1As questões ambientais atuais derivam da interação entre sistemas naturais e sistemas sociais: os intervenientes antrópicos tornaram‑se cada vez mais incisivos e portadores de consequências de longo prazo, se pensarmos nas mudanças climáticas, na poluição ou nas transformações irreversíveis do território. Por um lado, ao longo do tempo foram evidentes as externalidades negativas produzidas por um modelo de desenvolvimento que considera os impactos ambientais como efeitos colaterais necessários e inevitáveis. Por outro, a experiência direta das consequências negativas desta conceção do progresso ativou e promoveu uma sensibilidade ambiental que propõe repensar o modelo de desenvolvimento adaptado à sua sustentabilidade. Nesta perspetiva, a realização de uma intervenção infraestrutural já não é acriticamente percecionada como o início de um ciclo virtuoso (Zanchini, 2011). É, em contrapartida, cada vez mais objeto de contestações.
2Em matéria ambiental mas não só, as questões que os policy makers e a sociedade devem enfrentar são progressivamente mais complexas e inter‑relacionadas, dificilmente previsíveis nos resultados e nos desenvolvimentos. Os processos de decisão decorrem em condições de incerteza, caracterizadas pela incalculabilidade dos efeitos das opções adotadas. Em resposta a esta complexificação aumentou o recurso dos decisores ao conhecimento técnico‑científico na esperança, frequentemente revelada vã, de tornar mais certas e eficientes as próprias decisões, graças a um contributo que se quereria objetivo e neutral porque baseado em “factos”.
3Uma perspetiva crucial no âmbito de temas como a crise ecológica e política em ação, e em particular os conflitos que se desenvolvem, é portanto a da relação entre políticas ambientais‑infraestruturais e perícia técnica.
4A literatura destaca como a envolvência da perícia na gestão de conflitos territoriais não só não conduz automaticamente à resolução destes como, em alguns aspetos, pode até alimentá‑los, reforçando em todos os opostos a convicção de estar na posse da “verdade”.
5O presente artigo, partindo desta consciência, põe o enfoque na forma como a perícia intervém na transformação do conflito (Arielli e Scotto, 2003), influenciando, por um lado, a linguagem e os conteúdos dos atores e, por outro, as arenas onde o conflito se desenrola. Longe de resolver as controvérsias, a perícia abre novos espaços mistos de confronto e conflito caracterizados por atores, lógicas, argumentos, fins e modalidades que são diferentes daqueles que são próprios do puro confronto político que pode superar o físico.
6A primeira secção deste texto, uma vez fornecida uma classificação esquemática da natureza das revindicações dos opositores ativos nos conflitos territoriais, concentra‑se na relação entre perícia técnica e decisão política nestas controvérsias.
- 1 O TransEuropean Network Transport é um sistema de redes de transporte pensado nos anos 90 pela Com (...)
7A segunda secção apresenta o caso do principal conflito territorial italiano ligado à nova linha ferroviária Turim‑Lyon, projeto binacional inserido na rede de transporte comunitário,1 que envolve uma rede política que inclui vários níveis de governo, do europeu ao local.
8A terceira concentra‑se no movimento de oposição, evidenciando por um lado a relevância da produção de contraperícia e por outro a atividade de alfabetização técnica da cidadania, promovida pelos peritos que se opõem à obra para difundir e partilhar os resultados dos próprios estudos.
9A quarta secção interroga‑se sobre a medida em que essa transferência de competências técnicas para a população e administradores locais envolvidos pode ser considerada um elemento relevante na transformação, ainda que parcial, do conflito e na aceitação de um confronto sobre os dados com os proponentes da obra.
- 2 Assisti a 95 reuniões do Observatório, 18 conselhos comunais sobre o tema da área metropolitana Tu (...)
- 3 Em detalhe: 5 técnicos nomeados pelos territórios no Observatório e o seu presidente, 13 autarcas, (...)
10Do ponto de vista metodológico, paralelamente ao aprofundar da literatura secundária sobre conflitos territoriais e perícia, adotou‑se uma abordagem de tipo etnográfico, recorrendo a uma ampla observação direta do processo2 no período 2009‑2012, na convicção de que essa esteja em condições de fazer emergir os aspetos e as dinâmicas relevantes ao nível micro, que de outro modo se arriscariam a ser negligenciadas (Bobbio, 2013; Cefaï et al., 2012). A observação focou‑se em particular sobre as interações entre atores e sobre o recurso dos opositores a conhecimentos técnicos na formulação das próprias argumentações. Para verificar o fundamento dos resultados da observação realizaram‑se 28 entrevistas semiestruturadas em profundidade a testemunhas privilegiadas.3
11Nos conflitos territoriais os argumentos dos opositores são heterogéneos e concentram‑se tanto no processo decisivo como nos impactos da decisão. A título exemplificativo, é possível tentar distinguir quatro motivações de conflito diversas (Dziedzicki, 2003).
