Título da página electrónica: CIDLOT/Universidade de Cabo Verde
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1O Centro de Investigação em Desenvolvimento Local e Ordenamento de Território (CIDLOT) da Universidade de Cabo Verde representa um laboratório de ponta da primeira universidade pública do país, fundada apenas há quatro anos, que tem o objectivo de fazer dialogar o mundo académico com as maiores dinâmicas de desenvolvimento do arquipélago.
2Desde a sua fundação em 2009, o CIDLOT tem trabalhado com vista a preencher uma série de lacunas de conhecimento existentes em Cabo Verde, por exemplo, realizando um levantamento da arquitectura habitacional no país. As bases metodológicas e conceptuais deste trabalho – que podem ser consultadas na página electrónica do centro – enraízam-se na consciência de que ainda hoje há uma escassa literatura de referência sobre a moradia cabo-verdiana, impedindo uma análise mais aprofundada e metodologicamente consistente sobre a relação arquitectura/cultura/quotidiano no país.
3Alguns estudos têm sido feitos a partir do património edificado, voltados, sobretudo, para os edifícios históricos administrativos e moradias senhoriais (os sobrados), ou para contextos específicos, como é o caso de Cidade Velha, declarada património da humanidade pela Unesco em 2009. Em Boa Vista foi recentemente publicado um livro sobre o património paisagístico, com breve descrição da morfologia habitacional no seu conjunto, mas não houve neste trabalho um levantamento específico das moradias isoladamente. Uma outra publicação recente relacionada, de certa maneira, com o tema habitacional é o Manual de Construção, orientado para a divulgação de práticas construtivas sustentáveis e adequadas ao clima local. Merece ser frisado que os planos directores municipais do arquipélago não têm incluído sistematicamente a questão habitacional. Por exemplo, o único PDM até hoje publicado – o da cidade da Praia – não apresenta nenhum capítulo dedicado à matéria, limitando-se a apresentar dados do Instituto Nacional de Estadística (INE) sobre o deficit habitacional.
4Nesta moldura de total carência de literatura especializada em arquitectura habitacional no país, destinada a auxiliar tanto o governo quanto o mercado a direccionarem as suas acções às especificidades do seu público, o CIDLOT considera que “o conhecimento de si, para consolidar-se ou reinventar-se” deveria representar uma marca fundamental para o desenvolvimento de uma sociedade, assim evitando o risco de desperdiçar energia e recursos em projectos descolados da realidade e dos anseios locais. Hoje, em Cabo Verde, algumas perguntas básicas ainda necessitam urgentemente de respostas. Por exemplo: como é a disposição interna da casa cabo-verdiana? Quais os cómodos mais e menos usados? Quais os espaços de sociabilidade e de reclusão? Como se relaciona a moradia com os espaços de vizinhança? Há diferença entre as várias ilhas ou os diversos concelhos nos hábitos de morar? Quais as influências dos hábitos construtivos trazidos pelos emigrantes? Há uma contaminação significativa da população em diáspora das casas cabo-verdianas?
5O “Diagnóstico da Arquitectura Habitacional em Cabo Verde” é o primeiro trabalho de investigação do CIDLOT e tem como objectivo principal identificar as principais tipologias arquitectónicas de função residencial em Cabo Verde, de modo a apoiar as estratégias e escolhas directivas de acções nesta área. Teve origem numa proposta do Plano Estratégico Nacional de Habitação, mas dado o seu carácter inovador e abrangente, a proposta foi inteiramente absorvida pela universidade, desvinculando-se do calendário governamental.
6Em breves linhas é hoje possível afirmar que o crescimento rápido das cidades cabo-verdianas, com as imigrações/emigrações e, mais recentemente, com as influências e impactos do turismo em certas ilhas, conduziu a mudanças radicais nos hábitos de morar e nas tendências construtivas locais. Actualmente as disparidades económicas e sociais definidoras da sociedade são claramente espelhadas no território e nas zonas residenciais das cidades. A análise das habitações construídas tanto nos bairros de alto padrão económico como naqueles carenciados permite compreender o abandono de certas práticas culturais de habitar e a afirmação de outras.
7A solidificação dessas desigualdades tem eliminado a comunalidade dos modos de habitar tradicionais do cabo-verdiano, característica anteriormente definidora de espaços de sociabilidade. Antigamente, os locais de convívio ao redor das residências compunham uma relação orgânica entre a habitação e as demais zonas do habitat. A transição entre o exterior e interior das casas, aliada aos espaços entre os conjuntos construídos, proporcionava uma dinâmica social e comunitária importante dentro e fora da habitação. Muitos destes elementos estão hoje a ser perdidos. Nos bairros de alto padrão económico há frequentemente uma escassez de áreas de interacção entre a moradia e o espaço público. O resultado é um conjunto pouco ou nada comunitário, composto de fachadas estáticas a minar o que tecnicamente é designado por “unidades de vizinhança”: as fachadas perdem a função de membrana de transição entre o público e privado e adquirem um valor de ostentação. Este processo é indicador de uma sociedade em crise identitária e de valores: o ter sobrepõe-se ao ser e o individual ao colectivo.
