1Se muitos dos autores dos primeiros estudos sobre a cidade criativa se debruçaram principalmente sobre os casos de requalificação física (Bianchini e Parkinson, 1993) e o papel desempenhado pelos eventos e instituições culturais mais emblemáticos (Jensen, 2007; García, 2005), em tempos mais recentes a atenção voltou‑se para a importância das infraestruturas imateriais no desenvolvimento das indústrias e dos clusters, ou polos, criativos (Comunian, 2011). Comunian (ibidem) traça a evolução do conceito de cidade criativa, desde o papel desempenhado por iniciativas como a Capital Europeia da Cultura até à nova interpretação de Richard Florida (2002), com a sua proposta de cidade da classe criativa. No entanto, aquela mudança no sentido da valorização que o enquadramento e a infraestrutura imaterial têm para o desenvolvimento das cidades criativas, teve também a ver com a importância crescente que a ‘viragem relacional’ veio assumindo no modo como entendemos a geografia económica (Bathelt e Gluckler, 2003).
2O presente artigo incide sobre uma dimensão específica da cidade criativa: a produção criativa. Por isso, o enfoque recai sobre as indústrias criativas e sobre os produtores culturais e criativos da cidade, defendendo‑se a necessidade de aferir e compreender a cidade criativa de uma forma relacional. Esta ‘cidade criativa relacional’ não é, propriamente, algo de novo, antes surge como um desenvolvimento natural na bibliografia relevante. Com efeito, têm sido inúmeros os autores a sugerir, ainda que por outras palavras, a necessidade de atentar não apenas nos ativos mas também nas relações (Bailey et al., 2004; Balibrea, 2001; Crewe, 1996). Porém têm sido escassas as tentativas (Stern e Seifert, 2008) de captar esta perspetiva relacional à escala urbana, sendo nossa convicção que, para fazer avançar a discussão, há que recorrer a novas abordagens e novos métodos (Holman, 2008). É assim que aqui se advoga a importância de procurar medir e captar as relações e as ligações presentes na economia criativa das cidades, a fim de melhor lhes compreender o desenvolvimento e as dinâmicas ao longo do tempo.
3A necessidade de estudar e compreender o papel das redes continua a ser imperiosa para os investigadores. Não obstante os interessantes esforços recentemente verificados tendo por objeto o papel das redes e o recurso à análise de redes sociais (Ter Wal e Boschma, 2009), particularmente no âmbito da geografia económica, o potencial metodológico deste método e as suas conexões com outras abordagens de tipo tradicional – nomeadamente a observação participante e os métodos qualitativos – ainda não foram explorados na sua totalidade.
4O presente trabalho propõe‑se contribuir para a referida discussão através da apresentação da metodologia e dos resultados de um projeto de investigação sobre o papel das redes na economia criativa do Nordeste da Inglaterra. A abordagem, tipicamente de um tipo de estudo ‘ditado pelo problema’, começa por questionar se fará sentido utilizar conceitos como polos criativos e indústrias criativas para identificar o ecossistema subjacente à produção de produtos culturais e criativos. Desta perspetiva, a abordagem relacional está em condições de proporcionar um enquadramento útil, ao centrar a análise na complexa teia de relações entre os atores, instituições e estruturas responsáveis pela evolução e pelas alterações dinâmicas registadas na organização das atividades socioeconómicas. Não obstante, ela obriga também a levar em conta o dualismo entre aquilo que, na abordagem relacional, é ‘decorrente’ e aquilo que é ‘forçado’ (Kelle, 2005), uma vez que o prévio entendimento e as definições inerentes a um dado setor económico e à respetiva estrutura moldam sempre o modo como, do ponto de vista relacional, concebemos a sua organização. O presente artigo dá, ainda, testemunho de como a ARS foi não só utilizada enquanto método, mas inclusivamente testada e aplicada à luz do debate sobre a ‘viragem relacional’ e outras abordagens metodológicas.
5O artigo está dividido em três partes. A primeira detém‑se sobre a bibliografia respeitante à viragem relacional, ao mesmo tempo que apresenta a ARS e alguns dos grandes dilemas e desafios a enfrentar na sua aplicação ao estudo da economia criativa. A segunda parte traça, no contexto da economia criativa da região do Nordeste da Inglaterra, o pano de fundo da investigação realizada, descrevendo ainda a metodologia adotada e apresentando os dados recolhidos. Finalmente, a terceira parte aprofunda os resultados da investigação sob duas perspetivas: a da importância dos resultados para uma melhor compreensão da economia criativa, e a da importância da ARS e do respetivo potencial e limites no suporte a estes resultados concretos.
6Pode afirmar‑se que a ‘viragem relacional’ se insere na própria evolução dos estudos e abordagens respeitantes à identificação e compreensão dos polos e do fenómeno de coimplantação espacial (Boggs e Rantisi, 2003; Glückler, 2007). Desde o ‘ambiente industrial’ (Marshall, 1920) até ao capital social (Putnam, 1993), passando pela noção de implantação – ‘embeddedness’ (Granovetter, 1985), é certo que tanto as redes como as relações sempre ocuparam um lugar central na investigação e definição dos bairros e dos polos. Na mais recente investigação sobre polos, no entanto, o enfoque, metodologicamente falando, tem recaído sobre as relações negociadas, com recurso a uma diversidade de métodos quantitativos destinados a identificar, a diferentes escalas, as trocas ocorridas ao nível da cadeia de abastecimento (Feser e Bergman, 2000). A internacionalização dos polos e o surgimento das redes de produção globais fez sobressair ainda mais a importância das relações e ligações do sistema intra – (por exemplo, regional versus nacional) e inter‑escalas (Coe, 2000).
