Nietzsche e o papel do conceito de relação nas concepções de mundo
Resumen
In addition to proposing his own conception of the world, Nietzsche reflects on how human beings form their conception of the world: according to the philosopher, we can only conceive the world as relations. The aim of this article is to investigate the extent, meaning and status of the concept of relation, when used both in the conception of the world proposed by Nietzsche and in the author’s reflections on how we form our conception of the world.
Plano
Inicio de páginaNotas del autor
Este artigo resulta de parte da pesquisa de pós-doutorado realizada no Departamento de Filosofia da UNIFESP, com bolsa de Pós-doutorado Júnior do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Texto completo
Introdução
- 1 Considerem-se, por exemplo, as seguintes obras. WOTLING, P., Le vocabulaire de Friedrich Nietzsche, (...)
1 Ao folhear dicionários especializados que, publicados em diversas línguas nas últimas duas décadas, têm por objetivo apresentar os principais temas e conceitos da filosofia de Nietzsche, o leitor não encontrará um verbete dedicado à noção de relação.1 Essa ausência poderia levar tal leitor a concluir que inexiste um conceito de relação na obra do pensador alemão ou que, caso exista, o referido conceito não desempenha ali um papel relevante. A nosso ver, porém, esse não é o caso.
- 2 VAIHINGER, H., Nietzsche als Philosoph, 4. vom Verfasser neu durchgesehene Auflage, Berlin: Reuther (...)
2 Um sinal disso é que o tema da relação não deixou de ser considerado por estudiosos da filosofia de Nietzsche de diferentes épocas. No “Apêndice” acrescentado à edição de 1916 de seu livro Nietzsche als Philosoph, Hans Vaihinger faz ver o papel central que a noção de relação desempenha na concepção nietzschiana de realidade. Nesse texto, Vaihinger afirma que, para Nietzsche, “a realidade não é um ser incondicionado, imutável, mas sim a soma de relações [Relationen] de inúmeros fatores que se condicionam mutuamente”2.
- 3 ASTOR, D., “Relativisme ou relationnisme? Le concept de réalité chez Nietzsche et Whitehead”, in: S (...)
3De igual modo, em texto recente, Dorian Astor julga que a ideia de relação ocupa um lugar fundamental no modo como Nietzsche entende a realidade. Para Astor, Nietzsche concebe um “realismo relacional e diferencial” em que “é a própria relação que é a condição real de todas as entidades”. No entanto, segundo Astor, “a realidade da relação, da qual dependem todos os termos colocados em relação, não é relativa”3.
- 4 SOMMER, A. U., “Inwiefern ist Ernährung ein philosophisches Problem? Ludwig Feuerbach und Friedrich (...)
4Andreas Urs Sommer, por sua vez, sustenta que Nietzsche constitui exemplo de “uma nova arte filosófica da relativização” (p. 319). Analisando as reflexões do filósofo sobre a alimentação, Sommer mostra que, com alcance ontológico, elas permitem dizer que, para Nietzsche, o indivíduo (animal ou planta) não é um ser que subsista por si mesmo, mas apenas relativamente (relativ) ao seu ambiente (pp. 331-332), assim como seu ambiente lhe é relativo. Desse modo, inexiste um ponto fixo que organize a realidade; existem apenas “processos de relativização” (p. 342).4
5Para compreender essa arte nietzschiana da relativização, parece-nos imprescindível investigar o seu conceito de relação. Qual é a extensão do conceito de relação na concepção de mundo formulada por Nietzsche? Quais são os seus significados e funções? As relações de que se constitui o mundo não seriam relativas, como afirma Astor, ou, ao contrário, seriam elas relativas? Se o mundo se constitui de relações, elas existem tal como as concebemos?
6Como se nota, o que está em jogo é o estatuto não só do conceito nietzschiano de relação, mas também de todo conceito de relação, quando considerado sob o prisma da filosofia de Nietzsche. E, por conseguinte, o que está em jogo é não só o estatuto da concepção nietzschiana de mundo, na qual o conceito de relação desempenha um papel relevante, mas igualmente o estatuto de toda concepção de mundo, quando observada desde a perspectiva do pensamento de Nietzsche.
7Para investigar as questões formuladas acima, o presente estudo estrutura-se em quatro seções. Na primeira, examinaremos usos e significados da ideia de relação na filosofia de Nietzsche. Na segunda seção, buscaremos identificar a extensão e o papel do conceito de relação na concepção nietzschiana de mundo. Na terceira seção, procuraremos expor as condições formais do conceito de relação. Por fim, na quarta seção, tentaremos discernir o estatuto de tal conceito.
1. Usos e significados do termo “relação” na filosofia de Nietzsche
- 5 Platão, no diálogo Sofista (255c), por exemplo, diferencia as coisas que são ditas em si mesmas (κα (...)
8A ideia de relação (antiga na filosofia5) está presente em toda a obra de Nietzsche. Ele utiliza não só o substantivo Relation, tanto no singular como no plural, mas igualmente termos derivados, como Relativität, e seus correspondentes em outras classes gramaticais, como adjetivos e advérbios. Da mesma maneira, o filósofo serve-se repetidas vezes de termos alemães equivalentes ao latino Relation, como Beziehung e Verhältnis, também empregados em suas diferentes classes gramaticais, como verbos, adjetivos, advérbios e componentes de expressões.
- 6 NIETZSCHE, F., Jenseits von Gut und Böse. Vorspiel einer Philosophie der Zukunft, in: ______, Sämtl (...)
9Além do uso dessas palavras, importa levar em conta que “relação” é um termo geral que pode ser especificado pela designação de formas de relação mais precisas. É o que se observa, por exemplo, no parágrafo 20 de Para além de bem e mal.6 Nesse parágrafo, Nietzsche examina a relação (Beziehung) entre fisiologia, gramática e filosofia. Mais precisamente, trata-se de uma relação de dependência. Ainda mais exatamente, Nietzsche considera que as condições fisiológicas fundam, condicionam e determinam as funções gramaticais, que, por sua vez, fundam, condicionam e determinam os conceitos filosóficos. Embora nesse parágrafo a palavra “relação” (Beziehung) figure apenas uma vez, o tema central do texto é a relação de dependência (mais especificamente: de condição e de condicionado, de fundamento e de fundado, de determinante e de determinado) entre fisiologia, gramática e filosofia. Para referir-se a essas espécies de relações, Nietzsche utiliza as palavras Abhängihkeit (dependência), Bedingung (condição), Grund (fundamento) e Bestimmung (determinação) em diferentes classes gramaticais, sob a forma de palavras derivadas e de palavras compostas.
