- 1 Para uma apresentação dos diferentes mecanismos, remetemos para a leitura do artigo de Loïc Blondi (...)
- 2 Yves Déloye mostrou as crenças e representações que “fazem existir, momentaneamente, o ordenamento (...)
1A criação, pela lei de 25 de Junho de 1999 (lei “Voynet”, artigo 26), de Conselhos de Desenvolvimento nas províncias e nas aglomerações urbanas com mais de 50.000 habitantes inscreve-se na preocupação dos diferentes governos com associar os cidadãos às decisões políticas locais, em nome da democracia participativa.1 Este objectivo é claramente afirmado no enunciado das razões da lei, onde encontramos toda a retórica encantatória própria da política de ordenamento e desenvolvimento do território.2 Podemos assim ler: “O ordenamento e o desenvolvimento sustentável do território obrigam a romper com as concepções dirigistas que ignoram a aspiração dos indivíduos a participar na construção do seu próprio futuro”. É o que confirma Dominique Voynet, ministra do Ambiente e do Ordenamento do Território, ao apresentar o seu texto à Assembleia Nacional, quando afirma que
- 3 Lei de Orientação para o Ordenamento e o Desenvolvimento Sustentável do Território.
a criação dos Conselhos de Desenvolvimento e a elaboração concertada constituem a outra inovação da LOADDT3 e continuam, se já não por inventar, pelo menos por generalizar. Essa criação deverá inspirar‑se em experiências já existentes, para que o Conselho não seja apenas mais uma instituição entre outras, mas sim um lugar de debate público e contraditório, onde os agentes, mais do que as instituições, se encontrem, troquem ideias, proponham, contribuam, acompanhem, avaliem.
2Após a adopção da lei, os eleitos locais foram, por conseguinte, obrigados, seja no quadro do estabelecimento público de uma cooperação intermunicipal, seja no quadro provincial, a criar estes Conselhos de Desenvolvimento. A função que a lei lhes atribui é estritamente consultiva: as suas decisões não se impõem às instâncias comunitárias, mas orientam os seus debates, devendo permitir aos eleitos chegar a um “interesse geral territorializado”, um “bem comum” (Lascoumes e Le Bourhis, 1998) aceitável pelo maior número. É assim que os membros do Conselho de Desenvolvimento devem contribuir para elaborar a carta provincial ou o projecto de aglomeração, pronunciar-se sobre documentos de planificação como os Planos Locais de Urbanismo (PLU), os Esquemas de Coesão Territorial (SCOT), os Planos de Deslocamento Urbano (PDU), e ainda sobre as questões urbanas e sociais do território. A lei introduz, todavia, uma diferença entre os Conselhos de Província e os Conselhos de Aglomeração. Os primeiros são automaticamente associados à elaboração da carta provincial, ao passo que os segundos só intervêm em caso de preparação de um projecto de aglomeração. Verifica-se, no entanto, que a maioria das aglomerações adoptou esta prática, o que relativizou a distinção estabelecida pelo legislador.
- 4 Remetemos para o trabalho de Loïc Blondiaux e Sandrine Levêque (1999). Ver também Blondiaux, 2001. (...)
- 5 Podemos referir-nos aqui ao que Jürgen Habermas escreve, a propósito da sociedade civil: “o seu co (...)
3Os Conselhos de Desenvolvimento distinguem-se de outras estruturas ou procedimentos do âmbito da democracia participativa pelo seu modo de designação e funcionamento. Com efeito, e contrariamente aos conselhos de bairro, por exemplo,4 os Conselhos de Desenvolvimento não são estruturas abertas ao público. Os seus membros são designados pelo conselho comunitário e são geralmente escolhidos intuitu personnae pelos eleitos locais. É raro integrarem membros na sua qualidade de simples habitantes. Para além disso, as reuniões não são públicas, nem objecto de mediatização junto do público, salvo, em certos casos, as dos grupos de trabalho. Ainda que, no discurso dos poderes públicos nacionais, os conselhos se inscrevam no quadro da democracia participativa, a sua função será mais contribuir para a produção de um conhecimento especializado local, susceptível de ajudar os eleitos locais a elaborar uma estratégia de desenvolvimento do seu território. Esse conhecimento inscreve-se numa lógica processual, resultando do confronto de diferentes pontos de vista e interesses, e tendo por objectivo chegar a um consenso, a uma aproximação de posições consideradas antagónicas, ou portadoras de preocupações dissonantes. Nesse sentido, a composição dos Conselhos de Desenvolvimento esforça-se por reflectir a “sociedade civil local”, isto é, os indivíduos ou instituições que são os seus agentes,5 mas sem procurar uma representatividade total.
- 6 Inscrevemo-nos aqui numa abordagem sociológica do espaço público inspirada numa concepção habermas (...)
4Podemos interrogar-nos sobre o contributo efectivo destes Conselhos de Desenvolvimento e a sua capacidade para fazer existir um espaço público local6 onde sejam apresentados, discutidos e argumentados os principais interesses territoriais. Será, pois, o Conselho, para retomar as questões colocadas por L. Blondiaux e S. Levêque, um “espaço público de deliberação, de interpelação” que permita empreender um debate sobre orientações estratégicas territoriais susceptível de esclarecer os eleitos, ou antes uma instância de legitimação de escolhas feitas noutra esfera?
5Num outro plano, podemos perguntar-nos em que medida cidadãos escolhidos por competências reconhecidas (militância associativa, posição institucional ou económica, personalidades qualificadas…) serão capazes de se distanciar dos seus interesses particulares para, mediante um processo de generalização crescente, chegarem à produção de um interesse geral territorializado e, por isso mesmo, exercerem influência sobre decisões políticas. Tal como em outras formas de democracia participativa, não se trata de substituir a democracia representativa, mas sim de a enriquecer.
