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Retrato filosófico de Salomon Maimon: crítica a Kant e retomada da metafísica do infinito

Francisco Prata Gaspar

Resumen

The aim of this paper is to outline how Salomon Maimon (1753-1800), based on a resumption of elements of pre-Kantian philosophy, especially Espinosa and Leibniz, criticizes the Kantian solution to the problem of grounding the objective validity of our knowledge and, within this criticism, explains in an original way how the knowledge is justified. It is an original way because Maimon takes up the demand from the point of view of the infinite, but falls not into the illusions of the transcendental appearance denounced by the Kantian Critique, so that he is at the same time, so to speak, pre- and post-Kantian - something that is expressed by the given characterization by Maimon himself to his “system”: “empirical skepticism, dogmatic rationalism”. It is, therefore, a contribution to the understanding of Maimon's philosophy.

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Notas del autor

Este texto é parte ligeiramente modificada do primeiro capítulo de nosso trabalho de doutoramento, defendido em agosto de 2015 na Universidade de São Paulo e que em breve será publicado pela editora Loyola.

Texto completo

  • 1 FICHTE, J. Carta a Reinhold de 04.1795, GA III/2, p. 274-5.

“Em relação ao talento de Maimon meu respeito é sem limites; acredito firmemente e estou preparado para demonstrar que através dele toda a filosofia kantiana, tal como ela foi inteiramente entendida, mesmo por você, foi lançada por terra desde o fundamento. Ele fez tudo isso, sem que ninguém percebesse, e ainda desprezando-o do alto. Penso que os séculos futuros ainda farão troça de nós”1.

1É assim que Fichte, em carta a Reinhold de abril de 1795, descreve seu apreço por Maimon e sua crítica a Kant. Se hoje, entre nós, quando pensamos na filosofia clássica alemã, os nomes que imediatamente vêm à mente ainda são sobretudo aqueles de Fichte, Schelling e Hegel, para além, é claro, daquele de Kant, é porque ainda não foi dada a devida atenção a essa importante figura, que, tendo levado uma vida sofrida, tornou Kant vivo, mais que letra morta, abrindo perspectivas nada pequenas, entre elas, justamente, a daqueles tais sistemas monumentais. Se é verdade que já existe, há algum tempo, certo interesse por Maimon, de fato, ainda não chegaram os séculos vindouros que fariam troça daqueles que não atentaram para a contribuição original e sagaz do filósofo lituano, autodenominado cético empírico e dogmático racionalista. Ele recupera a exigência do ponto de vista do infinito para criticar a solução kantiana para o problema da fundamentação da validade objetiva de nossos conhecimentos, mas ao mesmo tempo não se deixar cair nas ilusões da aparência transcendental denunciada pela Crítica kantiana. O presente texto procura contribuir para a interpretação da filosofia de Maimon, recortando aqui sua crítica a Kant e sua fundamentação do conhecimento.

1.

  • 2 KANT, I Kritik der reinen Vernunft, Vorrede, A XII.
  • 3 Pensamos aqui, sobretudo, em Jacobi, Schulze-Enesidemo e Reinhold, já que todos estes têm em comum (...)
  • 4 Maimon 2004: 223. (Doravante: Versuch)
  • 5 KANT, I Kritik der reinen Vernunft. Vorrede, B XIII.
  • 6 MAIMON, S. Versuch, p. 38.
  • 7 Idem, p. 224.

2Tendo uma vasta erudição tanto a respeito das ciências da época como também da história da filosofia, sobretudo das filosofias de Aristóteles, Espinosa e Leibniz, Maimon já era admirado no círculo de amigos. É, contudo, com seu livro Ensaio sobre a filosofia transcendental (Versuch über die Transzendentalphilosophie), publicado no início de 1790, e sua audaciosa crítica à filosofia de Kant, que Maimon entra na cena filosófica da época. As objeções de Maimon a Kant se dirigem, particularmente, àquelas tais investigações “as mais importantes para a fundamentação do entendimento e para a determinação das regras e dos limites do seu uso”2, a saber, à Dedução Transcendental das Categorias. Maimon, todavia, fala de um outro ponto de vista e tem diante de si uma outra interpretação da Crítica da razão pura que aquela da maioria de seus contemporâneos, que em boa medida compartilham os mesmos pressupostos, ao admitirem um algo “fora da consciência” que causa a representação3. “O dado na representação para o senhor Kant – diz Maimon – não pode significar aquilo que tem uma causa sobre a faculdade de representação; pois não se deve pensar que, porque aqui falta o esquema do tempo, não se pode conhecer a coisa em si (noumenon), como causa fora da faculdade de representação: não se pode nem mesmo pensá-la de modo assertório”4. Assim, assumindo com rigor a tese kantiana – que poderíamos chamar de “genética” – de que a “razão só compreende aquilo que ela mesma produz segundo seu projeto”5, Maimon dirá que o entendimento só compreende ao indicar a regra ou condição do modo-de-surgimento (Entstehungsart) do objeto e que ele “só pode admitir com certeza no objeto aquilo que ele próprio introduziu nele (na medida em que ele produziu o objeto segundo uma regra prescrita por ele), não, porém, o que nele veio de outro lugar”6; daí que o “dado” que aparece à consciência não é interpretado por Maimon como um algo “fora da consciência”, “fora de nós”, mas “só pode ser aquilo na representação, cuja causa e modo-de-surgimento (Entstehungsart) (Essentia realis) em nós nos são desconhecidos, isto é, dos quais nós temos meramente uma consciência incompleta”7.

  • 8 Idem, p. 35.

3Mas, então, quais são essas críticas de Maimon a Kant? Ora, é justamente por assumir com rigor essa tese “genética” kantiana que Maimon criticará a solução do filósofo de Königsberg para a fundamentação do saber. Ele não consegue compreender como, sob a pressuposição kantiana da separação e heterogeneidade entre sensibilidade e entendimento e do fato de que os objetos nos são pura e simplesmente dados, é possível demonstrar e justificar o uso das categorias nas intuições sensíveis, isto é, sua validade objetiva, fundamentando, desse modo, o conhecimento sintético puro na matemática e no conhecimento da natureza. Se há um dado, cujo modo-de-surgimento ou gênese não pode mais de direito ser fornecido, como então fundamentar a “evidência” dessas proposições? Há algo aqui que não é feito pela razão. Por isso mesmo também, a própria solução de Kant para o problema da heterogeneidade de entendimento e sensibilidade e da aplicação das categorias ao múltiplo da intuição sensível, através da imaginação, como faculdade da síntese, é expressamente recusada por Maimon como insuficiente: mesmo que suponhamos que a imaginação faça a mediação entre sensibilidade e entendimento, ainda resta a pergunta pelo modo como é possível essa concordância entre objetos da intuição, de um lado, e conceitos puros, de outro: “se se quer, contudo, perguntar: o que determina a faculdade de julgar (Beurteilungsvermögen) a pensar a sucessão segundo uma regra concordando (übereinstimmend) com a própria regra do entendimento (de modo que se a precede e b sucede, mas não o inverso, a faculdade de julgar pensa entre eles a relação de causa e efeito)? – a resposta é: nós não compreendemos o fundamento dessa concordância”8.