10Além do uso de palavras que se traduzem por relação (como Relation, Beziehung e Verhältnis) e de palavras que designam as relações específicas de dependência, de condição, de fundamento e de determinação (como, respectivamente, Abhängihkeit, Bedingung, Grund e Bestimmung), Nietzsche utiliza com frequência metáforas e analogias para sugerir tais formas de relação. É o que também se pode exemplificar pelo parágrafo 20 de Para além de bem e mal, mencionado acima. Nesse parágrafo, para apresentar em imagem sua tese de que os conceitos filosóficos não surgem por si mesmos, mas dependem de determinadas famílias linguísticas e de determinadas constituições fisiológicas, Nietzsche utiliza a imagem de membros da fauna de certa região (Glieder der Fauna eines Erdtheils), que não crescem por si próprios (nichts Für-sich-Wachendes), mas dependem de condições específicas. Nessa analogia, as condições específicas determinantes da região equivalem às condições fisiológicas e às funções gramaticais; já os membros da fauna que dependem das condições específicas de determinada região equivalem aos conceitos filosóficos, determinados por condições fisiológicas e por funções gramaticais.
- 7 Nota-se o emprego de expressões que contêm o termo “relação” quando Nietzsche afirma, por exemplo, (...)
- 8 Cf., por exemplo, o uso reiterado da preposição “für” no FP 2[149], KSA 12, p. 140.
11Acima, indicamos sucessivamente que Nietzsche utiliza palavras alemãs que se traduzem por relação, palavras que designam formas específicas de relação, assim como metáforas e analogias. Agora convém acrescentar que a ideia de relação é veiculada em expressões7 e mesmo em preposições utilizadas com sentido conceitual8. Como se nota, a ideia de relação não opera apenas nos textos em que Nietzsche emprega tal palavra.
- 9 As citações em notas anteriores ilustram o uso do conceito de relação na concepção nietzschiana de (...)
12Levando em conta essas diversas maneiras de utilizar a ideia de relação, parece-nos possível dizer que, da juventude até a maturidade, Nietzsche reflete sobre a ideia de relação e a faz operar como um conceito, com funções tanto crítica como propositiva, em suas considerações sobre a realidade, os valores, a estética e o conhecimento.9
13Nas próximas três seções, investigaremos o significado, a extensão e o estatuto do conceito de relação na concepção de mundo elaborada por Nietzsche.
2. Relação como conceito basilar na concepção nietzschiana de mundo
14A nosso ver, o conceito de relação desempenha um papel fundamental na filosofia de Nietzsche. É o que buscaremos evidenciar, tentando fazer notar o papel basilar e central do conceito de relação na concepção nietzschiana de realidade. Mais precisamente, esse papel patenteia-se quando se analisam os vínculos entre as noções de relação, de força e de vontade de potência. É o que procuraremos fazer a seguir.
- 10 FP 6[441], KSA 9, p. 312.
15Consideremos inicialmente o vínculo entre as noções de relação e de força. Para Nietzsche, o mundo se constitui de forças em relação. É o que indica já o fragmento póstumo 6[441], de 1880.10 Nesse texto, Nietzsche afirma primeiro que, “para nós, o mundo é, portanto, a soma das relações [Relationen]”. Em seguida, operando uma primeira generalização, ele assegura que todo ser percipiente “percebe relações [Relationen]”. Por fim, operando nova generalização, ele assevera que as forças estabelecem entre si “relações [Relationen]”.
- 11 FP 14 [79], KSA 13, p. 259.
- 12 FP 14 [79], KSA 13, p. 259.
16Nos anos seguintes, Nietzsche determina a natureza dessas relações entre as forças. Referindo-se aos “quanta de força”, ele afirma que “sua essência [Wesen], em sua relação [in ihrem Verhältniß] com todos os outros quanta, consiste em seu ‘efetivar-se’ [in ihrem ‘Wirken’] sobre os demais [quanta de força]”11. Nessa relação e nesse efetivar-se, precisa Nietzsche, os “quanta dinâmicos” estabelecem “uma relação de tensão [Spannungsverhältniß] com todos os outros quanta dinâmicos”12. Assim, as forças estabelecem relações de tensão entre si.
- 13 FP 36 [31], KSA 11, p. 563.
- 14 FP 14 [79], KSA 13, p. 259.
- 15 FP 14 [81], KSA 13, p. 261.
- 16 FP 14 [81], KSA 13, p. 261.
- 17 FP 14 [79], KSA 13, p. 259.
17Para compreender por que e em que sentido as forças estabelecem entre si relações de tensão, é preciso considerar que às forças inere o que Nietzsche denomina “vontade de potência”13. Assim, o conceito de força implica o de vontade de potência. Acima, mencionamos que, segundo Nietzsche, a essência da relação entre as forças é um efetivar-se. Cumpre acrescentar agora que todo efetivar-se, por sua vez, resulta de vontade de potência, tida por Nietzsche como “o fato mais elementar”: “a vontade de potência […] é o fato mais elementar, a partir do qual somente resulta um vir-a-ser, um efetivar-se [ein Wirken]”14. Considerando que a essência da relação entre as forças é um efetivar-se e que todo efetivar-se resulta de vontade de potência, Nietzsche, referindo-se aos “quanta de força”, afirma que a “essência” dos quanta de força “consiste em exercer potência sobre todos os outros quanta de força”15. O “exercer potência” das forças, explica Nietzsche, significa que “a única realidade é o querer-tornar-se-mais-forte de todo centro de força – não a autoconservação, mas sim apropriação, querer-tornar-se-senhor, querer-tornar-se-mais, querer-tornar-se-mais-forte”16. Resultando, pois, da vontade de potência, o efetivar-se das forças é um exercer potência, isto é, uma tendência à expansão e ao domínio. É nesse sentido que, em última instância, os quanta de força estabelecem uma “relação de tensão [Spannungsverhältniß] com todos os outros quanta dinâmicos”17.