6É a estas questões que o presente texto se esforça por responder. Baseia-se num trabalho em curso que visa estudar o funcionamento e o papel atribuído aos Conselhos de Desenvolvimento, apoiando-se na observação de três instâncias próprias de cidades onde foi elaborado e adoptado um projecto de aglomeração: Arcachon, Bordéus e La Rochelle.
7A comunidade de aglomeração urbana da Bacia de Arcachon do Sul (COBAS) agrupa quatro cidades: Arcachon, Gujan-Mestras, Teste-de-Buch e Teich, representando mais de 54.000 habitantes residentes durante o ano. Criado em Janeiro de 2002, este estabelecimento público de cooperação intermunicipal (EPCI) substituiu um distrito e iniciou, em 2003, a preparação do seu contrato de aglomeração, assinado a 31 de Janeiro de 2004. Para esse efeito, os eleitos criaram um Conselho de Desenvolvimento em Novembro de 2002. Em 2006, esse Conselho serviu de base à instalação de um Conselho de Desenvolvimento Provincial, na sequência da criação de duas comunidades de autarquias situadas, também elas, na região da Bacia: a comunidade do Val de Leyre e a comunidade da Bacia Norte (COBAN). Desde então, o Conselho da COBAS continua a existir, mas funciona de forma alargada quando se trata da carta provincial.
8Composta por 27 autarquias que agrupam mais de 700.000 habitantes, a Comunidade Urbana de Bordéus (CUB) começou por criar, em 1999, uma instância de concertação que se tornaria, em 2000, o Conselho de Desenvolvimento Sustentável da Aglomeração Bordalesa (CDDAB). A sua primeira missão foi colaborar na preparação da Carta de Desenvolvimento Sustentável. Em Fevereiro de 2004, o Conselho foi de novo convocado por Alain Juppé, presidente da CUB, para preparar o contrato de aglomeração num prazo fixado para Junho de 2005. Com base no trabalho de classificação das cidades europeias realizado pela DATAR, o Conselho foi assim interpelado sobre diferentes pontos susceptíveis de reforçar o carácter atractivo da aglomeração bordalesa. Esta consulta alargar-se-ia a outros temas (habitação social, universidade, investigação…) quando, na sequência da demissão de Alain Juppé de todos os seus mandatos, o socialista Alain Rousset o substituiu na presidência da CUB.
9A Comunidade de Aglomeração de La Rochelle foi criada em 24 de Dezembro de 1999, em substituição da Comunidade Urbana. Agrupa 18 autarquias com perto de 140.000 habitantes. Colaborando desde 1992 no quadro de um EPCI de competências alargadas (desenvolvimento económico, cultura, transportes, política da habitação social…) e apoiando‑se numa fiscalidade única, os eleitos de La Rochelle haviam já começado a preparar um contrato de cidade antes da entrada em vigor da lei Voynet. É o que explica que o Conselho de Desenvolvimento tenha sido instituído em Fevereiro de 2001 e que o contrato de cidade tenha sido adoptado em Junho de 2001, ou seja, logo a seguir. Este Conselho colaborou, todavia, na elaboração do novo contrato de aglomeração assinado com o Estado e a Região em 9 de Julho de 2004. Desde aí, foi convocado pelo presidente da câmara e presidente da aglomeração, Maxime Bono, para se pronunciar sobre os futuros contratos de projectos (que substituem os contratos de plano Estado-Região).
10Os novos prazos dos contratos levaram, pois, a que os três Conselhos de Desenvolvimento aqui estudados tenham recomeçado a reunir-se após algum tempo de relativa inacção. Uma vez mais, os seus membros têm de trabalhar, quer na actualização do diagnóstico territorial, quer na definição de novas prioridades. Já fizeram, entretanto, a aprendizagem de uma colaboração comum, nomeadamente no que toca aos interesses em jogo e ao papel do Conselho de Desenvolvimento. Foi, pois, estudando a sua experiência passada e o seu trabalho actual que realizámos esta investigação. Antes de nos interrogarmos sobre a efectividade da acção participativa, podemos examinar o funcionamento e a organização dos diferentes conselhos.
11A lei de 25 de Junho de 1999 deixou uma significativa margem de manobra aos eleitos locais na criação dos Conselhos de Desenvolvimento. Não existem directivas precisas acerca da sua composição, estando unicamente prevista a necessidade de uma reunião anual. Tal como já foi assinalado, o objectivo é co-produzir a acção pública local, propondo, pelo menos, orientações possíveis. Tendo em conta a sua dependência do papel que os eleitos locais consideraram atribuir-lhes, compreende-se por que é que a instituição destes conselhos se efectuou de maneira diferenciada consoante os territórios e as configurações políticas. A partir das situações observadas, podemos salientar diversos aspectos.
12A primeira clivagem que podemos assinalar, observando os diferentes Conselhos de Desenvolvimento, diz respeito à presença ou não de eleitos locais entre os seus membros, a qual pode ir até à presidência da estrutura, como acontece no Conselho de Desenvolvimento Sustentável da CUB, ou em numerosas estruturas da região de Poitou‑Charentes. Dependendo, pois, do contexto, os eleitos podem estar ou não representados no colégio dos membros designados. Do mesmo modo, nem todos os eleitos locais desejaram integrar habitantes enquanto tais nos conselhos. Alguns foram nomeados em virtude da sua pertença associativa ou sócio-profissional, mas, em nenhum caso, como porta‑vozes de uma opinião “leiga”. Em contrapartida, e ainda no caso de Bordéus, admitiu-se a designação de um habitante por autarquia para contrabalançar uma opinião “especializada” ou institucional.
13Tendo em conta estes dois elementos, podemos, assim, distinguir dois modelos de organização dos Conselhos de Desenvolvimento:
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- 7 Encontramos também uma separação em colégios (representantes do mundo económico, do mundo sindical (...)
- 8 Jerôme Burguière era anteriormente director do plano no Conselho Regional da Aquitânia.