7Sunley (2008) sugere que uma das limitações deste quadro relacional reside em que, ao centrar‑se na explicitação da dimensão das relações, ele subestima o papel e a dimensão dos nós ou entidades envolvidos, nomeadamente no que concerne à respetiva natureza e caraterísticas (incluindo em termos de poder e de escala). Embora o interesse da abordagem relacional esteja nas interligações entre os nós, a natureza dos nós a incluir na (e excluir da) investigação continua a ser um fator determinante no que se refere à possibilidade de compreender as relações e validar as perspetivas relacionais. O tipo de nós a incluir vai, forçosamente, alterar o tipo de relações que o investigador é capaz de identificar. Este aspeto é especialmente importante num contexto em que a presunção de uma correspondência entre as interações relacionadas com a partilha de espaços e a cadeia de abastecimento, por um lado, e as trocas baseadas no conhecimento e na colaboração, por outro, se encontra ainda fortemente presente na bibliografia, e em que as evidências são, muitas vezes, seletivas (Markusen, 2003). Não obstante a agenda da investigação ter evoluído da ideia de análise dos polos para a da importância das redes, segundo Markusen (2003: 710), daí não resultou um quadro analítico mais sólido: “na maioria dos relatos de âmbito regional, as redes são apresentadas de uma forma genérica e exaltadas sem que se escrutinem as motivações dos participantes, se identifique quem acaba por ser incluído e excluído, se analise a desigualdade das relações de poder entre os membros ou se afira a durabilidade ou a fragilidade das relações”. Esta mesma opinião é corroborada por Martin e Sunley (2003: 17): “existe pouca investigação empírica explícita sobre estas redes sociais e de conhecimento, que as mais das vezes se limitam a ser inferidas a partir da presença, no interior de um polo, de determinadas instituições formais e informais”.
8Mackinnon et al. (2000) refletem sobre o modo como a nova centralidade das dinâmicas sociais e institucionais de tipo informal conduziram a uma mudança no sentido de métodos mais qualitativos (como sejam os estudos de caso e as entrevistas), referindo que os investigadores que se debruçam sobre essas dimensões “se debatem com consideráveis dificuldades de operacionalização e ‘medição’” (ibidem: 4). Como bem assinalam Martin e Sunley (2001), o debate parece centrado em falsos dualismos, como sejam economia versus sociologia e métodos quantitativos versus métodos qualitativos. Contudo, e como afirmam Bathelt e Gluckler (2003: 118), “o económico e o social interligam‑se de uma forma estreita. Trata‑se de dimensões da mesma realidade empírica, que há que estudar através de perspetivas capazes de dialogar entre si”.
9O presente artigo sustenta que a recente atenção dedicada à ARS enquanto ferramenta de aprofundamento da dimensão relacional da economia deve, em parte, ser entendida no âmbito desta discussão. No entanto, a opção por esta nova metodologia torna claro que uma interpretação quantitativa (comum a muitos estudos de redes) ou uma abordagem de tipo qualitativo (mais usada em contexto sociológico) poderão facilmente fazer ressurgir a velha dicotomia. Assim, o artigo defende que, em vez de ser utilizado como um mecanismo de quantificação das relações e da posição dos indivíduos ou das empresas num contexto específico, a ARS aplicada aos estudos sobre a economia criativa seja combinada com outros métodos e alicerçada no nosso entendimento teórico das relações.
10O presente trabalho procura dar resposta ao problema relacional através da adoção de uma abordagem fundamentada dos tipos de relação e de nós que acabam por figurar nos mapas e sistemas explorados pelos investigadores sob esta perspetiva relacional. A prioridade assim conferida às relações socioespaciais é assegurada aplicando à utilização da ARS uma abordagem devidamente alicerçada, em que os nós, as categorias e a centralidade não são determinados pelo investigador mas sim pela própria amostra e pelo trabalho de campo. Defende‑se, assim, que só uma perspetiva baseada nas redes pessoais será capaz de fazer com que a investigação coloque “as estratégias e os objetivos dos agentes económicos, bem como as suas relações com outros agentes e instituições, [no] cerne da análise” (Bathelt e Gluckler, 2003: 129).
11A definição de indústrias criativas (DCMS, 1998) tem sido frequentes vezes acusada de ser vaga e demasiado ampla (Oakley, 2006; Garnham, 2005). Mas dadas as consideráveis implicações que para o setor decorrem de tal definição em termos de políticas, ela não pode ser ignorada. Não obstante esse facto, optamos por uma visão lata no nosso estudo das redes no contexto da economia criativa do Nordeste, incluindo por isso as organizações de âmbito público, privado e sem fins lucrativos que integram a infraestrutura de apoio existente em torno da economia criativa a nível regional. Perfilhamos a tendência recentemente proposta por Potts e Cunningham (2008) no sentido de uma abordagem dos mercados de redes sociais, que considera que as indústrias criativas e culturais estão inseridas num ecossistema de produção (Jeffcutt, 2004) a que nem o setor nem a indústria impõem restrições. Levando mais além o argumento de Potts e Cunningham (2008), no entanto, incluímos neste mercado de redes sociais determinadas organizações e estruturas que facultam apoio e capital‑semente à economia criativa a nível local.
12A maior parte dos autores que se vêm debruçando sobre o estudo das indústrias criativas a nível local e regional tem recorrido às abordagens baseadas nos polos, ou clusters, no pressuposto de que esta forma de agregação tem um papel importante nas referidas indústrias. Assim, e por exemplo, Scott (2000, 2002, 2005) e Storper (1989; Storper e Christopherson, 1987) estudaram os polos culturais centrando a sua investigação no desenvolvimento da indústria cinematográfica de Hollywood. Além disso, muitos outros autores têm vindo a ocupar‑se da análise da formação de polos nos mais variados setores: o cinema e os média (Turok, 2003; Coe, 2001), o design; a publicidade (Grabher, 2001); o software e os novos média (Christopherson, 2004; Sturgeon, 2003); e ainda a música (Brown et al. 2000; Gibson, 2005).
13Tem‑se assistido, no contexto das indústrias criativas, a um interesse crescente não só pela forma como as dimensões social e cultural se interligam com os espaços de troca e de consumo, mas também pela importância dos sistemas de produção e das cadeias de abastecimento. Não se tratando de um tema novo para os investigadores desta área, pode, no entanto, afirmar‑se que tem sido escassa a atenção prestada à compreensão da natureza destas redes e das suas dinâmicas.