18Portanto, no âmbito da concepção nietzschiana de mundo como forças e como vontades de potência, o conceito de relação caracteriza o modo de efetivar-se das forças, que é relacional. Em seguida, porém, é o conceito de relação que tem seu sentido determinado pelo de vontade de potência: as forças exercem relações de potência e de tensão.
- 18 Sobre verdade e mentira no sentido extramoral, § 1, trad. Fernando de Moraes Barros modificada, KSA (...)
- 19 FP 19[235], KSA 7, p. 493.
- 20 FP 1[30], KSA 12, p. 17. Cf. também 34[247], KSA 11, p. 180.
19Também o conceito de vontade de potência, assim como o de força, é relacional. É o que se pode depreender da análise das transformações da posição de Nietzsche a respeito das leis naturais. Em Sobre verdade e mentira no sentido extramoral, Nietzsche afirma que só podemos apreender como relações as chamadas leis naturais: “O que é, para nós, uma lei da natureza? Ela não se dá a conhecer para nós em si mesma, mas somente em seus efeitos, isto é, em suas relações [Relationen] com outras leis naturais, que, uma vez mais só se dão a conhecer para nós como relações [Relationen]”18. A mesma ideia encontra-se expressa de modo esquemático num fragmento póstumo do mesmo período de Sobre verdade e mentira no sentido extramoral: “Todas as leis naturais são apenas relações [Relationen] de um x com um y e um z. Nós definimos leis naturais como as relações [Relationen] de um xyz, das quais cada uma, por sua vez, dá-se-nos a conhecer como relações [Relationen] com outro xyz”19. É o próprio Nietzsche que destaca as três ocorrências do termo “relação”, conferindo, pela repetição e pelo destaque, importância ao termo. Posteriormente, já tendo elaborado o conceito de vontade de potência, Nietzsche precisará que o que se chama de lei natural são relações de potência: “‘Lei natural’: como fórmula para a produção incondicionada das relações de potência [Macht-Relationen] e dos graus de potência”20. De um lado, assim como no caso do conceito de força, Nietzsche concebe o conceito de vontade de potência como relacional: o exercício de potência ou de poder é uma relação entre pelo menos dois termos: “relações [Relationen] de um x com um y e um z”, como ilustra o esquema de Nietzsche citado acima. De outro lado, o conceito de vontade de potência determina o sentido da noção de relação, quando considerada no âmbito da concepção nietzschiana de mundo: trata-se de relações de potência.
20Assim, levando em conta as considerações acima sobre os vínculos intrínsecos entre os conceitos de força, de vontade de potência e de relação, pode-se dizer que, de um lado, o conceito de relação faz parte da compreensão dos conceitos de força e de vontade de potência, e, de outro lado, os conceitos de força e de vontade de potência fazem parte da compreensão do conceito de relação. Com base nessas considerações, nossa hipótese é que, no âmbito da concepção nietzschiana de mundo, os conceitos de vontade de potência, de força e de relação se definem reciprocamente, implicam-se e possuem a mesma extensão. Portanto, uma vez colocado um desses conceitos, colocam-se automaticamente os outros dois.
21Dadas essa implicação mútua e essa coextensão dos conceitos de vontade de potência, de força e de relação, então, se for indicado o papel basilar e central do conceito de vontade de potência ou do conceito de força na concepção nietzschiana de mundo, torna-se plausível a hipótese de que, por implicação, o conceito de relação também exerce um papel basilar e central.
- 21 FP 14 [79], KSA 13, p. 259.
- 22 FP 14 [98], KSA 13, p. 274
- 23 Para além de bem e mal. In: ______. NIETZSCHE, F., Friedrich Nietzsche: Obras incompletas, trad. Ru (...)
22Considere-se o papel atribuído por Nietzsche ao conceito de vontade de potência. Além de conceber, como já mencionado, a vontade de potência como “o fato mais elementar”21, Nietzsche atribui ao conceito de vontade de potência a função de princípio: “Wille zur Macht principiell”22. Ao fazer operar o conceito de vontade de potência como o fato mais elementar e como princípio, Nietzsche reconduz (zurückführen) ao conceito de vontade de potência toda a realidade. Esse papel é desempenhado pelo conceito de vontade de potência no parágrafo 36 de Para além de bem e mal. Nesse parágrafo, em que expõe sua concepção de mundo como vontade de potência, Nietzsche começa por formular a hipótese de que é possível “reconduzir [zurückführen] todas as funções orgânicas a essa vontade de potência”. Em seguida, conferindo alcance universal ao procedimento de reconduzir a realidade ao conceito de vontade de potência, Nietzsche julga ter “adquirido o direto de determinar toda força eficiente [alle wirkende Kraft] univocamente como: vontade de potência”23. Assim, o conceito de vontade de potência desempenha um papel basilar e central no sentido de que toda a realidade pode ser reconduzida à vontade de potência, que é “princípio” e “o fato mais elementar”.
23Portanto, levando em conta esse papel atribuído por Nietzsche ao conceito de vontade de potência, é possível indicar da seguinte maneira o papel basilar e central da noção de relação na filosofia de Nietzsche. Se, na concepção nietzschiana de mundo, os conceitos de vontade de potência e de relação se determinam mutuamente, implicam-se e possuem a mesma extensão; se, ademais, Nietzsche considera o conceito de vontade de potência o fato mais elementar e um princípio ao qual a realidade se deixa reconduzir; então, por implicação, também o conceito de relação opera como um fato elementar e como um princípio a que a realidade se deixa reconduzir. É por isso que, de modo geral, como mencionado, Nietzsche afirma que a realidade se constitui de quanta de força que estabelecem “relação [Verhältniß]” entre si e, mais precisamente, “relação de tensão [Spannungsverhältniß]”.