12O conflito fundado nas incertezas relaciona‑se com os receios do impacto potencial da obra no território e nas comunidades envolvidas, em particular no que toca a possíveis riscos para o ambiente, a saúde e qualidade de vida.
13O conflito substancial incide sobre a solicitação de “fazer a obra”, e é acompanhado por uma crítica das escolhas políticas na base da obra contestada, que se torna assim o emblema de um sistema de relações económico‑políticas. O desacordo investe a obra em si, independentemente dos detalhes do projeto. De facto, discute‑se não só a utilidade e oportunidade do próprio projeto, mas também a própria política em que este se insere. Trata‑se de uma contestação do modelo de desenvolvimento que a obra encarna e pressupõe a revindicação de modelos alternativos.
14O conflito de procedimento refere‑se ao “como fazer a obra” e é acompanhado por uma crítica ao tipo de envolvimento da população no processo de decisão, evidenciando as lacunas na disponibilidade para o diálogo e na parca transparência de dados e procedimentos; os mesmos instrumentos destinados à escuta e inclusão da cidadania a que se tenha recorrido são considerados ineficazes e sem influência efetiva no procedimento decisional.
15Por fim, o conflito estrutural contesta a legitimidade dos decisores políticos, considerados inadequados para estabelecer o interesse geral e o tutelar. Além disso, este aspeto traz à discussão a real independência dos peritos, considera a perícia como instrumental para legitimação dos interesses dos decisores e revindica um papel participativo da cidadania em nome de uma légitimité de proximité (Dziedzicki, 2003; Jobert, 1998).
16Em cada conflito estas dimensões coexistem amalgamadas e sobrepostas de maneira variável: a sua interação e eventual prevalência de uma ou outra dependem de vez em quando de vários fatores como, por exemplo, dos atores envolvidos e das respetivas capacidades e competências (técnicas e políticas), da natureza do objeto da contenda, da evolução do registo argumentativo e da base em que se desenvolve o protesto.
17A relevância do desafio concorre para definir a amplitude e a entidade do conflito. No caso de grandes obras, a importância das transformações territoriais, os potenciais impactos no ambiente e na saúde e o volume dos custos a cargo da coletividade são tais, que suscitam conflitos sociais e políticos muitas vezes acesos e complexos. Em geral, as posições contrapostas surgem num continuum que vê por um lado a vontade dos proponentes de realizar a obra tal como concebida no projeto e, por outro, a recusa hermética de qualquer intervenção expressa por uma parte dos opositores. As posições intermédias geralmente reconhecem a existência de um problema público e partilham as necessidades de o enfrentar (por exemplo, concordam sobre a necessidade de melhorar o tráfico ferroviário) mas não consideram que o projeto proposto seja a solução adequada ao problema e portanto avançam propostas de intervenções alternativas (por exemplo, a modernização da linha existente).
18Cada posição é pois, em definitivo, suportada por uma visão própria do mundo, com valores e interesses que interagem com base nos clássicos mecanismos políticos da luta e da negociação entre possíveis alternativas de política. Aquilo que as partes muitas vezes acabam por solicitar, com o objetivo de legitimar as próprias posições, é uma “política de factos” (Pellizzoni, 2011a) baseada sobre opções eficientes e ancorada em dados irrefutáveis, evocando a Ciência como terreno independente, neutro, objetivo e influente, que permite obter dados incontestáveis e atribuir ao adversário “o estigma da irracionalidade” (Bobbio, 2010).
19O que, noutros termos, implicitamente se espera da perícia é a despolitização do tema de modo a superar o conflito fundado sobre relações de força através de uma ancoragem objetiva, fornecida pela voz da comunidade científica que, coesa e de modo quase oracular, esteja em condições de “dizer a verdade ao poder” (Wildavsky, 1979).
20Contudo, ao longo do tempo, o pressuposto da neutralidade da ciência revelou‑se ilusório e quebrou‑se a contraposição entre a “suja parcialidade da política e a tranquila racionalidade da ciência” (Friedman, 2001). Como observa Sarewitz (2000: 90) “a ciência é bastante rica e balcanizada e oferece conforto e apoio a uma vasta gama de posições políticas subjetivas sobre problemas complexos, como a mudança climática, a eliminação dos dejetos nucleares, a chuva ácida ou as espécies em vias de extinção”.
- 4 Cf. Collingridge e Reeve (1986); Sarewitz (2000); Pielke (2005); Bobbio (2010); Pellizoni (2011a, (...)
21Variadas análises4 mostram como os peritos consultores das partes se tornam muitas vezes também parte ativa do conflito assumindo um papel adepto, funcional ao apoio das posições das próprias partes. Desenvolve‑se, assim, o “paradoxo da perícia” (Pellizzoni, 2011b) segundo o qual o saber especializado, em vez de contribuir para a resolução do conflito, é reabsorvido pelas suas dinâmicas e alimenta a controvérsia a golpes de perícia e de contraperícia.