14Com base na classificação dos modelos de polos de Gordon e McCann (2000), pode afirmar‑se que uma grande parte da investigação em torno dos polos gerados no âmbito das indústrias criativas se tem centrado nos dois primeiros modelos propostos por estes autores, com as ‘economias de aglomeração pura’ a colocar a ênfase na importância das economias externas e no fator aglomeração, e, em sentido contrário, o modelo do ‘complexo industrial’ a sublinhar o papel das ligações de input‑output entre as empresas de um determinado polo (Grabher, 2001; Scott, 2002, 2005; Coe, 2000, 2001). Embora muitos estudos aflorem o ‘modelo das redes sociais’, a verdade é que só alguns se debruçam explicitamente sobre ele (Julier, 2005; Kong, 2005; Banks et al., 2000). Se a cartografia da vertente industrial se tem servido, sobretudo, da metodologia das trocas e dos dados industriais, já a investigação respeitante às redes sociais tem recorrido principalmente às entrevistas qualitativas realizadas a pessoas do setor criativo.
15Apesar de não ser abundante a investigação sobre a estrutura e organização concretas destas redes, grande parte da bibliografia relacionada com os polos e o desenvolvimento económico regional na área da economia criativa defende a importância delas no âmbito de certos estudos de caso e trabalhos de investigação do setor (Christopherson, 2002; Coe, 2000; Ettlinger, 2003; Grabher, 2002; Mossig, 2004; Neff, 2004). Tal defesa surge, por vezes, associada à infraestrutura cultural urbana através de expressões como bairro cultural ou meio cultural. Detendo‑se especificamente sobre a função do ‘bairro cultural’, Brown et al. (2000) referem que muitas vezes a proximidade física depende da proximidade social. Recentemente, no entanto, a interpretação das indústrias criativas à luz da noção de partilha do espaço tem vindo a ser preterida pelos argumentos a favor da abordagem baseada nas redes (Chapain e Comunian, 2010), visão que tem vindo a ganhar força graças à crescente perceção da importância de que se reveste a escala na economia criativa (Coe, 2000).
16A passagem da abordagem neoclássica da geografia económica, baseada nas vantagens competitivas e nos fatores transacionais (Porter, 1998), para uma abordagem assente no institucionalismo e nos ativos relacionais – a ‘espessura institucional’ (Amin e Thrift, 1993), as ‘interdependências não negociadas’ (Storper, 1997) e o pensamento relacional (Yeung, 2003), este surgido mais recentemente – também se encontra plasmada na bibliografia respeitante às indústrias criativas. É possível observar uma evolução dos estudos baseados em dados e no impacto económico para as abordagens de tipo relacional: veja‑se as noções de ‘ecossistema criativo’ (Jeffcutt, 2004) e de ‘socialidade das indústrias culturais’ (Kong, 2005). Contudo, verifica‑se ainda, na bibliografia disponível, uma lacuna – que o presente trabalho pretende ajudar a colmatar – no que se refere ao modo como as indústrias criativas funcionam e interagem ao nível local: “falta conhecimento estratégico sobre as relações e as redes que, numa economia do conhecimento, tornam possível o processo criativo e lhe dão suporte” (Jeffcutt e Pratt, 2002: 228).
- 1 Na sua fase de desindustrialização a Região do Nordeste foi afetada por uma profunda recessão econ (...)
- 2 A 2 de setembro de 2002, a revista Newsweek Atlantic Edition escrevia: “Newcastle‑Gateshead na lis (...)
17Situada no Norte da Inglaterra, a região do Nordeste faz fronteira com a Escócia. É, de todas as regiões do país, a mais pequena em termos de área (8592 km2) e de população (2,6 milhões de habitantes), apresentando todas as grandes caraterísticas de uma região pós‑industrial em declínio.1 Desde o início da década de 1990 que a cultura, a par de um conjunto de políticas destinadas a fomentar o investimento estrangeiro direto, o desenvolvimento económico e a requalificação, se tornou um dos motores identificados pela região – e em particular pela grande conurbação de Newcastle e Gateshead – com vista à reconfiguração do seu futuro (Byrne e Benneworth, 2006; Chapain e Comunian, 2010). No contexto geográfico da investigação que temos vindo a desenvolver, e que versa, precisamente, esta região, conceitos como ‘polo criativo’ ou ‘bairro cultural’ também têm sido utilizados. Na área de Newcastle‑Gateshead e no Nordeste, a renovada ênfase e a atenção postas na economia criativa estão associadas a um longo processo de requalificação cultural ocorrido na região. O processo teve início nos finais da década de 1990, altura em que a região conseguiu atrair grandes investimentos públicos destinados a revitalizar a economia local e desenvolver a participação nas atividades artísticas (Bailey et al., 2004). Tais investimentos permitiram a criação de grandes infraestruturas culturais assentes em financiamento público, não só no domínio da arte contemporânea (o Centro Baltic) e da música (o Sage Gateshead), mas também no que diz respeito a teatros (remodelação do Northern Stage, do Theatre Royal e do Live Theatre), artesanato (o Centro Nacional do Vidro, o alargamento da Galeria Shipley), literatura (o centro de livros infantis Seven Stories), dança (Dance City) e eventos importantes. A questão de saber se as infraestruturas do setor público beneficiam a economia criativa de implantação local e em que medida o fazem, não é de resposta fácil (Comunian, 2008), mas é opinião corrente que toda esta região, e nomeadamente a zona de Newcastle‑Gateshead, terá beneficiado de um ‘ganho de cérebros’ (Minton, 2003), tendo sido apelidada pela imprensa como ‘cidade criativa’ em ascensão.2
18Para além da aposta na requalificação cultural da região, a Agência para o Desenvolvimento Regional (One North East), as autoridades locais e os organismos de apoio têm‑se revelado particularmente interessados no potencial impacto económico da economia criativa ao nível local e regional (CURDS, 2001; One North East, 2007). Um dos padrões emergentes dessa tendência é a criação de redes e organizações de âmbito mais ou menos setorial para apoio às pessoas do setor criativo. O desenvolvimento destas redes – ora de natureza formal e institucional, ora da iniciativa de artistas, e portanto mais informais –, constitui um fenómeno emergente interessante.
19Como refere Comunian (2011), enquanto método a ARS suscita inúmeros dilemas e interrogações. Segundo Emirbayer e Goodwin (1994: 1414), “a análise de redes não é uma ‘teoria’ formal ou uniforme, com leis, proposições ou correlações perfeitamente definidas, mas antes uma estratégia ampla para o estudo da estrutura social”. Como referem muitos autores, uma rede social é um de muitos conjuntos possíveis de relações concretas entre atores (ou nós) por sua vez situados numa rede (ou estrutura social) mais vasta. Isto quer dizer que as dimensões de tempo e espaço têm uma relevância específica e que, seja qual for a rede que nos disponhamos a estudar, é preciso entendê‑la como estando inserida em circunstâncias e em determinantes sociogeográficas bem concretas.