3. Condições formais do conceito de relação
24As seções precedentes mostram que o conceito de relação tem diferentes sentidos. Para compreender esses sentidos e suas implicações, é indispensável analisar o complexo modo de funcionamento do conceito de relação. A seguir, apresentaremos os principais pontos que, a nosso ver, precisam ser levados em conta nessa análise.
- 24 FP 14[103], KSA 13, p. 280.
- 25 Para uma análise (contemporânea de Nietzsche) do conceito de relação como consequência da síntese d (...)
25O conceito de relação é, ele próprio, um “conceito de relação [Relationsbegriff]”24: trata-se de um conceito composto que requer, como suas condições formais, ao menos dois relativos e uma determinada ligação entre eles.25 Mais exatamente, esses três requisitos formais são os seguintes:
-
Em primeiro lugar, o conceito de relação supõe um relativo que desempenhe o papel de objeto relativizado;
-
Em segundo lugar, o conceito de relação supõe um relativo que desempenhe o papel de princípio relativizador;
-
Em terceiro lugar, para que se precise o sentido do conceito de relação, que é plurívoco e indeterminado, faz-se necessário que se determinem:
-
a natureza da relação entre objeto relativizado e princípio relativizador (trata-se de saber se é relação de dependência, de condição, de fundamento, de causalidade, de determinação);
-
a função da relação (trata-se de saber se a relação concerne à geração e/ou à determinação do modo de ser de um relativo por outro, e se, uma vez modificado o princípio relativizador, modifica-se também o objeto relativizado);
-
o alcance da relação (a proporção da determinação do objeto relativizado pelo princípio relativizador);
-
a constância da relação (se é necessariamente contínua ou não);
-
a direção da relação (se é unidirecional ou bidirecional);
-
os níveis de relação entre os relativos (se é relação imediata ou mediada).
-
26Para discernir os sentidos do conceito nietzschiano de relação, é preciso identificar como esses requisitos formais são preenchidos na filosofia de Nietzsche. Um exemplo de tal preenchimento é encontrado no parágrafo 20 de Para além de bem e mal, mencionado acima. Nesse texto, como já apontado, Nietzsche indica que as funções gramaticais da língua condicionam, fundam, determinam os conceitos filosóficos. Assim, conforme as condições formais do conceito de relação mencionadas acima, temos o seguinte: as funções gramaticais da língua são o princípio relativizador; os conceitos filosóficos são os objetos relativizados; a dependência (como relação de condição e de condicionado, de fundamento e de fundado, de determinante e de determinado) constitui a natureza da relação entre as funções gramaticais, que são princípios relativizadores, e os conceitos filosóficos, que são objetos relativizados. Aqui, relativizar significa relacionar um objeto (conceitos filosóficos) às condições determinantes (funções gramaticais) das quais esse objeto depende.
27Entretanto, a gramática de toda língua, que determina os conceitos filosóficos, também é, por sua vez, determinada por condições fisiológicas. Assim, a gramática de toda língua, que é princípio relativizador dos conceitos filosóficos nela elaborados, também é, sob outra relação, objeto relativizado: no caso, a gramática de toda língua é objeto relativizado pelas condições fisiológicas. As condições fisiológicas, portanto, como princípios relativizadores, determinam, num primeiro nível, a gramática de toda língua e, num segundo nível, os conceitos filosóficos.
4. O estatuto do conceito de relação
- 26 FP 2[77], KSA 12, p. 97.
28Na segunda seção deste artigo, mostramos que o conceito de vontade de potência funciona como o “princípio” e “o fato mais elementar” ao qual se pode reconduzir toda a realidade. Convém acrescentar agora que até mesmo as relações são reconduzidas à vontade de potência: “Todos os sentidos de relação [Beziehung] conduzem a ela [à vontade de potência]”26. Desse modo, considerando os requisitos formais do conceito de relação expostos na terceira seção do presente estudo, pode-se dizer que o conceito de vontade de potência funciona como princípio relativizador mais básico e mais geral na filosofia de Nietzche.
- 27 FP 2[77], KSA 12, p. 97.
- 28 Cf., por exemplo, Para além de bem e mal, § 22, KSA 5, p. 37. Sobre o conceito de interpretação na (...)
29Levando em conta o que acabamos de dizer e os requisitos formais do conceito de relação expostos na terceira seção, torna-se pertinente investigar, no caso da filosofia de Nietzsche, a extensão do conjunto dos objetos relativizados, bem como a ligação desse conjunto dos objetos relativizados com o conjunto dos princípios relativizadores. A questão que se coloca é saber se toda a extensão dos princípios relativizadores está incluída na extensão dos objetos relativizados. Se for assim, a consequência é que todos os princípios relativizadores poderão ser considerados também, sob outras relações, como objetos relativizados: dessa forma, generaliza-se o que acontece, por exemplo, no caso particular das funções gramaticais, que são princípios relativizadores dos conceitos filosóficos e, ao mesmo tempo, objetos relativizados pela constituição fisiológica. Se for esse o caso — isto é, se todos os princípios relativizadores puderem ser considerados também, sob outros aspectos, como objetos relativizados —, a implicação última é que até mesmo a noção de vontade de potência, apresentada por Nietzsche como aquilo a que, em última instância, todas as relações se reconduzem (isto é, como princípio relativizador mais basilar e mais geral)27, poderá ser considerada como objeto relativizado, ou seja, poderá ser relativizada. Essa é uma possível chave de leitura para compreender o estatuto interpretativo que Nietzsche confere à sua concepção de mundo como vontade de potência.28
30Nossa hipótese é que, na filosofia de Nietzsche, todo princípio relativizador pode ser considerado também, sob outras relações, como objeto relativizado. Essa hipótese parece plausível por duas razões principais.
- 29 FP 14[93], KSA 13, p. 271. Cf. também FP 11[36], KSA 9, p. 454, e FP 14[184], KSA 13, p. 371.
31A primeira razão é que, na concepção nietzschiana de realidade, o conceito de relação possui caráter basilar e extensão máxima. Para Nietzsche, “o mundo [...] é essencialmente um mundo de relações”29. Ademais, como mencionado, os conceitos de relação e de vontade de potência têm seus respectivos sentidos mutuamente determinados, implicam-se e possuem a mesma extensão, de modo que a realidade é suscetível de se reconduzir tanto ao conceito de vontade de potência como ao de relação.
