UN HABITAT, State of the World’s Cities 2010/2011: Cities for All, Bridging the Urban Divide
UN HABITAT (2010), State of the World’s Cities 2010/2011: Cities for All, Bridging the Urban Divide. London, Washington: Earthscan, 224 pp.
Texto integral
1O United Nations Human Settlements Programme (UN‑HABITAT) foi criado em 1978, dois anos após da realização da Habitat Conference em Vancouver, Canadá. É uma agência da Organização das Nações Unidas para assentamentos humanos, que “helps the urban poor by transforming cities into safer, healthier, greener places with better opportunities where everyone can live in dignity” (UN‑HABITAT’s Brochure, 2009). Uma das suas principais publicações é State of the World’s Cities. Iniciada em 2001, a série – que actualmente é bianual – tem o objetivo de destacar os desafios que a urbanização coloca às cidades do mundo.
2O Relatório de 2010/2011, publicado sob o título Cities for All, Bridging the Urban Divide, aponta uma mudança de paradigma na elaboração de políticas urbanas e apresenta, no fim, recomendações para a construção de cidades inclusivas. Na introdução do relatório, Anna K. Tibaijuka, Directora Executiva do UN‑HABITAT, salienta que “this Report contributes to bridge the gap between scientific information and societal action, which is a simple, but fundamental requisite, to promote equity and sustainability for more harmonious cities.” A Directora Executiva refere‑se aqui ao Relatório 2008/2009, que adoptou o conceito de cidade harmoniosa como quadro teórico para entender o mundo urbano e como instrumento operacional para enfrentar os mais importantes desafios das áreas urbanas. A ideia de unificar a cidade através do planeamento (capítulo 4, Rel. 2008/2009) levou a que o Relatório de 2010/2011 se concentrasse sobre o conceito urban divide entre a cidade legal e a favela.
3A informalidade urbana também já tinha sido a tónica no Relatório de 2006/2007. Os Objetivos do Milénio foram o quadro referencial pelo qual o UN‑HABITAT analisou a cidade e a favela. Colocando à prova a capacidade de intervenção dos Estados africanos, asiáticos, latino‑americanos e caribenhos, os países foram classificados de acordo com as seguintes categorias: (i) on track: baixa incidência ou rápido declínio nas taxas de crescimento das favelas; (ii) stabilizing: estabilização ou reversão das taxas de crescimento e necessidade de monitoração; (iii) at risk: crescimento moderado a alto das taxas, moderada incidência e necessidade de políticas corretivas; (iv) off risk: alta proporção, rápido crescimento e necessidade de acções urgentes e imediatas. Os países at risk e off risk precisavam de se esforçar para cumprir os Objetivos do Milênio – em especial o número 7, meta 11: melhorar a vida de pelo menos 100 milhões dos 1,4 bilhões de moradores a morar em favelas previstos para 2020; segundo a estimativa do Relatório, haveria 715 milhões de pessoas a morar em favelas em 1990.
4Para Anna K. Tibaijuka, a publicação do Relatório de 2010/2011 ocorre “in a very important year – a key milestone that marks the halfway point towards the deadline for the slum target of the Millenium Development Goals”. E congratula‑se com o facto de os governos terem “collectively exceeded the slum target of Millennium Development Goal 7 by at least 2,2 times, and 10 years ahead of the agreed 2020 deadline”. De acordo com o Relatório, 227 milhões de pessoas em todo o mundo deixaram a favela; mesmo assim, a população das favelas cresceu de 776,7 milhões para 827,6 milhões durante a última década. Do crescimento ocorrido, metade veio de pessoas que já viviam em favelas, um quarto de migrantes do campo para áreas urbanas e outro quarto de pessoas que viviam em áreas rurais nas periferias das cidades e que viram as suas residências engolidas pelo crescimento urbano. Porém, o Relatório não se delonga muito a explicar como tal aconteceu, retomando a abordagem do urban divide para apresentar um quadro referencial baseado em direitos como a dignidade humana.
5O Relatório inicia‑se com a constatação de que há taxas cada vez mais altas de urbanização da população mundial, e que muitas cidades, principalmente dos países em desenvolvimento, estão despreparadas para intervir nos processos de urbanização. O estudo argumenta que esse contexto cria cidades divididas, o que é drasticamente visível nas maiores cidades do mundo através do contraste entre arranha‑céus e favelas.