20Knox et al. (2006) estudaram a utilização da ARS enquanto metodologia adotada pelas mais diversas disciplinas, sublinhando que se trata de um campo e de uma abordagem já com uma longa história em termos de evolução teórico‑metodológica e também já profundamente institucionalizada no que diz respeito à presença em revistas, congressos e centros da especialidade. Aliada ao forte desenvolvimento da componente matemática e estatística, essa afirmação institucional foi, de alguma forma, impeditiva de que a metodologia beneficiasse de um acolhimento mais amplo e mais interdisciplinar. Para entender a relevância de que a análise de redes sociais se reveste para a geografia económica é, porventura, importante ter uma perceção abrangente do modo como as diferentes disciplinas utilizam as metodologias ARS. O recurso à ARS nos estudos organizacionais e nas ciências da comunicação apresenta aspetos em comum, já que aí o sistema é definido pela própria investigação e que se confere especial relevo a questões como a noção de centralidade, a mediação ou a densidade (Cross et al., 2002). Nas ciências sociais, área em que a ARS já se afirmou como metodologia, o enfoque foi sempre, por norma, no indivíduo e respetivas redes, ou no papel que desempenha dentro de uma rede específica (Burt, 2004; Granovetter, 1973). De facto, a ARS vem rapidamente ganhando uma forte e rápida adesão entre os investigadores, porquanto “proporciona uma forma de tornar visível o invisível e tangível o intangível” (Cross et al., 2002: 41), prestando‑se, desse modo, a ser usada “para quantificar e cartografar fenómenos de natureza imaterial como sejam os fluxos de conhecimento e a comunicação” (Borgatti e Molina, 2003: 338).
21Nesta secção alude‑se a alguns destes aspetos, por referência ao modo como a ARS foi usada para traçar o mapa das redes existentes em toda a economia criativa do Nordeste. Foi utilizada em função do seu potencial para cartografar as ligações e permitir uma visão quantitativa global das dinâmicas emergentes, ao passo que a generalidade da investigação desenvolvida optou por uma abordagem em que se combinaram métodos diversos. O recurso à ARS visou traçar o mapa das relações detetadas, procedendo‑se a entrevistas com o fim de aprofundar as dinâmicas e as motivações subjacentes a essas interações. Enquanto as leituras e os modelos estatísticos apresentados no âmbito dos estudos organizacionais e de outras fontes apontavam para a importância de uma amostra ampla e estruturada, outras interpretações, inspiradas nos estudos sociológicos das redes pessoais, revelar‑se‑iam mais apelativas. No cerne da investigação passaram, assim, a estar, não as instituições ou as empresas, mas sim as pessoas. Tal alteração faz, de resto, todo o sentido no quadro da economia criativa, composta sobretudo por micro e pequenas empresas, além de freelancers e empresários independentes. Através do recurso a essa abordagem centrada nas pessoas, a preocupação da investigação não foi tanto traçar um mapa do conhecimento dentro de uma estrutura concreta predeterminada, mas antes pôr, assim, em relevo a importância que as redes têm para os indivíduos (Borgatti e Molina, 2003: 338).
- 3 O DCMS (1998) identificou, nas indústrias criativas, os seguintes setores: publicidade; arquitetur (...)
22A amostra teria como restrição principal a própria disponibilidade de pessoas para responder, já que a combinação da ARS com as entrevistas implica, necessariamente, um nível elevado de comprometimento por parte dos respondentes/participantes. Ela consistiu, assim, numa seleção de indivíduos pertencentes à economia criativa do Nordeste e dispostos a colaborar na investigação. Para identificar os setores e empregos a incluir na amostra, a investigadora optou pela definição de indústrias criativas do DCMS – Departamento de Cultura, Media e Desporto (1998).3 Dentro de cada uma destas grandes áreas e a partir das páginas amarelas, de listas comerciais e de anúncios de revista, selecionaram‑se nomes de pessoas e de empresas, bem como de pessoas singulares envolvidas em atividades e iniciativas relacionadas com as políticas públicas para o setor. Ao todo, cerca de 400 pessoas foram contactadas por correio eletrónico ou telefone e convidadas a participar no estudo. O acolhimento positivo permitiu chegar a uma amostra formada por 136 indivíduos que, entrevistados entre setembro de 2005 e abril de 2006, abrangiam diferentes subsetores das indústrias criativa e cultural, indo desde diretores de empresas privadas até empresários independentes, decisores políticos e gestores do setor cultural sem fins lucrativos.
23A exemplo do verificado com outras metodologias, como a observação participante e a etnografia multissituada (Marcus, 1995), a ARS foi encarada, simultaneamente, como tema da investigação e como modus operandi, uma vez que se tomou por objeto de análise não só as redes em si mesmas mas também o próprio modo como a investigadora se movimentou no espaço para as estudar.
24Com efeito, o aspeto da observação participante afigura‑se essencial quando se considera a importância que as redes assumem, em termos de espaço e tempo, para quem, através da expressão da sua “socialidade reticular” (Wittel, 2001), exercita a criatividade. Além disso, pode afirmar‑se que as “geometrias relacionais” (Yeung, 2003: 38) são fundamentais no que toca ao estudo de redes de atores e estruturas dos domínios público e privado, porquanto o valor qualitativo das relações (que é sempre possível ler como sendo, simultaneamente, de tipo horizontal e vertical) remete, invariavelmente, para a importância do poder. Concretamente no que à presente investigação diz respeito, a noção de poder está associada à possibilidade de construir um discurso de representação acerca do espaço (Chapain e Comunian, 2010) e de encabeçar o desenvolvimento regional por via de uma concorrência a nível global e de investimentos na economia cultural.
25No final de cada entrevista foi pedido aos inquiridos que preenchessem o questionário ARS e o devolvessem pelo correio; ao todo, foram preenchidos e devolvidos 90 questionários. A taxa de resposta foi elevada (66%), desde logo porque a investigadora, ciente da tarefa exigente que é a elaboração de um questionário ARS – de que constavam muitas perguntas sobre dados pessoais, bem como a questão da indicação de contactos individuais –, procurou garantir que os inquiridos tivessem plena consciência da importância dos dados para o projeto no seu conjunto. A entrevista permitiu à investigadora criar uma ligação pessoal, que por sua vez ajudou, em fase posterior, a viabilizar a devolução do questionário ARS.
