Resposta do Sr. Maimon ao escrito anterior (Berlinisches Journal für Aufklärung, 1790, Bd. IX/1, 52-80)
Notas de la redacción
Este texto de Maimon foi publicado em 1790, no 1º número do volume IX do Berlinisches Journal für Aufklärung. Sua forma epistolar se explica por se tratar de uma resposta de Maimon a um pequeno opúsculo – “Escrito do Sr. R. a Maimon” – publicado no mesmo número e volume da revista, no qual seu autor, tendo lido o recém publicado Ensaio sobre a filosofia transcendental, solicita a Maimon uma apresentação mais clara de seu posicionamento filosófico, sobretudo em relação à filosofia que então dominava os debates, a saber, o kantismo. Embora o opúsculo tenha aparecido anonimamente, o editor das obras completas de Maimon, Valerio Verra, diz se tratar do editor da revista, Andreas Riem. Para a tradução, utilizamos o texto reproduzido na edição do Versuch über die Transzendentalphilosophie da Felix Meiner, Hamburg, 2004. Há também uma versão digital da edição original do Berlinisches Journal für Aufklärung, encontrada no catálogo da Stastsbibliothek da Baviera.
Texto completo
- 1 Maimon se refere aqui ao que diz o Sr. R. no opúsculo: “Antes de tudo, o plano dessa obra [Ensaio s (...)
- 2 Trata-se aqui de satisfazer a talvez principal exigência feita pelo Sr. R. a Maimon: “Você sabe, ca (...)
1Eu recebi seu escrito de... . Nele você externa seu desejo de que eu pudesse me explicar mais claramente sobre o plano da obra que lhe enviei, não deixando dúvidas no leitor acerca do partido que tomei, já que você crê que isso não aconteceu de uma maneira completamente determinada na própria obra1. Mas para que isso? Os partidos aqui não se deixam determinar tão precisamente e as seitas na filosofia não podem ser subsumidas sob classes determinadas tal como os objetos da história natural2. Como, porém, você assim o quer e acredita que isso pode contribuir para uma melhor inteligibilidade e visão geral do todo da dita obra, quero aqui, então, levar a cabo o seu pedido.
- 3 Retomando trecho do Ensaio sobre a filosofia transcendental, no qual Maimon diz que “considera o si (...)
2Eu afirmo que a Crítica da razão pura é, em relação ao seu resultado contra os dogmáticos, irrefutável, e que, portanto, a pergunta: é a metafísica possível? (no sentido em que o senhor Kant a toma, a saber, como ciência das coisas em si) tem de ser respondida com um Não; ao mesmo tempo, todavia, eu afirmo que esse sistema é insuficiente, e isso sob dois aspectos3. Em primeiro lugar, ele é insuficiente para pôr abaixo todo dogmatismo em geral, na medida em que eu demonstro que, se entendemos a metafísica não como a ciência das coisas em si, o que, aliás, não é de modo algum pensável, mas meramente como a ciência dos limites dos fenômenos (as Ideias), as quais são os verdadeiros objetos do pensar completo e às quais se é conduzido necessariamente pelo conhecimento dos objetos do fenômeno, a metafísica é, sob esse aspecto, não apenas possível, mas até mesmo necessária, porque, do contrário, não seria possível nenhum conhecimento de um objeto em geral.
3Eu estou de acordo com o senhor Kant, portanto, de que os conceitos da metafísica não são objetos reais da experiência, mas meras Ideias, às quais é sempre possível se aproximar na experiência; eu afirmo ao mesmo tempo, porém, que não apenas na metafísica, mas também em todas as outras ciências – caso devam merecer esse nome – os seus verdadeiros objetos são Ideias. Em segundo lugar, esse sistema é insuficiente para prevenir todo dogmatismo ulterior. Eu me explico mais claramente sobre as razões de minhas afirmações.