22A parábola seguida pela tecnociência nestes conflitos foi assim esquematizada por Perry e Mata (2007): como tentativa de despolitizar a controvérsia (cientificação da política), confronto entre a perícia e a denúncia recíproca do caráter adepto (politização da ciência), regresso à esfera política tradicional com recurso à argumentação científica em pura função retórica. Segundo esta perspetiva, o contributo da técnica reduz‑se a um recurso político (Dente, 2011) dos atores em conflito num jogo de resultado nulo, em que o objetivo parece ser o anular da legitimação técnica da posição do adversário. Neste círculo vicioso tende a prevalecer a posição do ator que possui os maiores recursos políticos, económicos e legais, tal como aconteceria na ausência da intervenção da perícia (Sarewitz, 2000). Verifica‑se assim o que observou Pielke (2005: 114), segundo a qual a “ciência quase nunca é uma base suficiente para escolha entre comportamentos alternativos, porque os resultados desejados dependem das diferentes expectativas em relação ao futuro do mundo”.
23Para alcançar uma opção pública entre alternativas possíveis, Bucchi (2006) mostra como são inadequadas tanto a abordagem tecnocrática (baseada em delegar nos peritos) como a ética (baseada no reenvio para os valores morais dos indivíduos) e como é, eventualmente, necessária uma resposta política: “Visões do homem e visões do seu futuro: aquilo que esperamos e aquilo que queremos realizar; quem senão a política pode colocar‑se tais questões?”.
24Com isto não se pretende defender que o papel da perícia na gestão das políticas infraestruturais e ambientais seja irrelevante. Pelo contrário, sugere‑se que a parábola paradoxal da tecnociência deriva do tipo de questão que, coerentemente com um modelo decisionista, é colocada ao saber especializado: aquela que resolve a controvérsia. Se, por outro lado, não se reclamam respostas mas contributos, se não se quer que o perito transgrida (Pellizzoni, 2011a) as próprias competências especializadas – fornecendo respostas inquestionáveis a questões que envolvem várias disciplinas e devem partir dos policy makers – mas, em vez disso, se lhe pede para contribuir de forma a alargar o leque das possíveis alternativas a percorrer, então o contributo do saber especializado encontra toda a sua centralidade. Nesta perspetiva híbrida, em que a solicitação dos conhecimentos deriva da interação e da coprodução da esfera técnica e da política, a solicitação dos saberes especializados não se reduz à delegação e à pesquisa de uma simplificação ilusória mas, pelo contrário, sem mobilizar registos de verdade, pode ampliar a gama das alternativas possíveis que os decisores políticos e o público podem considerar, e entre as quais devem efetuar a escolha (política), o mais informada e partilhada possível no contexto específico.
- 5 O vale abriga duas estradas nacionais, uma autoestrada, uma linha férrea internacional e um eletro (...)
25O projeto prevê a realização de uma nova linha de alta velocidade/capacidade no vale que se estende da planície turinesa até à fronteira com a França, chegando a Lyon através de um túnel de 50 km sob os Alpes. A área italiana potencialmente envolvida é caracterizada por uma importante densidade infraestrutural preexistente.5
- 6 Em primeiro a Fundação Agnelli e a Federação das Uniões Industriais do Piemonte.
- 7 Desde 1990 que as instituições citadas apoiam a obra, independentemente da cor política da maioria (...)
26As primeiras hipóteses de ligar Turim à alta velocidade ferroviária francesa chegam do para além dos Alpes no final dos anos 80, sendo que os primeiros a manifestar interesse são sujeitos privados,6 que procuram interlocutores políticos. No decorrer dos anos, a coligação a favor do projeto da nova infraestrutura reúne a União Europeia, os governos italiano e francês, a Região Piemonte, a Província e Comuna de Turim,7 o mundo económico‑industrial, as Linha Ferroviárias Italianas do Estado, a sociedade ferroviária ítalo‑francesa Lyon Turin Ferroviaire.
27Nos argumentos dos seus apoiantes, a obra representa o elo fundamental em falta para tornar Piemonte e Itália uma plataforma logística capaz de atrair fluxos comerciais globais, um elemento de modernização, um fator estratégico de desenvolvimento, o volante para a retoma económica, uma oportunidade ocupacional, uma solicitação irrenunciável da Europa, um modo para conseguir no futuro uma mudança do transporte (de mercadorias) rodoviário para o ferroviário, com efeitos benéficos na poluição atmosférica. A coligação contrária é composta, a nível local, por numerosos administradores (em contraste com os vértices nacionais e regionais dos próprios partidos de filiação), docentes universitários, centros sociais, grupos ambientalistas e numerosos cidadãos do vale; enquanto a nível nacional encontra eco em alguns partidos políticos da esquerda e verdes, nas maiores associações ambientalistas e no movimento altermundialista. Nas argumentações dos opositores a obra representa uma devastação ambiental, uma fonte de risco para a saúde dos habitantes (pela certificada presença de materiais nocivos na pedra escavada como amianto e rádon), um injustificado e insustentável desperdício de dinheiro público (considerada a escassez de tráfico sobre a linha ferroviária existente), uma ocasião de infiltrações mafiosas, uma imposição autoritária sobre o território.