  • 9 Sobre a relação entre universalidade e particularidade em Maimon, vale a pena ver Ehrlich 1986, e a (...)

4É que a heterogeneidade entre entendimento e sensibilidade, entre forma e matéria, é interpretada por Maimon como o hiato entre a universalidade a priori dos conceitos ou regras do entendimento e a particularidade dos objetos da sensibilidade, de modo que, por mais que Kant se esforce, permanece inexplicável para Maimon a subsunção do particular sob o universal e de como o entendimento poderia produzir uma matéria “totalmente heterogênea” a ela, restando a pergunta quid juris, portanto, irrespondida9. Como diz Maimon:

  • 10 Scherer 1989: 39-40.

“como é concebível que formas a priori devam concordar (Übereinstimmen) com coisas dadas a posteriori? (...) como é concebível o surgimento (Entstehung) da matéria como algo meramente dado, mas não pensado, pela admissão de uma inteligência, já que ambas são tão heterogêneas? Se o nosso entendimento pudesse produzir os objetos a partir de si mesmo segundo as regras ou condições prescritas por ele, sem que algo outro precisasse ser dado a ele de outro lugar, então essa pergunta não teria lugar. Como não é assim que ocorre, mas os objetos submetidos às regras e condições têm de ser dados a ele de outro lugar, então resulta por si a dificuldade. (...) Segundo o sistema kantiano, a saber, no qual sensibilidade e entendimento são duas fontes do nosso conhecimento totalmente diferentes, essa pergunta é insolúvel”10.

  • 11 Idem, p. 32. Cf. também idem, Streifereien im Gebiete der Philosophie, Werke IV, p. 16: “a filosofi (...)
  • 12 Idem, Versuch, p. 32.

5E isso tanto em relação às proposições sintéticas a priori da ciência pura da natureza quanto àquelas da matemática pura. No caso da fundamentação kantiana para os juízos sintéticos a priori da experiência, a situação é ainda pior, segundo Maimon, já que neles a heterogeneidade não se dá só entre duas fontes diferentes do conhecimento, mas mesmo entre o a priori e o a posteriori, havendo, por conseguinte, um verdadeiro abismo entre a forma e a matéria do conhecimento, o que impede qualquer produção da matéria pela forma e, por conseguinte, qualquer síntese entre tais elementos: “como a intuição a posteriori surgiu de algo fora de mim, mas não a priori de mim mesmo, então eu não posso mais prescrever a ela nenhuma regra de surgimento (Entstehungsregel)”11. No caso da matemática, a situação é melhor, mas nem por isso isenta de dificuldades. Como nela, decerto, conceito e intuição são ambos a priori, “então eu deixo surgir (entstehen) uma intuição a priori conforme uma regra a priori”12. Tal procedimento é denominado, junto com Kant, de construção dos conceitos: através da construção dos objetos matemáticos, tanto o particular quanto o universal são gerados de um só golpe, a um só tempo – há uma passagem de um para o outro, pela qual é garantida a realidade desses conceitos:

  • 13 Idem, Streifereien im Gebiete der Philosophie, Werke IV, p. 15. Nisto, aliás, Maimon apenas retoma (...)

“admitam uma proposição universal da metafísica ou da filosofia transcendental, por exemplo: tudo tem sua causa – vocês poderão determinar na multiplicidade infinita de causas e efeitos na natureza as causas particulares dos fenômenos (Erscheinungen)? Não! E o fundamento disso se encontra no fato de que a matemática, ao poder se elevar do particular ao universal ou descer do universal ao particular, sempre assegura-se por construção da realidade do seu procedimento e, por consequência, também do produzido através dele”13.

6Mas mesmo assim, a despeito da construção dos conceitos, o fato de que se careça das intuições para que os conceitos possam ser expostos, introduz no entendimento algo estranho a ele, algo dado, cuja gênese ou modo-de-surgimento não pode ser fornecido por ele. Assim, assegura Maimon, mesmo na proposição admitida como apodítica: “a linha reta é a mais curta entre dois pontos”, é possível compreender a possibilidade da concordância dessas duas regras (ser-reto e mais curto), mas é impossível compreender como se chega a essas duas regras e, com isso, ao fundamento interno de sua ligação. Em outras palavras, a construção dos conceitos matemáticos torna, decerto, intuitiva a relação dos termos de uma proposição, fazendo assim a passagem do particular para o universal e vice-versa, mas ela não explica a gênese interna da ligação deles, já que ela própria não os produz: sua evidência, por conseguinte, não é explicada e a legitimidade do uso desses conceitos – a pergunta quid juris – permanece ainda infundada em sua completude.

  • 14 Idem, p. 63.

7É nesse sentido que entra em cena a distinção traçada por Maimon entre fundamento de um conhecimento no “sentido estreito” e no “sentido largo”. No “sentido estreito”, ele é o fundamento interno do conhecimento, expresso por um juízo universal, do qual o conhecimento seria extraído analiticamente; tal fundamento é descrito por um Weil (porque): um triângulo é um triângulo, porque toda coisa concorda consigo mesma. No “sentido largo” – que perpassa todo conhecimento “humano” –, o fundamento de um conhecimento exprime somente o sujeito do juízo de conhecimento e é descrito por um Wenn (se), isto é, por condições: admitidas tais e tais coisas, tais outras decorrem delas; quer dizer, não é possível dizer por que uma linha reta é a mais curta entre dois pontos, mas se uma linha é reta, então ela é a mais curta entre dois pontos14. Este é o tipo de evidência, no esquema de Kant, encontrado na matemática e, por isso, não é possível dizer stricto sensu que está legitimado o uso do entendimento nesse domínio, como queria o filósofo de Königsberg.

  • 15 idem, p. 216. É possível dizer, nesse sentido, que Maimon esteja acusando o kantismo de psicologism (...)