4Primeiro, eu divirjo do senhor Kant a respeito da diferença entre coisa em si e conceito ou representação de uma coisa. Conforme o senhor Kant, coisa em si é aquilo fora da nossa faculdade de conhecimento, ao qual o conceito ou a representação nela se referem. Eu afirmo, em contrapartida, que a coisa em si, tomada nesse sentido, é uma palavra vazia, sem nenhuma significação, já que não apenas não se pode demonstrar a existência dessa coisa, como também sequer se pode fazer dela um conceito; para mim, coisas em si e conceito ou representação de uma coisa são objetivamente um e o mesmo, e apenas subjetivamente, isto é, em referência à completude de nosso conhecimento, são diferentes um do outro. Um triângulo, por exemplo, considerado em si é coisa (objeto do pensamento) e conceito de uma coisa (nota característica universal), esta porém, em referência àquela, coisa em si. O que convém ao conceito de uma coisa, necessariamente convém à própria coisa, mas o que convém à própria coisa, só convém ao seu conceito na medida em que ele é idêntico a ela. Um polígono regular em relação ao círculo (no qual ou em torno do qual ele é descrito) é conceito; o círculo, por sua vez, em relação ao polígono, é coisa em si. Eu posso afirmar do polígono que é possível pensar nele dois pontos determinados (que delimitam um de seus lados e se cortam em seu ponto médio), de tal modo que eles são iguais um ao outro, e isso também é verdadeiro do círculo. Do círculo, em contrapartida, é dito que todas as linhas traçadas a partir de seu ponto médio são iguais entre si, o que só pode ser verdadeiro do polígono, na medida em que ele é idêntico ao círculo (em seus pontos de unificação). A coisa em si, portanto, é uma Ideia da razão, que é dada pela própria razão para a solução de uma antinomia universal do pensar em geral. Pois o pensar em geral consiste na referência de uma forma (regra do entendimento) a uma matéria (o dado subsumido a ela). Sem a matéria não é possível chegar à consciência da forma; por consequência, a matéria é uma condição necessária do pensar, isto é, ao pensar real de uma forma ou regra do entendimento tem de ser necessariamente dada uma matéria à qual essa forma ou regra se refere; por outro lado, porém, a completude do pensar de um objeto exige que nada deva estar dado, mas que tudo deva ser pensado. Nós não podemos rejeitar nenhuma dessas exigências como ilegítimas <unrechtmäßig>; logo, temos de satisfazer a ambas, na medida em que tornamos nosso pensar sempre mais completo, mediante o que a matéria sempre se aproxima da forma ao infinito – e esta é a solução dessa antinomia.
5Segundo ponto. A pergunta capital que ocasionou a Crítica da razão pura, é: como são possíveis proposições sintéticas a priori? Essa pergunta foi resolvida de maneira satisfatória pelo senhor Kant, segundo o sentido em que ele a toma. Mas eu acredito estar autorizado a formular essa pergunta em um sentido mais estrito, mediante o qual a solução do senhor Kant torna-se insatisfatória. Quer dizer, conforme o senhor Kant um conhecimento é a priori se tanto a matéria quanto sua forma estão fundadas na própria faculdade de conhecimento, sem levar em consideração se a ligação de matéria e forma já se deixa conceber antes do seu surgimento <Entstehung> a partir de um outro conhecimento que a antecede. Se Kant, portanto, divide essa questão em suas subordinadas, e pergunta, por exemplo, como são possíveis proposições sintéticas a priori na matemática?, então o seu sentido é meramente: através do que elas obtêm uma existência em nosso conhecimento?, no que a resposta: mediante uma construção a priori (a partir das faculdades do nosso próprio conhecimento), é plenamente satisfatória. Para mim, em contrapartida, essa pergunta tem o seguinte sentido: por meio da construção nós estamos plenamente convencidos tanto da existência quanto do modo de existência dessas proposições sintéticas a priori, mas a pergunta é: como