- 9 Expressão utilizada pelo presidente da Câmara aquando da nossa entrevista.
- 10 Em Arcachon, o presidente do Conselho de Desenvolvimento é Pierre Delfaud, professor de Economia n (...)
o conselho concebido como reprodução mais ou menos fiel de um Conselho Económico e Social Regional (CESR), isto é, uma instância dividida em colégios, com um terço dos assentos reservados ao mundo económico, um outro terço aos sindicatos e um último ao mundo associativo e a personalidades qualificadas. É o que acontece com o conselho da COBAS e com o da Comunidade de Aglomeração de La Rochelle, mesmo se, neste caso, a repartição por colégios não é assim tão rigorosa.7 A escolha deste tipo de composição foi imposta pelos presidentes dos EPCI. Em Arcachon, o presidente da COBAS, François Deluga, igualmente presidente da Câmara do Teich, é também vice-presidente do Conselho Regional da Aquitânia. Juntamente com o director do Desenvolvimento Sustentável do Território do EPCI, também ele oriundo da mesma instituição,8 Deluga quis importar os métodos de trabalho da instituição regional, nomeadamente a presença de uma instância de socioprofissionais, distinta da assembleia política. Cinquenta e seis membros foram, assim, nomeados pelos eleitos autárquicos. Foi também esta a solução adoptada por Maxime Bono, presidente da Câmara de La Rochelle e presidente da CDA, que reivindica o seu desejo de “criar um think tank9 no âmbito da aglomeração”, reduzindo a sua composição a 36 membros. Esta preferência outorgada aos elementos socioprofissionais faz com que o presidente do Conselho, nomeado pelos eleitos autárquicos, seja também uma pessoa proveniente das suas fileiras, e não alguém eleito.10
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um modelo que poderíamos qualificar como misto, à semelhança do que sucede na CUB, em que convivem representantes institucionais (CESR, caserna militar, representantes das universidades, das câmaras consulares), agentes do mundo económico privado e público (como a SNCF, a sociedade de transportes públicos da CUB…), sindicatos, organizações profissionais e associativas, personalidades qualificadas e habitantes, à razão de um por autarquia (ou seja, 27), assistido por um suplente. No total, 68 pessoas compõem o Conselho de Desenvolvimento Sustentável, que é presidido por Alain Rousset, presidente da CUB, assistido por um vice-presidente, igualmente eleito local. Podemos salientar que foram os presidentes de câmara que escolheram o representante da sua autarquia e que, entre eles, alguns não hesitaram em nomear vereadores municipais ou cônjuges de eleitos locais (o que representa perto de um terço dos 27 “habitantes”).
14Teremos ocasião de regressar aos efeitos produzidos pela composição do Conselho de Desenvolvimento sobre o seu papel, mas podemos desde já sublinhar que ela traduz a concepção e a representação dos eleitos locais relativamente à sociedade civil local. Ao privilegiarem uma excessiva representação dos agentes institucionais e económicos, dos especialistas, os eleitos revelam o que consideram ser a voz e o ponto de vista legítimos sobre o território. É certo que continua a ser difícil reunir o conjunto dos agentes, mas a escolha das pessoas ou instituições consideradas aptas a falar do desenvolvimento territorial é já uma maneira de inflectir a reflexão e de privilegiar certos temas, nomeadamente os de cariz económico ou urbanístico – quando, na verdade, os projectos de aglomeração estão vocacionados para integrar todas as dimensões de um território. Podemos, por exemplo, observar a quase ausência de agentes oriundos do mundo cultural ou social nos três conselhos estudados.
- 11 Uma constatação que podemos fazer nos Conselhos de Bairro, como demonstram nos seus trabalhos L. B (...)
15O objectivo dos eleitos locais, no momento da composição dos Conselhos de Desenvolvimento, não era obter uma representatividade da sociedade civil local, o que explica a ausência de certos agentes11 (jovens, associações de inserção social, populações de origem estrangeira, meio médico, social e cultural…) e a predominância de pessoas provenientes do mundo económico ou das associações de defesa do ambiente. Estamos claramente em presença de um “espaço público seleccionado” (Blondiaux e Lévèque, 1999: 63), tornado possível pelo processo de nomeação. Não pode ser membro quem quer. Para além desse filtro, colocam-se problemas reais de representatividade.
- 12 Homem de 78 anos, mas muito empenhado na presidência de uma associação de bairro da sua autarquia. (...)
16Para começar, se há interesse na presença de habitantes, como acontece no Conselho de Desenvolvimento da CUB, verifica-se que estes têm uma certa dificuldade em se posicionar. Escolhidos pelo seu presidente da Câmara, não se sentem verdadeiramente representativos da população da sua autarquia, onde não passam de uma voz entre outras. Em nenhum caso se vêem obrigados a prestar contas sobre as posições que são levados a assumir, não recebendo quaisquer instruções dos outros habitantes. Da mesma maneira, não fazem qualquer retorno da informação junto das instâncias municipais que os nomearam. Na verdade, estas pessoas só se representam a si mesmas. “Quem representamos nós? Não temos contacto com a autarquia nem com os habitantes, o presidente da câmara não nos deu qualquer directiva”, lamenta um habitante de uma autarquia periférica.12 Um ponto de vista partilhado por outros habitantes interrogados. Esta indeterminação pesa sobre o seu posicionamento e, em última análise, sobre a sua legitimidade para falar.