8Assim, aquilo que Kant chamava de necessidade objetiva – e que se referia tanto aos conhecimentos da experiência quanto aos da matemática – será chamado por Maimon de necessidade subjetiva, isto é, uma necessidade referente ao nosso entendimento humano, que, pois, carece da intuição para expor seus conceitos – seja a priori, seja a posteriori – e empreender a síntese de seus elementos, não se tratando, por conseguinte, da consideração de objetos em geral, determinados tão somente pelo princípio de contradição, aos quais, então, caberia necessidade objetiva, válida para todo ser pensante. Eu considero, diz Maimon, “todas proposições sintéticas por verdades meramente subjetivas, isto é, um modo necessário a mim de pensar um objeto determinado. Elas não valem, por isso, para todo objeto em geral, nem para estes objetos determinados em relação a todo ser pensante em geral”15.

  • 16 Sobre o hábito e a associação de ideias como fundamento das proposições da experiência, ver Versuch(...)

9Tendo em mãos essa distinção, Maimon admitirá, de um lado, o factum da matemática, já que, se é verdade que sua evidência não é, para nós, absolutamente perscrutável, o fato dela ser um conhecimento a priori ainda permite que ela seja ao menos de direito fundada; mas ele duvidará, de outro lado, do factum, indubitável para Kant (segundo Maimon), de que possuímos proposições sintéticas a priori da experiência e que o princípio de causalidade contém uma necessidade objetiva. Donde, então, esse retorno de um ceticismo próximo ao de Hume, para o qual as proposições da experiência contém apenas uma necessidade subjetiva, já que se fundam no hábito16, que, por uma ilusão da imaginação, é tomado por uma necessidade objetiva, mas que, ao mesmo tempo, estende o índice da dúvida igualmente para as próprias proposições da matemática, porque, dado o nosso entendimento, nunca podemos alcançar uma evidência plena.

2.

  • 17 Ver idem, Versuch, p. 232. Sobre a presença conjunta das tradições do empirismo inglês e do raciona (...)
  • 18 MAIMON, S. Strefereien im Gebiete der Philosophie, Werke IV, p. 16.

10Esse ceticismo de Maimon, todavia, não só pressupõe um conceito de verdade, pelo qual ele julga nosso saber como ilusório, como ele próprio explicita esse conceito e propõe ele mesmo uma solução para o problema da validade objetiva de nossos juízos – o mesmo Maimon descreverá seu sistema como um “ceticismo empírico e um dogmatismo racionalista”17. “Ceticismo empírico”, porque, de fato, não é possível alcançar nenhuma evidência plena e absoluta, seja da experiência, seja da matemática; mas “dogmatismo racionalista”, porque essa dúvida sobre o conhecimento se baseia justamente no arcabouço conceitual oriundo do racionalismo clássico pré-kantiano, em especial da filosofia leibniziana, que, de direito, ainda permite justificar a objetividade do conhecimento matemático, como ainda veremos em detalhe. Assim, visto que Maimon só admite o factum da matemática, tal solução só será possível em relação às suas proposições, o domínio da experiência sendo aquele de “tropos, indução, analogia, probabilidade”18 – e mesmo assim, como veremos, ela apenas será passível de fundação na ideia, restando sempre aberta a possibilidade da dúvida.

  • 19 Idem, Versuch, p. 212.
  • 20 Embora esse princípio já esteja figurado na Crítica da razão pura, quando Kant trata do Ideal trans (...)
  • 21 MAIMON, S. Versuch, p. 51.
  • 22 É verdade, contudo, que essa identificação entre “determinável” e “universal”, de um lado, “determi (...)
  • 23 Estamos aqui diante de um tema central para todo idealismo alemão, na medida em que aqui Maimon est (...)

11Se as proposições da matemática, apesar da construção de seus conceitos, não são absolutamente evidentes, porque o entendimento não produz suas formas, mas depende da intuição para a exposição de seus objetos, então, essa gênese e produção dos conceitos pelo próprio entendimento já deve ser por si só o critério da verdade: essa produção fornece, destarte, o fundamento interno dos elementos de um juízo e explica sua ligação interna. Daí a “razão suficiente” (zureichender Grund) de uma coisa ser entendida, por Maimon, como “o conceito completo de seu modo-de-surgimento (Entstehungsart)”19. Isso significa que a síntese dos elementos de uma proposição já tem de mostrar em si mesma e nos seus elementos como e por que eles se ligam assim. Ora, se na lógica geral as formas do pensar são consideradas somente em relação a um objeto em geral; se na lógica transcendental, tal como estabelecida por Kant, elas são consideradas exatamente em relação a objetos determinados a priori; e se, enfim, é justamente os princípios dessa lógica transcendental que foram postos em dúvida por Maimon, será preciso estabelecer um novo princípio para a síntese que satisfaça essa exigência de ligação interna de seus elementos, substituindo assim os princípios do entendimento puro tal como estabelecidos por Kant na Analítica dos Princípios da Crítica da razão pura. Esse princípio se chamará: princípio da determinabilidade (Grundsatz der Bestimmbarkeit)20, e designará a “possibilidade objetiva de uma síntese em geral”21. “Possibilidade objetiva” porque a necessidade resultante desse princípio não será mais subjetiva, referente a um certo entendimento, mas fundada “nas próprias coisas e nas suas relações entre si”; por isso, ele será o princípio de todo “pensar real” (reelles Denken), para além de todo pensar meramente formal (regido pelo princípio de contradição) e de todo pensar arbitrário (que, no fundo, não é nenhum pensar). O princípio da determinabilidade estabelece uma relação unilateral entre as partes da síntese, em que se há uma síntese objetiva, então uma parte dela tem de poder ser pensada em si e como existindo em uma outra síntese, enquanto a outra parte não pode ser pensada em si, mas somente na ligação com a primeira parte da síntese. A parte que pode ser pensada em si e fora da presente síntese será, pois, o “determinável” da síntese, isto é, o sujeito – ou substância no sentido transcendental –, o conceito mais universal que conterá sob si o particular; já a parte que não pode ser pensada sem referência à primeira será o “determinado” da síntese, isto é, seu predicado – ou acidente no sentido transcendental –, o particular contido sob o determinável universal22. Assim, um triângulo pode ser pensado tanto em si, independentemente de qualquer determinação, quanto com alguma determinação como “retângulo” ou “isósceles”; ao contrário, as determinações “retângulo” (como atributo) ou “isósceles” não podem ser pensadas em si, mas somente nessa ligação. A síntese “triângulo retângulo”, portanto, é uma síntese objetiva, a determinação “retângulo” está objetivamente contida sob o determinável “triângulo”, trata-se de uma síntese interna a esses próprios elementos, nos quais o “retângulo” é uma determinação particular do conceito mais universal “triângulo” e “triângulo retângulo” é um pensamento real. Ao contrário, quando se afirma: “a virtude é negra”, não se empreende nenhuma síntese objetiva, já que não há nenhuma relação interna de determinabilidade entre o sujeito “virtude” e o predicado “negra”, tanto “virtude” quanto “negra” podem ser pensados em si e independentemente dessa síntese, “negra” não está contida sob a “virtude”, tampouco é uma determinação desse determinável, e a síntese “virtude negra” é uma síntese arbitrária, seu pensamento é um não-pensamento, já que absolutamente vazio. Nessa medida, aliás, o princípio da determinabilidade envolve uma certa releitura do próprio princípio de contradição, porque, afinal, algo só pode ser contraditório se seus elementos estão em uma relação de determinabilidade. “Círculo quadrado” é uma contradição, porque tanto “círculo” quanto “quadrado” são determinações do conceito universal de figura; ao contrário, “virtude negra” não é uma contradição, porque seus termos não possuem nenhuma relação de determinabilidade e, por conseguinte, nem mesmo de contrariedade entre si23.

