Navegación – Mapa del sitio

InicioNúmeros20Artículos/ArtigosLógica transcendental, teoria da ...

Artículos/Artigos

Lógica transcendental, teoria da investigação, filosofia. Sobre a lógica transcendental de J. G. Fichte

Federico Ferraguto

Resumen

The paper, focused on the analysis of the first four lessons of the Transzendentale Logik II of 1812, deals with the status of transcendental logic in the construction of Fichte’s Wissenschaftslehre. From the historical and textual point of view, the problem investigated involves the definition of transcendental logic as an introduction to the Wissenschaftslehre (§ 2) and the relationship of this definition with different approaches to logic in the post-kantian debate (Fries, Reinhold, Bardili, Kant § 3). From a theoretical point of view the paper involves a reflection on the meaning of the so-called recursivity of the Wissenschaftslehre and draws attention to the ways in which the recursivity allows for a restructuring of experience and rationality. This perspective allows us to clarify two elements implicit in Fichte’s transcendental approach: the difference between formal and transcendental logic and the propaedeutic dimension of this difference, which would show its proximity to the assumptions of the Dewey´s theory of investigation (§ 4).

Inicio de página

Notas del autor

Agradeço Antônio Salomão Neto pelas sugestões e pela revisão do texto

Texto completo

1. SUBLIMAÇÃO DO IDEALISMO

  • 1 Ofereci um tratamento destas críticas em Ferraguto, 2020a; para uma análise mais ampla do contexto (...)
  • 2 Que notadamente apareceu na Intelligenzblatt da “Allgemeine Literatur-Zeitung” de Jena, o 28 de ago (...)
  • 3 Cf. a respeito Bardili, 1800, p. 25-26; p. 342.
  • 4 Sobre as relações de Fries com a filosofia transcendental cf. Roberto, 2007. Uma descrição geral do (...)
  • 5 Para uma problematização desta distinção cf. Tognini, 1987.

1 “Todos os leitores que conhecem minimamente a história da filosofia mais recente admitirão que a inteira virada transcendental se limitou a um círculo que circunscreve a linha progressiva do idealismo à subjetividade como o único ponto médio de toda a verdade, e também admitirá que esse círculo se fecha com a sublimação fichtiana-schellinguiana do idealismo transcendental” (Reinhold, 1801-1803, I, p. I). Neste trecho, que abre os Beyträge reinholdianos de 1801, parece simples individuar a retórica ligada à insuficiência de uma filosofia puramente baseada na subjetividade, que identifica universalidade do pensamento com a individualidade do sujeito, que é definida pela redução da operacionalidade do pensar à logica formal e que não pode se tornar, senão metafilosofia1. De resto, já antes da famosa Erklärung kantiana de 17992, J.F. Fries antecipava aquilo que Reinhold escreve em 1801, acusando Fichte de ter sublimado as exigências de uma metafisica em um gás filosófico “que não pode ser chamado nem de argumento, nem de sentimento, mas de princípio” (Fries, 1798, p. 191). Na produção deste gás Fichte teria se limitado a revitalizar as leis da lógica formal, produzindo justamente uma metafilosofia bem diferente de uma metafísica capaz de dar conta das mais altas aspirações do espírito humano. Reinhold, na esteira de Bardili, quer recusar a possibilidade de que uma visão racional da realidade possa ser gerada a partir da síntese entre dois elementos heterogêneos: pensamento e matéria3. Fries alega que a descrição da correlação entre mente e mundo só prepara para a compreensão imediata dos conhecimentos metafísicos, que são completamente a priori e não podem ser derivados da experiência4. Tanto Reinhold como Fries, neste sentido, parecem entender a estrutura da razão humana como uma condição específica, poderíamos dizer um “estado”. Para Fichte a racionalidade configura-se, pelo contrário, como uma possibilidade oferecida ao ser humano como ser pragmático5. Na construção da Wissenschaftslehre (de agora em diante WL), de fato, a subjetividade não aparece apenas como o polo de uma relação de referência reconduzível à lógica formal. Ela se apresenta, mais do que isso, como o lugar em que se esclarecem conexões, interações dinâmicas e funcionais, que definem a experiência, não como reprodução de um dado, mas como uma prospecção de novos modos de estar no mundo.

  • 6 Dewey, 1949, p. 48. Trata-se de uma abordagem que aparece também na definição pareysoniana de forma (...)
  • 7 Cf. Staatslehre, Fichte, 1845, IV, p. 390. Trata-se de um dos termos básicos para entender o concei (...)
  • 8 Muito interessante, neste sentido, é a definição dada por Dewey, conforme toda experiência tem um a (...)
  • 9 Cf. a celebre afirmação da Segunda introdução na doutrina da ciência, Fichte, 1962, I, 4, p. 212.
  • 10 De agora em diante os dois cursos de lógica transcendental irão ser indicados como TL I e TL II. Os (...)
  • 11 A presença de Fries como objetivo polêmico das investigações fichteanas da lógica transcendental é (...)

2 Nesta forma o transcendentalismo poderia ser aproximado a uma teoria da investigação, conforme a qual as leis lógicas não são dadas, mas se constroem no próprio trabalho de investigação das conexões entre mente e mundo e concernem o controle do próprio proceder dela6. Assim, a posição transcendental de Fichte superaria a concepção kantiana do saber como síntese entre recurso empírico e elaboração não-empírica, para constituir uma concepção dinâmica da experiência caraterizada pela interação e entendida como a resultante de atividades cujo impacto seja tatbegründend7, ou seja se efetive na constituição de modelos para estruturar a realidade dada a partir de uma compenetração racional desta última8. A visão transcendental de Fichte leva à constituição de uma ideia de experiência em que esta última é exibida nas suas potencialidades racionais a partir de um olhar capaz de alcançá-las. Esta lógica transcendental reestruturada não deixa de ser, portanto, metafilosofia, na medida em que tem que apresentar e definir as condições e os requisitos para formar este olhar. Mas pretende ser metafisica também, pois leva a experiência para além da empiria, exibindo as dinâmicas em função das quais ela faz sentido9. Trata-se de um aspecto que caracteriza o inteiro percurso transcendental de Fichte e que culmina na exposição da Lógica transcendental de 181210, onde a reestruturação da lógica transcendental de cunho kantiano e a construção de uma metafisica se juntam justamente em uma chave crítica para com o realismo racional de Reinhold e o psicologismo de Fries11. Neste artigo, focado na análise das primeiras quatro lições da segunda Transzendentale Logik de 1812, irei desenvolver esta tese a partir de dois pontos de vista. O primeiro é histórico e textual e tem a ver com a definição da lógica transcendental como introdução na doutrina da ciência (§ 2) e com a maneira em que Fichte discute abordagens diferentes à própria lógica, entre as quais as de Fries, Reinhold e Bardili e do próprio Kant (§ 3). O segundo é mais teórico, envolve uma reflexão acerca do sentido da chamada de recursividade da doutrina da ciência e chama atenção para um problema que, à luz das muitas contribuições a respeito poderia parecer ingênuo: em que sentido a recursividade da doutrina da ciência permite uma reestruturação da experiência e racionalidade? Esta perspectiva permite esclarecer dois elementos implícitos no percurso transcendental de Fichte: a diferença entre lógica formal e lógica transcendental e a dimensão propedêutica desta diferença, o que mostraria a proximidade dela aos pressupostos da teoria da investigação de cunho deweyano (§ 4).

2. A LÓGICA COMO INTRODUÇÃO

  • 12 Neste artigo, não se adentra aos pormenores da questão teórica da introdução na doutrina da ciência (...)
  • 13 Desenvolvi uma análise mais ampla e uma reconstrução histórica do conceito de Fertigkeit na doutrin (...)
  • 14 Sobre a lógica transcendental como introdução e para uma síntese do debate que teve a esse respeito (...)

