Gunter, Valerie; Kroll-Smith, Steve, Volatile Places, A Sociology of Communities and Environmental Controversies
Gunter, Valerie; Kroll-Smith, Steve, Volatile Places, A Sociology of Communities and Environmental Controversies. Thousand Oaks, London, New Delhi: Pine Forge Press, 2007, 241 p.
Texto integral
1Valerie Gunter, professora do Departamento de Sociologia da Universidade de Nova Orleães, e Steve Kroll-Smith, responsável pelo Departamento de Sociologia da Universidade da Carolina do Norte em Greensboro, apresentam este livro como sendo um guia de estudo de conflitos ambientais para estudantes de vários níveis. A colocação, no final de cada capítulo, de exercícios a realizar pelos estudantes reforça essa apresentação e ilude, de certa forma, a densidade das propostas metodológicas e teóricas a que a obra, na realidade, procede.
2Essas propostas consistem na abordagem dos conflitos ambientais a partir do questionamento da forma como essas controvérsias, e os factos (sociais e “em bruto”, ou seja, independentes da acção humana) que as moldam e desencadeiam, resultam das (e nas) dinâmicas das comunidades em que ocorrem. Em suma, de que forma se intersectam as comunidades e o ambiente.
3A comunidade é aqui entendida, de resto, num sentido próximo dos community studies, como algo de claramente delimitado do ponto de vista geográfico, mas que aqui passa a incluir os elementos naturais, e já não apenas as relações sociais. A comunidade será, portanto, o produto socializado, pós-natural, da acção humana. Não obstante a expansão do conceito, esta não deixa de ser uma concepção “hermética”, do ponto de vista espacial, de comunidade, que deixa de fora os processos, e as partes dos processos, que ocorrem a outras escalas.
4Na introdução, os autores justificam a sua opção por esta perspectiva estar, a seu ver, subrepresentada nos estudos de Sociologia do Ambiente. Estes tendem a centrar-se mais na acção de determinados grupos, nomeadamente de activistas, desprezando o desafio que a socialização da natureza representa para as comunidades, o ground zero do mundo global, que é onde os problemas fazem sentir os seus efeitos, independentemente da escala a que são gerados. E esta abordagem estrutura-se em torno de dois motivos ou dispositivos: um, taxionómico, que distingue os três tipos de conflitos ambientais existentes, que serão de relevância maior para a discussão teórica que serve de conclusão à obra; outro, pedagógico e conceptual, que se centra na abordagem de portfólio (portfolio approach).
5Esta abordagem, de carácter indutivo, destina-se a salientar aquilo que distingue cada comunidade e cada disputa ambiental – visa lidar com o inesperado em cada situação e desenvolver modelos analíticos que transcendam, depois, as especificidades de cada caso. Não se trata de um quadro teórico abrangente, mas antes de um conjunto de ferramentas para a investigação que se baseia na elaboração de perguntas, organizadas em conjuntos significativos do ponto de vista da cartografia das situações em estudo, que irão sendo levantadas ao longo da obra, com recurso a exemplos. Estas perguntas começam num nível puramente descritivo (quem são os actores, quais as suas várias filiações, descrição do contexto físico) e vão progredindo até permitirem níveis de análise mais sofisticados da interface entre os membros das comunidades e o ambiente ou da sequência dos acontecimentos, através de uma descrição pormenorizada de entradas e saídas de actores, mudanças nos seus posicionamentos e alianças, etc.
6Os tipos de conflitos ou disputas ambientais identificados pelos autores são três e situam-se sempre dentro daquilo a que chamam “opções forçadas”, ou seja, situações em que as comunidades e os seus membros não podem senão reagir a uma perturbação ambiental com que são confrontados. São estas as disputas de conservação (conservancy disputes), relativas à protecção de áreas naturais, espécies animais ou de alguns artefactos humanos com relevância histórica, que visam a restauração de uma “natureza biocêntrica”; as disputas de localização (siting disputes), relativas à utilização de terrenos ou à modificação de instalações industriais ou outras, que reflectem uma preocupação com as consequências da natureza antropocêntrica para a saúde humana; e as disputas de exposição (exposure disputes), que se referem à luta contra riscos já existentes na área da(s) comunidade(s) onde se dá o conflito. Estes três tipos de disputas não são mutuamente exclusivos, podendo verificar-se todas as combinações possíveis entre eles.