26O questionário ARS pedia aos respondentes que indicassem, até um máximo de 12, quais as pessoas que haviam tido mais importância para o seu trabalho e percurso profissional. Era‑lhes também solicitado que ponderassem a importância de cada contacto em termos gerais, não obstante o facto de, para melhor avivar a lembrança dos contactos ou dos respetivos nomes, serem aduzidos exemplos do tipo pessoas com quem colabora e a quem recorre para pedir conselho, fornecedores, financiadores, etc. Na primeira página do questionário solicitava‑se aos inquiridos que pensassem genericamente em contactos importantes, para só depois se pedir que essa lista fosse encurtada até aos 12 mais importantes. O questionário não impunha quaisquer restrições: os contactos mencionados podiam ser de qualquer parte do mundo e podia tratar‑se de contactos de natureza pessoal ou profissional, desde que correspondessem, efetivamente, às pessoas com maior relevância para a prática criativa dos respondentes. Os contactos‑chave foram identificados através de nomes (sem comprometer a proteção de dados e o anonimato, conforme deixado bem claro no decurso das entrevistas), bem como da localização geográfica e do setor/organização. As relações com esses contactos privilegiados foram ainda abordadas e estudadas em termos dos seguintes aspetos: natureza genérica da relação; meio utilizado para as interações; interações nos diversos setores; intensidade da relação em função do número de interações; natureza multiestratificada da relação; intensidade da relação em função do tempo; intensidade da relação em função do grau de familiaridade; intensidade da relação em função da troca de conhecimentos; intensidade da relação em função do apoio recebido; natureza da relação em função dos pontos fortes da pessoa em causa; e modo como o relacionamento começou.
- 4 Desenvolvido por Vladimir Batagelj e Andrej Mrvar na Universidade de Ljubljana, o Pajek (palavra e (...)
27Os questionários ARS foram analisados com o Pajek, um software de análise de redes sociais desenvolvido na Universidade de Ljubljana.4 Os dados são introduzidos através de uma matriz que resume o número de nós e as relações por estes partilhadas. A análise permitiu evidenciar diversas relações e dimensões (tais como a intensidade e a frequência) e toda uma variedade de sociogramas e de redes. Isto prende‑se com uma outra dificuldade inerente à utilização da ARS, que é o facto de o manancial de dados e informações passíveis de recolha não ser, muitas vezes, fácil de visualizar ou de apresentar (sobretudo quando estamos perante grandes conjuntos de dados). Daí que, apesar de se ter utilizado uma abordagem multiestratificada e de todas as ligações terem sido analisadas de acordo com a respetiva natureza, quando, no sociograma apresentado neste artigo, a ligação não é especificada, o gráfico apresente ligações que resultam da agregação de diferentes conjuntos de relações identificadas. Além disso, para efeitos do presente artigo apresentam‑se apenas alguns resultados, realçando‑se os aspetos que evidenciam o potencial da ARS e que visam contribuir para uma melhor compreensão da economia criativa.
28Tal como foi referido a propósito da metodologia, a investigação levada a cabo baseia‑se nas redes pessoais. As pessoas (os nós) incluídas na rede são aquelas cuja inclusão foi considerada importante pelos respondentes; quanto a isto, a rede assemelha‑se bastante à prática quotidiana das pessoas que trabalham no setor criativo. Em última análise, a natureza e as caraterísticas da rede acabam, no nosso caso, por ser determinadas pelas redes específicas das pessoas que devolveram o questionário preenchido, contudo elas poderão ser úteis para estudar e questionar um conjunto de relações e o respetivo significado no contexto da economia criativa local do Nordeste.
QUADRO 1 – Panorâmica do questionário ARS
Campos criativos e culturais
|
Setores
|
Total
|
|
Setor público
|
Setor privado
|
Educação
|
Sem fins lucrativos/ voluntário
|
Freelance
|
|
|
Música
|
2
|
1
|
1
|
0
|
1
|
5
|
6%
|
Artes visuais/Design
|
2
|
5
|
2
|
9
|
11
|
29
|
32%
|
Artesãos
|
0
|
2
|
0
|
0
|
2
|
4
|
4%
|
Arquitetura
|
1
|
1
|
0
|
0
|
0
|
2
|
2%
|
Apoio às indústrias criativas
|
7
|
0
|
1
|
3
|
0
|
11
|
12%
|
Fotografia
|
0
|
1
|
0
|
1
|
3
|
5
|
6%
|
Média, cinema, TV
|
1
|
3
|
1
|
0
|
0
|
5
|
6%
|
Artes do espetáculo
|
1
|
1
|
0
|
3
|
1
|
6
|
7%
|
Artistas do vidro
|
0
|
1
|
0
|
0
|
6
|
7
|
8%
|
Escrita/edição
|
0
|
4
|
3
|
2
|
2
|
11
|
12%
|
Novos média/Web
|
0
|
2
|
1
|
0
|
1
|
4
|
4%
|
Festival
|
0
|
0
|
0
|
0
|
1
|
1
|
1%
|
Total
|
14
|
21
|
9
|
18
|
28
|
90
|
16%
|
23%
|
10%
|
20%
|
31%
|
|
29O Quadro 1 dá‑nos a composição da amostra de inquiridos (90 pessoas ao todo) que preencheram o questionário ARS. Incorporando uma diversidade de campos e subsetores criativos (como a música, as artes visuais, o design, etc.), a amostra abrange o setor público, incluindo a educação (26%); o setor privado, incluindo a atividade freelance (54%); e o setor sem fins lucrativos (20%). O número total de relações referenciadas pelos 90 respondentes foi de 909, envolvendo 800 nós, o que resulta numa média de 10,1 ligações por pessoa. A verdade é que o preenchimento do questionário foi muito variável. Enquanto algumas pessoas indicaram apenas 3 ou 4 contactos, outras preencheram os 12 espaços (Quadro 2). Tal facto pode ter várias explicações. Alguns dos inquiridos terão achado que o número de pessoas efetivamente importantes para o seu trabalho era inferior a 12, ao passo que outros poderiam, eventualmente, ter feito uma lista maior. Isto põe em evidência a diferente abordagem que cada pessoa tem relativamente às suas ligações comerciais e a forma também diversa como aborda as redes empresariais.