a sua existência em nós é concebível a priori (a partir de um conhecimento antecedente)? Por exemplo, o conceito de um triângulo equilátero não tem sua existência meramente na construção efetiva (ao se construir um triângulo em geral e se acrescentar a igualdade dos lados como possível), mas, como nos ensina Euclides (T.1), antes da sua construção efetiva nós já estamos convencidos da sua realidade pela qual essa construção mesma não apenas é realizada como também torna-se concebível. Assim igualmente, toda proposição analítica é concebível a partir do conhecimento discursivo, antes mesmo da construção do conceito. Em contrapartida, a verdade dos axiomas matemáticos se impõe a nós sem que de algum modo ela se faça concebível, e isso é a incompletude formal do nosso conhecimento em relação a ela. Mas há também uma inevitável incompletude material do nosso conhecimento, qual seja, quando a construção não consegue corresponder plenamente às condições do conceito (ao se estender ao infinito). Aqui surge uma antinomia porque a razão, de um lado, nos ordena a não atribuir nenhuma realidade ao conceito a não ser apenas na medida em que ele pode ser construído, já que a realidade daquilo que não pode ser construído é meramente problemática. Do outro lado, porém, a razão exige que a proposição deva ser válida meramente para o conceito completo, tal como ele é pensado pelo entendimento, mas não para o incompleto, tal como ele é construído pela imaginação!
6A segunda pergunta subordinada é: como a ciência pura da natureza é possível? De acordo com Kant, o seu sentido é: como o entendimento pode prescrever regras a priori a coisas exteriores a ele? A solução dessa pergunta, segundo ele, é: o entendimento não pode de modo algum prescrever leis às coisas em si exteriores a ele, mas meramente a elas na medida em que elas são intuídas pela sensibilidade e pensadas pelo entendimento. As leis do entendimento são condições do pensamento de um objeto em geral. Elas têm de ser válidas, por isso, para todos objetos a priori. Dessa maneira, portanto, são possíveis proposições sintéticas a priori da natureza. O fundamento dessas leis são as conhecidas formas lógicas ou as espécies de relações dos objetos entre si. A elas se acresce ainda a categoria ou a determinação particular dessas formas em vista dos objetos aos quais elas são referidas, mediante o que elas obtêm a sua realidade. Essa determinação particular não tem de ser encontrada nos próprios objetos a posteriori, mas em algo a priori que se refira ao objeto a posteriori. E como ela não está nessas próprias formas lógicas, essa determinação não pode ser encontrada em nenhum outro lugar senão nas formas a priori da sensibilidade e assim por diante – tal como tudo isso deve ser conhecido por você a partir da Crítica da razão pura.
7Aqui eu noto, mais uma vez, novas lacunas. Em primeiro lugar, eu acredito que se tem de distinguir de modo preciso entre as autênticas formas lógicas e as que se fazem passar como tais nos escritos lógicos. Para elucidar isso, tomo como exemplo a forma dos juízos hipotéticos: se uma coisa A é posta, então também tem de ser posta uma outra coisa B. Em si essa forma é meramente problemática e, por isso, só pode obter realidade através de seu uso efetivo. Se, portanto, o próprio uso não está demonstrado, então também essa forma não tem realidade alguma. David Hume nega o uso dessa forma, isto é, do conceito de causa ou o juízo: se uma coisa B é dada, então tem de haver uma outra coisa A à qual ela se segue segundo uma regra, ao mostrar que esse juízo (em referência a objetos determinados) não é um juízo do entendimento <Verstandesurteil>, mas unicamente um efeito da associação da imaginação – e ele faz isso, como eu creio, com toda razão. Afinal, um juízo do entendimento não surge pouco a pouco, progressivamente, e por isso, é independente do hábito, assim como é o caso aqui. Os selvagens que não conhecem o uso do