7É através destas três “lentes” e da identificação dos vários actores envolvidos que, nos capítulos seguintes (2 a 6), os conflitos ambientais, apresentados sob a forma de estudos de caso, que vão desde a tentativa de deslocalização de uma comunidade nativa americana para instalação de uma barragem, até à escolha de uma localidade para lixeira nuclear, são analisados de acordo com as várias dimensões relevantes para a compreensão do que está em jogo quando as comunidades colidem com o ambiente.
8“Presença do passado”, “confiança e traição”, “conhecimento incerto”, “percepções de justiça” (fairness) e “actividade oposicional e capital social”. São dimensões que têm em comum a ênfase que colocam nas vertentes culturais e valorativas (locais) das disputas ambientais, mais uma vez colocando em segundo plano as perspectivas modernizadoras que remetem a resolução dos conflitos ambientais para o domínio do mercado (global).
9Para os autores, o que está em causa é a “caixa de ferramentas cultural” de cada comunidade e a forma como esta é utilizada para lidar com a “opção forçada”. E o recurso a essa “caixa é feito em situações tão variadas como quando, entre outras, recorrem ao papel da “história enquanto arauto” (history as harbinger) para justificar acções presentes com outras passadas, quando a acção das comunidades é pautada pela confiança ou traição percebida nas instituições públicas e empresas, quando os conflitos se desenrolam em torno (ou ao sabor) de disputas decorrentes do conhecimento incerto (dos peritos ou de grupos dentro das próprias comunidades) ou, quando são desencadeadas por percepções de justiça ou iniquidade resultantes de um determinado quadro moral.
10Contudo, é na última dimensão apresentada, “actividade de oposição e capital social”, para a qual todas as anteriores concorrem, que esta abordagem começa a ganhar a sua própria especificidade epistemológica. Propõe-se, aqui, um olhar inverso: a actividade de oposição, pelas concordâncias e discordâncias que gera, altera a quantidade e a qualidade do capital social das comunidades, quer estejamos a falar do que é intrínseco a cada uma delas (bonding capital), quer dos laços que são criados ou destruídos com grupos e instituições exteriores (não locais) às comunidades (bridging capital) directamente envolvidas nas disputas.
11Mas, se estas dimensões remetem todas para o plano dos factos sociais, a tese maior do livro adivinha-se desde o seu início, quer pela opção por uma abordagem realizada a partir dos tipos de disputas anteriormente enunciados, quer pela escolha das dimensões através das quais o estudo da conflituosidade ambiental é considerada: contrariamente ao aforismo de Durkheim, os factos sociais não podem ser explicados apenas na sua relação com outros factos sociais.
12Longe de ser abusiva e de extravasar aquilo que pode ser considerado como o domínio da sociologia, é o próprio objecto de estudo da sociologia do ambiente – a intersecção entre a sociedade e a natureza – que abre a porta a esta abordagem ao estudo dos conflitos ambientais, a que os autores chamam realismo simbólico.
13A ideia central é, assim, a de que o ambiente, embora incapaz de actividade simbólica, tem ciclos, ritmos independentes dos factos sociais que se impõem à conduta e consciência dos indivíduos, e que lhe são apostos. Ou seja, os factos “em bruto” (brute facts) têm agenciamento e concorrem para a explicação dos factos sociais, moldam-nos, mesmo, definindo em grande medida a forma como os conflitos são vividos pelas comunidades.
Para citar este artigo
Referência do documento impresso
Eduardo Basto, «Gunter, Valerie; Kroll-Smith, Steve, Volatile Places, A Sociology of Communities and Environmental Controversies », Revista Crítica de Ciências Sociais, 79 | 2007, 151-153.
Referência eletrónica
Eduardo Basto, «Gunter, Valerie; Kroll-Smith, Steve, Volatile Places, A Sociology of Communities and Environmental Controversies », Revista Crítica de Ciências Sociais [Online], 79 | 2007, publicado a 01 outubro 2012, consultado a 17 fevereiro 2025. URL: http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/rccs/735; DOI: https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/rccs.735
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