QUADRO 2 – Repartição do grau de output dos nós iniciais (90) –
(valor mais baixo: 3 / valor mais alto: 12)
Número de contactos mencionados em cada questionário (repartição do grau de output da amostra)
|
Frequência
|
3 contactos
|
3
|
5 contactos
|
2
|
6 contactos
|
5
|
7 contactos
|
2
|
8 contactos
|
5
|
9 contactos
|
5
|
10 contactos
|
22
|
11 contactos
|
11
|
12 contactos
|
35
|
TOTAL
|
90
|
30A repartição geográfica de nossa rede revela também algumas dimensões interessantes. Aquando do preenchimento da ARS, pediu‑se aos inquiridos que pensassem qual a pessoa mais importante para o seu trabalho e percurso profissional. Foi dada liberdade para referir pessoas a viver no mesmo prédio ou na mesma região, mas também em qualquer outra parte do mundo.
QUADRO 3 – Origem geográfica e setor dos nós/contactos referidos na amostra
|
|
Origem geográfica
|
|
|
Nordeste
|
Resto do R.U.
|
U. E.
|
Resto do mundo
|
Total
|
Setor
|
Privado
|
250
67.9%
|
92
25.0%
|
16
4.3%
|
10
2.7%
|
368
|
Público
|
158
76.3%
|
43
20.8%
|
4
1.9%
|
2
1.0%
|
207
|
Sem fins lucrativos
|
108
80.0%
|
22
16.3%
|
2
1.5%
|
3
2.2%
|
135
|
Total
|
|
516
72.7%
|
157
22.1%
|
22
3.1%
|
15
2.1%
|
710
|
31Olhando para os dados (Quadro 3), verifica‑se uma forte presença de redes regionais, já que 72,7% das pessoas nomeadas pela nossa amostra de 90 nós pertencem à região Nordeste. O nível nacional também marca presença, pois 22,1% dos nós nomeados encontram‑se sediados no resto do Reino Unido. O nível internacional, com apenas 5,2%, é bastante baixo, sendo mais importante para o setor privado do que para os setores público e sem fins lucrativos. O relevo assumido pelas redes locais parece dar razão a muita da bibliografia da área dos estudos regionais. Quanto à exiguidade das ligações internacionais, ela não contraria a dimensão global da economia criativa, porquanto a Região do Nordeste talvez não esteja tão ligada internacionalmente a outros centros de criação do Reino Unido como está Londres (Chapain e Comunian, 2010).
32De acordo com a definição de De Nooy et al. (2005), “o indegree (ou grau nodal de entradas) de um vértice é o número de arcos que recebe, enquanto o outdegree (ou grau nodal de saídas) é o número de arcos que envia” (p. 64). Atendendo a que usamos redes pessoais, o grau de saída não tem uma relevância específica (uma vez que depende da circunstância de alguém haver sido incluído na amostra ou não). O que, pelo contrário, tem significado é a análise do grau de entradas, atendendo a que se pode agrupar os nós da amostra com outros não incluídos nela, uma vez que uns e outros têm igual possibilidade de ser objeto de contacto por outro nó. O Quadro 4 resume a repartição do grau de entradas dos nós da rede.
QUADRO 4 – Repartição do grau de entradas da rede
(dimensão: 800 nós; valor mais baixo: 0; valor mais alto: 7)
|
Grau de entradas
|
0
|
1
|
2
|
3
|
4
|
5
|
6
|
7
|
Total
|
Setor
|
Privado
|
37
|
349
|
26
|
4
|
0
|
0
|
0
|
0
|
416
|
Público
|
11
|
171
|
29
|
8
|
5
|
4
|
2
|
1
|
231
|
Sem fins lucrativos
|
11
|
113
|
18
|
9
|
2
|
0
|
0
|
0
|
153
|
Total
|
|
59
|
633
|
73
|
21
|
7
|
4
|
2
|
1
|
800
|
33No Quadro 5, que mostra a repartição do grau de entradas da rede, encontram‑se destacados os nós referidos pela maioria dos nós iniciais. Poderá argumentar‑se que o conjunto de nós com o grau mais elevado de entradas depende de a quem foi pedido o preenchimento dos questionários. Mas o que se afigura interessante é o facto de a maioria das pessoas nessa posição central pertencer a um organismo público da infraestrutura de apoio, ou de se tratar de pessoas responsáveis pela criação e gestão de redes no âmbito da economia criativa do Nordeste.
34Apesar de a nossa amostragem não ser representativa em termos absolutos, é de assinalar o importante papel que o setor público (no que respeita às autoridades regionais e locais e aos organismos de apoio), a universidade (a pessoa mais vezes mencionada é docente da universidade) e outras organizações ou redes sem fins lucrativos desempenham na construção da economia cultural do Nordeste e o apoio que lhe prestam. Com efeito, o papel infraestrutural ou de enquadramento que o setor público assume para a economia criativa local transparece também das entrevistas qualitativas, como se percebe das palavras do cineasta que afirma que o setor público “consegue facultar às pessoas oportunidades de encontro, a nível tanto formal como informal, proporcionando uma espécie de casamento, como uma agência matrimonial”.
35Outro aspeto interessante, e que coincide com algumas das conclusões da vertente qualitativa da investigação, é o papel das organizações da rede (a nível tanto formal como informal). Seis dos nós pertencentes ao conjunto de nós com grau de entrada elevado (ver Quadro 5) correspondem a pessoas que promovem ou administram redes institucionais de tipo formal e informal entre determinados subsetores criativos e culturais. Também neste capítulo os resultados são de molde a sugerir que existe, no seio da economia criativa, uma forte infraestrutura de conhecimentos, de apoio e de troca, que ocorre fora da interação empresa‑a‑empresa e tem a ver com a infraestrutura local, o financiamento, e as redes formais e informais.
36Como sugere um fotógrafo, muitas vezes as pessoas assumem o papel de coordenadores para aproveitar essa oportunidade de poderem ser um nó crucial da rede: “temos relações fortíssimas com muitos outros artistas. Eu próprio estabeleci, em parte através da galeria e em parte através de outra função que também tenho [a de diretor de uma rede de artistas locais], […] uma série de contactos com cerca de 50 a 60 artistas, e agora tenho contactos muito regulares com eles”.