- 30 Cf. FP 19[235], KSA 7, p. 493, e Sobre verdade e mentira no sentido extramoral, KSA 1, p. 885.
- 31 Cf. FP 19[242], KSA 7, pp. 495-496; FP 12[17], KSA 9, p. 579; FP 13[11], KSA 9, p. 620; FP 2[77], K (...)
32A segunda razão é que o conceito de relação desempenha um papel basilar e tem extensão máxima também quando Nietzsche considera o modo como o homem em geral concebe o mundo. Para Nietzsche, a rigor, conforme já apontado, só podemos conceber o mundo como relações. É por isso que ele afirma que o que percebemos como leis naturais30 são relações e, de modo mais elementar, afirma que o que percebemos como coisas e suas propriedades ou qualidades também são relações31.
33Precisando mais a sua posição, Nietzsche caracteriza o estatuto dessas relações: concebemos o mundo como relações, e essas relações são relativas ao homem, isto é, antropomórficas. É o que evidencia um fragmento póstumo do início dos anos 1870:
- 32 FP 19[236], KSA 7, p. 494. Nietzsche conserva até seus escritos de maturidade essa posição de que s (...)
Que uma unidade, uma árvore, por exemplo, apareça para nós como pluralidade de propriedades, de relações, [isso] é antropomórfico de dois modos: primeiro, essa unidade delimitada “árvore” não existe, é preciso recortar arbitrariamente uma coisa assim (segundo o olho, segundo a forma), [e, além disso,] nenhuma relação é a relação verdadeira, absoluta, mas de novo colorida de modo antropomórfico.32
- 33 Assim, parece-nos possível dizer que, contrariamente à tese de Dorian Astor de que a realidade das (...)
34Acima, ao examinar o parágrafo 20 de Para além de bem e mal, buscamos fazer notar que o conceito de relação, em seu sentido específico de relação de condicionamento e determinação, supõe um objeto relativizado (os conceitos filosóficos), um objeto relativizador (as funções gramaticais) e uma relação entre eles (no caso, uma relação de condicionamento e determinação). Agora, o fragmento póstumo que acabamos de citar mostra que a própria ideia de relação também é colocada no papel de objeto relativizado, isto é, Nietzsche relaciona a ideia de relação à condição fundamental que a determina: o homem. Com efeito, se, a rigor, só podemos conceber como relações o mundo e, de modo mais elementar, o que chamamos de coisas e de propriedades das coisas, essas relações, precisa Nietzsche, são antropomórficas e, portanto, não são absolutas nem podem existir no mundo tal como as concebemos. Em outros termos: concebemos o mundo como relações relativas. Assim, há dois níveis em que opera o conceito de relação: o mundo só pode ser concebido como relações (primeiro nível), mais precisamente, como relações relativas (segundo nível).33
- 34 Além do bem e do mal § 21, trad. Paulo César de Souza, KSA 5, p. 36.
- 35 FP 6[421], KSA 9, p. 306.
35Assim, ao considerar o modo como o homem concebe o mundo, Nietzsche confere extensão máxima à aplicação do conceito de relação, a ponto de relativizar até mesmo as noções de relatividade e de relação. Com efeito, em Para além de bem e mal, o autor afirma que “somos nós apenas que criamos […] a relatividade” 34e, num fragmento póstumo dos anos 1880, assegura que “uma relação absoluta é um absurdo”, donde se infere que são concebíveis apenas relações relativas35.
36Se só podemos conceber o mundo como relações, o caráter basilar e a extensão máxima do conceito de relação implicam uma relativização total e, portanto, autorreferente: o próprio conceito de relação é relativizado.
37Assim – atribuindo caráter basilar e extensão máxima ao conceito de relação em sua própria concepção de mundo, bem como conferindo caráter basilar e extensão máxima ao conceito de relação quando considera o modo como o homem em geral concebe o mundo –, Nietzsche indica que o conjunto dos objetos relativizados é tão extenso, que nele se incluem até mesmo as noções de relatividade e de relação, também elas relativizadas. Dada a extensão do conjunto dos objetos relativizados, parece-nos plausível a hipótese de que, na filosofia de Nietzsche, todo princípio relativizador pode ser considerado também, sob outras relações, como objeto relativizado.
38Dessa forma, considerando as posições de estudiosos que abordaram a ideia de relação na filosofia de Nietzsche, parece-nos possível ainda extrair consequências relevantes. Se, de acordo com Vaihinger, a realidade é, para Nietzsche, “a soma de relações de inúmeros fatores que se condicionam mutuamente”; se, conforme Andreas Urs Sommer, a realidade é, para Nietzsche, “processos de relativização”; se, no entender de Dorian Astor, para Nietzsche “é a própria relação que é a condição real de todas as entidades” e “a relação preexiste logicamente aos seus termos e os condiciona realmente, ou seja, ela os produz”; então — eis nossa hipótese —, pode-se dizer que, na filosofia de Nietzsche, a noção de relação, sendo basilar e geral, funciona como um gênero supremo a que se pode reconduzir (zurückführen) toda a realidade (inclusive as próprias noções de relação e de relatividade) tal como o homem pode concebê-la. Com efeito, a filosofia de Nietzsche dá a entender que toda concepção de mundo se constitui de relações relativas, de modo que as próprias noções de relação e de relatividade são relativas, fazendo parte do conjunto dos objetos relativizados. Assim, em última instância, o exame do conceito nietzschiano de relação diz respeito ao problema do estatuto não só do conceito nietzschiano de relação, mas também de todo conceito de relação, quando considerado sob o prisma da filosofia de Nietzsche: todas as relações são relativas. E, por conseguinte, o exame do conceito nietzschiano de relação diz respeito não só ao problema do estatuto da concepção nietzschiana de mundo, mas igualmente ao problema do estatuto de toda concepção de mundo, quando observada desde a perspectiva do pensamento de Nietzsche: toda concepção de mundo se constitui de relações relativas.
Conclusão
39Quando diz respeito à concepção de mundo, o conceito nietzschiano de relação desempenha papel basilar e tem ampla extensão. Isso se mostra ao menos de duas maneiras.