17Podemos verificar o mesmo em relação a alguns representantes institucionais ou associativos. Estarão eles ali para emitir um parecer institucional ou colectivo, ou um ponto de vista pessoal? Em La Rochelle, o presidente da câmara, igualmente presidente da CDA, decidiu, em certos casos, escolher ele próprio uma pessoa membro de uma instituição, retirando a esta última a competência para o fazer, e isso em virtude de colaborações anteriores. Foi o caso de uma assistente social empregada na CAF, que tem assento a esse título, mas sem mandato da sua instituição. A que título toma ela posição? Envolve indirectamente a CAF em discussões sobre a habitação social, por exemplo, correndo o risco de ser desmentida? Já aconteceu de facto, por diversas vezes, a direcção da CAF de La Rochelle vir negar, junto do Conselho de Desenvolvimento, posições assumidas pela sua funcionária durante as reuniões.
- 13 Mulher, membro da SEPANSO desde 1989. Entrevista realizada em 24/08/06.
18Em Bordéus e Arcachon, esta questão da representatividade coloca problemas a representantes associativos e, nomeadamente, às associações de defesa do ambiente. Preocupados com falar em nome da sua organização e com defender uma posição colectiva, esforçam-se por concertar previamente uma posição comum com os outros membros da sua estrutura, mas para isso é necessário estar na posse dos diferentes documentos, dos projectos de deliberação que, muitas vezes, só são distribuídos no momento da reunião. “Não estamos propriamente mandatados pela nossa associação, do mesmo modo que os habitantes não o estão pela sua autarquia; não há uma verdadeira definição dos papéis”, critica uma militante, membro de uma importante associação de defesa do ambiente.13 Esta situação constitui um obstáculo à manifestação pública de opinião, uma vez que as pessoas receiam, em relação a questões técnicas que não dominam por completo, comprometer moralmente a sua associação, ou “dizer disparates”, para empregar os termos desta militante ecologista.
19Seja para os habitantes, seja para os representantes de associações ou grupos profissionais, a definição do mandato não parece, por conseguinte, clara, suscitando-lhes o problema de como se posicionarem no seio do Conselho de Desenvolvimento. E daí que alguns membros sejam levados a abandonar o lugar, ou a assumir uma posição contemporizadora.
- 14 A título de exemplo, refira-se que, aquando de uma reunião de um grupo de trabalho consagrado à ap (...)
20A questão da representatividade coloca-se igualmente aquando dos trabalhos do Conselho, e nomeadamente dos grupos de trabalho. A ausência de pessoas provenientes do mundo cultural, social e educativo, da acção social, da saúde, das associações de utentes, faz‑se sentir em certos debates, assim como nas comissões de “Habitação Social” ou “Transportes”. Para compensar essa falha, os presidentes dos Conselhos de Desenvolvimento, ou a Direcção do Desenvolvimento Sustentável, quando é ela a assegurar a gestão administrativa do Conselho, adquiriram o hábito de convidar, a título de observadores, diversas pessoas que provêm justamente dessas áreas esquecidas. Assim, no Conselho de Desenvolvimento Sustentável da CUB, estão presentes diversas pessoas oriundas do mundo sociocultural, do campo social ou de associações de utentes,14 mas sem terem, no entanto, direito de voto. Estão lá na qualidade de simples observadoras.
- 15 Sophie Duchesne e Pierre Muller observam que “a cidadania, da forma como se manifesta no universo (...)
21Este modo de funcionamento conduz implicitamente a uma lógica de qualificação/desqualificação dos discursos produzidos e das posições ocupadas no espaço social. Os diferentes intervenientes encontram-se, assim, hierarquizados segundo a capacidade que os eleitos locais atribuem às pessoas por eles designadas para expressar uma opinião legítima. Na medida em que a representatividade não é nem estatística nem política, não surge claramente definida e assenta numa forma de organização assaz censitária – uma democracia enquadrada – daquilo que estes mesmos eleitos, todavia, apresentam como uma expressão da democracia participativa. Não se trata, por conseguinte, de uma representação de cidadania, mas de uma representação categorial, na medida em que as pessoas nomeadas são fundamentalmente vistas como agentes e alvos das políticas públicas locais, encontrando-se assim encerradas nos papéis de agente económico, defensor do ambiente, sindicalista…15
22Seria um erro pensar que todas as pessoas nomeadas têm igual interesse em participar nas reuniões dos Conselhos de Desenvolvimento. A elevada taxa de absentismo (próxima dos 50% na maioria dos casos, incluindo nas comissões) mostra que alguns escolheram deliberadamente praticar a política da cadeira vazia. Podemos, na verdade, admitir que a progressiva diminuição do número de participantes nas reuniões se deva a um desinvestimento; mas o facto é que encontramos, ao longo do tempo, os mesmos interlocutores nos diferentes conselhos.
- 16 Em Dezembro de 2005, Alain Rousset substituiu Alain Juppé, demissionário de todos os seus mandatos (...)
23Em Bordéus, perto de metade dos habitantes nunca participou nas reuniões, tal como certos sindicalistas. Outros, como os representantes das câmaras consulares, ou de organizações profissionais (Federação das Obras Públicas da Região da Aquitânia, Federação do Comércio Bordalesa…), só muito esporadicamente apareceram. Esta ausência não suscitou reacção da parte dos eleitos comunitários, que em nenhum momento manifestaram o desejo de modificar a composição do Conselho, nem mesmo no momento da mudança de presidente da CUB,16 quando isso mesmo lhes era solicitado por certos participantes. Em Arcachon e La Rochelle, encontramos o mesmo fraco investimento por parte dos sindicalistas e de certas organizações profissionais (MEDEF, câmaras consulares, centro hospitalar…). Em contrapartida, nestes dois conselhos, as associações de defesa do ambiente, assim como os representantes do turismo, da hotelaria e os loteadores de terrenos, dão mostra de grande assiduidade nas reuniões e participam, sempre que podem, na nomeação dos grupos de trabalho temático.