8Sob este aspecto têm sido importadas concepções construtivas muitas vezes não adequadas ao clima e à cultura nacional. O estudo dessas tendências – claramente um dos objectivos nodais do “Diagnóstico da Arquitectura Habitacional em Cabo Verde” – é essencial para a compreensão do presente e a projecção do futuro da sociedade do arquipélago, procurando soluções mais adequadas à equidade social. Hoje em dia, as forças económicas e sociais que redesenham o território cabo-verdiano influenciam de igual modo as suas tendências construtivas e hábitos de morar. Tais forças exercem uma poderosa pressão, levando ao abandono de certas práticas e à adesão a soluções pouco adequadas ao ambiente e à coesão espacial e social. É portanto imperativo conhecer as tradições de construção, as práticas culturais e as novas tendências para orientar políticas adequadas ao país. Conhecer – no entendimento do “Diagnóstico” que está hoje a ser concluído – torna-se o elemento central para “se reconhecer e para desenvolver”.
9Deve frisar-se que a opção metodológica deste diagnóstico partiu da valorização do saber local para a definição de zonas tipologicamente homogéneas, ou seja, para delimitar as tipologias habitacionais predominantes em cada um dos concelhos do arquipélago. Com este objectivo foi realizada uma oficina preparatória do diagnóstico, para a qual técnicos municipais de todas as Câmaras trouxeram amplo material visual da morfologia habitacional de cada um dos territórios. Investigadores, arquitectos e demais envolvidos debruçaram-se conjuntamente sobre este material durante toda a jornada. O resultado foi a definição de três a sete tipologias predominantes por concelho, as quais seriam depois levantadas detalhadamente no terreno pela equipa da universidade. A participação conjunta das equipas técnicas das Câmaras Municipais e da universidade tem sido fundamental para os bons resultados da investigação. O website relata como mais de 85% das 22 Câmaras Municipais aderiram a esta investigação (à excepção de São Vicente, Tarrafal de São Nicolau e Ribeira Grande de Santiago).
10Até Março de 2010 foram realizados levantamentos em Santo Antão, São Vicente, São Nicolau, Sal, Boa Vista e Maio, cujo resultado está a ser preparado para publicação do primeiro volume do livro Panorama da Arquitectura Habitacional em Cabo Verde. A falta de recursos tem adiado a finalização do levantamento nas ilhas de Fogo, Brava e Santiago, o qual comporá o segundo volume da publicação. No final, cerca de cem moradias de todo o território nacional irão ser detalhadamente catalogadas com fotografias, plantas, cortes, fachadas e delongadas entrevistas com os seus moradores, a fim de solidificar a compreensão socioespacial de cada habitação e do conjunto tipológico. Para a coerência e uniformidade de linguagem dos dados visuais arrolados, optou-se pela inclusão de um fotógrafo profissional na equipa da universidade.
11Um dos dados significativos da sondagem no terreno diz respeito ao conforto térmico das habitações, para o qual se tem utilizado um termómetro capaz de medir simultaneamente a temperatura interior e exterior das moradias. Alguns dados preliminares têm revelado uma temperatura até 10°C mais elevada no interior, bastante desconfortável para um país com uma média térmica anual de cerca de 25°C. Ademais, análises arquitectónicas e sociológicas do ponto de vista do património histórico, da eficiência energética e da relação entre género e moradia têm sido acolhidas nesta pesquisa. O resultado será a primeira publicação de âmbito nacional sobre a arquitectura habitacional, um estudo de referência que certamente responderá a algumas destas questões e abrirá novas hipóteses de investigação científica na área.
12Merece salientar-se a importância de conhecer os hábitos de um povo, seja para as empresas atenderem a novos mercados emergentes como para o governo desenhar as suas políticas habitacionais. Isto é, toda a sociedade precisa de se conhecer para melhor atender aos seus défices, demandas e desejos. A moradia diz respeito à realidade e também às subjectividades de um povo. Como pode a arquitectura responder aos sonhos das pessoas sem perder o contacto com a realidade? No contexto cabo-verdiano, com condicionantes específicas de clima, de economia e de materiais, como podem todos os envolvidos na construção habitacional, dos técnicos, às empresas e governo, actuar em sintonia com os hábitos e o desenvolvimento futuro do país?
13Sem conhecer como se mora e quem mora muitos projectos estão fadados ao insucesso. Até hoje, governos e empresários têm investido muito dinheiro em soluções inadequadas: está-se a construir para o cabo-verdiano real? Com materiais adequados? Qual é a qualidade das moradias em termos de eficiência energética e resposta às necessidades das famílias? Como é que as novas tendências habitacionais definirão dinâmicas sociais futuras?
14Para destrinçar estas perguntas simples, a Universidade de Cabo Verde, através do CIDLOT, decidiu realizar o diagnóstico da arquitectura habitacional, que constitui um levantamento inédito no país. Esta pesquisa tem, ademais, servido de base ao que poderá vir a ser um futuro programa de mestrado em arquitectura e desenvolvimento sustentável. Esta é uma das maneiras como a investigação e a universidade podem efectivamente colaborar em prol do desenvolvimento local: conhecer e reconhecer para desenvolver.
Para citar este artigo
Referência do documento impresso
Andréia Moassab e Patrícia Anahory, «Título da página electrónica: CIDLOT/Universidade de Cabo Verde», Revista Crítica de Ciências Sociais, 91 | 2010, 295-298.
Referência eletrónica
Andréia Moassab e Patrícia Anahory, «Título da página electrónica: CIDLOT/Universidade de Cabo Verde», Revista Crítica de Ciências Sociais [Online], 91 | 2010, publicado a 29 novembro 2012, consultado a 27 março 2025. URL: http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/rccs/4457; DOI: https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/rccs.4457
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