28Durante os primeiros quinze anos a oposição assiste a contínuos pedidos de escuta e ações demonstrativas dos opositores, que correspondem a um encerramento hermético dos apoiantes sob a insígnia de um decisionismo arrogante (Bobbio e Dansero, 2008) que conduz o conflito para uma situação de muro contra muro.
29O ponto de viragem surge em 2005, quando ao aproximar‑se o início dos trabalhos se assiste a um crescendo de tensões: os opositores ocupam as áreas destinadas aos estaleiros, enquanto as forças da ordem adotam medidas cada vez mais pesadas, até à violenta evacuação noturna de 150 cidadãos indefesos. O aceso debate político impõe uma reconsideração das modalidades de gestão do acontecimento que não pode ser resolvido manu militari.
- 8 Delega ao governo as matérias de infraestruturas e estabelecimentos produtivos estratégicos e outr (...)
30A estratégia governativa muda: por um lado é anunciada a revogação do projeto da Lei Objetivo (L. 433/2001)8 – diretiva que tem o objetivo de acelerar o procedimento das obras consideradas de interesse nacional através da eliminação do confronto com as administrações locais e das avaliações de impacto ambiental – por outro são criadas duas estruturas ad hoc para tentar superar o impasse.
31A Mesa Institucional do Palazzo Chigi é designada no confronto e na negociação entre instituições centrais, regionais e locais e é encarregue de elaborar as escolhas políticas. O Observatório Técnico tem a missão de recompor as fraturas geradas pelo debate falhado sobre os conteúdos específicos das decisões: sede designada à análise técnica das questões que ficaram por aprofundar nos anos precedentes, é encarregue de elaborar a documentação para o decisor político e é composto por técnicos de confiança nomeados pelas instituições (nacionais e locais, estas últimas certificadas sobre posições diversificadas em mérito à obra) e pelas ferroviárias.
32A tentativa de recomposição é antes de mais confiada, portanto, ao confronto sobre os dados. A atividade das duas estruturas inicia‑se em 2006 e ainda continua a decorrer, mas é necessário sublinhar a forma como o Observatório teve um papel central no processo e representou, embora não formalmente, a sede também política das negociações entre as partes, enquanto a Mesa Institucional desempenhou um papel secundário, quase servil.
- 9 Cf. Margaira (2005, 2006); Bobbio e Dansero (2008); della Porta e Piazza (2008); Fedi e Mannarini (...)
- 10 Assembleias, seminários, convénios, conselhos comunais abertos aos cidadãos, fóruns na internet.
- 11 Manifestações, distribuição de folhetos, eventos culturais e intervenções de obstáculo ao início d (...)
- 12 Recursos ao TAR (Tribunale Amministrativo Regionale), petições à União Europeia, observações técni (...)
- 13 Elaboração de análises técnicas e difusão do conhecimento com modalidades diretas em contextos de (...)
33Na oposição heterogénea9 à linha férrea de alta velocidade (Tav) Turim‑Lyon, recolhida sob a definição “Movimento No Tav”, podem distinguir‑se duas macrocomponentes: uma mais politizada que considera a oposição à Tav uma questão política inserida numa plataforma de revindicações mais ampla, e uma mais técnica que se concentra na contestação daquela obra específica a partir dos riscos e dos efeitos ambientais, sociais e económicos a esta ligados. A primeira componente age principalmente dentro das dimensões substancial e estrutural do conflito ilustrada anteriormente e busca arenas políticas de confronto; a segunda, em contrapartida, age principalmente ao longo da dimensão dos riscos, das incertezas e dos procedimentos. Entre as perícias mobilizadas, de facto, também existem as legais, que se interessam pelo procedimento burocrático do projeto, por exemplo, mediante recurso aos tribunais. Trata‑se de duas almas que interagem, não sem alguma tensão, e se cruzam até se tornarem complementares através de uma divisão concertada do trabalho (Caruso, 2010). A grande vantagem da atividade compreende ações de confronto e elaboração da posição sobre a obra,10 expressivas e impeditivas,11 nos procedimentos e burocracias,12 de estudo e divulgativas.13
- 14 Cf. Bobbio e Zeppetella (1999); della Porta (2004); della Porta e Piazza (2008); Algostino (2011); (...)
- 15 As relações com outros movimentos são tanto nacionais – No Ponte ou No Dal Molin e as realidades a (...)
34O protesto desenvolve‑se, por um lado, dentro do vale: tanto nos lugares de mobilização permanente – comités e tutelas14 – como nas ocasiões de socialização tradicionais. Por outro lado, a oposição supera os limites do vale com atividades de divulgação, contactos com outros movimentos,15 convénios onde se apresentam os estudos técnicos efetuados, cartas abertas e apelos a representantes políticos nacionais e petições junto de instituições europeias.