24Este interesse em participar explica-se, nomeadamente, pelo facto de estarmos em presença de cidades litorais (Arcachon, La Rochelle) onde a pressão fundiária é significativa e onde existe uma forte oposição entre os defensores do ambiente e agentes económicos ligados ao desenvolvimento do território. Mesmo sabendo que o Conselho de Desenvolvimento não é uma instância decisória, parece-lhes importante estar presentes para influírem na definição dos interesses em jogo e nas orientações territoriais. Tomam esta instância como uma tribuna para questionar os eleitos. Em La Rochelle, essa interpelação parte muitas vezes do presidente do Conselho, ele próprio presidente de uma associação de defesa ambiental. A sessão de 10 de Julho de 2006 deu-lhe assim ensejo para propor uma reflexão sobre a orla litoral do SCOT em preparação. Pôde chamar a atenção dos eleitos para a necessidade de proteger certas zonas sensíveis e retomar a questão do tratamento dos detritos. Uma sessão plenária da COBAS, em 6 de Setembro de 2006, constituiu ocasião para diferentes representantes de associações de defesa do ambiente interpelarem o presidente do Conselho e os eleitos presentes no sentido de que se organizasse uma reunião pública para discutir o projecto da grande auto-estrada de circunvalação do aglomerado bordalês.
25Esta possibilidade de favorecer a inscrição na agenda local de temas relativos ao ambiente, como o cumprimento da Agenda 21 ou debates acerca dos factores de desenvolvimento local (infra-estruturas de transporte, habitação, urbanização…) explica o grande investimento de certos agentes e o seu envolvimento regular nas diferentes comissões que procuram dirigir. Mas serão por isso escutados, e terão verdadeiramente a possibilidade de fazer inflectir algumas escolhas políticas?
26No momento da criação dos Conselhos de Desenvolvimento, os eleitos locais insistiram sobre o seu papel de animador, de “agitador de ideias”. Aquando da reunião de 18 de Outubro de 2005, A. Rousset, presidente da CUB e do CDDAB, recorda que vê no Conselho de Desenvolvimento “quatro funções principais: uma função prospectiva, uma função participativa, uma função pericial e uma função de intercâmbio”. Insiste sobretudo nesta última, explicando que lhe “parece primordial. O intercâmbio de boas experiências, aquilo a que as empresas chamam bench marking, das boas práticas nas aglomerações urbanas (em França, mas também na Europa) permite ganhar tempo, integrando as melhores ideias da forma mais rápida possível”. Os outros presidentes do EPCI insistem, por seu lado, no “olhar crítico dos membros do Conselho de Desenvolvimento, precioso para os eleitos”.
27Esta retórica, recorrente no discurso dos eleitos, convida a que nos interroguemos sobre a efectividade desta função de intercâmbio, de conhecimento pericial, tantas vezes invocada. Estaremos perante um discurso encantatório ou uma prática de democracia participativa? A resposta não pode, naturalmente, ser categórica e depende simultaneamente, e antes de mais, das margens de manobra que os conselhos conseguem criar e do uso que os eleitos fazem do conteúdo dos debates e das propostas.
- 17 Título do documento de síntese requerido pelo presidente Alain Juppé.
28Pelo que nos foi dado ver, é esta a tarefa primordial dos Conselhos de Desenvolvimento. Todavia, o estudo das suas condições de trabalho mostra que o seu contributo permanece limitado, principalmente por problemas de calendário. Aquando da elaboração da Carta de Desenvolvimento Sustentável ou do projecto de aglomeração, os três Conselhos de Desenvolvimento tiveram, de facto, prazos muito curtos para se pronunciarem. Em Bordéus, os membros do Conselho começaram por trabalhar entre Fevereiro de 2004 e Junho de 2005, para elaborar as suas “propostas acerca dos objectivos a definir e dos meios a mobilizar para desenvolver o carácter atractivo da aglomeração bordalesa numa perspectiva de desenvolvimento sustentável”.17 Este trabalho foi fruto de três comissões, mas beneficiou de um amplo apoio de encarregados de missão. Em Janeiro de 2006, o Conselho foi de novo requisitado a propósito de três matérias definidas pelo novo presidente da CUB: Habitação, Responsabilidade Social das Empresas, Ensino Superior e Investigação. Desta vez, teve apenas quatro meses para apresentar as suas conclusões.
29Com duas assembleias plenárias por ano e uma ou duas reuniões mensais dos grupos de trabalho, os membros do Conselho de Desenvolvimento ficam com pouco tempo para produzir uma reflexão colectiva sobre questões relativamente complexas. A isso acresce o tempo necessário para a aquisição de um mínimo de conhecimentos, sobretudo para os mais leigos, que lhes permita participar eficazmente nas discussões. Em Bordéus, as primeiras sessões foram muitas vezes consagradas à audição de especialistas externos que vieram apresentar experiências de outras aglomerações – o que foi também o caso em La Rochelle.
30Em Arcachon, o tempo foi também limitado no momento de elaborar o projecto de aglomeração. Os membros, repartidos em quatro comissões, reuniram-se semanalmente durante dois meses, antes de entregarem as suas conclusões a um técnico da COBAS, que assegurou a redacção final do relatório. Recentemente, dispuseram de apenas três meses para produzir um diagnóstico territorial de valor estratégico para a província de Arcachon (de Junho a Agosto de 2006, ou seja, em plenas férias de Verão!).
31Este calendário apertado torna necessário um trabalho de fundo realizado pelos serviços dos EPCI. São eles que coligem os dados necessários para a preparação do diagnóstico, os interpretam e, por último, orientam os debates. Muitas vezes, chegam mesmo a elaborar um primeiro documento que serve de quadro de discussão aos membros do Conselho de Desenvolvimento. Em La Rochelle, as linhas mestras do projecto de aglomeração foram definidas pelo serviço de Estudos e Prospectivas da Comunidade de Aglomeração, que as submeteu em seguida a uma discussão geral. Em Bordéus, num primeiro momento, na sequência da interpelação do presidente Juppé a propósito do reforço do carácter atractivo da aglomeração bordalesa, foram dois encarregados de missão que propuseram um primeiro documento que serviu, uma vez mais, para enquadrar a discussão. Produziram, depois, um documento de síntese. Num segundo momento, em Setembro de 2005, foi constituída uma Direcção do Desenvolvimento Sustentável com cinco pessoas e um orçamento de 150.000 euros. É ela, e nomeadamente os seus dois encarregados de missão, quem anima administrativamente o Conselho de Desenvolvimento, fornecendo-lhe elementos susceptíveis de alimentar as discussões. Em Arcachon, este trabalho de preparação é assegurado pela Direcção do Desenvolvimento Sustentável, coadjuvada por um agente de desenvolvimento e, principalmente, pelo presidente do Conselho de Desenvolvimento (um economista especializado em ordenamento do território, membro do CESR).
