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Cristopher Sellers e Joseph Melling (orgs.) (2012), Dangerous Trade. Histories of Industrial Hazard Across a Globalizing World

Lays Helena Paes e Silva
p. 237-239
Referência(s):

Cristopher Sellers e Joseph Melling (orgs.) (2012), Dangerous Trade. Histories of Industrial Hazard Across a Globalizing World. Philadelphia: Temple University Press, 218 pp.

Texto integral

1Dangerous Trade emerge como um alerta para a necessidade de se compreender não somente a existência dos riscos industriais, mas sua permanência até os dias de hoje. Se no início do século xxi os riscos e as doenças no meio industrial podiam parecer uma história adormecida no passado, os treze textos reunidos neste volume conduzem à reflexão sobre a sua atualidade e cumprem a intenção anunciada de estabelecer as bases históricas necessárias para sua compreensão (p. 2). Fruto de uma conferência internacional realizada em 2007 na Universidade de Stony Brook, a edição dos trabalhos apresentados – com casos de estudo situados nos séculos xix, xx e primeiros anos do século xxi – ficou a cargo dos historiadores Cristopher Sellers e Joseph Melling. Professores universitários em Stony Brook (EUA) e Exeter (UK) respectivamente, ambos vêm desenvolvendo pesquisas focadas em história ambiental e história do trabalho e da saúde.

2Contando com a participação de pesquisadores de múltiplas áreas – incluindo história, ciências sociais, antropologia e medicina – com focos de interesse variados em relação aos riscos e doenças industriais, Dangerous Trade foi composto a partir de olhares iluminados especialmente por duas correntes sociológicas: a justiça ambiental – focada na injusta distribuição dos custos sociais do desenvolvimento – e uma nova sociologia política da ciência – que questiona as dinâmicas de poder que moldaram a determinação do conhecimento julgado relevante.

3O fio de condução de Dangerous Trade repousa na ideia da existência de regimes de risco industrial como uma forma abrangente de conceber a estrutura que estes riscos envolvem. Estes regimes seriam os arranjos formais e informais através dos quais os organismos públicos e interesses privados, bem como as mobilizações sociais – considerando não somente os trabalhadores, mas a sociedade em geral – lidam com os riscos associados a uma indústria. Trata‑se assim de uma abordagem sociocultural do risco que envolve uma variedade de percepções, instituições, grupos e dinâmicas através das quais estes são produzidos, reconhecidos e controlados (p. 5).

4A partir deste fio condutor, os textos são organizados em dois blocos delimitados por momentos históricos distintos: I – Do fim do século xix ao início do século xx e II – Da metade ao fim do século xx. No primeiro bloco, a linha temática é marcada pela criação dos riscos, conhecimento e controle no chamado “mundo desenvolvido”. No segundo bloco, além se serem analisadas as novas transferências de produção, ganham palco os novos conhecimentos, alianças e arenas de protesto envolvidos pelo tema.

5Assim, nos dois primeiros textos – ambos referentes às quatro primeiras décadas do século xx – através dos casos dos trabalhadores indianos nos seringais da Malásia e da indústria petrolífera no México, Amarjit Kaur e Myrna Santiago ajudam a compor a história da criação dos riscos industriais num momento marcado ao mesmo tempo pela dominação imperial e pela expansão colonial na África e na Ásia e pela existência de um neocolonialismo econômico nas partes menos desenvolvidas das Américas. Kaur mostra como as novas fronteiras extrativistas inglesas colocavam os trabalhadores indianos enviados para áreas isoladas da Malásia em situação de extrema miséria e vulnerabilidade (p. 22). A baixa remuneração, as péssimas condições de trabalho e a elevada ocorrência de doenças foram situações também descritas por Santiago no caso dos trabalhadores mexicanos das empresas americanas que se instalavam nas fronteiras. No texto – que chama a atenção para o fato de não haver distinção real entre local de trabalho, sua vizinhança, a moradia dos trabalhadores e o espaço natural – a trajetória de luta da classe trabalhadora em nome de seus corpos e saúde é contada através de uma perspectiva que enfatiza a história do trabalho e do ambiente como algo que pode ser captado através dos corpos dos trabalhadores (p. 34).

6Sobre conhecimento e controle dos riscos no mundo desenvolvido, Menédez‑Navarro inter‑relaciona os mercados globais e os conflitos locais no caso das históricas minas de carvão de Almaden (Espanha). Neste texto, assim como nos demais que compõem esta secção – um de Tim Carter e Joseph Melling sobre a regulamentação do antrax na Inglaterra (1875‑1930) e outro de Paul Blanc sobre o dissulfeto de carbono na indústria da seda artificial e a criação da Corporação Multinacional em Saúde Ocupacional – são os arranjos institucionais e a regulamentação dos riscos na gestão de conflitos que se revelam através da participação determinante de conhecimentos técnico‑científicos (ciências médicas e laboratoriais) e da criação de legislações e de órgãos específicos.