40Em primeiro lugar, o conceito de relação tem papel basilar e ampla extensão na concepção de mundo elaborada por Nietzsche. Com efeito, o conceito de relação está intimamente vinculado aos de vontade de potência e de força: os conceitos de vontade de potência, de força e de relação se definem reciprocamente, implicam-se e possuem a mesma extensão, de modo que, uma vez colocado um desses conceitos, colocam-se automaticamente os outros dois.
41Em segundo lugar, a ideia de relação tem papel basilar e ampla extensão quando Nietzsche considera o modo como o homem concebe o mundo: a rigor, o homem só pode conceber o mundo como relações, e essas relações são, elas próprias, relativas ao homem, isto é, antropomórficas. O caráter basilar e a extensão máxima do conceito de relação implicam uma relativização total e, portanto, autorreferente: o próprio conceito de relação é relativizado.
42Desse modo, parece possível dizer que, segundo a filosofia de Nietzsche, toda concepção de mundo, inclusive a do próprio pensador alemão, é relacional e relativa.
Referências bibliográficas
43ARISTÓTELES, Categorias, trad. José Veríssimo Teixeira da Mata, São Paulo: Editora Unesp, 2019.
44ASTOR, D. (dir.), Dictionnaire Nietzsche, Paris: Éditions Robert Lafon, 2017.
45ASTOR, D., “Relativisme ou relationnisme? Le concept de réalité chez Nietzsche et Whitehead”, in: STELLINO, P.; TINLAND, O. (dir.), Nietzsche et le relativisme, Bruxelles: Ousia, 2019.
46BURNHAM, D., The Nietzsche Dictionary, London/New York: Bloomsbury, 2015.
47CAMPIONI, G.; D’IORIO, P.; FORNARI, M. C.; FRONTEROTTA, F.; ORSUCCI, A., Nietzsches persönliche Bibliothek, Berlin: Walter de Gruyter, 2003.
48CORBANEZI, E. “Sobre a concepção relacional de linguagem em Nietzsche”, Cadernos Nietzsche, vol. 1, n. 34, pp. 167-187, jan.-jun., 2014.
49CORBANEZI, E., Perspectivismo e relativismo na filosofia de Nietzsche, São Paulo: Editora Unifesp, 2021.
50DENAT, C.; WOTLING, P., Dictionnaire Nietzsche, Paris: Ellipses, 2013.
51DROBISCH, M. W., Neue Darstellung der Logik nach ihren einfachsten Verhältnissen mit Rücksicht auf Mathematik und Naturwissenschaft, 5. Aufl., Hamburg e Leipzig: Verlag von Leopold Voss, 1887.
52GASPAR, F. P., “Sobre interpretação e o destino da ontologia em Nietzsche”, Discurso, vol. 50, n. 1, pp. 279-306, 2020.
53GEN – Grupo de Estudos Nietzsche, Dicionário Nietzsche, São Paulo: Edições Loyola, 2016.
54MARTON, S., “Le problème du langage chez Nietzsche. La critique en tant que création”, Revue de Métaphysique et de Morale, Paris, n. 2, pp. 225-246, 2012.
55MÜLLER, E., Nietzsche-Lexikon, Stuttgart: Wilhelm Fink, 2020.
56NIEMEYER, C. (org.), Léxico de Nietzsche, trad. André Muniz Garcia et al., São Paulo: Edições Loyola, 2014.
57NIETZSCHE, F., Jenseits von Gut und Böse. Vorspiel einer Philosophie der Zukunft, in: ______, Sämtliche Werke. Kritische Studienausgabe in 15 Bänden, eds. Giorgio Colli e Mazzino Montinari, München: Walter de Gruyter, 1999, vol. 5.
58NIETZSCHE, F., Além do bem e do mal: prelúdio a uma filosofia do futuro, trad. Paulo César de Souza, São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
59NIETZSCHE, F., Para além de bem e mal. In: ______. NIETZSCHE, F. Friedrich Nietzsche: Obras incompletas, trad. Rubens Rodrigues Torres Filho, São Paulo: Editora Nova Cultural, 2000.
60NIETZSCHE, F., Sobre verdade e mentira no sentido extramoral, trad. Fernando de Moraes Barros, São Paulo: Hedra, 2008.
61NIETZSCHE, F., A filosofia na era trágica dos gregos, trad. Fernando R. de Moraes Barros, São Paulo: Hedra, 2008.
62NIETZSCHE, F., Humano, demasiado Humano: um livro para espíritos livres, trad. Paulo César de Souza, São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
63NIETZSCHE, F., Humano, demasiado Humano: um livro para espíritos livres[:] volume II, trad. Paulo César de Souza, São Paulo: Companhia das Letras, 2008 [1. ed., 1879; 2. ed., 1886, segunda edição de Opiniões e Sentenças diversas e O Andarilho e sua Sombra, acrescida de Prefácio].
64NIETZSCHE, F., Aurora: reflexões sobre os preconceitos morais, trad. Paulo César de Souza, São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
65NIETZSCHE, F., A gaia ciência, trad. Paulo César de Souza, São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
66NIETZSCHE, F., Crepúsculo dos ídolos, ou, Como se filosofa com o martelo, trad. Paulo César de Souza, São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
67NIETZSCHE RESEARCH GROUP (NIJMEGEN) (org.); TONGEREN, P. van; SCHANK, G.; SIEMENS, H. (dir.), Nietzsche-Wörterbuch. Band 1: Abbreviatur – einfach, Berlin/New York: Walter de Gruyter, 2004.
68PLATÃO, Le Sophiste, trad. Nestor-Luis Cordero, Paris: Flammarion, 1993.
69PLATÃO, Hippias Majeur, trad. Alfred Croiset, Paris: Les Belles Lettres, 2003.
70PLATÃO, A República, trad. Anna Lia Amaral de Almeida Prado, São Paulo: Martins Fontes, 2006.
71SOMMER, A. U., “Inwiefern ist Ernährung ein philosophisches Problem? Ludwig Feuerbach und Friedrich Nietzsche als Relativierungsdenker”, Perspektiven der Philosophie. Neues Jahrbuch, v. 38, pp. 319-342, 2012.