QUADRO 5 – Setor/Função dos nós com um grau de entradas igual ou superior a 3 (a negrito no Quadro 4)
Grau de entradas
|
Setor / função
|
Grau de entradas
|
Setor / função
|
7
|
Docente universitário(a)
|
3
|
Gestor de apoio às competências
|
6
|
Responsável de organismo de apoio público à escrita
|
3
|
Responsável de apoio ao setor do voluntariado
|
6
|
Gestor de apoio público ao comércio
|
3
|
Gestor de organizações artísticas sem fins lucrativos
|
5
|
Responsável de organismo de apoio público às artes
|
3
|
Docente universitário(a)
|
5
|
Gestor de apoio universitário
|
3
|
Gestor de apoio público da Região
|
5
|
Responsável de organismo de apoio público às artes
|
3
|
Gestor de rede
|
5
|
Gestor de organismo de apoio público às artes
|
3
|
Artista – arte comunitária
|
4
|
Organismo de apoio público às artes
|
3
|
Artista
|
4
|
Responsável de fundação sem fins lucrativos
|
3
|
Artista
|
4
|
Responsável de apoio regional público
|
3
|
Gestor de organizações artísticas sem fins lucrativos
|
4
|
Responsável de organismo de apoio público ao cinema e aos média
|
3
|
Artista – curador
|
4
|
Responsável de apoio autárquico
|
3
|
Gestor de rede
|
4
|
Responsável de editora sem fins lucrativos
|
3
|
Gestor de rede
|
4
|
Responsável de organismo de apoio público às artes
|
3
|
Responsável de organizações artísticas em regime de voluntariado
|
3
|
Gestor de apoio às competências
|
3
|
Gestor de rede
|
3
|
Artista do vidro
|
3
|
Responsável de instituição de apoio
|
3
|
Diretor artístico da autarquia
|
3
|
Gestor de apoio público ao comércio
|
3
|
Responsável autárquico para a requalificação
|
|
|
37Um importante aspeto presente neste estudo é a necessidade de demonstrar a constante interligação dos setores público, privado e sem fins lucrativos na economia criativa.
QUADRO 6 – Número total de interligações entre os setores, percentagem correspondente e número de relações exclusivamente baseadas no financiamento
Setor
|
Valor (absoluto = número de ligações)
|
Percentagem de ligações por subamostra setorial
|
Número de ligações relacionadas apenas com o financiamento
(e respetiva percentagem com relação às ligações de idêntico sentido)
|
Privado (415 nós = 51.88%)
|
Privado a privado
|
302
|
59.92%
|
28 (9.27%)
|
Privado a público
|
137
|
27.18%
|
46 (33.58%)
|
Privado a sem fins lucrativos
|
65
|
12.90%
|
20 (30.77%)
|
Público (232 nós = 29.00%)
|
Público a público
|
105
|
49.30%
|
41 (39.05%)
|
Público a privado
|
60
|
29.56%
|
10 (20.83%)
|
Público a sem fins lucrativos
|
48
|
23.65%
|
9 (15.00%)
|
Sem fins lucrativos (153 nós = 19.12%)
|
Sem fins lucrativos a sem fins lucrativos
|
71
|
36.98%
|
16 (22.54%)
|
Sem fins lucrativos a público
|
71
|
36.98%
|
33 (46.48%)
|
Sem fins lucrativos a privado
|
50
|
26.04%
|
28 (56.00%)
|
Número total de ligações
|
909
|
|
213 (23.43%)
|
38Embora a interligação entre os setores público e sem fins lucrativos já fosse de esperar, a interligação de ambos com o setor privado constitui, porventura, um resultado surpreendente. Mas para melhor entender o modo como os três setores interagem, importa, além de registar a presença dessas interligações, considerar o sentido em que elas operam e a sua dinâmica. Como se pode ver pelo Quadro 6, há um considerável número de ligações que partem do setor privado para o setor público e para o setor sem fins lucrativos. Tal facto parece indicar que o setor público desempenha um papel significativo na economia criativa. Apesar de, em termos de percentagens, os resultados mais elevados se verificarem no âmbito das trocas dentro de cada setor (ligação de privado a privado, por exemplo), a percentagem de interligações entre os setores é, também, bastante significativa.
39O papel do setor público transpareceu de forma clara das entrevistas qualitativas, com a importância do setor para as oportunidades de financiamento a ser frequentemente mencionada, conforme fica sugerido pelo testemunho de um escritor freelance: “acho que as vantagens estão em que temos o único organismo para o desenvolvimento literário no país, o New Writing North, e o que ele faz é estar sempre a criar autênticas minas de ouro para os escritores, portanto se calhar há mais oportunidades nesta região do que em qualquer outra parte do país, de modo que esse é um aspeto muito positivo”.
40Se, no entanto (recorrendo a uma abordagem multiestratificada), se isolar o número de ligações associadas ao financiamento (ver a terceira coluna do Quadro 6), torna‑se claro que este não explica a totalidade das ligações que vão dos setores privado e sem fins lucrativos para o setor público, havendo então que atender às questões da troca de conhecimento e do capital social.
41Uma parte dessas ligações de maior alcance entre os setores público, privado e sem fins lucrativos poderá indiciar a existência de um fundo ou pool de ‘conhecimento criativo’ (CURDS, 2001) que se vai deslocando entre todos os setores. É o que refere um dos inquiridos, alguém a trabalhar numa organização artística do setor do voluntariado:
há as mesmas pessoas a fazer tudo e sempre a movimentar‑se daqui para ali, por exemplo, à medida que vão avançando no seu percurso profissional, algumas pessoas poderão abandonar a universidade, criar a sua companhia de teatro, a seguir entram para o Live,5 depois para o Northern Stage, há gente a entrar e a sair do Arts Council, porque querem ter uma visão global e querem partir para outras coisas, a seguir apetece‑lhes voltar ao básico, […] vê‑se as mesmas pessoas, só que não estão no mesmo tipo de trabalho que tinham da última vez.