7O segundo bloco de textos se inicia focado nas novas transferências de produção. Neste tópico, Anna Zalik evidencia, através da decisão da instalação de um terminal de gás natural liquefeito proveniente da Nigéria na costa do golfo do México, como as desigualdades socioeconômicas podem ser determinantes na localização de empreendimentos que oferecem riscos industriais (p. 88). Em seguida, é o panorama da intoxicação por chumbo na indústria de baterias uruguaia que é traçado por Daniel E. Renfrew. Num contexto de alta contaminação pelo mineral, sobretudo em crianças de comunidades carentes nos arredores de fábricas de baterias em Montevideo, o autor revela os contornos de um movimento anti‑chumbo que se tornou um vetor de denúncia de riscos industriais e em que trabalhadores e militantes conseguiram conectar perspectivas ocupacionais, pediátricas e ambientais (p. 109).

8Sobre novos conhecimentos e alianças, os organizadores de Dangerous Trade, Cristopher Sellers e Joseph Melling, mostram como um grupo de especialistas dos Estados Unidos, Inglaterra e outros países nas décadas de 1960‑70 gerou produção e circulação de conhecimento sobre saúde industrial de forma pública e socialmente engajada. A respeito do contexto italiano nas décadas de 1960‑70, Stefania Barca conduz a uma reflexão sobre o que chamou de “ambientalismo da classe trabalhadora” (p. 126), através do encontro entre trabalhadores e especialistas em higiene laboral que levou ao desenvolvimento de novas formas de consciência ambiental e de ação política. Por fim, Emmanuel Henry retraça a trajetória do amianto em França. Henry destaca que, na década de 1970, esta questão emerge como um problema de saúde ocupacional e, após um relativo silencio na esfera pública, ressurge nos anos 90 de forma redefinida: como um problema ambiental e de saúde pública que afeta a todos, introduz novos e múltiplos sujeitos sociais e ganha nova abordagem política e midiática.

9Nos três últimos textos do livro, as novas arenas de protesto são representadas por Barbara L. Allem – através de um estudo comparativo que envolve decisões judiciais sobre ciência e saúde ambiental na Itália e nos Estados Unidos no início do século xxi –, por Barry Castleman e Geoffrey Tweedale – que traçam a trajetória do amianto na Europa e nos Estados Unidos desde o adoecimento dos trabalhadores e os pedidos de compensação até a formação de grupos de vítimas e o banimento do mineral – e Suzanna Rankin Bohme, que mostra como, na Nicarágua, um movimento social contra a intoxicação por um pesticida banido nos Estados Unidos levou a que os impactos das ações do Estado‑nação fossem além de suas fronteiras.

10Através deste panorama evidencia‑se que o livro proporciona uma ampla e bem sucedida visão histórica e geográfica, tecida através da narrativa da forma como os riscos industriais e os arranjos de diferentes indústrias e mercados afetaram diretamente a vida e saúde dos trabalhadores. Mais do que (re)traçar as bases históricas necessárias à compreensão da existência dos riscos industriais, a obra sinaliza constantemente que esta é uma realidade atual e presente, que deve ser conhecida e combatida.

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Para citar este artigo

Referência do documento impresso

Lays Helena Paes e Silva, «Cristopher Sellers e Joseph Melling (orgs.) (2012), Dangerous Trade. Histories of Industrial Hazard Across a Globalizing World »Revista Crítica de Ciências Sociais, 100 | 2013, 237-239.

Referência eletrónica

Lays Helena Paes e Silva, «Cristopher Sellers e Joseph Melling (orgs.) (2012), Dangerous Trade. Histories of Industrial Hazard Across a Globalizing World »Revista Crítica de Ciências Sociais [Online], 100 | 2013, publicado a 28 outubro 2013, consultado a 14 fevereiro 2025. URL: http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/rccs/5323; DOI: https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/rccs.5323

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Autor

Lays Helena Paes e Silva

Doutoranda no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra no âmbito do programa “Democracia no século XXI”. Os seus interesses de investigação estão centrados nas questões ambientais, com foco nas relações que estabelecemos com o ambiente, na inegável interação entre sociedade e natureza, no ambiente compreendido como indissociável das questões e relações sociais e nas manifestações e utilizações do Direito neste contexto. Bolseira da Fundação para a Ciência e a Tecnologia. Mestre em Filosofia do Direito (Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra), graduada em Direito (Centro Universitário do Triângulo – Minas Gerais/ Brasil) e em História (Universidade Federal de Uberlândia – Minas Gerais/Brasil).
layshelena@hotmail.com

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