3 Notadamente os dois cursos de lógica transcendental, que Fichte ministra em Berlim em 1812, são concebidos como uma introdução à WL12. Em geral, sabe-se como Fichte implementa várias estratégias para introduzir à doutrina da ciência e que o objetivo dele é o de desenvolver uma sensibilidade, uma prontidão (Fertigkeit), poderíamos dizer um hábito ou uma habilidade, que possibilite o acesso ao ponto de vista e as estruturas conceituais da doutrina da ciência13. No caso da lógica transcendental, entretanto, não temos apenas um início externo à filosofia, mas também o desenvolvimento de uma parte da própria doutrina da ciência. Fichte inicia a filosofia tematizando uma ferramenta fundamental, a saber, o pensamento, por meio de um repensamento da disciplina que o articula14.

  • 15 Sobre os vários sentidos da lógica no século XVIII cf. Pozzo, 1988.

4 TL II, assim como TL I, tem de fato, em primeiro lugar, o objetivo de elevar aqueles que participam de sua exposição à compreensão da doutrina da ciência, apresentando a especificidade do ponto de vista desta última em oposição à lógica comum, da qual a lógica transcendental consegue deduzir os pressupostos. Nesta perspectiva, TL II é ‘preparação’ ou ‘introdução’ à doutrina da ciência e representa um corretivo da logica comum15. Ela permite revelar aqueles erros para os quais “a não-filosofia é organizada a regra de arte” (TL II, p. 76). Segundo Fichte, expor a filosofia não significa filosofar, mas compreender e falar de filosofia (TL, II, p. 104). No entanto, a lógica transcendental desenvolve esse discurso sem poder assumir, em sua rede argumentativa, o princípio que a constitui como discurso filosófico sobre filosofia, exercido de fato. Na verdade, ela oferece uma visão da filosofia limitada a um único elemento, o pensamento. E, por outro lado, concede como pressuposto o que a doutrina da ciência em particular trata de tematizar, isto é, o figurar (Bilden, TL II, p. 84-85). TL II permanece, neste ponto de vista, ‘crítica’ e não filosofia, preparação para a doutrina da ciência, mas não a doutrina da ciência em sentido estrito. A compreensão de TL II como crítica e, portanto, como metafilosofia, não representa, entretanto, um limite. Em vez disso, ela leva à tona a sua especificidade e abre espaço para uma reflexão sobre a introdução da doutrina da ciência como um problema que reflete sua dinâmica especulativa e não como uma questão preliminar limitada a um contexto exclusivamente estético-retórico ou pedagógico. A parcialidade de TL II, de fato, se reflete em uma sequência de análises genéticas de exemplos particulares que parecem prima facie escolhidos arbitrariamente, mas que, à medida que a investigação avança, acabam sendo “a coisa mesma”, é o que o próprio exemplo pretende mostrar.

  • 16 Na fase berlinense da doutrina da ciência o método da Realeinleitung é empregado também nas Einleit (...)

5 A característica fundamental desse método, que Fichte usa já na segunda exposição da Wissenschaftslehre de 1804 e que define como RealEinleitung (Fichte, 1986, p. 83-84), é tomar como seu nível epistemológico o plano da evidencia fática. A coincidência do exemplo utilizado com o que deve ser exemplificado por ele é, segundo Fichte, imperceptível e imediata e, portanto, ainda não inscrita na rede discursiva típica da doutrina da ciência in specie16. A introdução real também tem a tarefa de constituir aquele ‘nós’ que, no decorrer das descrições de TL II, se prepara para acolher a verdade da WL e, ao fazê-lo, tenta reconduzir o ‘fato’ do pensamento ao seu princípio genético. O ‘nós’, que na terceira lição de TL II se constitui como uma participação comum no exercício prático do exemplo, representa assim a junção da relação entre a consciência comum e o ponto de vista filosófico e permite passar de um para o outro. A construção dos exemplos que definem a Vorbereitung à doutrina da ciência é possível, segundo Fichte, graças a um ato da imaginação produtiva cuja função é libertar a intuição dos conteúdos do ponto de vista transcendental de seu caráter individual e imediato para se tornar uma aquisição estável: “não raios, mas a luz do dia da vida” (TL II, p. 109). O pensamento filosófico passa então a configurar-se - pelo menos na sua forma exterior - como a repetição controlada (TL, II, p. 171) de uma mesma sequência representativa, cujo propósito é conduzir a uma Einsicht autônoma e evidente, mas também compartilhável (TL II, p. 105 e 169).

  • 17 Cf. por esta definição Rametta, 2003.

6 No entanto, o fato da imaginação estar ligada a uma série representativa específica significa que sua construção não aparece como um mero “inventar” (erdenken) sem regras, mas como uma “arte dialética do desenvolvimento” (TL, II, p. 173), que se desdobra segundo uma determinada lei, cujo reconhecimento explícito é, recursivamente, a sua própria finalidade. A expressão que Fichte usa para conotar essa dinâmica de produção e reconhecimento da lei é, como veremos melhor mais adiante, um Erfinden, um ‘descobrir’ ativo a partir de elementos conhecidos. Como uma atividade de descoberta, o reconhecimento criativo da lei implícita na arte dialética do desenvolvimento permite que o indivíduo filosofante se reconheça tanto como livre, quanto como envolvido em uma relação mais ampla que se reflete em seu fazer específico, mas não é esgotada por ela (TL, II, p. 222-223). A aquisição desta consciência é o ápice do caminho introdutório e reflete de modo explícito um projeto filosófico que pode ser interpretado no quadro de um pensamento da relação e da multiplicidade, que prevê o reconhecimento de um “princípio comum que forma a humanidade” como sua condição de possibilidade17. Assim, em termos gerais, pode-se dizer que a lógica transcendental é uma crítica da filosofia, na medida em que tematiza a compreensão das regras da arte de pensar corretamente sobre as conexões da lógica tradicional; é doutrina, na medida em que apresenta e deduz as leis do pensamento lógico a partir do pressuposto fundamental da doutrina da ciência, isto é, da natureza figurativa do conhecimento, e é, enfim, um órgão porque é funcional para a aquisição daquele habitus intelectual necessário para entender e desenvolver a doutrina da ciência. No entanto, em TL II os aspectos instrumentais, doutrinários e críticos não são mantidos separados, mas se sobrepõem organicamente. A aquisição do habitus necessário à doutrina da ciência, conseguido a partir da análise de exemplos particulares, coincide com a apresentação das leis do pensamento, que emergem da análise dos próprios exemplos particulares, e por meio da exposição e da justificação da ‘lógica’ que os regra e que está na base da doutrina da ciência.

  • 18 Cf. § 7 do escrito Über den Begriff der Wissenschaftslehre oder der sogennanten Philosophie de 1794 (...)

7 Esse desenvolvimento circular revela a estrutura recursiva e auto-reflexiva da filosofia transcendental fichtiana e exibe seu caráter científico peculiar, definido, desde as primeiras abordagens de Fichte, a questão da relação entre pensamento filosófico e lógica formal.18 Esta cientificidade não tem a ver com a definição das determinações da lógica formal, mas sim com a definição das ações necessárias para dar vida ao conhecimento, como Fichte já explica na terceira lição de TL II, diferenciando uma filosofia empírica, que alcança o ser, de uma filosofia transcendental, que capta a gênese e o devir que define àquele próprio ser (TL II, p. 107-108).

3. LÓGICA TRANSCENDENTAL E LÓGICAS

  • 19 Sobre este ponto cf. Zöller, 2013.
  • 20 Um tratamento de uma possível interpretação crítica da lógica hegeliana a partir do ponto de vista (...)