- 18 Comentários de um habitante do CDDAB, geneticista no INRA. Entrevista de 17 de Agosto de 2006.
32Esta influência dos serviços explica-se não só pela exiguidade dos prazos como pelo tecnicismo das questões levantadas. O diagnóstico territorial, base do projecto de aglomeração e de toda a estratégia territorial, assenta sobre dados numéricos, elementos cartográficos a que os membros do Conselho dificilmente têm acesso. Desde logo, os membros são convidados a pronunciar-se sobre documentos e projectos, mais ou menos ultimados, que lhes são propostos pelos serviços. Pode resultar daí uma certa frustração e a tentação de pensar que “as decisões já estão tomadas”18 ou, pelo menos, que o seu contributo é limitado.
- 19 Em La Rochelle, um membro activo é um funcionário da prefeitura, encarregado de supervisionar os c (...)
33O funcionamento dos Conselhos de Desenvolvimento continua dominado pelo lugar conferido aos universitários e a certos funcionários provenientes de administrações habituadas ao exercício da planificação e da contratualização.19 A produção de um diagnóstico territorial ou o domínio de questões urbanas como o imobiliário, os transportes, a localização de empresas, requerem um saber específico que corresponde bem à competência de certos universitários: especialistas em ordenamento do território, geógrafos, urbanistas, economistas. Estes universitários adquiriram, por isso, um lugar importante. São eles que se encarregam da orientação dos debates e da formulação de uma opinião leiga. Esta monopolização é tanto mais forte quanto os diagnósticos produzidos têm uma pretensão científica. Se queremos que os factos avançados sejam irrefutáveis, que as estratégias propostas surjam desligadas de interesses pessoais, é preciso que os números, as constatações, não sejam discutíveis. É essa a razão pela qual o trabalho se apoia em estatísticas do INSEE, em dados da CAF, do ANPE, de administrações estatais… Ora, atendendo a que os números, por si só, não falam, são os peritos, fazendo prova da sua competência, que se encarregam de os interpretar, correlacionando os diferentes dados. O trabalho produzido tem de ser científico para ser validado pelos eleitos. A sessão plenária da COBAS de 6 de Setembro de 2006, por exemplo, foi consagrada à apresentação de uma investigação estatística sobre o território (saldo migratório, rendimentos, estado do imobiliário…) preparada pelo presidente do Conselho, assistido por um agente de desenvolvimento. Pudemos, em consequência, observar um desfasamento entre o objectivo reivindicado no início da sessão – suscitar o aparecimento de propostas com base nestes dados quantitativos – e a inexistência de debate daí resultante, uma vez que ninguém se arrogou o direito de discutir um diagnóstico que, como recordou o presidente, se apoiava em “coisas oficiais”.
- 20 Alain Roussé determinou as diferentes tarefas deste comité: “lançar pistas de reflexão para o Cons (...)
- 21 Entre estes nove professores, uma maioria pertence a Bordéus 3 (Geografia e Ordenamento do Territó (...)
34Esta supremacia da opinião pericial pode ser totalmente institucionalizada, como demonstra a escolha de um especialista em economia regional para presidente do Conselho de Desenvolvimento da COBAS. Em Bordéus, os eleitos foram mais longe ao criarem, na Primavera de 2006, um “comité de pilotagem” composto por doze membros e incumbido de ser uma “caixa de ideias” do Conselho.20 Ora, no conjunto dos membros assim designados pelo presidente da CUB, encontramos nove universitários21 ou afins, alguns dos quais têm também responsabilidades profissionais. Não foi o próprio Conselho quem nomeou estes membros, mas sim os políticos, sem que tenha havido possibilidade de discussão. Não encontramos neste comité nenhum habitante, nenhum representante associativo, nenhum agente económico, nenhum sindicalista. Uma situação que pode, muito facilmente, ser lida como um assenhorear-se da palavra e do controlo dos debates por parte dos especialistas.
- 22 Entrevista realizada em 24 de Agosto de 2006.
- 23 Sandrine Rui observa que “a questão da inteligibilidade dos dados técnico-económicos é fulcral. Pa (...)
35Esta apropriação é-lhes particularmente facilitada pelo facto de alguns membros (habitantes, representantes associativos, sindicalistas…) não se julgarem competentes para participar activamente nos debates, salvo na sua capacidade de interpelar os peritos sobre questões precisas. “Sentimos que não somos competentes, ou que não temos nada a ver com determinadas matérias”, confessa uma representante de uma associação de defesa do ambiente.22 “Para discutir certos temas, é preciso dominar também os dossiês”, lamenta esta habitante, que admite igualmente ter dificuldade em compreender a linguagem técnica própria da administração, e nomeadamente as suas siglas. Membro do grupo de trabalho Habitação no CDDAB, precisa de um certo tempo para decifrar siglas como PLH (programa local do habitat), LOLF (lei orgânica relativa às leis das finanças), PLU (plano local de urbanismo), PLS (crédito ao arrendamento social)… que figuram nos documentos preparatórios que lhe são fornecidos. Para participar no Conselho de Desenvolvimento, é imperativo dominar uma linguagem político-administrativa que não está ao alcance de todos.23 Caso contrário, a pessoa acaba por se remeter a uma certa passividade. Escuta, mas não reage, deixando os peritos falar.