35A maior parte dos movimentos de oposição às grandes obras empenha‑se em constituir as condições de uma subida à realidade (Lolive, 1997), através da reflexão mais geral sobre os modelos de desenvolvimento, sobretudo quando dentro das dimensões do conflito evidenciadas anteriormente predomina aquela que está ligada ao conflito substancial. Aquilo que contradistingue a subida à generalidade no Vale de Susa é a modalidade em que inicia: esta exprime‑se através de uma institucionalização progressiva de momentos de reflexão estruturais e recorrentes, como os ciclos de conferências e debates anuais de Il grande cortile,16 cujo título pretende ser uma resposta às acusações de nimbysmo17 dirigidas ao movimento do Vale de Susa. Os argumentos tratados – transportes, economias, energias renováveis, ecologia, gestão do território, decréscimo, não‑violência, democracia participativa – declinam o tema Tav dentro dos esquemas conceptuais mais vastos.
- 18 “Na Habitat acontecia frequentemente que os técnicos raciocinavam em voz alta entre si e no início (...)
36Paralelamente, também os interlocutores com quem partilhar as reflexões, competências e projetos se internacionalizam. Nasce uma rede de comités europeus associados através do empenho no conflito com as grandes obras inúteis que marca uma evolução do protesto orientado para uma fase de propostas: “Conscientes de terem todos superado a fase do simples NÃO do protesto, esperam também que se possam ligar os movimentos para a construção de alternativas para um futuro possível, viável e desejável”.18
37A elaboração de uma ação local e de um pensamento global é favorecida pela componente técnica que, desde os inícios, através dos próprios estudos por um lado supera os limites do vale e por outro divulga localmente a competência e instrumentos para a reflexão.
38A componente de perícia do movimento é formada por docentes do Politécnico de Turim, profissionais liberais, médicos, associações ambientalistas que se envolvem na redação de análises técnico‑científicas dos projetos e na divulgação dos conhecimentos na cidadania, para estruturar no plano da racionalidade científica as razões do protesto. Desde os anos 90 estes peritos colocam à disposição gratuitamente as próprias competências e constituem uma equipa multidisciplinar de maneira a analisar e interpretar a documentação dos proponentes da obra. É uma divergência que contesta com argumentações científicas oportunidades e sustentabilidade ambiental, económica e social da Turim‑Lyon, sem deixar de discutir em detalhe opções particulares ao projeto.
39Ao longo dos anos, a produção científica cresce com a ampliação do exército de peritos de diversas disciplinas dispostos a tornarem‑se parte integrante do protesto (della Porta e Piazza, 2008; Padovan e Magnano, 2011).
40Os técnicos dirigem‑se a duas plateias: à académica, para promover e estimular entre os estudiosos um debate sobre a questão; à dos administradores locais e da população do Vale, para a sensibilizar, divulgando os impactos potenciais da obra sobre a qualidade da vida e do ambiente (Caruso, 2010).
- 19 Tendo assistido a uma parte (2009‑2012) de um processo iniciado há mais de vinte anos, tive oportu (...)
41Mas que seja verdadeiramente possível transferir e partilhar as informações técnico‑científicas é imprescindível transmitir aos habitantes do Vale as competências necessárias. São por isso organizados encontros semanais – a chamada “Escola noturna da quinta‑feira” – que permitem que temas de conteúdo altamente técnico se vão tornando ao longo dos anos património comum, patrocinado por um elevadíssimo número de aderentes ao movimento.19
- 20 A este respeito cf. della Porta e Piazza (2008: 126): “Durante a mobilização, os conhecimentos téc (...)
42No entanto, não se trata de uma transferência de competências unidirecional: estes encontros alargam também os conhecimentos dos peritos, graças à contribuição do saber que é apanágio de quem conhece o território porque aí vive. Pode definir‑se como um savoir de plein air (Callon et al., 2001), um saber da experiência (Jedlowski, 1994; Pepino e Revelli, 2012) descrito nas diferentes disciplinas que se ocupam a vários títulos do território como, de vez em quando, saber local, profano, contextual, generalista, mas também racionalidade social e conhecimento difuso (Balletti, 2007; Quaini 2007). É algo a mais e diferente do senso comum e da sabedoria popular: representa o conjunto dos conhecimentos, interpretações, representações próprias dos habitantes em virtude da experiência direta do território e dos usos aí enraizados ao longo do tempo. As duas tipologias de saber – dos livros e da experiência – no Vale de Susa compenetram‑se segundo o modelo da perícia contributiva (Collins e Evans, 2002): os técnicos recebem aquele património de conhecimento não derivável de mapas e documentos, enquanto os ativistas adquirem competências que lhes permitem entrar no mérito das questões, de argumentar as próprias posições com uma linguagem especializada e tornarem‑se, por sua vez, transmissores de conhecimentos.20 Emerge um novo saber híbrido e coproduzido (Callon, 1999) que valoriza a complementaridade das competências sobre o território: enraíza‑se a cultura local difundida fundada sobre a oposição técnica à Turim‑Lyon. O facto de que as considerações em mérito não permanecem apanágio de uma elite de técnicos mas se tornam património coletivo dos militantes permite aos opositores inserir estes temas em raciocínios de escala mais vasta, ligando a dimensão local à global.