  • 24 Sobre isso, ver Lämmermeyr 1910.
  • 25 O próprio Kant identificara, na Crítica da razão pura, a matéria com o determinável e a forma com s (...)
  • 26 MAIMON, S. Versuch, p. 46.
  • 27 Idem, p. 49.
  • 28 Idem, p. 78-9.
  • 29 Idem, Versuch, p. 78. Na página 79, Maimon escreve: “embora tempo e espaço sejam formas da nossa se (...)

12Ora, esse princípio da determinabilidade como princípio de toda síntese objetiva traz consigo, entretanto, alguns pressupostos. – E é aqui, a partir da admissão desses pressupostos, que vemos Maimon recuperar a metafísica (pré-kantiana) do infinito para fundamentar o conhecimento, com o que, mais uma vez, ele antecipa os temas e as exigências da filosofia clássica alemã. Quais são esses pressupostos? Em primeiro lugar, Maimon tem de admitir que a matéria dos objetos (sua determinabilidade) tem de preceder sua forma (sua determinação) e como que conter todas suas determinações possíveis, sendo, desse modo, o fundamento interno dessas formas. Trata-se, pois, daquela reabilitação crítica de Leibniz para a solução kantiana da quid juris24. Como já se vê, Maimon retoma os “conceitos da reflexão” matéria e forma tal como pensados por este último, invertendo aquela relação proposta por Kant, na qual, como os objetos só nos seriam dados pela intuição sensível, a forma precederia a matéria25. Maimon denominará essa “completude material”26 dos conceitos (ou sua “totalidade material”) de “ideias do entendimento”: estas fornecem “a matéria para a explicação do modo-de-surgimento (Entstehungsart) dos objetos”27. Assim, o princípio da determinabilidade pressupõe a determinação completa dos objetos, já que a síntese está fundada objetivamente nessa materialidade. É, porém, porque nosso entendimento é sensivelmente determinado, que ele só pode representar esses objetos na intuição sensível, que, enquanto sensível, traz consigo um elemento estranho e, se quiser, transcendente28 ao entendimento, não permitindo que tais conceitos sejam expostos em sua completude, quer dizer, em sua gênese, mas progressivamente, envolvendo em si sempre algo não-genetizado que, por isso mesmo, aparece como dado – de modo que, como já dito, o “dado” não é um “fato”, mas uma inconsciência da gênese própria à nossa razão finita. Daí que a construção de uma linha reta através do seu traçar exponha sensivelmente que ela é a mais curta, mas não por que ela é a mais curta, já que a intuição não pode fornecer o conceito de linha reta em sua completude – e o Dass (o: que) é sempre índice de faticidade, enquanto o Weil (o porquê) aponta para sua gênese. Daí também que essa “completude material” seja uma ideia que, embora inalcançável por nós, permanece o horizonte normativo ao qual o entendimento humano tem sempre de se aproximar. Assim, nem exatamente como Kant, mas nem exatamente como Leibniz, Maimon pensará tempo e espaço como a representação sensível de identidade e diferença (novamente conceitos da reflexão) dos objetos tais como pensados pelo entendimento, mas que por isso não podem aparecer como diferença conceitual de sua determinação completa, mas como um-fora-do-outro (Außereinandersein): “o um-fora-do-outro no tempo e no espaço tem seu fundamento na diferença das coisas, isto é, a imaginação é uma imitadora do entendimento, ela representa as coisas a e b uma fora da outra no tempo e no espaço, porque o entendimento as pensa como diferentes”29.

  • 30 Idem, p. 224. É por isso que boa parte dos intérpretes não só definirá a filosofia de Maimon, para (...)

13Isso implica também, por conseguinte, a admissão de que sensibilidade e entendimento fluem de uma fonte única e que, portanto, não há uma heterogeneidade entre eles, mas sua diferença incide somente no grau de clareza da consciência – novamente aqui, retomada do leibnizianismo. Embora espaço e tempo representem as coisas de um modo não distinto, eles representam as coisas tais como pensadas pelo entendimento e por isso é possível submeter suas representações com todo direito às regras do entendimento: não há mais aquele hiato presente na teoria kantiana entre sensibilidade e entendimento. – Na verdade, as representações da sensibilidade só são possíveis através das ideias do entendimento, já que estas contêm seu fundamento real, enquanto as representações sensíveis, por sua vez, são, para nós, o fundamento ideal dessas ideias: através destas se conhece aquelas; e seu menor grau de clareza, devido à sua exposição sensível, se exprime justamente pelo fato delas aparecerem à consciência como dadas, cujo índice, então, é essa “incompletude da consciência” – como já dito: “o dado não pode ser nada mais que aquilo na representação, cuja causa e modo-de-surgimento em nós (Entstehungsart) (Essentia realis) nos são desconhecidos, isto é, dos quais nós temos meramente uma consciência incompleta”30. Sob o aspecto estritamente lógico, isso significa que todas as ligações entre sujeito e predicado, determinável e determinação, que para nós aparecem como sintéticas, são, na verdade e no fundamento, analíticas, de modo que da essência interna da linha, por exemplo, resultaria analiticamente ela ser a mais curta entre dois pontos, podendo-se, desta sorte, dar o fundamento interno, o modo-de-surgimento – a gênese, vale dizer –, da concordância do sujeito com seu predicado, do determinável com sua determinação – afinal, nos juízos analíticos a pergunta quid juris está descartada, já que a própria proposição apresenta a evidência da ligação de sujeito e predicado e possui, assim, uma realidade objetiva imanente.