fogo certamente não julgarão: o fogo aquece a pedra (torna-a quente, é a causa), tão logo se dê a primeira percepção do fogo e do ulterior aquecimento da pedra, mas depois que eles perceberam muitas vezes essa sequência de fenômenos <Erscheinungen>, um depois do outro, e estes estejam ligados na sua imaginação na mesma ordem em que eles foram percebidos, de tal modo que aparecendo a eles um desses fenômenos, o outro também é representado na ordem frequentemente percebida. Trata-se aqui meramente de uma necessidade subjetiva segundo uma lei empírica, de modo algum, porém, de uma necessidade objetiva a priori. É verdade que o senhor Kant demonstrou que não podemos ter nenhum conceito de um objeto em geral (como aqui, por exemplo, o do surgimento <Entstehen> de um objeto), ali onde a faculdade de julgar <Urteilsvermögen> não determinou a forma lógica, por si indeterminada em relação a objetos, através de um juízo. Mas se eu afirmo, junto com D. Hume, que este não é um juízo do entendimento <Verstandesurteil>, então eu nego, ao mesmo tempo, o próprio fato <Faktum> dependente dele, na medida em que afirmo que se julgamos que surge uma coisa B, isso só acontece porque julgamos que ele se segue de A segundo uma regra (a saber, de que constantemente A tem de preceder e B se seguir); como, contudo, este não é um juízo do entendimento (chamamos de experiência efetiva a maneira habitual a nós da sucessão dessas coisas, as outras maneiras, porém, de um mero jogo da imaginação), então, tudo o que o senhor Kant provou, consiste meramente nisto: que essas duas coisas, A e B, se pressupõem reciprocamente, isto é, que para pensar um surgimento efetivo, tem-se de pensar a coisa surgida em referência a uma outra coisa em uma sucessão segundo uma regra, e também inversamente – mas isso ninguém colocará em disputa. A pergunta, todavia, não é sobre a relação lógica desses pensamentos entre si, mas sobre o seu uso real, e isto é justamente o que não pode ser concedido. E já que, desse modo, o conceito de causa não tem nenhuma realidade em referência a objetos determinados da experiência, também o conceito de causa em geral, como uma abstração do primeiro, não tem realidade alguma.
8Se alguém disser: admitindo que a uniformidade das percepções é o fundamento desses juízos de hábito <Gewohnheitsurteile>, o que é, contudo, o fundamento dessa própria uniformidade? Eu respondo o seguinte: essa pergunta não atinge essa teoria mais do que a teoria kantiana. O senhor Kant diz, é certo, que tem de haver uma regra a priori que determina as percepções referidas umas às outras, já que, senão, a imaginação não encontrará nenhuma matéria para a sua atividade. Por consequência, está determinada a priori a ordem das coisas em sua relação entre si. Eu, no entanto, preciso confessar que não consigo compreender a força desse argumento. Suponhamos que não houvesse uma ordem imutável entre as percepções, só que também nenhuma desordem imutável entre elas, a imaginação, então, sempre teria matéria suficiente para sua ação <Wirksamkeit>, na medida em que esta não pressupõe uma sucessão imutável de percepções determinadas, mas somente uma sucessão frequentemente repetida, de modo que o grau de sua ação é determinado pelo grau dessa repetição. Conforme essa concepção, portanto, o conceito de causa não é uma categoria, mas uma ideia, à qual sempre se pode aproximar pelo uso, mas nunca alcançar. Quanto mais frequente é a observação da sucessão de percepções determinadas, mais precisamente elas são ligadas entre si em nossa imaginação, de modo que a necessidade subjetiva dessa sucessão sempre se aproxima da objetiva, sem, contudo, poder atingi-la. E assim também se dá com todas as categorias restantes.
9Agora, depois que, portanto, mostrei as dificuldades da teoria kantiana, eu quero tomar um caminho um tanto diverso, pelo qual, creio, essas dificuldades podem ser, se não plenamente suprimidas, ao menos bastante reduzidas.