8 Pelas muitas referências já presentes nas primeiras aulas de TL II, fica claro como o projeto que se concretiza nas aulas fichtianas pode ser contextualizado e compreendido a partir de referências de longo alcance que refletem o debate sobre a lógica do século XVIII, que se encontram na gênese da crítica kantiana e que são organicamente repensadas por Fichte à luz do programa filosófico que está na base da visão da WL. Este último visa esclarecer e deduzir a relação entre a investigação das condições de possibilidade do conhecimento filosófico e sua necessária articulação em formulações sempre novas das conexões com base nas quais se estrutura a compreensão da realidade19. Pode-se dizer que Fichte incorpora uma tendência geral, segundo a qual a lógica não é uma ciência que lida apenas com as regras abstratas do pensamento, mas, conforme o próprio Hegel escreve na Ciência da lógica, se realiza em um conhecimento que se dedica ao racional, isto é, à síntese entre a certeza (forma) e a verdade (conteúdo), ou, em outras palavras, é metafísica: ciência cujo objetivo é mostrar como as ideias relativas ao dever, ao infinito, à liberdade não são ideias infinitas no sentido de uma universalidade sem conteúdo, mas no da universalidade plena, entendida como determinidade do conceito (Hegel, 2004, 754), que se obtém pela elevação acima do finito, do condicionado, do sensível (Hegel, 2004, 755)20.

  • 21 Conforme escreve Bardili, 1800, p. 1-2. Sobre o pensamento de Bardili e o impacto do pensamento del (...)

9 A própria definição de lógica dada por Fichte no início de TL I, não é nada relacionado com uma disciplina que enumera as regras abstratas de pensamento, mas, sim, com a compreensão do pensamento, do juntar e do julgar como resultado de uma força espiritual que na lógica se forma, se revela, mas não se esgota nela. Nos atos lógicos, escreve Fichte, o pensamento “que aparece como pensamento por meio do eu é apenas o reflexo do verdadeiro pensamento original, que o filósofo, enxergando, vê; pensamento original por meio do qual todas as coisas são e eu próprio sou, longe daquele ser por este” (TL, I, p. 47). São variações em torno de uma necessidade fundamental: definir as estruturas gerais da realidade a partir de um princípio geral que forma essa relação de acordo com as potencialidades do sujeito concreto, mas também não coincide com este último. A lógica é, neste sentido amplo, a definição da ordem da realidade, ou, para usar uma expressão de Bardili, a chave para acessar a essência da natureza (Schlüssel zum Wesen der Natur), para fazer do mundo um sistema e não um caos21.

  • 22 Na reconstrução da abordagem fichteana ao psicologismo são relevantes, junto com o celebre Magazin (...)

10 No entanto, a tentativa de libertar o desenvolvimento do pensamento da atuação de um sujeito concreto também atende à necessidade de diferenciar a doutrina da ciência de uma forma de psicologia. A distinção entre filosofia, psicologia e lógica refere-se, de fato, aos protagonistas do debate sobre o psicologismo com o qual Fichte já se confrontava na época de seu ensino em Jena. Em especial, em seus cursos de lógica, Fichte tende a distinguir sua perspectiva daquela de Fries e da sua recondução da pesquisa transcendental à análise da vida interior do sujeito, conforme o filosofar se resolve “em uma questão de experiência interna”, em uma “auto-observação da alma conformando-se à experiência”, em “pesquisa antropológica”, “e consiste em um conhecimento psico-empírico”, ou em uma “ciência da natureza e das propriedades de nosso conhecimento a priori” (Fries, 1798, 199)22.

  • 23 Cf. a respeito o quanto Fichte fala na lição de introdução na filosofia de 1810 transcrita por Twes (...)

11 Longe de se propor como partidário de um psicologismo que ele mesmo considerava ingênuo, Fries reconduz os procedimentos do conhecimento empírico a leis rigorosamente lógicas que conferem unidade aos estados empíricos do eu e também representam o caminho para uma generalização progressiva dos dados da experiência em função da formulação de máximas heurísticas para a pesquisa psicológica (Fries 1807, I, p. 321-322). Referindo-se à Begriffschrift de 1794, ele tenta mostrar como a afirmação que identifica a Wissenshaftslehre com a ciência das ações necessárias do espírito humano não está em contradição com o projeto de uma psicologia empírica, que Fichte sempre teria pretendido rejeitar (Fries, 1803, p. 21 -23). O procedimento hipotético da doutrina da ciência não pode ignorar a abstração e a reflexão, que são ações que representam o principal campo de investigação da psicologia. A impossibilidade de prescindir dela reúne o psicologismo da doutrina da ciência com a lógica formal que permanece um pressuposto implícito para a formulação discursiva de seu percurso. Diante da Wissenschaftslehre, nos encontramos, portanto, “desorientados. A princípio parecia-nos a ciência da ciência [...] depois ela é definida como antropologia filosófica” (Fries, 1803, p. 23). Este é o caráter de “significado historicamente mais elevado” da doutrina da ciência que, mesmo contra as intenções explícitas de seu autor, teria dado à antropologia a dignidade da única “filosofia primeira” possível. No psicologismo de Fries, bem como na antropologia filosófica que ele contrasta com a doutrina da ciência, a subjetividade representa um termo irregressível que une investigação transcendental, lógica e psicologia. Toda análise dos procedimentos do conhecimento é apresentada, em outras palavras, como uma investigação que se move a partir dos estados internos do sujeito para ser conduzida em total conformidade com as leis da lógica formal. O pressuposto da interpretação da WL como antropologia filosófica seria que o eu da doutrina da ciência em seu sentido último seria nada mais que o eu de um sujeito concreto e, em qualquer caso, não um princípio eficaz em um contexto auto-reflexivo (Fries, 1798, p. 191). A criatividade da compreensão científica também seria atribuída à polarização arbitrária da atenção, à associação de ideias (Fries 1807, I, p. 255) e, finalmente, sublimada na perspicácia do indivíduo filosofante para compreender melhor do que os outros as caraterísticas da sua própria vida interior (Fries 1798, 1 p. 78). Do ponto de vista fichtiano, entretanto, tal concepção é muito e muito pouco ao mesmo tempo. Muito, pois reduzir os fenômenos investigados pela doutrina da ciência a estados do sentido interno, empírico e, portanto, contingente, significa admitir a possibilidade de representações irrepetíveis do sentido interno, que Fichte rejeita como patológicas23. Muito pouco, porque a redução do eu a um pressuposto irregressível da compreensão científica e filosófica compromete a possibilidade de poder dar-lhe uma compreensão transcendental. Assim, enquanto “para o lógico [o eu] é um conceito abstrato”, o Wissenschaftslehrer pergunta “quem é esse eu fazendo isso? De onde vem sua força?” (TL I, p. 42).

  • 24 Dentre os muitos tratamentos da teoria fichteana da imagem vou me limitar a indicar o mais acabado (...)

12 Mais do que um ponto de chegada ou um pressuposto inefável da compreensão psicológico-empírica, o eu de que fala a WL é o motor do “saber do saber”: a estrutura que intermedeia o processo de autocompreensão do conhecimento científico que o define (TL II, p. 223). O eu é fenômeno, poder figurativo, imagem. É sempre a reprodução de algo que não se esgota na reprodução figurativa. A imagem, como reprodução, contém o que reproduz, mas apenas de forma virtual: ela não se reduz à consciência representativa de algo exterior, mas está ciente de seu potencial, de seu caráter dinâmico24. A compreensão filosófica assume o eu como ponto de partida não porque representa um pressuposto irregressível, mas porque expressa o caráter fundamentalmente figural do saber: uma reprodução que se relaciona reflexivamente com sua própria origem e que se torna visível na própria imagem. Por isso Fichte pode argumentar, na conclusão da segunda lição de TL II, que não é o eu que pensa, mas o saber é que “pensa na apercepção” (TL II, p. 99).

  • 25 Fichte parece aqui estar reinterpretando o trecho do § 16 da Critica da razão pura B, 134-135. Sobr (...)