43Uma vez acertada a relevância da perícia técnica no desenvolvimento da controvérsia e constatada a surgida alfabetização das populações, pode ser interessante compreender se isto contribui, e em que termos, para a transformação do conflito.
44Antes de mais pode relevar‑se uma modificação das argumentações e dos comportamentos das partes. Os opositores transformam conteúdos e formas de protesto: por um lado não declinam as razões da divergência em termos abstratos mas traduzem‑nos, por exemplo, em diagramas de fluxo do tráfico, ruturas de cargas de transporte, limiares de risco de partículas cancerígenas; por outro lado arriscam o próprio repertório de ações em atividades formativas, como os seminários cada vez mais divulgados no território. Até as formas expressivas do protesto sofrem influência, como quando as cartografias do traçado são reproduzidas de forma detalhada em cartazes levados às manifestações por cidadãos já capazes de as explicar em concreto. Em segundo lugar, também a relação com a parte oposta é influenciada pelo aumento das competências técnicas do movimento: o acesso às informações, revindicado em nome da transparência administrativa, é acompanhado pelo pedido aos proponentes da obra para utilizarem instrumentos específicos de análise geralmente apenas acessíveis aos responsáveis pelo trabalho (análise do impacto ambiental, balanços energéticos, estudos geológicos, análises custos‑benefícios, análises de risco, modelos de exercício ferroviário, etc.). Quando estes pedidos não são atendidos, o próprio movimento realiza o estudo, caso consiga obter as informações necessárias. No geral, têm vindo a aumentar as solicitações a proponentes e apoiantes da obra para substanciar publicamente a própria sustentação estratégica (Calafati, 2006). Trata‑se de um efeito indireto e em certo sentido incerto já que, salvo raras exceções, a maior parte dos representantes políticos introduz unicamente questões retóricas que contribuem para exacerbar o confronto em vez de o reduzir.
45O principal contributo que este processo de aquisição de competência por parte dos opositores parece oferecer à transformação do conflito tem a ver com a disponibilidade para o confronto sobre os dados em novas arenas. Se os opositores não tivessem recolhido e analisado dados durante vinte anos, o eventual recurso à linguagem técnica por parte das autoridades teria permitido a estas entrincheirar‑se num terreno impenetrável. A competência técnica assimilada, por sua vez, torna aceitável para uma parte dos opositores a opção governativa de criar novos instrumentos e lugares de confronto entre as partes de natureza técnica: os opostos, fortes da contraperícia e dos seus resultados, sentem‑se totalmente capazes de confrontarem os proponentes sobre o assunto, e não temem o risco de uma possível exclusão e/ou manipulação derivante do tipo de linguagem preescolhido.
46Em 2006 o Observatório Técnico é apresentado como local onde “procurar respostas técnicas a questões políticas, procurando retomar os fios de um diálogo interrompido e restabelecendo o mútuo reconhecimento dos sujeitos a vários títulos interessados pelo assunto” (Osservatorio collegamento ferroviario Torino‑Lione, 2007: 9). O instrumento é aceite favoravelmente por alguns administradores locais opostos à obra, convictos de poderem iniciar o diálogo institucional até ali ausente e obter a atenção oficial em relação aos dados que naquele ano tinham procurado fazer chegar às sedes deputadas. Pelo contrário, o Observatório é visto com desconfiança pelos comités de cidadãos que aí vislumbram apenas uma operação “de fachada” para elogiar o envolvimento formal das comunidades locais. No entanto, é importante sublinhar como as críticas não investem de qualquer modo a opção de privilegiar o plano técnico para o confronto, mas são de carácter político e concentram‑se sobre a óbvia não neutralidade do Presidente da Mesa (notoriamente a favor da obra), sobre a finalidade latente da Mesa, vista como tentativa de domesticar a divergência (Algostino, 2008), e sobre o falhado envolvimento direto da cidadania.
47A alfabetização técnica induz mudanças tanto no modo de argumentar como nas modalidades de ações das partes e tem a capacidade de, pelo menos potencialmente, contribuir para a transformação do conflito graças à partilha de uma linguagem comum. Esta transformação do conflito pode resultar apetecível em particular para alguns dos opositores: será provavelmente de interesse para quem alimenta o conflito fundado sobre as incertezas (a quem um confronto técnico argumentado permite uma maior acessibilidade aos dados na posse da parte adversa) e que levanta o conflito de procedimento que contesta a falta de transparência e envolvimento. Mais difícil surge um interesse por parte de quem se opõe com base em motivações de natureza estrutural e substancial.