10A antinomia universal do pensar em geral contém sua solução em si mesma de modo evidente. Ela consiste em a razão exigir que se tenha de considerar o dado em um objeto não como algo inalterável segundo sua natureza, mas meramente como uma consequência da limitação da nossa faculdade de pensar. A razão nos ordena, por isso, um progresso ao infinito, através do qual o pensado é sempre ampliado e o dado, ao contrário, reduzido até o infinitamente pequeno. Aqui, não se trata da questão de quão longe nós podemos ir, mas somente: a partir de qual ponto de vista temos de considerar o objeto, para poder julgar sobre ele corretamente? Esse ponto de vista, no entanto, não é outro senão a ideia da mais perfeita faculdade de pensar, à qual temos de nos aproximar sempre ao infinito.
11A antinomia matemática, ao ter uma origem semelhante à anterior, é solucionada de uma maneira semelhante. Eu me explico sobre isso.
12Existem duas espécies de construção, a saber, uma construção-objeto e uma construção-esquema, isto é, ou o próprio objeto é exposto na imaginação pura a priori, correspondendo plenamente às suas condições (no entendimento), ou ele não pode ser exposto a priori correspondendo completamente às suas condições, mas apenas mediante uma construção empírica.
- 4 “Mas eu me admiro de que eles não distinguiram, de modo algum, diversos graus entre essas linhas ma (...)
13Quando exprimimos algebricamente a equação de um círculo e determinamos um número qualquer de pontos que correspondam a ela, temos a construção a priori de um círculo; através dela, porém, são construídos no círculo apenas alguns pontos, que são os loci geometrici dessa fórmula, não o próprio círculo como uma grandeza contínua, como uma única linha; se isso deve ocorrer, temos de ligar esses pontos através de linhas retas. Mas desse modo essa construção não corresponde completamente ao seu conceito, já que ela só está de acordo com ele em determinados pontos. Se, ao contrário, um círculo é descrito mediante o movimento de uma linha em torno de um de seus pontos finais, então a construção corresponderá completamente ao conceito. Creio ser esta também a razão de por que os antigos geômetras até Descartes chamaram as linhas curvas (exceto o círculo) de linhas mecânicas e apenas a linha reta e o círculo de linhas geométricas, e por que preferiram então não conceder às primeiras um lugar em sua geometria. O espanto de Descartes com isso não foi pequeno, sua opinião era de que eles não tinham nenhuma razão. Afinal, dizia ele, se eles devem ter chamado as linhas curvas de linhas mecânicas porque para descrevê-las é preciso fazer uso de algumas máquinas, então, pela mesma razão, eles também deveriam ter suprimido da sua geometria o círculo e a linha reta, já que estas igualmente têm de ser descritas através de régua e compasso. Ele acreditava, ao contrário, que tudo o que se deixa indicar de modo preciso, pode, com toda razão, ser chamado geométrico, sendo dessa espécie todas as linhas que se determinam reciprocamente por um movimento contínuo ou mesmo por muitos movimentos que se sucedem uns aos outros4.