13 O principal alvo crítico de Fichte em TL II é, nesse sentido, Kant. O erro fundamental da crítica kantiana é, segundo Fichte, o de limitar-se a uma mera descrição factual das condições de possibilidade das determinações do conhecimento, enquanto no contexto de TL II seria possível, por outro lado, apresentar o fundamento genético delas (TL II, p. 109-110) baseando-se em uma única tese fundamental - aquela segundo a qual o “Eu penso’’ não é o princípio do pensamento, mas um produto dele (TL II, p. 188-189, p. 212) - chegando, neste caminho, a uma descrição orgânica das determinações da lógica (conceito, juízo, silogismo). Na perspectiva de TL II, de fato, o eu é entendido como o meio que permite a especificação do próprio pensamento em determinações particulares. O eu configura-se assim como a estrutura reflexiva básica que regra a dinâmica do saber; em particular, é entendido como implicação da lei que define a origem do saber ou, mais precisamente, como imagem do ser que nele se revela. Essa compreensão do saber, não como um produto do eu, mas como uma totalidade dinâmica de relações (TL II, p. 110), implica um primado da apercepção como unidade analítica diante da percepção como unidade sintética25. Kant havia dado prioridade a esta última, ou seja, à percepção como aquela função original capaz de unificar o múltiplo dado na intuição sensível. Em Fichte, a apercepção deve ser entendida como o correlato do trazer-se à manifestação do conhecimento como vida do absoluto (TL, I, p. 188-189). A apercepção não produz um dado múltiplo, mas requer - é sua estrutura figurativa que o exige - que um múltiplo seja dado para a compreensão (TL II, p. 165). A percepção é, portanto, tanto um si (ou seja, um auto-relacionamento analítico, imediato, pré-reflexivo) como um si que se conhece reflexiva e sinteticamente como um si em relação a si mesmo. Este segundo aspecto, o momento da síntese, “é uma mera cópia da unidade analítica” (TL, II, p. 166).

14 Ora, a prioridade da unidade analítica não envolve uma desvalorização da sintética, mas simplesmente uma reconfiguração do que deve ser entendido por “síntese”. O ato sintético de apercepção não deve mais se limitar à capacidade do eu reconectar um dado múltiplo. A síntese terá que reconstruir - nachbilden - aquele si unitário que surge intuitivamente como uma unidade analítica. O momento reconstrutivo, entretanto, não segue cronologicamente a auto-relação analítica, mas é apenas uma maneira diferente de ver o si unitário. A unidade sintética é aquela perspectiva na qual um dado múltiplo pode ser entendido como unificado - ou nachgebildet - em função do eu. A construção da unidade sintética da apercepção deve, portanto, visar mostrar e exibir em uma imagem, o si da unidade analítica como aquilo que se desenvolve no devir (TL II, p. 176). A questão é complicada apenas em aparência, porque a intuição de si mesmo, ou do fenômeno, como o que se desenvolve no devir leva ao discurso sobre a estrutura do ver, que Fichte já havia abordado em TL I em dois sentidos. Em parte, porque a recondução do aparecer do fenômeno à unidade do ver representa a base para a construção transcendental da empiria e, portanto, do fato de um múltiplo para o eu. Em parte porque esclarece, de acordo com TL I, que a construção da empiria exige que no ver concreto seja sempre o fenômeno que vê a si mesmo. Cada intuição empírica está relacionada ao surgimento de um plano supra-empírico que, para o Fichte de TL II, “funda o campo prático” (TL II, p. 177). Essa fundamentação se dá em consonância com a metodologia utilizada no decorrer das lições, ou seja, com a arte dialética do desenvolvimento, na qual, como em parte já foi visto, o filósofo leva o ouvinte a apreender o aspecto genético de um fenômeno a partir de um exemplo aparentemente desconectado do problema principal a ser tratado, cuja função é, entre outras coisas, colocar o fenômeno observado em contradição consigo mesmo. Se afirmamos que a unidade analítica da apercepção tem prioridade sobre a unidade sintética, não vemos como deveria ser possível entender a apercepção como unidade analítico-sintética ao mesmo tempo, ou seja, como um lugar em que análise e síntese têm igual importância. (TL, II, p. 172). A função do método dialético, entretanto, não é a de “fundar” a percepção, mas apenas a de induzir o ouvinte das lições a “encontrar” autonomamente a maneira certa de considerar a mesma lei que se apresenta nos diferentes lados dos quais o fenômeno pode ser apresentado. O a arte dialética é, portanto, um método “compatível com a lei” e precisamente uma “construção” que tem a função de “um guia para inventar o conceito por meio da imaginação para que surja a evidência” (TL II, p. 177). O “encontrar”, ou o “inventar”, indicam um procedimento que conota simultaneamente o resultado de uma construção realizada de modo artificial e a descoberta de algo que permanece externo a ela. Com efeito, o que o Erfinden deve tornar reconhecível não é, senão a lei que determina a legalidade do método com que se realiza a construção, que é, ao mesmo tempo, aquela que regra o estar junto de dois aspectos aparentemente contraditórios do fenômeno (unidade analítica e unidade sintética de apercepção). Ou seja, a mesma lei rege o aparecimento absoluto do fenômeno na forma de uma unidade analítico-sintética da apercepção e o estabelecimento de uma visão que compreende e traduz essa dinâmica em conceitos. Assim, Fichte pode fazer aos seus ouvintes uma pergunta que, dada a complexidade dos temas discutidos até agora, deve surgir espontânea:

Agora, quando terminarmos, o que será? Veremos como vimos antes: só que este nosso ver terá outra qualidade constitutiva, compreenderá a si mesmo em seu fundamento ou em base e a partir de sua lei, assim como agora conhecemos o pensamento: não mais o saber simples, mas o saber que traz consigo seu expoente: um conhecimento que não apenas sabe, assim que refletido, o que, mas também por que é e é assim. Clareza (TL, II, p. 207).

4. LÓGICA TRANSCENDENTAL, LÓGICA FORMAL, TEORIA DA INVESTIGAÇÃO

  • 26 Sobre o papel da atenção neste contexto, cf. Maesschalk, 2007.

15 O simultâneo inventar e descobrir que caracterizam a lógica transcendental não a distanciam, por si só, da lógica comum. Ambos procedem com base no desenvolvimento da liberdade da atenção26. Mas, ao contrário da lógica comum, a lógica transcendental radicaliza essa liberdade. Na verdade, ela “sabe que o pensamento da lógica comum é uma reprodução do pensamento original [...] Isso pressupõe um conhecimento relativo à maneira de seu modo de proceder e se contenta em ser uma imagem” do conhecimento originário, a partir da qual o pensamento se concretiza como síntese de um múltiplo. O ponto em que essa diferença se consuma é, para Fichte, relativamente simples: segundo a lógica comum, são dadas as formas, e não apenas a matéria, por meio das quais o pensamento se concretiza e organiza os dados. O pensamento nada mais seria, portanto, que a conjunção extrínseca das determinações relacionadas com a aplicação dessas formas. O eu lógico se veria diante de “duas imagens completamente novas” (TL II, p. 92), a de uma sequência de fenômenos e a do eu que o unifica em uma multiplicidade e em uma “simples visão geral”. Desse modo, a lógica comum forma um pensamento adequado e “a priori, antes de qualquer conceito geral” que, por um lado, lhe garante uma compreensão orgânica e sistemática da realidade e, por outro lado, permite-lhe enriquecer essa totalidade indefinidamente. O próprio Kant seria parcialmente responsável por essa atitude, pois ele admite que “há pelo menos algo, na estruturação conhecida do saber, que não pode ser dado a ele pelas coisas [...] mas que é fundado no próprio conhecimento” e que ele chama a priori (TL II, p. 111). Nesta perspectiva, as leis do pensamento certamente surgirão como formas de generalização dos dados empíricos. Mas esta não é uma condição suficiente para que sejam considerados necessários. O psicologismo da lógica comum e a sistematização correlata do múltiplo com base em uma visão global estão estruturalmente condenados ao ceticismo. A visão ampla e sistemática do múltiplo permite expor a própria experiência interna e, possivelmente, descrever sua dinâmica. Mas a consciência de que o que é dito ou descrito é o reflexo de um procedimento e de uma verdade que a priori definem o trabalho intelectual de cada um nunca pode derivar daqui. E essa necessidade, entretanto, também pode ser decididamente descartada.