72TINLAND, O., “En guise d’introduction: Nietzsche à l’épreuve des relativismes”, in: STELLINO, P.; TINLAND, O. (dir.), Nietzsche et le relativisme, Bruxelles: Ousia, 2019, pp. 11-34.
73VAIHINGER, H., Nietzsche als Philosoph, 4. vom Verfasser neu durchgesehene Auflage, Berlin: Reuther & Reichard, 1916.
74WOTLING, P., Le vocabulaire de Friedrich Nietzsche, Paris: Ellipses, 2001.
Notas
1 Considerem-se, por exemplo, as seguintes obras. WOTLING, P., Le vocabulaire de Friedrich Nietzsche, Paris: Ellipses, 2001. NIETZSCHE RESEARCH GROUP (NIJMEGEN) (org.); TONGEREN, P. van; SCHANK, G.; SIEMENS, H. (dir.), Nietzsche-Wörterbuch. Band 1: Abbreviatur – einfach, Berlin/New York: Walter de Gruyter, 2004 (o primeiro volume traz indicações de verbetes que serão incluídos nos volumes subsequentes; não está previsto o verbete “relação”). DENAT, C.; WOTLING, P., Dictionnaire Nietzsche. Paris: Ellipses, 2013. NIEMEYER, C. (org.), Léxico de Nietzsche, trad. André Muniz Garcia et al., São Paulo: Edições Loyola, 2014. BURNHAM, D., The Nietzsche Dictionary, London/New York: Bloomsbury, 2015. ASTOR, D. (dir.), Dictionnaire Nietzsche, Paris: Éditions Robert Lafon, 2017. MÜLLER, E. Nietzsche-Lexikon, Stuttgart: Wilhelm Fink, 2020. GEN – Grupo de Estudos Nietzsche, Dicionário Nietzsche, São Paulo: Edições Loyola, 2016 (esta obra, porém, traz o verbete “Relativismo” (pp. 360-361), o que não ocorre nos demais dicionários mencionados nesta nota).
2 VAIHINGER, H., Nietzsche als Philosoph, 4. vom Verfasser neu durchgesehene Auflage, Berlin: Reuther & Reichard, 1916, p. 74.
3 ASTOR, D., “Relativisme ou relationnisme? Le concept de réalité chez Nietzsche et Whitehead”, in: STELLINO, P.; TINLAND, O. (dir.), Nietzsche et le relativisme, Bruxelles: Ousia, 2019, p. 171.
4 SOMMER, A. U., “Inwiefern ist Ernährung ein philosophisches Problem? Ludwig Feuerbach und Friedrich Nietzsche als Relativierungsdenker”, Perspektiven der Philosophie. Neues Jahrbuch, v. 38, pp. 319-342, 2012.
5 Platão, no diálogo Sofista (255c), por exemplo, diferencia as coisas que são ditas em si mesmas (καθ’ αὑτά) daquelas que são ditas em relação a outras coisas (πρὸς ἄλλα). Também n’A República (a partir de 438b), Platão afirma que as mesmas coisas são passíveis de ser consideradas em si mesmas, de um lado, e como relativas, de outro lado. Aristóteles, por sua vez, faz da relação uma de suas Categorias (6a36 – 8b24).
6 NIETZSCHE, F., Jenseits von Gut und Böse. Vorspiel einer Philosophie der Zukunft, in: ______, Sämtliche Werke. Kritische Studienausgabe in 15 Bänden, Eds. Giorgio Colli e Mazzino Montinari, München: Walter de Gruyter, 1999, vol. 5, pp. 34-35. Doravante, para referir-nos a essa edição, utilizaremos a indicação KSA seguida pelo número do volume e pelo número da página. Quando tratar-se de fragmentos póstumos, utilizaremos a abreviação FP, seguida, sucessivamente, pelo número do fragmento, pela indicação KSA, pelo número do volume e pelo número da página (por exemplo: FP 14[79], KSA 13, p. 259). Quando o nome do autor não é mencionado na referência, trata-se da obra de Nietzsche. Se não houver indicação de tradutor, a tradução é de nossa responsabilidade.
7 Nota-se o emprego de expressões que contêm o termo “relação” quando Nietzsche afirma, por exemplo, que o mundo se constitui de quanta dinâmicos “cuja essência reside em sua relação [Verhältniß] com todos os outros quanta dinâmicos”, mais precisamente em sua “relação de tensão [Spannungsverhältniß]” (FP 14[79], KSA 13, p. 259). Do mesmo modo, o filósofo entende “moral como doutrina das relações de domínio [Herrschafts-Verhältnissen]” (Para além de bem e mal, § 19, KSA 5, p. 34). Também a ideia de “relações de poder [Machtverhältnisse]” é utilizada para analisar diversos temas, como o novo e o antigo conceito de governo (Humano, demasiado humano, § 450, KSA 2, p. 292, trad. Paulo César de Souza), os fatores determinantes da lei e da moral (O andarilho e sua sombra, § 22, KSA 2, p. 556), bem como as condições de surgimento e de desaparição de direitos (Aurora, § 112, KSA 3, p. 101).