14Mas, como parece, esse grande homem não percebeu que uma linha geométrica possui dois critérios: primeiro, ela precisa ser uma linha, isto é, uma grandeza contínua, senão ela não pertenceria à geometria; segundo, ela tem de ser de alguma maneira mensurável, isto é, uma linha geométrica. Se uma linha curva deve ser construída mediante sua equação, então isso só é possível ao se determinar de tal modo alguns pontos que as linhas traçadas a partir deles até o diâmetro estejam com as linhas do diâmetro cortadas por elas na proporção expressa na equação. Só esses pontos, portanto, não, porém, a própria linha curva, são aqui mensuráveis. Por consequência, os antigos têm razão, como eu creio, quando eles não quiseram chamar essas linhas de linhas geométricas, porque elas são, decerto, geométricas (nos pontos construídos), mas não são linhas; se elas devem sê-lo, então é preciso acrescentar à mera construção dos pontos ainda sua ligação através das linhas retas, mas isso, contudo, não é mais geométrico, porque os pontos, que se dão nessas linhas retas, não podem mais ser determinados pela equação. Aqui, portanto, a razão solicita de nós que sempre aumentemos, ao infinito, o número de pontos pensados, através do que essa construção sempre se aproxima do seu conceito, e é só por meio da sua completa realização que nós obtemos um objeto real a priori, o qual, do contrário, é impossível. Se, por exemplo, o conceito de um círculo é determinado pela sua equação, sua construção não pode ser completamente conforme a ele. Mas se o conceito é determinado como na geometria ordinária (uma linha, cujos pontos são equidistantes de um ponto dado), e se constrói o mesmo como de costume, pelo movimento de uma linha em torno de um de seus pontos finais, então essa construção é, certamente, completa, embora não seja a priori, porque o conceito de movimento é ele mesmo a posteriori. Portanto, não há nenhum outro meio de construir a priori completamente um conceito a não ser por um progressus in infinitum, como já mostrado.
15Chego agora à terceira divisão da pergunta capital, a saber: como a ciência da natureza a priori é possível? Sua explicação, segundo Kant, é esta: a ciência da natureza contém proposições sintéticas a priori (todo efeito tem de ter uma causa, etc); como é possível, portanto, que o entendimento deva a priori prescrever leis aos objetos a posteriori da natureza (como é possível que eles devam ser conformes às suas proposições a priori)? Como creio ter encontrado dificuldades na solução do senhor Kant para essa pergunta, vejo-me obrigado a ousar uma solução própria. Primeiramente, afirmo junto com o senhor Kant, que tempo e espaço são formas a priori da sensibilidade e que eles não contêm nada do que está nos próprios objetos sensíveis, mas meramente nosso modo de sermos afetados por eles. Em segundo lugar, afirmo que as formas lógicas do pensar, pressuposto que elas têm realidade, não podem ser usadas nas coisas em si, já que elas nos são totalmente desconhecidas, mas meramente em seus fenômenos em nós, e que, por isso, sua totalidade absoluta não pode ser de uso constitutivo, mas meramente de uso regulativo. Tudo isso, até agora, contra o dogmatismo metafísico. Contra o dogmatismo crítico, porém, eu afirmo junto com o meu amigo cético D. Hume, que essas formas lógicas do pensar (à medida que seu quase-uso nos objetos da natureza pode ser explicado a partir de fundamentos psicológicos tomados da experiência) não têm imediatamente nenhum uso mesmo nos objetos sensíveis da natureza, mas só podem obter sua realidade objetiva mediante uma indução completa (à qual sempre podemos nos aproximar, mas nunca atingi-la), através do que sua realidade subjetiva sempre se aproxima da objetiva, até elas se unificarem. Esse procedimento da doutrina da natureza é justamente o procedimento da matemática, sendo ele legítimo <rechtmäßig> de igual modo nos dois casos. Sobre isso, quero me explicar melhor.