  • 27 Trata-se do ensaio Von einem neuerdings erhobenen vornehmen Ton in der Philosophie, em Kant, 1902-, (...)
  • 28 O alvo crítico de Fichte neste ponto é, na verdade, Jacobi. Sobre este aspecto cf. Ivaldo, 1998 e H (...)

16 Tanto na primeira como na segunda lógica transcendental, Fichte associa essa possibilidade ao “senhor” de que fala Kant no ensaio de 179627 e usa sua semântica para enfatizar a função fundamental que o trabalho de reflexão tem em alcançar a Besonnenheit necessária para a execução e compreensão da WL. O senhor a que Kant se refere torna-se o ícone das consequências epistemológicas e existenciais implícitas na lógica comum. Ele “circumnavegou várias vezes, com um olhar penetrante do qual nada escapa”, explorou “o oceano das opiniões humanas”, graças à sua perspicácia dialética, “é capaz de voltar a criar milhares de mundos semelhantes, caso se percam”. Assim, ele eleva sua experiência passada a um princípio universal e afirma que nenhuma opinião é superior às outras “(TL II, p. 156). A habilidade imediata de penetrar nas opiniões dos homens, a invenção de novos mundos possíveis e a construção da experiência pessoal passada como um critério único de verdade, coincidem com uma desvalorização da razão e o com o consequente empreendimento metafísico inerente a ela (TL II, p. 248)28. O resultado da pesquisa realizada na Transzendentale Logik apresenta uma orientação diferente. Não o exercício de um talento imediato, mas a demonstração de que o pensamento surge como uma determinação necessária do saber. Junto com o saber, deve dar-se também o pensar, da mesma forma que a intuição e o múltiplo da intuição:

Objeto: o pensamento. Aqui reside a diversidade. -. De acordo com a lógica comum, é mais uma determinação casual da primeira representação, do conhecimento atualmente pressuposto; por exemplo, da representação do mundo. De acordo com a filosofia, é uma determinação original, sem a qual a representação não existe. Também é uma operação do pensamento, de um pensamento [...] Bem, é isso que chamamos de conhecimento que faz a si mesmo. Agora, isso é em parte um pensamento. Portanto, o pensamento faz a si mesmo: o saber pensa (uma proposição muito importante, TL II, p. 103).

17 Assim, se a lógica comum requer o “filtro” da reprodução em que o que é percebido empiricamente é devolvido a uma atividade sintética que faz com que os dados da percepção se conformem à reelaboração lógico-conceitual, a doutrina da ciência pretende ir além da reprodução para perceber reflexivamente o que se traduz em atividade reprodutiva. No contexto da lógica transcendental, essa superação se dá por meio de uma reflexão sobre o ver, entendido como “uma força espiritual que por si mesma se configura como tal olhar sintético” (TL, I, p. 46). É uma força, ou uma vida, que se exibe na atividade determinada do juntar. Não há visão porque há um objeto a ser visto. Mas os objetos são vistos porque é o ver a si mesmo que exige que algo seja visto em virtude de uma força que precede a visão real e se traduz nela. O fazer a si mesma da força do ver em uma visão real qualifica a conformação da própria força, isto é, a capacidade da força do ver constituir a si mesma em uma imagem (Bild). A imagem, por sua vez, tem dois lados. O primeiro diz respeito ao que é representado na própria imagem. O segundo, por outro lado, diz respeito ao operador ou à forma pela qual o ver é conscientemente colocado em uma determinada forma, independentemente da visão real. No primeiro caso, o ver converge imediatamente para o que se vê e, portanto, para uma determinada intuição. No segundo caso, entretanto, o ver assume a forma da regra segundo a qual o ver determinado pode ser entendido como uma formação particular da força figurativa do ver. Esta regra, ou lei, expressa essencialmente o conceito (TL, I, p. 75; TL, II, p. 92). A unidade de intuição e conceito, que, no decorrer das lições de lógica, Fichte expressa simbolicamente na forma b x a, constitui a origem do conhecimento real. O conhecer um objeto apresenta-se como uma imagem específica que unifica o ver que se perde no próprio objeto (intuição) e a lei que permite e regra esse perder-se (conceito). Os dois momentos, porém, são dois lados diferentes de uma única força não empírica que se transfigura em conhecimento real: a vida do ver. Ao atingir esse nível de compreensão da atividade cognitiva, a lógica transcendental pode desconstruir um pressuposto fundamental da lógica comum, segundo a qual o pensamento lógico encontra sua principal ferramenta na abstração livre. A atividade que a partir do dado empírico remonta às suas estruturas gerais representa o exercício do pensamento livre a partir de representações dadas. No entanto, esse pensamento livre troca o que faz parte da estrutura geral do pensamento - isto é, o fato de que ver é sempre ver de acordo com uma lei que o ver dá a si mesmo ao traduzir-se em um conceito - com a realidade efetiva, que o lógico considera como um objeto externo ao seu pensamento livre (TL I, p. 60). E, nesse sentido, a lógica comum assume como ponto de partida o que na realidade é um resultado e, em particular, o produto genético da visão do formar-se do saber. A doutrina da ciência, porém, não quebra com a consciência ordinária, mas aparece como um instrumento potencial de organização dele, no que diz respeito à sua própria matéria e aos seus problemas (Dewey, 1949, 1p. 23). O olhar reflexivo da lógica transcendental, de fato, redefine o sentido do que se entende por experiência. Ele não se fixa na elaboração de um dado intuitivo, mas se foca na constituição de um modelo, ou de um horizonte, em que os dados são constituídos, embora não produzidos, pela articulação do pensamento. O ponto de maior distância de Kant nas primeiras lições de TL II consiste justamente em uma compreensão diferente da relação entre mente e mundo e, em especial, na superação dos que Dewey chamam de “vínculos universais para restaurar a objetividade”, típicos do pensamento kantiano, os quais, porém, pressupõem o particularismo da experiência e recursos não empíricos separados para realizar a integração entre dado e conceito (Dewey, 2009, p. 6).

  • 29 Cf. a respeito Johnston, 2006. Sobre a importância de Hegel e da filosofia clássica alemã na formaç (...)

18 De fato, a reconstituição fichteana da experiência à luz da vida do ver leva à uma conclusão que, mesmo de pontos de partida diferentes, fica muito próxima dos pressupostos que levam Dewey à construção de uma teoria da investigação. Mesmo continuando fiel ao espírito do idealismo, em construir a sua concepção da lógica como teoria da investigação, Dewey recusa o suposto dualismo implícito na concepção kantiana da experiência em função de uma concepção dinâmica inspirada por Hegel. Daí consegue certamente a suspeita para com toda separação entre teórico e pratico, mas, acima de tudo, a elaboração de uma ideia de saber e de experiência baseadas na interação entre si e ambiente que recusa o psicologismo em função de uma visão coerentista da consciência29. Com esta expressão podemos entender a explicação do surgir do dado e da possibilidade de reproduzi-lo a partir da estrutura interna da consciência. Mas podemos entender também o fato de que toda efetivação filosófica não surge a partir de regras abstratas, mas sim, reconduz toda efetivação específica do saber ao

resultado de alguma investigação específica, segundo a qual a concepção do saber enquanto tal não pode ser senão uma generalização de propriedades que se revelam pertinentes às conclusões que são a coroação da investigação. Saber [...] é um termo para designar o produto de uma investigação apropriada (Dewey, 1949, p. 40).