- 24 Entrevista realizada em 25 de Agosto de 2006 com o responsável pelo serviço.
- 25 Reunião de 3 de Fevereiro de 2005.
36Sandrine Rui recorda que “participar e fazer participar no debate público implica sempre uma avaliação e uma reflexão sobre a qualidade dos participantes” (2004: 156). Certos membros, com efeito, podem ver ser-lhes conferida uma legitimidade limitada e até, em certos casos, ser desqualificados. Em La Rochelle, essa desqualificação pode vir dos funcionários do serviço Estudos e Prospectivas da CDA, que classificam como “vagas”, “pouco realistas” e “muito decepcionantes”24 as declarações proferidas por alguns membros do Conselho de Desenvolvimento. São palavras que, segundo eles, devem ser recontextualizadas e que continuam desprovidas de efeitos práticos. Em Bordéus, o presidente do comité de pilotagem, interpelado por um habitante acerca das possibilidades de densificar o aglomerado urbano, não hesitou em responder “trata-se de uma questão demasiado séria para lhe dar uma resposta em duas palavras…”,25 sepultando assim o debate. Nestas condições, verifica-se, de facto, um certo sequestro do discurso leigo pelo discurso especializado.
37É um dos problemas levantados pelos participantes. Uma militante associativa retoma um ponto de vista frequentemente formulado: “Temos grande vontade de nos empenharmos quando pensamos que isso pode conduzir a algo de concreto”. Continua a ser difícil mobilizar as pessoas por longos períodos (superiores a cinco anos) quando as reuniões são feitas de forma descontínua e não existe uma clara percepção da finalidade do trabalho efectuado.
- 26 Entrevista realizada em 31 de Agosto de 2006.
38Em termos gerais, o problema não se situa no plano do conteúdo das propostas. A maioria dos diagnósticos territoriais, as cartas de desenvolvimento sustentável e os projectos de aglomeração recuperam uma grande parte do trabalho efectuado nas comissões e nas assembleias plenárias. “80% das nossas propostas foram retomadas pelo projecto de aglomeração”, regozija-se o presidente do Conselho de Desenvolvimento da COBAS.26 É verdade que isto traduz o reconhecimento do trabalho efectuado, mas o problema coloca-se noutro plano, que é o da influência que esses documentos podem ter sobre políticas públicas locais.
39É, sem dúvida, demasiado cedo para apreciar os efeitos práticos desse trabalho, uma vez que numerosos documentos de planificação (PLU, SCOT, PDU) estão ainda em fase de elaboração nas aglomerações estudadas, mas existe um risco de que os documentos produzidos permaneçam no plano da formalidade. Em Bordéus, certos membros do Conselho de Desenvolvimento criticam os serviços da comunidade urbana por estes não terem levado em conta as orientações da Carta de Desenvolvimento Sustentável na definição da política da água ou dos transportes. O valor prático desta Carta foi assim posto em causa. Só na Primavera de 2006, ou seja, mais de dois anos depois da sua adopção, é que o presidente pediu aos membros do Conselho de Desenvolvimento para escolherem dez acções prioritárias entre as oitenta e quatro aprovadas. Os membros viram-se, pois, obrigados a classificar as propostas, gerando com isso um sentimento de frustração e decepção. Uma grande parte do trabalho realizado foi implicitamente considerada inútil. Nestas condições, para quê empenharem-se?
40Coloca-se assim um duplo problema. Primeiro, um problema de acompanhamento das políticas locais. Por enquanto, é evidente que os Conselhos de Desenvolvimento não estão em condições de assegurar a avaliação e o acompanhamento das acções preconizadas, como previa a lei de 25 de Junho de 1999. Virão algum dia a estar, e desejarão efectivamente fazê‑lo? Segundo, um problema de colaboração com os serviços técnicos e administrativos dos EPCI. Nos três sítios estudados, não há colaboração, nem comunicação, entre os diferentes serviços e os membros do Conselho de Desenvolvimento. Assim sendo, estes últimos não são informados das acções desenvolvidas pelos EPCI. Só na véspera têm acesso aos projectos de deliberação comunitária (uma obrigação legal). São, pois, os eleitos que asseguram a ligação entre eles, nomeadamente apoiando-se, ou não, no trabalho efectuado pelos Conselhos de Desenvolvimento.
- 27 Cécile Blatrix recorda que “a tendência para centrar a atenção no debate e a sua celebração nos di (...)
- 28 Termo utilizado pelo presidente para explicitar o seu trabalho de mediação.
- 29 Jouve considera que “além do mais, o lugar do conhecimento pericial na mediação torna muito delica (...)
- 30 C. Blatrix mostra que, mesmo que o debate público seja importante, como no caso do traçado das lin (...)