  • 31 Idem, p. 40 – grifo nosso. É como se Maimon refizesse toda a Dedução transcendental das categorias (...)
  • 32 idem, p. 138: “um entendimento infinito tem de pensar tudo ou como efetivo ou não pensar em geral, (...)
  • 33 Daqui então surge uma nova definição de coisa em si e aparecer (Erscheinung): coisa em si seriam as (...)
  • 34 Sob esse aspecto, Maimon reinterpreta a “análise infinita” de Leibniz como uma exigência da gênese (...)
  • 35 idem, Versuch, p. 237. ”A diferença entre ambas (para além da infinitude) consiste em que a última (...)

14Finalmente, como fundamento último que garanta o funcionamento do princípio de determinabilidade, explique essa fonte única de sensibilidade e entendimento e, portanto, funde esse direito de aplicação das regras, é preciso admitir, “ao menos como ideia, um entendimento infinito, no qual as formas são ao mesmo tempo os próprios objetos do pensamento, ou que produz a partir de si todos modos de referências e relações das coisas (as ideias)”31. Ou seja, um entendimento, para o qual todas as proposições fossem analíticas, no qual não houvesse hiato entre representação e coisa, entre o possível e o efetivo32, mas que, ao produzir as próprias coisas, as representasse completamente (vollständig), isto é, as coisas na completude material de sua determinação, que doravante merecerá o nome de coisas em si. Nosso entendimento é esse mesmo entendimento infinito, mas de um modo limitado, já que, sensivelmente determinado, não compreende os conceitos completamente em sua gênese, mas somente em seu Aparecer (Erscheinung) por meio da sensibilidade33; mesmo limitado, porém, permanece como meta para esse entendimento aproximar-se infinitamente dessa completude: a exigência da gênese inscrita nessa ideia permanece sempre o horizonte de todo esforço cognitivo da razão34, de modo que todas as proposições que, em princípio, parecem ser sintéticas, devem ser de tal modo explicitadas que possam se tornar analíticas. Trata-se, afinal de uma ideia que, como conceito heurístico, é o focus imaginarium de toda atividade da razão, sobre a qual, diferentemente do que em Kant, se funda toda a realidade objetiva do conhecimento humano. É nesse sentido que Maimon dirá que nossa razão e seu modo de atuação só são possíveis sob a pressuposição de uma razão infinita35 – e, se quisermos, da recuperação da metafísica do infinito –, pois, a rigor, é só diante desse horizonte que seria possível salvar, para nós, a evidência da matemática e fundamentar o conhecimento humano – do contrário, seria necessário recair no psicologismo, não sendo possível falar em validade objetiva do saber, mas somente em validade subjetiva. Como, entretanto, esse entendimento infinito é somente uma ideia, a evidência do entendimento humano não atinge e não consegue atingir, em definitivo, uma certeza apodítica (o Weil), sempre se movendo no âmbito do hipotético (do Wenn), afinal essa certeza permanece, para nós, inevitavelmente ainda sintética e exposta no sensível. Daí essa confluência de ceticismo empírico e dogmatismo racionalista: só é possível falar em verdade, se falamos em verdade absolutamente objetiva, aquela de um entendimento infinito, válida não apenas para nós, mas para todo ser pensante em geral (eis o dogmatismo racionalista); como, entretanto, tal entendimento é apenas uma ideia e nosso entendimento é sensivelmente determinado, nossa verdade nunca alcança, de fato, a gênese e a sua evidência completa, restando esta como meta a ser cumprida – eis, pois, o ceticismo empírico.

  • 36 Como diz Fichte em carta a Reinhard do início de 1794: “enquanto ainda se admitir o pensamento de u (...)
  • 37 Fichte1984: 120. Nas Preleções sobre lógica e metafísica, Fichte retoma a ideia de “única verdade p (...)
  • 38 Schelling, 2003: I/10, 121. Que Schelling tenha tomado conhecimento da filosofia de Maimon é atesta (...)
  • 39 Hegel 1996: 44. Sobre as relações entre Maimon e Hegel, vale a pena ver Guéroult 1929, seu terceiro (...)

15Ora, diante dessas críticas maimonianas, que parecem pôr sob suspeita, em definitivo, a filosofia transcendental e toda pretensão de fundar o saber a partir do finito, surgirão duas possíveis atitudes, que traçarão o destino da filosofia alemã imediatamente posterior. Uma é a de Fichte. Retomando a filosofia kantiana, ele recusará todo recurso a um entendimento infinito, afirmando que tal ideia é impensável para todo entendimento finito e que só por uma ilusão ela se passa por algo concebível. A ocasião para a sobrevida de tal suposto pensamento mesmo depois da crítica kantiana, segundo Fichte, é o fato do próprio Kant ainda ter admitido como pensável – como algo “não-contraditório” – a coisa em si, que, afinal, não deixa de ser ali, na Crítica, uma coisa tal como produzida por um entendimento intuinte, logo, infinito36. É preciso, assegura Fichte, aniquilar toda a pensabilidade de uma coisa em si e, por consequência, de uma verdade outra que aquela de toda racionalidade finita: só há a verdade do finito, ela é a única possível a ele e todo o resto é contraditório, sem sentido (Unsinn). Explicitamente contra Maimon, Fichte escreve na Fundação de toda a doutrina da ciência: “a imaginação dá a verdade e a única verdade possível”37. A outra atitude é aquela de Schelling e Hegel. Acolhendo os argumentos de Maimon, ambos vão criticar o ponto de vista “finito” e “subjetivo” da filosofia crítica kantiana. Schelling afirma: “o ponto de vista da filosofia é o ponto de vista da razão, seu conhecimento é um conhecimento das coisas como elas são em si, isto é, como elas são na razão”, para logo depois arrematar: “não há filosofia a não ser do ponto de vista do Absoluto”38. Nesse mesmo sentido, Hegel distingue, na Ciência da Lógica, entre a exposição do pensamento do infinito – Deus – e aquilo que seria uma criação sua: o espírito finito, dizendo: “a lógica deve ser apreendida como o sistema da razão pura, como o reino do pensamento puro. Esse reino é a verdade como ela é em si e para si mesma, sem roupagens. É possível exprimir isso, portanto, afirmando que esse conteúdo é a exposição de Deus tal como ele é em sua essência eterna antes da criação da natureza e de um espírito finito”39.