48Para que as novas arenas técnicas possam ser incisivas, são no entanto necessárias algumas pré‑condições, em coerência com as aquisições da literatura internacional sobre a transformação construtiva dos conflitos (Susskind e Cruikshank, 1987):
49a) Aposta real
50O confronto deve surgir ex ante a decisão política definitiva. O resultado do esforço comum de aprofundamento técnico, que leve a pontos de acordo, deve poder incidir em modo não marginal sobre a decisão política. Se o espaço possível de intervenção é limitado a condicionamentos – por exemplo acordos vinculantes estipulados anteriormente com terceiras partes – e o confronto é circunscrito a aspetos de detalhe – talvez importantes e colaterais – e não é tratado o nó principal da base do conflito, as margens de sucesso da operação reduzem‑se ao ponto de invalidar o próprio processo.
51b) Transparência interna e externa
52A transparência deve ser o valor identificativo do processo tanto na base de confronto – mediante uma recíproca e simples acessibilidade aos dados e informações na posse das partes – como para o exterior – através da oportuna comunicação pública do estado, conteúdo e das modalidades de trabalho conduzidas mediante a utilização de instrumentos informativos eficazes. A transparência é particularmente relevante porque alimenta a confiança, fator decisivo para o sucesso do conflito, sobretudo quando decorre em contextos onde a desconfiança recíproca se encontra amplamente sedimentada. Para limitar os efeitos de uma mútua desconfiança, a interação interna pode dotar‑se de um conjunto de regras partilhadas para garantia de todos os participantes. Nos confrontos com o exterior é necessária alguma abertura e interação com o público e a contraperícia, evitando a perceção de se enfrentar uma black box (Latour, 1987), uma arena restrita e hermética onde não se discutem modalidades nem processos de funcionamentos, mas apenas os input e – sobretudo em contexto de conflitos territoriais – os output.
53c) Compromissos de ação
54O empenho das partes em dar in itenere uma concreta tradução dos acordos alcançados, também em questões menores em relação à questão principal no centro do confronto, revela‑se particularmente eficaz. Muitos técnicos envolvidos nestes confrontos são representantes de atores institucionais titulares do poder de decisão abre a intervenção e portanto, depois, serão chamados a traduzir as (eventuais) convergências atingidas em intervenções concretas. A assunção de compromisso de ação empenhada durante a fase de confronto técnico introduz garantias tangíveis da determinação de todas as partes em dar seguimento aos acordos feitos naquela base. Um exemplo é a alocação dos recursos financeiros necessários para apoiar ações que se encontram na base de algumas convergências técnicas.
55Como foram respeitadas estas pré‑condições no caso do Observatório Técnico sobre a Turim‑Lyon?
56Abrir novos espaços após os quinze anos de clausura hermética produzidos por uma abordagem “Decisão – Anúncio – Defesa” (Susskind e Cruikshank, 1987) representava, ao mesmo tempo, uma necessidade e um desafio ambicioso. Mas se o momento de início do processo é um dado de contexto imutável, outros elementos – quem deve participar e sobre o que deveria versar o confronto – são em contrapartida fruto de opções específicas.
57A aposta revelou‑se fortemente vinculada: a decisão de realizar a nova infraestrutura já está tomada (e nunca foi posta em questão) e é objeto de tratados internacionais com a França, além de compromissos com a União Europeia. Embora não fosse explícito o início da nova fase, as margens de intervenção eram restritas a modificações ao projeto. Excluía‑se assim do confronto o verdadeiro ponto do conflito, ainda hoje representado pela não concordância sobre a oportunidade de realizar a obra.
58Também relativamente à transparência é possível encontrar os limites. Perante uma prática em que os atores procedem independentemente uns dos outros, o Observatório decide que os projetistas interagem sistematicamente com os representantes do território. Esta interação pressuporia um bom nível de transparência interna, que no entanto muitas vezes não foi nem fácil nem oportuna; em particular as linhas férreas demonstraram‑se muitas vezes reticentes. Por exemplo, o avaliador externo nomeado pelo Observatório para examinar a elaboração e os resultados do estudo sobre a análise custos‑benefícios encomendado pelas linhas férreas declarou publicamente não ter tido acesso à totalidade dos dados e não ter por isso conseguido desenvolver adequadamente as próprias análises (Maffii, 2011). Também no que diz respeito à transparência externa faltou uma comunicação pontual e acessível com os cidadãos sobre as atividades desenvolvidas. À exceção dos Quaderni – 8 publicações ricas em dados relativos aos dois primeiros anos de atividades –, faltou uma divulgação adequada aos trabalhos em curso, o que alimentou a já elevada desconfiança dos opositores no Observatório, percecionado como uma black box impenetrável.
59Por fim, relativamente aos compromissos de ação ao longo dos anos, os atores institucionais formularam numerosas promessas de alocação de fundos para traduzir em compromissos concretos as cansativas convergências conseguidas no Observatório, por exemplo relativamente ao apoio do transporte local. Contudo, o facto é que até 2012 não foram distribuídos fundos, o que foi interpretado pelos opositores como uma confirmação de que as instituições não tinham realmente qualquer intenção de iniciar uma nova via.