6Na primeira parte – Urban Trends – o Relatório discorre sobre o crescimento do urbano no mundo. São identificadas cidades‑região, corredores urbanos e mega‑regiões classificadas como motores da economia global e regional. Ao relacionar urbanização e pobreza, o Relatório define dois recortes espaciais para centrar a sua análise: o primeiro concentra‑se nos países africanos, asiáticos, latino‑americanos e caribenhos, e o segundo nas favelas das grandes cidades desses países. O Relatório apresenta, então, um ranking dos países no que respeita ao progresso alcançado na redução das favelas. Os países que, em números absolutos, mais reduziram a população das favelas, entre 2000‑2010, foram a China (65,31 milhões), a Índia (59,73 milhões), a Indonésia (21,23 milhões) e o Brasil (10,38 milhões). Por outro lado, as que mais diminuíram a percentagem da população residente nas favelas foram a Indonésia (47,5%), Marrocos (45,8%), a Argentina (40,7%), a Colômbia (39,7%) e o Egipto (39,2%).
7Na segunda parte – The Urban Divide – o Relatório confirma a abordagem da cidade dividida – entre incluídos e excluídos – para argumentar que essa divisão estimula a desigualdade e a estratificação social, que reflectem as diferenças em que o espaço e as oportunidades são produzidos, apropriados, transformados e usados. A cidade inclusiva é apresentada, então, como uma abordagem positiva, que estabelece uma dinâmica baseada em direitos: o direito à cidade. É através desse quadro referencial que a relação entre as quatro dinâmicas da equidade – económica, social, política e cultural – se poderia tornar, de mero paradigma conceitual, numa abordagem inclusiva e sustentável. Através da análise destes aspectos do urbano dividido, o Relatório pretende demonstrar como os processos inclusivos devem estar relacionados com as dinâmicas da equidade para que se possa romper com os processos de marginalização da sociedade.
8Na terceira parte – Bridging the Urban Divide – o Relatório pretende avançar com o debate sobre o direito à cidade, que teria como princípios: (i) a indivisibilidade dos direitos humanos; (ii) a inclusão e a não discriminação; (iii) a prioridade para grupos vulneráveis e marginalizados; e (iv) a equidade de género. Incluído nas Constituições Federais do Brasil, em 1988, e do Equador, em 2008, o direito à cidade, segundo o Relatório, já foi implantado em diversos países com diferentes escalas de sucesso, e não pode ser confundido com um simples instrumento legal. Deste modo, muitos municípios, de forma explícita ou não, reforçam a efectividade do direito ao implantarem políticas inclusivas. Partindo da inclusão económica, social e política, o Relatório demonstra como as dinâmicas regionais operam no que respeita a essas categorias e defende uma abordagem multidimensional da inclusão e da cultura enquanto factor de grande importância. Por fim, o Relatório estabelece cinco estratégias para uma cidade inclusiva: (i) avaliar o passado e medir o progresso; (ii) criar instituições mais eficazes ou fortelecer as existentes; (iii) criar alianças entre os níveis de governo; (iv) desenvolver uma visão de promoção da inclusão; e (v) assegurar a distribuição equitativa das oportunidades.
9Se fizermos uma abordagem histórica da série State of the World’s Cities, verificamos que algumas perguntas dos Relatórios anteriores continuam em aberto. Se o Relatório de 2008/2009 pregava uma cidade unida, através do preceito da harmonia, por que razão é que o Relatório actual debate apenas as favelas dos países africanos, asiáticos, latino‑americanos e caribenhos ao invés do fenómeno da urbanização como um todo? O que aconteceu com os países definidos em 2006/2007 como on track (Egipto, Porto Rico, Uruguai, Cuba, Sri Lanka, Tunísia, Geórgia e Tailândia)? Excluindo o Egipto, nenhum dos outros países apareceu no Relatório de 2010/2011 como um caso de progresso na diminuição da população das favelas. E o que explica que os países que, em 2006/2007, estavam na categoria at risk (China, Índia, Marrocos e Argentina) tenham demonstrado, em 2010/2011, um grande melhoramento? Talvez tenhamos estas respostas em 2012.
Para citar este artigo
Referência do documento impresso
Juliano Geraldi, «UN HABITAT, State of the World’s Cities 2010/2011: Cities for All, Bridging the Urban Divide», Revista Crítica de Ciências Sociais, 91 | 2010, 282-284.
Referência eletrónica
Juliano Geraldi, «UN HABITAT, State of the World’s Cities 2010/2011: Cities for All, Bridging the Urban Divide», Revista Crítica de Ciências Sociais [Online], 91 | 2010, publicado a 29 novembro 2012, consultado a 14 fevereiro 2025. URL: http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/rccs/4470; DOI: https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/rccs.4470
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