19 Na lógica transcendental fichtena esses dois aspectos do coerentismo deweyano se sobrepõem. A definição imanente (ou coerentista) da emergência do dado a partir da estrutura do saber vai junto com a definição das regras que tornam possível esta explicação. A definição da experiência, portanto, não termina na definição da empiria, mas na da essência da empiria, ou seja, na apresentação justificada da dinâmica em função da qual a empiria adquire um sentido racional e operacional por meio do desenvolvimento e da autorreflexão da imagem (Bertinetto, 2011, p. 209 ss.). Nesta perspectiva, as formas do pensamento simplesmente não são compreendidas e aplicadas aos dados intuitivos, mas construídas efetivamente e derivadas como aplicações do conhecimento a si mesmo. Em Fichte também “todas as formas lógicas (com suas propriedades e características) nascem do trabalho de investigação e dizem respeito ao controle da própria investigação tendo em vista a confiabilidade das afirmações produzidas” (Dewey, 1949, p. 34). As formas lógicas originam-se, portanto, nas operações de investigação, enquanto esta última (ou seja, o desenvolvimento do saber) é a causa das formas que a própria investigação justifica. As formas do pensamento, que a nível da lógica transcendental representam o sujeito da investigação, tornam-se por sua vez ferramentas para o sucesso da própria investigação, que não é um fim em si, mas se apresenta como base para o estabelecimento de certas situações existenciais (Dewey, 1949, p. 47). Neste contexto, em que a atividade de reflexão é especificamente operativa, as novas situações existenciais estabelecidas pela lógica transcendental, ou seja, os exemplos assumidos apenas aparentemente de forma arbitrária, mas na realidade atribuíveis à estrutura interna e não psicologicamente determinada do pensamento, representam problemas para realizar uma investigação concreta e completa das formas do pensamento e, como efeito, para preparar o desenvolvimento da filosofia primeira. Cada problema colocado no contexto introdutório representa, em outras palavras, um estado de coisas abordado pela investigação que, uma vez resolvido, a modifica, a justifica e a completa.

20 De resto, como o próprio Dewey admite,

A atenção para o modo de fazer é indispensável para o controle do que se faz. O artesão, por exemplo, apreende que se ele opera de uma certa forma o resultado prefixado vai se produzir com facilidade, dadas certas condições materiais. Ao mesmo modo, nós descobrimos que, em conduzir os nossos raciocínios de uma certa maneira, iremos chegar ceteris paribus a conclusões seguras. A ideia de um método de investigação surge como expressão explicita de um hábito já implícito em todo um conjunto de suposições (Dewey, 1949, p. 45).

21 A lógica como uma introdução, portanto, não é apenas extrínseca à doutrina da ciência, nem a doutrina da ciência pode ser entendida apenas como uma metafilosofia. Mais do que isso, a função instrumental da lógica no que diz respeito à filosofia representa um momento fundamental para que a investigação desenvolvida pela doutrina da ciência se realize numa efetiva reestruturação do pensamento que não permanece fixo e fechado em si mesmo, mas é estruturalmente aberto e eticamente qualificado.

Inicio de página

Bibliografía

5. BIBLIOGRAFIA

Bertinetto, A. (2001). L’essenza dell’empiria. Napoli: Loffredo.

Bertinetto, A. (2012). L´appercezione trascendentale nell´ultimo sistema berlinese di Fichte. Annuario Filosofico, 400-415.

Bianco, B. (1980). J.F. Fries. Rassegna storica di studi (1803-1978). Napoli: Bibliopolis.

Bonnet, C. (1999). Le prejugé du trascendental. Archives de Philosophie, 475-488.

Dewey, J. (1949). Logica. Teoria dell’indagine. Torino: Einaudi.

Dewey, J. (2009). Per una filosofia risanata. Roma: Armando.

Dewey, J. (2014). Esperienza ed Educazione. Milano: Cortina.

Drechsler, J. (1955). Fichtes Lehre vom Bild. Stuttgart: Kohlhammer.

Duso, G. (1974). Contraddizione e dialettica nella formazione del pensiero fichtiano. Urbino: Argalia.

Eckardt, G., John, M., van Zantwijk, T., & Ziche, P. (2001). Anthropologie und empirische Psychologie um 1800. Ansätze einer Entwicklung zur Wissenschaft, 2001. Köln-Böhlau-Weimar: Vandenhoek & Ruprecht.

Elshans, T. (1906). Fries und Kant. Ein Beitrag zur Geschichte und zur systhematischen Grundlegung der Erkenntinistheorie. Giessen: Töpelmann.

Ferraguto, F. (2010). Filosofare prima della filosofia. Hidelsheim: Olms.

Ferraguto, F. (2018). As acrobacias de um novo escritor de filosofia: Fichte sobre a lógica de Hegel. Revista de Estudos hegelianos, 145-163.

Ferraguto, F. (2019). Non multa sed multum. Fichte e a Fundação da Universidade de Berlim. In D. Ferrer, A filosofia da história e da cultura em Fichte (p. 169-186). Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra.

Ferraguto, F. (2020). O Verdadeiro para além do fundamento. O realismo racional de Reinhold. Cadernos de Filosofia alemã, em publicação.

Ferraguto, F. (2020). Rythmus and Setzen. Fichte’s Answer to rational realism. In M. Bondeli, & S. Imhof, Fichte and Reinhold in confrontation (p. 215-232). Berlin-New York: De Gruyter.

Fichte, J. (2000). J.G. Fichtes Ultima inquirenda. Stuttgart-Bad Cannstatt: Frommann-Holzboog.

Fichte, J. (2000). Logica trascendentale I. L´Essenza dell´empiria. Milano: Guerini.

Fichte, J. (2004). Logica trascendentale II. Sul rapporto della logica con la filosofia. Milano: Guerini.

Fichte, J. (2007). I fatti della coscienza (1810-1811). Milano: Guerini.

Fichte, J. G. (1845). Saemtliche Werke. Berlin: De Gruyter.

Fichte, J. G. (1986). Die Wissenschaftslehre. Zweite Vortraege im Jahr 1804. Hamburg: Meiner.

Fries, J. (1967). Neue oder anthropologische Kritik der Vernunft (1807). Aalen: Scientia.

Fries, J. (1967). Reinhold, Fichte und Schelling (1803). Aalen: Scientia.

Fries, J. F. (1982). Über das Verhältnis der empirischen Psychologie zur Metaphysik , hrsg. von , pp. . In G. König, & L. Geldsetzer (A cura di), Sämtliche Schriften, (Vol. 2, p. 251-297). Aalen: Scientia.

Fuchs, E. (Stuttgart 1978-). Fichte im Gespräch – Berichte der Zeitgenossen. Stuttgart-Bad Cannstatt: Frommann-Holzboog.

Girndt, H. (A cura di). (2015). Natur in der Transzendentalphilosophie. Eine Tagung zum Gedenken an Reinhard Lauth. Berlin: Dunckher & Humboldt .

Hammacher, K. (1981). Hammacher, Fichte, Maimon und Jacobi: Transzendentaler Idealismus und Realismus, in Transzendentalphilosophie als System, cit., pp. . In K. Hammacher, Der transzendentale Gedanke: Die gegenwärtige Darstellung der Philosophie Fichtes (p. 243-263). Hamburg: Meiner.

Hegel, G. (2004). Scienza della logica. Roma-Bari: Laterza.

Ivaldo, M. (1998). Fichte zu Jacobi in der ersten Transzendentalen Logik von 1812. Fichte-Studien, 107-119.

Ivaldo, M. (2007). Resenha ao tomo II, 14 da Gesamtausgabe de Fichte. Rivista di Storia della Filosofia, 625-626.

Ivaldo, M. (2015). Fichtes Naturlehre in der Sicht von Reinhard Lauth. In H. Girndt, Natur in der Transzendentalphilosophie. Eine Tagung zum Gedenken an Reinhard Lauth (p. 135-162). Berlin: Duncker & Humboldt.

Johnston, J. S. (2006). Dewey’s Critique of Kant. Transaction of the Charles S. Peirce Society, 518-551.