16Seja a atitude de Fichte, seja a atitude de Schelling e Hegel, uma coisa, portanto, é certa: é preciso dar razão a Fichte quando dizia que através de Maimon toda a filosofia kantiana, tal como ela foi inteiramente entendida, foi lançada por terra desde o fundamento. Foi esse desmoronamento que abriu as portas para a filosofia clássica alemã. Mais que isso: esse desmoronamento mostra ser uma posição original, que deve, portanto, ser investigada e compreendida – caso não queiramos que os séculos futuros façam troça de nós.

Bibliografia

17BREAZEALE, D, (2003), Thinking through the Wissenschaftslehre. Oxford: Oxford University Press.

18EHRLICH, A., (1986) Das Problem des Besonderen in der theoretischen Philosophie Salomon Maimons. Köln: Köln Verlag.

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21FICHTE, J. G., (1984) A doutrina da ciência de 1794 e outros escritos. São Paulo: Abril, 1984, trad. Rubens Rodrigues Torres Filho.

22GUÉROULT, M. (1929) La philosophie transcendental de Salomon Maimon. Paris: Felix Alcan, 1929.

23HEGEL, G., (1996) Wissenschaft der Logik. Frankfurt a.M.: Suhrkamp.

24JACOBI, F. H. (2004), Werke. Stuttgart / Hamburg: Felix Meiner, Holz-boog, org. Klau Hammacher e Walter Jaschke.

25KANT, I., (1902) Kants Gesammelte Schriften: herausgegeben von der Deutschen Akademie der Wissenschaften, Berlin: de Gruyter, 29 vols (a Crítica da razão pura é citada segundo a paginação original de sua primeira e segunda edições: A e B).

26KLOTZ, C., (1997) “Der Ichbegriff in Fichtes Eörterung der Substantialität”, Fichte Studien 10, pp.157-173.

27KRONER, R., (1977) Von Kant bis Hegel, Tübingen: Mohr.

28KUNTZE, F., (1912) Die Philosophie Salomon Maimons. Heidelberg: C. Winter.

29LÄMMERMEYR, A., (1910) Neue Kritik der Erkenntnistheorie Salomon Maimons – an der Hand der Mathematik und im Vergleich mit Leibniz und Kant. Erlangen: Dissertation.

30LEBRUN, G., (1994) Kant e o fim da Metafísica, trad. Carlos Alberto Ribeiro de Moura. São Paulo: Martins Fontes,.

31MAIMON, S., (2000) Gesammelte Werke: herausgegeben von Valerio Verra, Hildesheim: Olms, (citada como: Werke, a paginação segue a da primeira edição de cada texto).

32MAIMON, S., (2004) Versuch über die Transzendentalphilosophie, Hamburg: Felix Meiner.

33REINHOLD, K. L., (2003) Beiträge zur Berichtigung bisheriger Mißvertsändnisse der Philosophen, Hamburg: Felix Meiner.

34SCHELLING, F., (2003) Historisch-kritische Ausgabe. Stuttgart: Frommann-Holzboog, 2000, org. Wilhelm Jacobs.

35SCHERER, J.-B., (1989) “Aprésentation”. In: Essai sur la philosophie transcendentale. Paris: Vrin.

36SCHULZE, G. E., (1996) Aenesidemus oder über die Fundamete der von dem Herren Reinhold in Jena gelieferten Elementar-Philosophie. Hamburg: Felix Meiner.

37TERRA, R., (2003) Passagens – Estudos sobre a filosofia de Kant. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ.

38THOMAS-FOGIEL, I., (2000) Critique de la Représentation – Étude sur Fichte. Paris: Vrin.

39WEGENER, R., (1909) Die Transsendentalphilosophie Salomon Maimons. Dissertation, Rostock.

40ZUBERSKY, A., (1925) Salomon Maimon und der kritische Idealismus. Leipzig: Meiner.

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Notas

1 FICHTE, J. Carta a Reinhold de 04.1795, GA III/2, p. 274-5.

2 KANT, I Kritik der reinen Vernunft, Vorrede, A XII.

3 Pensamos aqui, sobretudo, em Jacobi, Schulze-Enesidemo e Reinhold, já que todos estes têm em comum a interpretação de que a Crítica admite um algo exterior à consciência, que eles remetiam a uma coisa em si. É conhecida a crítica de Jacobi em seu “Apêndice sobre o idealismo transcendental”, onde ele diz que sem a coisa em si não consegue entrar no sistema, mas com ela não é possível permanecer nele (Jacobi, 2004: 103-112). Reinhold, por sua vez, pressupõe um “ser-afetado” de fora para tornar compreensível a matéria dada à sensibilidade (ver Reinhold 2003: 198); Enesidemo, por fim, diz só compreender a Crítica da razão pura a partir dessa admissão da coisa em si, ao mesmo tempo declarando-a contraditória com o teor geral do livro, que, pois, nega o uso da categoria de causalidade para além do domínio dos fenômenos (ver Schulze 1996: 184). Como veremos, Maimon procura negar todo elemento exterior à consciência, fundando tudo em sua imanência.

4 Maimon 2004: 223. (Doravante: Versuch)

5 KANT, I Kritik der reinen Vernunft. Vorrede, B XIII.

6 MAIMON, S. Versuch, p. 38.

7 Idem, p. 224.

8 Idem, p. 35.

9 Sobre a relação entre universalidade e particularidade em Maimon, vale a pena ver Ehrlich 1986, e a Apresentação de Scherer 1989: 20.

10 Scherer 1989: 39-40.

11 Idem, p. 32. Cf. também idem, Streifereien im Gebiete der Philosophie, Werke IV, p. 16: “a filosofia ainda não pôde construir nenhuma ponte pela qual se tornasse possível a passagem do transcendental para o particular”.

12 Idem, Versuch, p. 32.

13 Idem, Streifereien im Gebiete der Philosophie, Werke IV, p. 15. Nisto, aliás, Maimon apenas retoma as próprias palavras de Kant: “o conhecimento matemático considera o universal no particular, mesmo no singular, mas a priori e mediante a razão, de modo que, assim como esse singular está determinado sob as condições universais da construção, assim também o objeto do conceito, ao qual esse singular corresponde só como seu esquema, tem de ser pensado universal e determinadamente” (KANT, I. Kritik der reinen Vernunft, A714/B742).

14 Idem, p. 63.

15 idem, p. 216. É possível dizer, nesse sentido, que Maimon esteja acusando o kantismo de psicologismo, isto é, de fundar a verdade tão somente para nós, homens, mas não objetivamente, isto é, para qualquer entendimento, seja ele humano ou não. Como veremos, a saída do psicologismo exigirá a admissão de um entendimento infinito, que, por ser infinito, seria absolutamente objetivo, conhecendo as coisas em si mesmas.