8 Cf., por exemplo, o uso reiterado da preposição “für” no FP 2[149], KSA 12, p. 140.
9 As citações em notas anteriores ilustram o uso do conceito de relação na concepção nietzschiana de realidade e de valor. No que diz respeito à aplicação da ideia de relação no âmbito da estética, cf., entre outros, FP 16[40], KSA 13, p. 498, intitulado “Aesthetica”, e os textos publicados correspondentes, os parágrafos 19 e 20 do capítulo “Incursões de um extemporâneo”, em Crepúsculo dos ídolos (KSA 6, pp. 123-124). Em oposição ao “belo em si” (αὐτὸ τὸ καλόν) de Platão (cf., por exemplo, Hípias Maior, 289d), Nietzsche considera que a fisiopsicologia do ser humano condiciona seu juízo sobre o belo e o feio, de maneira que o ser humano é “a medida” de tais juízos (nesse ponto, Nietzsche alude à doutrina do homem-medida de Protágoras). No tocante ao conhecimento, Nietzsche assegura que “não há ‘essência em si’, as relações [Relationen] constituem primeiramente a essência, do mesmo modo que não pode haver ‘conhecimento em si’” (FP 14[122], KSA 13, p. 303). É que qualquer linguagem ou meio de expressão só pode “expressar uma mera relação [Relation]” (FP 14[122], KSA 13, p. 303; sobre “a linguagem enquanto relação”, cf. MARTON, S., “Le problème du langage chez Nietzsche. La critique en tant que création”, Revue de Métaphysique et de Morale, Paris, n. 2, 2012, p. 227 ; cf. ainda CORBANEZI, E. “Sobre a concepção relacional de linguagem em Nietzsche”, Cadernos Nietzsche, vol. 1, n. 34, pp. 167-187, jan.-jun., 2014). Já em escritos de juventude Nietzsche utiliza o conceito de relação para refletir sobre esses temas (cf. Sobre verdade e mentira no sentido extramoral, KSA 1, pp. 879, 880 e 885; cf. ainda A filosofia na era trágica dos gregos, KSA 1, p. 846).
10 FP 6[441], KSA 9, p. 312.
11 FP 14 [79], KSA 13, p. 259.
12 FP 14 [79], KSA 13, p. 259.
13 FP 36 [31], KSA 11, p. 563.
14 FP 14 [79], KSA 13, p. 259.
15 FP 14 [81], KSA 13, p. 261.
16 FP 14 [81], KSA 13, p. 261.
17 FP 14 [79], KSA 13, p. 259.
18 Sobre verdade e mentira no sentido extramoral, § 1, trad. Fernando de Moraes Barros modificada, KSA 1, p. 885.
19 FP 19[235], KSA 7, p. 493.
20 FP 1[30], KSA 12, p. 17. Cf. também 34[247], KSA 11, p. 180.
21 FP 14 [79], KSA 13, p. 259.
22 FP 14 [98], KSA 13, p. 274
23 Para além de bem e mal. In: ______. NIETZSCHE, F., Friedrich Nietzsche: Obras incompletas, trad. Rubens Rodrigues Torres Filho, São Paulo: Editora Nova Cultural, 2000, KSA 5, p. 55.
24 FP 14[103], KSA 13, p. 280.
25 Para uma análise (contemporânea de Nietzsche) do conceito de relação como consequência da síntese de determinadas condições, cf. DROBISCH, M. W., Neue Darstellung der Logik nach ihren einfachsten Verhältnissen mit Rücksicht auf Mathematik und Naturwissenschaft, 5. Aufl., Hamburg e Leipzig: Verlag von Leopold Voss, 1887, parágrafos 27 a 39, pp. 32-45. Nietzsche possuía um exemplar desse livro em sua biblioteca pessoal (cf. CAMPIONI, G.; D’IORIO, P.; FORNARI, M. C.; FRONTEROTTA, F.; ORSUCCI, A., Nietzsches persönliche Bibliothek. Berlin: Walter de Gruyter, 2003, p. 199). Nesta seção do artigo, também levamos em conta considerações presentes em TINLAND, O., “En guise d’introduction: Nietzsche à l’épreuve des relativismes”, in: STELLINO, P.; TINLAND, O. (dir.), Nietzsche et le relativisme, Bruxelles: Ousia, 2019, pp. 11-34.
26 FP 2[77], KSA 12, p. 97.
27 FP 2[77], KSA 12, p. 97.
28 Cf., por exemplo, Para além de bem e mal, § 22, KSA 5, p. 37. Sobre o conceito de interpretação na filosofia de Nietzsche e o estatuto da concepção nietzschiana de mundo, cf. CORBANEZI, E., Perspectivismo e relativismo na filosofia de Nietzsche, São Paulo: Editora Unifesp, 2021, e GASPAR, F. P., “Sobre interpretação e o destino da ontologia em Nietzsche”, Discurso, vol. 50, n. 1, pp. 279-306, 2020.
29 FP 14[93], KSA 13, p. 271. Cf. também FP 11[36], KSA 9, p. 454, e FP 14[184], KSA 13, p. 371.
30 Cf. FP 19[235], KSA 7, p. 493, e Sobre verdade e mentira no sentido extramoral, KSA 1, p. 885.
31 Cf. FP 19[242], KSA 7, pp. 495-496; FP 12[17], KSA 9, p. 579; FP 13[11], KSA 9, p. 620; FP 2[77], KSA 12, pp. 97-98; FP 2[149], KSA 12, p. 140; FP 9[40], KSA 12, p. 353; FP 10[202], KSA 12, p. 580; FP 14[103], KSA 13, pp. 280-282.
32 FP 19[236], KSA 7, p. 494. Nietzsche conserva até seus escritos de maturidade essa posição de que só podemos nos relacionar de modo antropomórfico com o mundo. Em A gaia ciência, por exemplo, o autor afirma que mesmo o rigor matemático só pode “estabelecer nossa relação [Relation] humana com as coisas” (A gaia ciência, § 246, trad. Paulo César de Souza modificada, KSA 3, p. 514).
33 Assim, parece-nos possível dizer que, contrariamente à tese de Dorian Astor de que a realidade das relações não é relativa, Nietzsche indica que, se o homem só pode conceber o mundo como relações, essas relações são relativas ao homem. Essa relatividade das relações deve-se aos dois níveis em que opera o conceito de relação, conforme apontamos acima.
34 Além do bem e do mal § 21, trad. Paulo César de Souza, KSA 5, p. 36.
35 FP 6[421], KSA 9, p. 306.
Inicio de páginaPara citar este artículo
Referencia electrónica
Eder Corbanezi, «Nietzsche e o papel do conceito de relação nas concepções de mundo», Revista de Estud(i)os sobre Fichte [En línea], 26 | 2024, Publicado el 30 julio 2024, consultado el 12 noviembre 2024. URL: http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/ref/2199; DOI: https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/126cz
Inicio de páginaDerechos de autor
Salvo indicación contraria, el texto y otros elementos (ilustraciones, archivos adicionales importados) son "Todos los derechos reservados".
Inicio de página