades marroquinas. Os riads já foram propriedades de cidadãos ricos e comerciantes. A edifícação tem a forma de um retângulo com diferentes salas de cada lado. Um grande número de riads foram transformados em alojamentos turísticos em cidades como Marraquexe ou Fez no Marrocos.

3 Os “Casamentos chineses” são as núpcias românticas, mas puramente simbólicas, organizadas de 2008 a 2011 na Câmara Municipal de Tours para turistas chineses ricos. A amante do ex-senador-preeito da cidade de Tours teria embolsado quase 750 mil euros em contratos públicos para a organização destes casamentos. Recebeu também um salário da preeitura de Tours e 3.000 euros de cada casal.

4 Imagens populares simplórias produzidas na cidade de Épinal (Vosges) a partir da Revolução Francesa para um público ainda em grande parte analfabeto. Uma espécie de prelúdio à iconografia veiculada pela produção audiovisual.

Haut de page

Pour citer cet article

Référence électronique

Philippe Bachimon, Nelson Graburn et Maria Gravari-Barbas, « Os destinos de lua de mel : do visível aos bastidores », Via [En ligne], 24 | 2023, mis en ligne le 09 février 2024, consulté le 18 mars 2025. URL : http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/viatourism/10810 ; DOI : https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/viatourism.10810

Haut de page

Auteurs

Philippe Bachimon

Universidade de Avignon

Articles du même auteur

Nelson Graburn

Universidade da California, Berkeley

Articles du même auteur

Maria Gravari-Barbas

Universidade de Paris 1 Panthéon-Sorbonne.

Articles du même auteur

Haut de page

Droits d’auteur

CC-BY-NC-ND-4.0

Le texte seul est utilisable sous licence CC BY-NC-ND 4.0. Les autres éléments (illustrations, fichiers annexes importés) sont « Tous droits réservés », sauf mention contraire.

Haut de page
  • Logo DOAJ - Directory of Open Access Journals
  • Logo DIALNET
  • Logo L'Agenzia Nazionale di Valutazione del Sistema Universitario e della Ricerca
  • OpenEdition Journals
Rechercher dans OpenEdition Search

Vous allez être redirigé vers OpenEdition Search