16 Sobre o hábito e a associação de ideias como fundamento das proposições da experiência, ver Versuch, p. 44-5 e Streifereien im Gebiete der Philosophie, Werke IV, p. 50-3.

17 Ver idem, Versuch, p. 232. Sobre a presença conjunta das tradições do empirismo inglês e do racionalismo continental, ver Kroner 1977: 327, mas, particularmente, Kuntze 1912.

18 MAIMON, S. Strefereien im Gebiete der Philosophie, Werke IV, p. 16.

19 Idem, Versuch, p. 212.

20 Embora esse princípio já esteja figurado na Crítica da razão pura, quando Kant trata do Ideal transcendental (KANT, I. Kritik der reinen Vernunft, A571/B599), cumprindo ali uma função muito próxima da que ele cumprirá em Maimon, enquanto ideia de um entendimento infinito, no Versuch de 1789, Maimon ainda não nomeia esse princípio com essa nomenclatura, apesar dele já estar ali em sua plena eficácia. Será somente no Ensaio de uma nova lógica, de 1794, que o termo “princípio da determinabilidade” fará sua aparição – ver Maimon, S. Versuch einer neuen Logik, Werke V, p. 78-90. Sobre os antecedentes desse princípio, em Leibniz, Wolff e Kant, ver Klotz 1997: 157-173. Sobre a decisiva influência desse princípio na doutrina da ciência de Fichte, vale a pena ver Breazale 2013: 42-69.

21 MAIMON, S. Versuch, p. 51.

22 É verdade, contudo, que essa identificação entre “determinável” e “universal”, de um lado, “determinação” e “particular”, de outro, não é direta e pode haver casos, adverte Maimon, em que não é tão clara essa divisão, por exemplo, “triângulo equilátero”, onde “equilátero” pode tanto ser uma determinação de “triângulo”, quanto “triângulo” ser uma determinação de “equilátero”, já que este vale também para outras figuras. Ver idem, Versuch, p. 135.

23 Estamos aqui diante de um tema central para todo idealismo alemão, na medida em que aqui Maimon está reabsorvendo o próprio princípio de contradição no princípio da determinabilidade e, por conseguinte, a lógica geral e todo pensar formal na lógica transcendental e no pensar real. No Ensaio de uma nova lógica, depois de ter estabelecido o princípio da determinabilidade, Maimon escreve: “estabelecemos aqui um princípio que tem de ser pressuposto ao princípio de contradição. Pois será concedido que o conhecimento do universal tem de preceder o conhecimento do particular. Antes que se determine segundo o princípio de contradição quais dos dois predicados dados opostos entre si pode ser atribuído ao sujeito dado, se tem de determinar, primeiramente, segundo o princípio da determinabilidade se esses dois predicados opostos entre si são em geral predicados possíveis desse sujeito”, idem, Versuch einer neuen Logik, Werke V, p. 310. Por outro lado, parece ser inegável que Maimon antecipe igualmente temas da Crítica da faculdade de julgar, ou ao menos lide com eles independente de Kant e antes dele. Afinal, trata-se aqui do problema da passagem do universal para o particular, e vice-versa, e de como a aplicação da lógica à natureza ou aos objetos em geral pressupõe uma representação transcendental da própria natureza, em gêneros e espécies – que não deixam de ser correlatos do universal e do particular. E como veremos a seguir, o próprio Maimon chamará esses princípios que determinam a identidade e a diferença específica de “conceitos da reflexão”, já antecipando o conceito kantiano de “juízo reflexionante”. – Nessa medida, aliás, não seria despropositado um estudo sobre a influência do Versuch de Maimon sobre a gênese da Crítica da faculdade de julgar, já que tendo-o recebido do amigo comum, Marcus Herz, no início de maio de 1789, e lido, Kant escreve a Maimon (via Herz) que “não somente nenhum dos meus adversários havia entendido a mim e à pergunta-capital, mas apenas poucos podem possuir tanta sagacidade (Schafsinn) para tais profundas investigações como o senhor Maimon” (Kant, Carta a Marcus Herz, 26.05.1789, AA, XI, p. 499). Talvez poder-se-ia entender desse modo a passagem ainda não completamente compreendida feita por Kant do mero juízo de gosto para uma nova categoria de juízo: o juízo reflexionante. (Sobre a gênese da terceira Crítica remetemos ao decisivo artigo de Terra 2003: 27-50). Que Maimon antecipe Kant neste ponto, é algo compartilhado pela maioria dos intérpretes. A mais entusiasta dessa antecipação é Thomas-Fogiel 2000. Sobre a relação entre lógica e faculdade de julgar reflexionante, remetemos o leitor ao capítulo X de Lebrun 1994: 360-400.

24 Sobre isso, ver Lämmermeyr 1910.

25 O próprio Kant identificara, na Crítica da razão pura, a matéria com o determinável e a forma com sua determinação, mas, adverte, sob o ponto de vista do entendimento somente, que é aquele de Leibniz e de todo dogmatismo, para o qual justamente a matéria (as mônadas) tem de preceder a forma (sua relação comum) e “assim teria de ser, se o entendimento puro pudesse ser referido imediatamente a objetos”; como só há acesso aos objetos pela intuição sensível e como esta só fornece fenômenos (Erscheinungen), então, para o filósofo crítico, a forma tem de preceder a matéria (KANT, I. Kritik der reinen Vernunft, A266-8/B322-4). A pergunta a ser feita aqui seria: essa afirmação da matéria antes da forma não seria incorrer no dogmatismo pré-crítico, contrariando até mesmo as premissas básicas do idealismo transcendental? Na medida em que toda essa construção é feita na ideia, como um arcabouço imanente à própria consciência para justificar o conhecimento, não se trata, ao nosso ver, de uma recaída no dogmatismo pré-crítico. Ao contrário, tal solução original de Maimon fundamenta o conhecimento no infinito sem ficar presa, contudo, nas armadilhas da Aparência transcendental. Haveria então de se perguntar se não seriam os sistemas de Schelling e Hegel que, ao retomar o ponto de vista do infinito, não teriam sucumbido às seduções da Aparência e, portanto, recaído no dogmatismo.