60Nenhuma das três pré‑condições parece, assim, ter sido plenamente respeitada. Além disso, a opção de não incluir um confronto direto com o movimento de oposição e a dificuldade do Observatório em gerir internamente a dissensão expressa pelos representantes dos territórios contrários contribuíram para alimentar a desconfiança em relação a esta arena de confronto e favorecer, em conjunto com outros elementos, uma nova estação de conflito particularmente acesa.
61A alfabetização técnica dos opositores e a criação de sedes designadas para a interação técnica e política entre as partes podem permitir uma transformação parcial do conflito ambiental territorial, abrindo novas arenas onde não há cidadania de confronto físico, demonstrativo e de obstáculo, mas uma oposição que, enquanto dura, mantém um caráter dialógico e argumentativo. Todavia, se estas sedes não são vistas como eficazes, o confronto argumentativo cansa‑se a desenvolver uma desejável função de desincentivo relativamente a outras formas de oposição mais diretas.
62No caso da Turim‑Lyon, que apoiou vias alternativas àquelas puramente “frontais” (por exemplo os administradores locais favoráveis ao Observatório) após seis anos de conflito considerado pouco produtivo, dispõe de poucos argumentos para dissuadir outros opositores de preferirem formas de protesto mais imediatamente incisivas para tornarem mais lento o procedimento da obra, como ocupações de terrenos, bloqueios estradais ou manifestações.
63Atualmente o clima poderia parecer semelhante ao anterior do início das mesas de confronto. Na realidade não se trata de um simples regresso ao status quo ante e assiste‑se a um endurecimento generalizado das posições opostas: os adeptos consideram que é feito o possível para envolver o território, e consideram terminado o “tempo das palavras”, invocando o “dos factos”; os opositores consideram fictício o confronto instaurado, estão cada vez menos dispostos a investir recursos no diálogo e experimentam uma radicalização das ações de contraste.
64O caso do Vale de Susa mostra que a existência de um espaço de confronto, longe de despolitizar automaticamente a controvérsia, contribui para transformar o conflito, modificando em parte a estrutura (recurso à argumentação e geografia dos atores) mas ao mesmo tempo revela que, caso se verifiquem condições específicas, pode correr‑se o risco de se gerar um “efeito boomerang”.
65No contexto italiano as experiências em gestão construtiva dos conflitos através do recurso ao envolvimento direto (ou indireto) dos cidadãos na gestão das res publica só há poucos anos estão em teste. Se por um lado são aceites pelas populações com curiosidade e interesse, por outro são também enredadas por uma espécie de suspeita em relação à possibilidade de manipulação por parte do proponente do processo, que geralmente é uma entidade pública. É, portanto, necessário um cuidado particular na gestão do confronto (em relação às condições da inclusão e da transparência), também pelo facto de que, se for considerada um insucesso, um engano, a desconfiança gerada corre o risco de se repercutir também noutras futuras experiências similares. Em geral, não só corre o risco de ser danificada a própria tendência da cidadania para repor confiança em formas alternativas de recomposição dos conflitos, mas também se arrisca que a posição frontalmente oposta seja considerada a única via eficaz e a percorrer pelos opositores.
66As opções relativas às grandes obras investem perícia técnica, mas dizem intrinsecamente respeito à dimensão política ligada à visão do futuro de um território e de uma sociedade que opta coletivamente por a perseguir. É portanto prioritária “uma resposta política: visto que cada tecnologia incorpora uma visão do homem, da natureza e da sociedade, tornam‑se indispensáveis bases, instituições e procedimentos transparentes através dos quais chegam uma escolha pública entre alternativas possíveis” (Bucchi, 2006: 152).
67O caso do Vale de Susa mostra como as competências políticas podem resultar funcionais num confronto político: a alfabetização técnica consentiu uma emancipação das populações envolvidas a partir de uma condição de cidadania acrítica em relação a opções relevantes de planificação territorial e facilitou a sua constituição como interlocutores políticos capazes de interagir nas arenas reservadas à discussão dessas decisões públicas.
68Precisamente a partir da consciência técnica adquirida, parte da oposição estabelece a própria posição sobre o assunto e exige urgentemente reconduzir a questão num enquadramento de confronto político, desde que argumentado e baseado na análise minuciosa dos dados e não recorrendo a declarações improdutivas de estratégia: é de facto colocada uma questão de cruzamento dos campos, em que as argumentações técnicas e políticas se definam e legitimem reciprocamente mediante uma aprendizagem mútua. Se pensar em democracia ecológica significa discutir sobre a exigência de reportar ao contexto político opções e decisões de natureza técnica que implicam riscos para o ambiente (Ungaro, 2006), a experiência do Vale de Susa e a trajetória seguida pelo movimento de oposição fornece pontos úteis de reflexão e constitui uma importante referência para os estudos sobre conflitos ambientais.