16A matemática contém proposições puramente sintéticas a priori, isto é, regras do entendimento que são dadas com a construção dos próprios objetos, ou mais precisamente: a faculdade de conhecimento produz os objetos conforme essas regras. As regras, portanto, obtêm sua realidade somente através da presença dos próprios objetos. Antes da sua existência na mente, não se pode saber a quais regras eles têm de ser subsumidos segundo sua gênese. Aqui não se dá como com o princípio analítico “uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo tempo”, onde mesmo antes da construção de um objeto determinado (um triângulo e outros) já se pode afirmar algo dele com certeza, a saber, que ele não pode ser e não ser ao mesmo tempo. Portanto, as proposições sintéticas a priori não têm aqui nenhuma preferência diante das a posteriori, a diferença entre essas duas espécies consiste apenas em que nas primeiras o próprio objeto é produzido pela faculdade de conhecimento como matéria dessas proposições a priori, enquanto nas últimas ele é dado a posteriori por algo outro, mas os juízos mesmos são, enquanto formas ou maneiras de pensar esses objetos, em ambos os casos a posteriori. O entendimento prescreve à faculdade da imaginação produtiva uma regra de produzir um espaço encerrado em duas linhas; esta obedece e constrói o triângulo, mas vê que se impõem ao mesmo tempo três ângulos que o entendimento não tinha exigido. Ora, repentinamente ele se torna inteligente, ao aprender a compreender a ligação até então desconhecida a ele entre três lados e três ângulos, cujo fundamento, contudo, ainda lhe é desconhecido. Quer dizer, ele faz da necessidade uma virtude, ao assumir um ar de urgência, e diz: um triângulo tem de ter três ângulos, como se ele mesmo fosse aqui o legislador, quando, na verdade, ele tem de obedecer a um legislador totalmente desconhecido a ele. Por isso, a necessidade objetiva dessas proposições pode ser com todo direito posta em dúvida: talvez algum ser pensante ou mesmo eu, sob certas condições, podemos construir um triângulo com mais ou menos ângulos, já que isso não contém em si uma contradição. Essa necessidade é, portanto, meramente subjetiva, mas ela pode admitir diversos graus até o mais alto de todo os graus (como ideia), por meio do qual ela se torna necessidade objetiva, afinal a primazia da necessidade objetiva (cujo contrário contém uma contradição) consiste meramente em que se está convencido de que em nenhuma construção, sejam quais forem as circunstâncias sob as quais ela tenha sido realizada, pode ser de outro modo; se, por conseguinte, eu estou convencido por uma indução completa (na medida em que eu construí o triângulo sob todas circunstâncias possíveis e também outros seres pensantes assim o construíram e assim o encontraram, supondo que isso fosse possível), que o triângulo não pode ter, na construção, mais que três ângulos, então, isso seria muito bom, como se eu estivesse convencido pelo princípio de contradição, visto, porém, que essa indução nunca pode ser completa, a necessidade subjetiva, decerto, pode sempre se aproximar da objetiva, mas nunca pode atingi-la plenamente. Assim ocorre também com nossos juízos sobre objetos da natureza. Eu percebo, o fogo é quente (o fato de que com a representação da luz ou de qualquer outra propriedade do fogo surge em mim a sensação do calor): aqui, há meramente um juízo de percepção, como o senhor Kant se exprime, que não pode, conforme a mim, através de nenhuma operação imediata do entendimento, se tornar um juízo de experiência, tal como o senhor Kant quer tê-lo. Eu percebo exatamente isso mais uma vez e mais uma vez e assim por diante; através disso essas duas representações [fogo e calor] são ligadas em mim cada vez mais firmemente, até que, por fim, (mediante uma indução completa) essa ligação subjetiva atinge seu grau supremo e se torna igual a uma ligação objetiva.
17No tocante à última pergunta, isto é: como a metafísica é possível?, tem de ser determinado, antes de tudo, o que significa metafísica. Eu creio estar de acordo com o senhor Kant quanto à definição de metafísica. A saber, metafísica é a ciência das coisas em si. Eu me distingo do senhor Kant meramente pelo fato de que, para ele, as coisas em si são o substrato dos seus fenômenos em nós e totalmente heterogêneos a eles, de modo que a pergunta tem de permanecer insolúvel, já que não temos à mão nenhum meio de conhecer as coisas em si se abstraímos de nosso modo de ser afetados por elas. Para mim, ao contrário, o conhecimento das coisas em si não é nada mais que o conhecimento completo dos fenômenos. Logo, a metafísica não é uma ciência de algo exterior ao fenômeno, mas meramente dos limites (ideias) dos próprios fenômenos ou dos últimos membros das suas séries. Ora, estes são enquanto objetos do nosso conhecimento, decerto, impossíveis, mas eles estão tão precisamente ligados com os objetos que sem eles não é possível nenhum conhecimento completo dos próprios objetos. Nós sempre nos aproximamos do seu conhecimento segundo o grau da completude de nosso conhecimento dos fenômenos. Como eu creio, todavia, ter executado tudo isso de modo pormenorizado em meu Ensaio e aqui quis apenas determinar os pontos principais, conforme seu desejo, paro por aqui, tendo a honra de ser seu mais zeloso amigo.