Kant, I. (1902-). Kants gesammelte Schriften. (K. P. Wissenschaften, A cura di) Berlin: Reimer.

Kant, I. (1991). Scritti sul Criticismo. Roma-Bari: Laterza.

Lauth, R. (1984). Die transzedentale Naturlehre nach den Principien der Wissenschaftslehre. Amburg: Meiner.

Lauth, R. (1986). L’idea globale della filosofia in J. G. Fichte, , a c. di C. Cesa, Napoli, pp. . In R. Lauth, La filosofia trascendentale di J. G. Fichte (p. 23-67). Napoli: Guida.

Lauth, R. (1998). Eine Bezugnahme Fichtes auf Hegels Wissenschaft der Logik im Sommer 1812. Kant-Studien, 456-464.

Lauth, R. (1999). Il sistema di Fichte nelle sue tarde lezioni berlinesi. In J. Fichte, Dottrina della scienza. Esposizione del 1811 (p. 11-52). Milano: Guerini.

Maesschalck, M. (2007). Attention et signification chez Fichte et Husserl. Les conditions d’une lecture phénoménologique de Fichte. In J. Goddard (A cura di), Fichte. La Philosophie de la maturité (1804-1814). Paris: Vrin.

McDowell, J. (2005). Mente e Mundo. São Paulo: Ideias e Letras.

McKenna, E., & Pratt, S. L. (2015). American Philosophy. From Wounded Knee to the Present. London: Bloomsbory.

Mechler, W. (1911). Die Erkenntnistheorie bei Fries aus ihren Grundbegriffe dargestellt und kritisch erörtert . Kant-Studien (Ergänzungsheft, Bd. 22).

Pareyson, L. (1993). Estetica. Teoria da formatividade. Petropolis: Voszes.

Peimann, R. (2009). Das Denken als Denken. Die Philosophie des Christoph Gottfried Bardili. Stuttgart- Bad Cannstatt: Frommann-Holzboog.

Pettoello, R. (1992). Un «povero diavolo empirista». F.E. Beneke tra criticismo e positivismo. Milano: Franco Angeli.

Poggi, S. (1977). I sistemi dell’esperienza. Psicologia, logica e teoria della scienza da Kant a Wundt. Bologna: Il mulino.

Pozzo, R. (1988). Kant und das Problem einer Einleitung in die Logik. Ein Beitrag zur Rekonstruktion der historischen Hintergründe von Kants Logik-Kolleg. Frankfurt a. M.-Bern-New York-Paris: Lang.

Rametta, G. (2002). L’idea di filosofia nel tardo Fichte. Rivista di Storia della Filosofia, 461-468.

Rametta, G. (2003). Doctrine de la Science et Doctrine de l’état. La dissolution de la théologie politique chez le dernier Fichte. In J. Goddard, Fichte. La Philosophie de la maturité (p. 143-158). Paris: Vrin.

Reinhold, K. L. (1801-1803). Beyträge zur leichtern Übersicht des Zustandes der Philosophie beym Anfänge des 19. Jahrhunderts. Hamburg: Perthes.

Roberto, D. (2007). Kant e Fries. Significato e legittimità della “svolta antropologica. Milano: Unicopoli.

Shook, J. (2000). Dewey’s Empirical Theory of Knowledge and Reality. Nashville: Vanderbilt University Press.

Tognini, G. (1987). Tradizione e nuova filosofia nel realismo logico di Bardili. Annali della Scuola Normale Superiore di Pisa. Classe di Lettere e Filosofia, p. 771-826.

Zöller, G. (2013). Fichte Lesen. Stuttgart Bad Cannstatt: Fromman Holzboog.

Inicio de página

Notas

1 Ofereci um tratamento destas críticas em Ferraguto, 2020a; para uma análise mais ampla do contexto deste trecho e do impacto crítico no desenvolvimento da reflexão transcendental cf. Ferraguto, 2020b.

2 Que notadamente apareceu na Intelligenzblatt da “Allgemeine Literatur-Zeitung” de Jena, o 28 de agosto de 1799.

3 Cf. a respeito Bardili, 1800, p. 25-26; p. 342.

4 Sobre as relações de Fries com a filosofia transcendental cf. Roberto, 2007. Uma descrição geral do pensamento de Fries encontras-se dada por Elshans, 1906; Bianco, 1980; Pettoello, 1992; Bonnet, 1999; Mechler, 1911; Poggi, 1977.

5 Para uma problematização desta distinção cf. Tognini, 1987.

6 Dewey, 1949, p. 48. Trata-se de uma abordagem que aparece também na definição pareysoniana de formatividade, entendida como modo de fazer que “enquanto faz, inventa o seu proprio modo de fazer” (Pareyson, 1993, p. 20), empregada de forma muito eficaz por Bertinetto, 2011 (em especial pp. 111-112) para interpretar o desenvolvimento da lógica fichteana. De fato, entre Dewey e Pareyson tem uma relação muito próxima, declarada pelo próprio Pareyson (1993, p. 10) e evidente também na concepção operacional da lógica, conforme a qual as leis do espirito não correspondem a algo dado, mas são definidas pela dinâmica e a interação entre fim e meios da pesquisa e conforme as quais o resultado não é pensavel independentemente do processo da pesquisa (Pareyson, 1993, p. 29 e p. 60). Para uma interpretação da doutrina da ciência de Fichte neste sentido cf. também Duso, 1974.

7 Cf. Staatslehre, Fichte, 1845, IV, p. 390. Trata-se de um dos termos básicos para entender o conceito fichteano de aplicação da filosofia, sobre que cf. Rametta, 2003.

8 Muito interessante, neste sentido, é a definição dada por Dewey, conforme toda experiência tem um aspecto ativo que muda as condições objetivas em que ela é feita (Dewey, 2014, p. 26), que encontra uma correspondência interessante na interpretação da doutrina da ciência dada por Lauth, 1984, p. 15 e 21, sobre a qual cf. também Ivaldo, 2015 e, em geral, os textos publicados em Girndt, 2015. Este movimento fichteano, de fato, não é relevante apenas no que diz respeito ao desenvolvimento do debate sobre a filosofia kantiana entre o século XVIII e XIX, mas é relevante também para entender tentativa contemporânea de dissolver as angustias filosóficas da modernidade proposta por John McDowell a partir de uma problematização da transição de Kant a Hegel, ou seja de uma concepção em que a relação entre mente e mundo é definida pela síntese da experiência, e chega a uma perspectiva em que a aparente contraposição entre mente e mundo é suprassumida no desenvolvimento de uma razão que não é apenas prestação teórica do sujeito, e sim uma razão mais ampla em função da qual a contraposição faz sentido. Na concepção de McDowell, que de certa forma desenvolve pressupostos do pragmatismo de Dewey (cf. McKenna-Pratt, 2015, p. 361), é verdade que Kant não atribui à receptividade uma contribuição separável da sua cooperação com a espontaneidade (McDowell, 2005, p. 78). De fato, Kant não parece admitir um fundamento extraconceitual último para tudo o que é conceitual: “Na experiência observamos, por meio de impactos sobre os sentidos, elementos da realidade que não estão de forma alguma fora do conteúdo pensável” (McDowell, 2005, p. 79). Por outro lado, o pensamento kantiano caracteriza-se por um arcabouço transcendental. Aqui é o pensamento do suprassensível que fornece o modelo de uma realidade independente da espontaneidade, encarnando uma “realidade genuína” respeito a qual toda realidade empírica é fraudulenta. Esta ambiguidade do pensamento kantiano levaria com sigo três implicações: 1. limitaria a possibilidade de afirmar que a experiência exerce uma influência racional sobre o nosso pensamento. Se a realidade genuína é a suprassensível, não é possível entender a integração entre mente e mundo na forma de uma constrição racional que vem da sensibilidade, e sim apenas no sentido de uma elaboração passiva da experiência, transfigurada em determinações da experiência interna do sujeito (McDowell, 2005, p. 70); 2. Impediria exercer uma autêntica responsabilidade diante da realidade. Através da admissão do suprassensível “nossa liberdade responsável no âmbito do pensamento parece ficar aquém de uma liberdade genuína. É como se Kant estivesse dizendo que embora uma exculpação não possa fazer as vezes de uma justificativa, e embora empiricamente falando possamos ter justificativa para nossos juízos empíricos, o melhor que podemos obter para os juízos empíricos, em termos transcendentais, são exculpações” (McDowell, 2005, p. 81), ou seja, seriamos levados a cindir mente e mundo e tratar os nossos juízos empíricos em função de uma falha originária, que tiraria deles todo poder argumentativo. 3. Geraria nos sucessores do próprio Kant, mais uma dinâmica ambígua: por um lado a admissão do suprassensível é criticada como traição de um genuíno idealismo. Por outro lado, na ambição de assimilar o suprassensível à realidade o idealismo desrespeita o senso comum pela independência do mundo ordinário (McDowell, 2005, p. 82). Contudo, esta ambiguidade do transcendentalismo kantiano não tem que ser entendida como alternativa. Os dois lados dela são duas maneiras de desenvolver um mesmo pressuposto. Como veremos ao longo deste artigo, a reestruturação da relação entre pensamento e dado, não tem termos de síntese, mas sim de formação (Bildung) ou de formatividade, típica da doutrina da ciência de Fichte representa uma alternativa a esta intepretação.