42O presente artigo propôs‑se contribuir para o debate acerca do papel das redes na investigação respeitante à economia criativa e aprofundar a discussão sobre a cidade criativa. Ao fazê‑lo, pôs em evidência as potencialidades da ARS e, mais concretamente, o uso das redes pessoais enquanto metodologia passível de permitir aos investigadores a adoção de uma abordagem mais fundamentada da perspetiva relacional.
43A utilização de questionários ARS em conjugação com entrevistas qualitativas dá‑nos um quadro assaz interpelante da economia criativa, e que não é, propriamente, coincidente com a imagem que os investigadores e os decisores políticos têm vindo a pintar, de um setor empresarial a puxar pela economia do Reino Unido (DCMS, 2009).
44Com efeito, os dados recolhidos mostram uma história bem diferente: uma história feita de relações, de simbioses e porventura, por vezes, de dependências relativamente a uma grande infraestrutura construída em torno dos setores público e sem fins lucrativos. A julgar pelos dados disponíveis, quer parecer que qualquer esforço de investigação futura tendo por objeto as indústrias criativas deverá atender também aos setores público e sem fins lucrativos, porquanto uma eventual aferição ou estudo do setor privado que não inclua essas outras áreas redundará, sempre, numa imagem muito parcelar. Poderá essa imagem traduzir, até, uma realidade mais pujante em determinados contextos específicos – não se pode generalizar os resultados referentes à região do Nordeste de Inglaterra, mas eles não deixam de ser importantes para a compreensão da economia criativa no seu conjunto.
45Será importante, concretamente, contrapor às iniciativas que procuram rotular e perspetivar a economia criativa como setor puramente industrial, uma visão mais séria, que dê devida conta do contributo dos setores público e sem fins lucrativos. A mais recente investigação encomendada pelo One North East, organismo para o desenvolvimento regional, centrou‑se especificamente no setor criativo (One North East, 2007). Os resultados que obtivemos indicam que talvez seja impossível estabelecer, na região, uma divisão vincada entre as esferas privada, pública e sem fins lucrativos, sendo por isso de adotar, com relação à economia criativa, uma abordagem baseada nas redes. Este facto também tem importantes implicações para a compreensão cabal daquilo que é a cidade criativa: independentemente das inúmeras alterações de caráter físico e estrutural que eventualmente venham contribuir para viabilizar e apoiar as atividades criativas e a economia da cidade, importa ver de que maneira elas viabilizam e alteram as redes e as relações dos produtores culturais e criativos.
46Huber (2008: 19) mostra que é possível entender melhor o que é o capital social se o definirmos como sendo “recursos inseridos em redes sociais, disponíveis para acesso ou efetivamente utilizados”. O presente artigo defende que isso é ainda mais verdade quando buscamos compreender o papel das redes na economia criativa: só uma abordagem centrada nas pessoas e baseada no uso prático dos recursos e das ligações por parte dos criativos poderá fazer luz sobre o modo como a economia criativa funciona. Os resultados apresentados indicam que, se ignorarmos o papel dos setores público e sem fins lucrativos, ficaremos com uma visão excessivamente parcelar do modo como aqueles que exercem a sua criatividade acedem aos recursos disponíveis e partilham conhecimentos, quer dentro, quer fora do seu sistema local.
47Apresentou‑se no presente artigo uma utilização da ARS assente na experiência de um trabalho de campo em que se exploram redes de conhecimento da economia criativa. A utilização da ARS não é isenta de problemas, além de que ainda suscita dificuldades no que se prende com a visualização de resultados e de redes multiestratificadas. Em suma, o estudo apresentado ainda contém muitas limitações no que respeita à representatividade da amostra relativamente ao setor e no que respeita à possibilidade de generalizar a partir das suas conclusões.
48O trabalho defende a integração da ARS noutras metodologias adotadas no âmbito da geografia económica. Mais especificamente, nele se aduzem argumentos em favor da integração da ARS nas metodologias qualitativas, com vista não só a cartografar as relações reticulares mas também a investigar as motivações e as dinâmicas a estas subjacentes.
49Acresce que a abordagem ARS de tipo pessoal traduz de uma forma muito crua o modo como os métodos de investigação que adotamos moldam os nossos resultados e o entendimento que temos da economia e da sua dinâmica. Caso a mesma investigação tivesse sido realizada tomando como quadro de referência uma rede completa e recorrendo à técnica da lista auxiliar de memória baseada em empresas e pessoas a trabalhar na economia criativa, os resultados recolhidos teriam dado um conjunto de relações completamente diferente, do qual dificilmente constariam os setores público e sem fins lucrativos.
50Embora mais problemática no que respeita à análise estatística dos resultados, a utilização de redes pessoais afigura‑se uma técnica valiosa para os investigadores interessados em identificar relações sem impor à amostra a noção de polo ou de uma cadeia de abastecimento predeterminada. Este facto reveste‑se de especial utilidade no contexto daqueles que são os objetivos da geografia económica em termos de exploração das infraestruturas imateriais e das relações de conhecimento.
51Um outro elemento de descontinuidade tem a ver com os juízos de valor subjacentes à decisão sobre que relações são apresentadas ao inquirido e retratadas na rede. Quando afinamos o objetivo da investigação com vista a perceber qual o papel de certos fatores e interligações concretos previamente selecionados para o inquirido ou inquirida, tal equivale a questioná‑lo(a) acerca da troca de conhecimentos com uma seleção específica de empresas ou indivíduos. Partimos do princípio de que esses são os canais e os contactos mais significativos para as trocas de conhecimento, não obstante poder haver outras fontes de colaboração, exteriores não apenas à lista pré‑selecionada, mas à própria esfera empresarial. A oportunidade de identificar as relações consideradas mais significativas pelos inquiridos também se traduz numa melhor compreensão da importância do fator escala. Na investigação que levámos a cabo, são muitos os inquiridos que referem os contactos nacionais e internacionais, ainda que a dimensão regional seja a mais fortemente representada.
52O último aspeto crítico suscitado na primeira parte deste artigo prende‑se com a dimensão ética da investigação. Não obstante os resultados serem apresentados sob forma anónima, é fácil perceber de que modo as políticas públicas poderiam fazer uso destas conclusões com vista a fundamentar (ou não) certos tipos de rede considerados mais (ou menos) influentes, facto que, por sua vez, poderia ter repercussões sobre a atividade dos criativos que participaram na investigação.