41Deveremos, por tudo isto, concluir que estas estruturas não passam de instâncias de legitimação de decisões que já estão mais ou menos tomadas? Seria uma síntese demasiado rápida.27 Na verdade, tudo depende do posicionamento adoptado pelo Conselho. Desenha-se uma oposição bastante clara entre as instâncias que se colocam numa lógica de co-gestão e aquelas que, seguindo a tradição weberiana, se colocam a montante da decisão, i.e., esclarecem-na, mas não procuram influenciá-la. O Conselho de Desenvolvimento da COBAS inscreve-se nesta lógica, e fá-lo sob a autoridade atenta do seu presidente. O objectivo fixado para a estrutura é, por um lado, produzir um saber sobre o território que possa ser utilizado pelos eleitos locais e, por outro, chegar a definições comuns da situação em análise. Com efeito, uma parte significativa do trabalho realizado consiste em aproximar interesses opostos, como os dos agentes económicos e os das associações de defesa do ambiente. Mediante uma “prática de deal28 permanente”, o presidente tenta evitar uma radicalização das posições e obter compromissos. Neste sentido, uma das missões do Conselho é, de facto, “a formalização de um acordo sobre o conteúdo territorializado do interesse geral” (Lascoumes e Le Bourhis, 1998: 56), o que implica uma neutralização dos interesses particulares em nome do interesse geral. Como recorda Dominique Memmi, “a invocação do geral permite, antes de mais, a todos aqueles que se encontram neste espaço, o esquecimento da singularidade ou da parcialidade dos protagonistas, por um benéfico efeito de anamnese colectiva: já não é o ‘eu’ que está em jogo, nem a manifesta preocupação com defender lugares individuais ou colectivos, nem o inconsciente, nem as paixões, nem os afectos timbrados pelo cunho da particularidade” (Memmi, 1999: 156). Será, pois, virando costas à lógica da democracia participativa que os membros do Conselho podem esperar influenciar a política e intervir na definição dos interesses territoriais. Participa-se, mas ao preço de uma distanciação do interesse próprio, de um investimento formal (mais ou menos conseguido) na lógica do discurso pericial. Nestas condições, não existe necessariamente oposição entre o lugar do conhecimento especializado e a democratização, como considera Bernard Jouve.29 Mas não é assim tão evidente que uma estrutura como o Conselho de Desenvolvimento exclua qualquer possibilidade de conflito. Seríamos tentados a dizer que tenta antes organizar esse conflito, proporcionar-lhe uma arena, mesmo que isso não impeça, como demonstra Cécile Blatrix, que se considerem outras formas de mobilização para além da concertação.30
42Em contrapartida, o Conselho de Desenvolvimento também pode ver-se colocado numa situação de co-gestão em virtude de uma relativa proximidade com os eleitos locais. O objectivo será então pronunciar-se sobre temas definidos pelas instâncias políticas e em relação aos quais se requerem pareceres favoráveis. É o que se verifica em Bordéus, por exemplo, com a discussão da possibilidade de se criar uma instituição predial pública, um instrumento que permitiria, nomeadamente, conduzir uma política da habitação. Esta ideia partiu dos eleitos, e os membros do Conselho de Desenvolvimento foram convidados a debatê-la e a reflectir sobre a pertinência de um tal instrumento. Encontram-se assim, e desde logo, associados à decisão política, o que comporta, porém, dois grandes riscos: por um lado, o Conselho pode efectivamente tornar-se uma instância de legitimação de escolhas ou estratégias definidas a outro nível; e, por outro, pode ver-se ainda mais assediado por lobbies ou grupos de interesse que procuram influir nas orientações, obter informações e defender as suas próprias conveniências. É o que podemos já ver nos Conselhos de Desenvolvimento de La Rochelle e de Bordéus. No Conselho de Desenvolvimento da CUB, a criação de um grupo de trabalho em torno da universidade e dos subsídios à investigação reflecte a influência dos universitários presentes para levar este EPCI – numa competência que não é a sua – a considerar a concessão de ajudas indirectas no quadro de uma aproximação entre as diferentes universidades bordalesas ou entre as universidades e o mundo industrial.
43Seja como for, o lugar e o papel dos Conselhos de Desenvolvimento não estão ainda totalmente estabelecidos na paisagem institucional local. Deveremos por isso concluir, como Bernard Jouve, que “a instituição dos Conselhos de Desenvolvimento nas aglomerações urbanas francesas com mais de 50.000 habitantes, dispositivo previsto na lei Voynet, participa da monopolização do debate público pelas personalidades locais, no sentido que anteriormente definimos. Este constrangimento limita muito significativamente os efeitos da intermunicipalidade sobre a transformação da ordem política, pelo menos sobre a recomposição do laço político” (Jouve, 2005: 329)? Cremos que não. É certo que tanto a selecção das pessoas habilitadas a participar como a orientação dos debates revelam, por vezes, a influência dos eleitos locais e a sua vontade de controlar, na medida do possível, esta instância; mas isso não chega para resumir o que conduziu à criação dos Conselhos de Desenvolvimento. Eles constituem, na verdade, uma arena onde certas questões podem ser mais facilmente abordadas, como é, por exemplo, o caso, nos três sítios estudados, do problema da habitação social. Recolocada no quadro mais geral de um projecto de aglomeração e da identificação das necessidades de um território, esta questão torna-se menos sujeita a polémicas e a dissensões sectárias; não é colocada nos mesmos termos e os eleitos locais têm depois maior facilidade em se ocupar dela. O Conselho de Desenvolvimento desempenha assim o seu papel de espaço público de interpelação.
44Por outro lado, esta instância tornou-se no ponto de passagem obrigatório para a elaboração do projecto territorial, que hoje serve necessariamente de base às políticas urbanas e de ordenamento e desenvolvimento do território. Como recorda Gilles Pinson, este projecto “permite também constituir territórios em agentes colectivos, uma vez que o processo de elaboração e de execução do projecto se baseia na multiplicação e na manutenção, ao longo do tempo, das interacções entre grupos e agentes” (Pinson, 2004: 215). Os eleitos locais precisam, por isso, desta participação da sociedade civil, mas não pode afirmar‑se que controlam todas as suas modalidades. O facto de se solicitar a opinião dos cidadãos constitui um factor de legitimação da acção pública, mas pode também introduzir um risco de excesso para eleitos locais confrontados com uma mediatização de questões que não conseguiram impedir. Os Conselhos de Desenvolvimento começam a utilizar a sua capacidade de auto‑interpelação, mas, também aqui, é demasiado cedo para avaliar os efeitos. Devemos, por conseguinte, evitar um ponto de vista demasiado unívoco sobre estas instâncias. Se é verdade que os eleitos procuram controlar o seu funcionamento, isso não significa que estes Conselhos não modifiquem as relações políticas locais e o conteúdo da acção pública.