9 Cf. a celebre afirmação da Segunda introdução na doutrina da ciência, Fichte, 1962, I, 4, p. 212.

10 De agora em diante os dois cursos de lógica transcendental irão ser indicados como TL I e TL II. Os cursos de lógica fichteana são citados na tradução italiana de Alessandro Bertinetto: Fichte, 2000 e Fichte, 2004.

11 A presença de Fries como objetivo polêmico das investigações fichteanas da lógica transcendental é um dado relativamente controverso. Mesmo que não pareça que Fichte tenha lido o Systhem der Logik publicado pelo Fries em 1811, ele tinha que lidar com hostilidade de W.M.L De Wette, teólogo e discípulo de Fries, chamado como professor na Universidade de Berlim em 1810. Como o próprio De Wette escreve a Fries em 5 de novembro de 1813 (Fuchs, 1978, V, p. 59), o escopo das aulas dele era, entre os outros, o de expor os elementos fundamentais do pensamento de Fries em uma chave antifichteana e antischleiermacheriana. A própria nomeação de De Wette devia representar o primeiro passo para chamar para Universidade de Berlim o próprio Fries, conforme o próprio Jacobi esperava (cf. Lauth, 1998, p. 458). Um tratamento da possível presença de Fries na reflexão fichteana sobre a lógica transcendental encontra-se em Ivaldo, 2007.

12 Neste artigo, não se adentra aos pormenores da questão teórica da introdução na doutrina da ciência. Forneci um tratamento amplo deste assunto em Ferraguto, 2010. Para uma visão geral da articulação sistemática dos cursos ministrados por Fichte em Berlim entre 1810 e 1814 cf. Lauth, 1986 e Lauth, 1999.

13 Desenvolvi uma análise mais ampla e uma reconstrução histórica do conceito de Fertigkeit na doutrina da ciência de Fichte em Ferraguto, 2019.

14 Sobre a lógica transcendental como introdução e para uma síntese do debate que teve a esse respeito cfr. Bertinetto, 2001, p. 86 e sg.

15 Sobre os vários sentidos da lógica no século XVIII cf. Pozzo, 1988.

16 Na fase berlinense da doutrina da ciência o método da Realeinleitung é empregado também nas Einleitungsvorlesungen de 1813, cf. por exemplo Fichte, 2000, p. 120.

17 Cf. por esta definição Rametta, 2003.

18 Cf. § 7 do escrito Über den Begriff der Wissenschaftslehre oder der sogennanten Philosophie de 1794. Uma comparação ampla entre o ponto de vista da lógica transcendental de 1812 e a interpretação fichteana da lógica na Begriffschrift encontra-se em Bertinetto, 2001.

19 Sobre este ponto cf. Zöller, 2013.

20 Um tratamento de uma possível interpretação crítica da lógica hegeliana a partir do ponto de vista da lógica transcendental de Fichte foi dado em Ferraguto, 2018.

21 Conforme escreve Bardili, 1800, p. 1-2. Sobre o pensamento de Bardili e o impacto do pensamento dele na reflexão sobre a logica do século XIX, cf. Paimann, 2009.

22 Na reconstrução da abordagem fichteana ao psicologismo são relevantes, junto com o celebre Magazin für Erfahrungsseelenkunde de Moritz, que apresentava, entre outros, um conjunto de materiais de psicologia experimental, pelo menos duas revistas com as quais a reflexão fichteana pode ser colocada em relação direta e que tem um impcato direto sobre a formação de Fries também. A primeira é com certeza o Psychologisches Magazin de C.Ch.E. Schmid, uma revista jenense, publicada a partir de 1796, cuja publicação prossegue sob o título de Antropologisches Journal entre 1803 e 1804. Um ano antes da publicação da revista de Schmid aparece em Jena também a Ankündigung de uma outra revista, intitulada também de Psychologisches Magazin, dirigida por J.G. Heyng, que o próprio Fichte não podia não conhecer, pois ela foi objeto de uma resenha publicada no IV tomo do Philosophisches Journal. Heyng, que tinha sido aluno de Fichte em Jena em 1796, estava também em oposição direta a este último e foi autor do escrito An Herrn Professor Fichte in seiner philosophischen Einsamkeit (1796), além de vários outros textos menores construídos a partir de uma noção de eu empírico contraposta à conceituada por Fichte. Interessante é a tentativa de Heyng de entender a psicologia como saber fundamental ao qual as demais ciências devem se reconduzir. Sobre estes temas cf. a importante discussão das diferentes posições apresentada por Eckardt, John, van Zantwijk, & Ziche, 2001.

23 Cf. a respeito o quanto Fichte fala na lição de introdução na filosofia de 1810 transcrita por Twesten, em Fichte, 1962, IV, 4, p. 28.

24 Dentre os muitos tratamentos da teoria fichteana da imagem vou me limitar a indicar o mais acabado e aprofundado, Drechsler, 1955.

25 Fichte parece aqui estar reinterpretando o trecho do § 16 da Critica da razão pura B, 134-135. Sobre o problema da apercepção na logica transcendental fichteana cf. Bertinetto, 2012.

26 Sobre o papel da atenção neste contexto, cf. Maesschalk, 2007.

27 Trata-se do ensaio Von einem neuerdings erhobenen vornehmen Ton in der Philosophie, em Kant, 1902-, VIII, p. 387-407.

28 O alvo crítico de Fichte neste ponto é, na verdade, Jacobi. Sobre este aspecto cf. Ivaldo, 1998 e Hammacher, 1981.

29 Cf. a respeito Johnston, 2006. Sobre a importância de Hegel e da filosofia clássica alemã na formação do pensamento deweyano, cf. Shook, 2000.

Inicio de página

Para citar este artículo

Referencia electrónica

Federico Ferraguto, «Lógica transcendental, teoria da investigação, filosofia. Sobre a lógica transcendental de J. G. Fichte»Revista de Estud(i)os sobre Fichte [En línea], 20 | 2020, Publicado el 01 junio 2020, consultado el 12 enero 2025. URL: http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/ref/1496; DOI: https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/ref.1496

Inicio de página

Autor

Federico Ferraguto

PUC-PR

Artículos del mismo autor

Inicio de página

Derechos de autor

Salvo indicación contraria, el texto y otros elementos (ilustraciones, archivos adicionales importados) son "Todos los derechos reservados".

Inicio de página
Buscar en OpenEdition Search

Se le redirigirá a OpenEdition Search