18S. Maimon
Notas
1 Maimon se refere aqui ao que diz o Sr. R. no opúsculo: “Antes de tudo, o plano dessa obra [Ensaio sobre a filosofia transcendental, F.G.], não me parece estar determinado precisamente”, Berlinisches Journal für Aufklärung, IX/1, p. 49.
2 Trata-se aqui de satisfazer a talvez principal exigência feita pelo Sr. R. a Maimon: “Você sabe, caríssimo amigo, que com a recente revolução na filosofia, a partir da qual o mundo erudito está dividido em dois partidos principais, é preciso que cada um se declare formalmente por um dos partidos, caso não queria ser tratado por ambos partidos como inimigo, de modo que a primeira pergunta que tem de ocorrer a cada um quando da publicação de um novo produto da filosofia, é esta: o autor é kantiano ou anti-kantiano? Você se esforça, decerto, para indicar seu partido tanto na obra quanto nas observações, mas seria desejável que você pudesse fazer isso com mais precisão e em uma ordem mais determinada”, Berlinisches Journal für Aufklärung, IX/1, p. 49.
3 Retomando trecho do Ensaio sobre a filosofia transcendental, no qual Maimon diz que “considera o sistema kantiano por insuficiente”, o Sr. R. pergunta a Maimon: “em que sentido ele é insuficiente? Ele é insuficiente para colocar um fim em todo dogmatismo na metafísica? Ou ele basta para isso, mas é incapaz de impedir todo ceticismo posterior? E qual é o resultado da sua obra em relação à principal pergunta: é a metafísica possível?”, Berlinisches Journal für Aufklärung, IX/1, p. 50.
4 “Mas eu me admiro de que eles não distinguiram, de modo algum, diversos graus entre essas linhas mais compostas, e não saberia compreender por que eles as chamaram antes mecânicas do que geométricas. Pois ao dizer que isso teve sua razão na necessidade de se servir de alguma máquina para as descrever, seria preciso rejeitar, pela mesma razão, os círculos e as linhas retas, visto que as descrevemos sobre o papel somente com um compasso e uma régua, que também podemos chamar de máquinas. Mas me parece muito claro que tomando por geométrico, como fazemos, o que é preciso e exato, e por mecânico o que não o é, e considerando a geometria como uma ciência que ensina geralmente a conhecer as medidas de todos os corpos, não devamos antes excluir as linhas mais compostas do que as mais simples, já que podemos imaginar que elas são descritas por um movimento contínuo ou por muitos que se sucedem e cujos últimos são regrados por aqueles que os precedem, pois por esse meio podemos ter sempre um conhecimento exato da sua medida”. Descartes, Geometria, Liv. II. Sect.2 (em francês no original. O tradutor agradece ao professor Bento Prado Neto por ter indicado o erro tipográfico na citação do texto cartesiano tanto na primeira edição quanto na reprodução do texto na edição do Versuch de Maimon pela Felix Meiner: em ambas consta o texto: “Mais il est ce me semble trés clair que prenant como en fait...”, quando no original cartesiano consta corretamente o texto: “Mais il est ce me semble trés clair que prenant como on fait...”).
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Referencia electrónica
Salomon Maimon, «Resposta do Sr. Maimon ao escrito anterior (Berlinisches Journal für Aufklärung, 1790, Bd. IX/1, 52-80)», Revista de Estud(i)os sobre Fichte [En línea], 14 | 2017, Publicado el 01 junio 2017, consultado el 17 enero 2025. URL: http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/ref/750; DOI: https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/ref.750
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