26 MAIMON, S. Versuch, p. 46.

27 Idem, p. 49.

28 Idem, p. 78-9.

29 Idem, Versuch, p. 78. Na página 79, Maimon escreve: “embora tempo e espaço sejam formas da nossa sensibilidade, eles pressupõem formas do entendimento e estas, novamente, algo objetivo (matéria)”. Para além de uma suposta estranheza que essa doutrina de tempo e espaço pode provocar e que advém principalmente da breve e parcial apresentação que temos de fazer aqui, há de se notar, todavia, que tal modo de dedução genética das formas sensíveis, espaço e tempo, que faz a própria temporalidade se instaurar no pensamento exercerá uma influência não pequena não só em Fichte, particularmente, como no idealismo alemão em geral. Nessa retomada de temas e do método genético em geral (Espinosa e Leibniz) da filosofia pré-crítica a partir da própria Crítica kantiana, Maimon faz a ponte que liga Kant ao idealismo alemão. Sobre isso, ver sobretudo Kroner 1977: 330.

30 Idem, p. 224. É por isso que boa parte dos intérpretes não só definirá a filosofia de Maimon, para além de seu ceticismo (empírico) e de seu dogmatismo (racionalista), como “idealista” – tal é o caso, por exemplo, de Engstler 1990 – como, ademais, chamará esse idealismo de transcendental, tal como estabelecido pela filosofia de Kant – eis a posição de Zubersky 1925, Wegener 1909, e mesmo Guéroult 1929. É também esta a nossa posição. Pois mesmo as formulações especulativas de Maimon de um entendimento infinito, fonte comum de sensibilidade e entendimento, etc., são feitas como uma ideia em vista de uma fundamentação do conhecimento imanente à consciência.

31 Idem, p. 40 – grifo nosso. É como se Maimon refizesse toda a Dedução transcendental das categorias a partir do Ideal transcendental e do Apêndice à Dialética transcendental da Crítica da razão pura, de modo que o fundamento último da validade objetiva do conhecimento se encontrasse na Ideia de uma razão suprema, tal como Kant a define nesses textos, que exige o incondicionado (a completude, aqui) e permite a classificação dos objetos em gêneros e espécies. Por isso também, Maimon dirá que a razão finita é constituída por um conflito antinômico entre a infinitude exigida e a incapacidade de fato de satisfação dessa exigência, dada a finitude de nosso entendimento.

32 idem, p. 138: “um entendimento infinito tem de pensar tudo ou como efetivo ou não pensar em geral, pois, como este tem de pensar todo possível de uma única vez, então ele tem de pensar, por exemplo, um triângulo ou meramente como omni modo determinatum (...), isto é, efetivo, mas nunca como meramente possível (triângulo em geral), ou ambos ao mesmo tempo, isto é, o que é uma contradição. E como o último é impossível, então só o primeiro resta verdadeiro, do que se segue que todo possível, em relação a um entendimento infinito, tem de ser ao mesmo tempo efetivo”.

33 Daqui então surge uma nova definição de coisa em si e aparecer (Erscheinung): coisa em si seriam as coisas na completude material de sua determinação, sua essentia realis, enquanto os Erscheinungen seriam essas mesmas coisas só que expostas sensivelmente por meio das intuições sensíveis.

34 Sob esse aspecto, Maimon reinterpreta a “análise infinita” de Leibniz como uma exigência da gênese e, nesse sentido, como uma tarefa da razão, expressa em uma ideia: “como toda síntese admitida, possa ela ser tão necessária e universal em relação a nós quanto, por exemplo, os axiomas da matemática, não tem de ser, por isso, em si (para todo ser pensante em geral) necessária (pois, tão logo se demonstre um axioma, ele se torna, de proposição sintética, uma proposição analítica, no que os limites da análise são ampliados e os da síntese estreitados), então exige Leibniz (e não sem razão, como eu considero) uma análise infinita como ideia reguladora para o uso da razão”, MAIMON, S. Streifereien im Gebiete der Philosophie, Werke IV, p. 46.

35 idem, Versuch, p. 237. ”A diferença entre ambas (para além da infinitude) consiste em que a última começa do mais universal e progride (pelo determinar) sempre mais em direção ao particular (...), e isto em séries infinitas. Toda síntese produzida por ela dessa maneira constitui um objeto real, que está em relação de subordinação e coordenação com todos os outros (como espécie e gênero, ou como diferentes espécies de um gênero). A primeira, ao contrário, começa do particular e se eleva sempre (pelo abstrair) ao universal (...), isso ocorre no tempo”.

36 Como diz Fichte em carta a Reinhard do início de 1794: “enquanto ainda se admitir o pensamento de uma conexão do nosso conhecimento com uma coisa em si, que deve ter realidade independentemente dele, o cético sempre terá o jogo ganho. Portanto, é um dos primeiros fins da filosofia expor de modo plenamente evidente a nulidade de um tal pensamento” (BW: 175, GA III/2, p. 39)

37 Fichte1984: 120. Nas Preleções sobre lógica e metafísica, Fichte retoma a ideia de “única verdade possível”, sendo, porém, ainda mais claro: “apenas para o finito é assim, para o infinito seria diferente, mas isso não nos ajuda em nada, pois não podemos apreendê-lo; apesar disso, nossa visão de mundo (Weltansicht) é a verdade e a única verdade correta que é possível para o ser finito. Alguém ainda gostaria de dizer: toda nossa visão do mundo é, portanto, somente ilusão, aparência? Só pode dizer isso, porém, aquele que está com a cabeça cheia da coisa em si, que ainda não se encontra em nosso ponto de vista, mas que procura por trás da razão ainda algo, que não é racional” (idem, Vorlesung über Logik und Metaphysik, GA IV/1, p. 213).

38 Schelling, 2003: I/10, 121. Que Schelling tenha tomado conhecimento da filosofia de Maimon é atestado por algumas de suas obras, por exemplo, Vom Ich als Prinzip der Philosophie oder über das Unbedingte im menschlichen Wissen. Idem, I/2, p. 137.

39 Hegel 1996: 44. Sobre as relações entre Maimon e Hegel, vale a pena ver Guéroult 1929, seu terceiro capítulo, e os posicionamentos críticos de Kroner a respeito dessa relação (Kroner 1977: 342-3).

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Para citar este artículo

Referencia electrónica

Francisco Prata Gaspar, «Retrato filosófico de Salomon Maimon: crítica a Kant e retomada da metafísica do infinito»Revista de Estud(i)os sobre Fichte [En línea], 14 | 2017, Publicado el 01 junio 2017, consultado el 17 enero 2025. URL: http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/ref/732; DOI: https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/ref.732

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Autor

Francisco Prata Gaspar

Universidade Federal de São Carlos

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