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Debate social e construção do território
2. Governar - Reflexões sobre inovação e criatividade participativa na gestão do território

Uma conversa (intemporal) acerca do papel dos Centros Urbanos no âmbito de processos de planeamento desenvolvidos em colaboração*

A (Timeless) Conversation about the Role of Urban Centres within Collaborative Planning Processes
Une conversation (intemporelle) à propos du rôle des Centres Urbains dans le domaine de processus de planification développés en collaboration
Viviana Lorenzo e Jeff Bishop
Tradução de João Paulo Moreira
p. 155-167

Resumos

A crescente procura, por parte da sociedade civil, de uma maior participação no planeamento urbano tem vindo a incentivar novas formas de interacção entre o público e o privado. Os autores avançam algumas ideias acerca das presentes contradições e das potencialidades ainda não exploradas dos Centros Urbanos, partindo da Outlook Tower de Patrick Geddes até aos actuais Centros de Arquitectura enquanto instrumentos para o co‑planeamento de uma visão partilhada das cidades do futuro.

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Texto integral

  • * Algumas das reflexões contidas no presente artigo constam da tese de mestrado de Viviana Lorenzo in (...)

1O presente artigo resulta de uma troca de opiniões, reflexões e ideias, entre ambos os autores, acerca do papel dos Centros Urbanos e dos Centros de Arquitectura (como são hoje chamados no contexto anglo‑saxónico) nos processos de participação relacionados com as transformações operadas a nível urbano, bem como, de uma forma mais genérica, acerca das características dos Centros Urbanos enquanto espaços passíveis de melhorar, do ponto de vista do co‑planeamento, não só o nível de envolvimento das pessoas mas também a própria qualidade do urbano. De modo algum se pretende traçar um quadro exaustivo dos fenómenos que são os Centros Urbanos, mas tão só reflectir acerca das actuais contradições e propor novos desafios para estes instrumentos, numa altura em que novos Centros continuam a ser criados na Europa e noutras partes do mundo.

  • 1  Os esquemas resultam de uma análise de quase vinte estudos de caso retirados principalmente do con (...)

2Os dois esquemas visuais (Figuras 1 e 2) contidos no presente artigo ajudarão o leitor a orientar‑se no multifacetado panorama actual dos Centros Urbanos. O primeiro esquema propõe uma classificação de algumas1 destas estruturas – genericamente designadas por Centros Urbanos, mas todas elas, em rigor, bastante diferentes nas respectivas finalidades, funções e organização –, atendendo à posição do Centro em relação ao Poder Local e à população residente: neutra, interna ou externa. Consoante esta primeira escolha/condição, assim os Centros desempenham diferentes papéis: mediador, informante, promotor, etc. Por exemplo, a Glasgow Lighthouse, lançada em 1998 com 100% de financiamento público, bem como a napolitana Casa della Cità e o Candiani5, em Veneza, são de facto parte integrante (como gabinetes, organismos ou serviços) da administração pública local (AA.PP.). Em contrapartida, a Municipal Art Society, de Nova Iorque, fundada em 1893 por um grupo de arquitectos, artistas e dirigentes da sociedade civil, é presentemente ainda uma fundação independente vocacionada para ajudar as comunidades locais a facultar às autoridades locais projectos alternativos. Outros, como o Northern Architecture, na cidade de Newcastle, beneficiam de financiamento público mas são geridos de modo independente e funcionam como mediadores nos processos de participação pública.

3A Figura 2 está concebida como um mapa cujo centro é representado por um Centro Urbano ideal que reúne todas as características adiante explanadas, enquanto a posição de cada um dos Centros constantes do mapa é determinada pela relevância atribuída a certas funções relativamente a outras. Como mostram os quatro eixos da figura, alguns Centros aproximam‑se daquilo que será um modelo de “centro de aprendizagem activa/recursos”, outros funcionam como “espaços públicos de debate e consulta”, outros são essencialmente uma “caixa de informações/vitrina” das transformações urbanas (sendo que nesses casos o Centro é, por norma, uma criação do Poder local integrada nas estratégias de marketing urbano), outros ainda derivam para formas que têm menos a ver com Centros Urbanos do que com “centros de assistência técnica/planeamento comunitário”, assumindo, nesses casos, missões muito específicas.

Figura 1 ‑ V. Lorenzo (2006)

Figura 1 ‑ V. Lorenzo (2006)

Figura 2 ‑ V. Lorenzo (2006)

Figura 2 ‑ V. Lorenzo (2006)

4Para melhor se entender todo o potencial dos Centros Urbanos e o sentido das considerações abaixo expendidas, é útil ter em mente que, não obstante a expressão “Centro Urbano” ser bastante recente – denotando um objecto/espaço/instrumento que pode ser, ao mesmo tempo, um dispositivo para promover pesquisas, um potenciador da acção, um espaço para aprender, debater ou descrever os aglomerados urbanos e a sua transformação –, os princípios que representam o pano de fundo teórico‑ideológico em que os Centros Urbanos funcionam têm uma história já longa e consolidada.

  • 2  O “Grande Globo” de Elisée Reclus e o “Urbaneum” de Paul Otlet são apenas dois de entre os inúmero (...)
  • 3  Literalmente, Torre Panorâmica. [N.T.]

5O conhecimento interdisciplinar e uma abordagem visual dos estudos urbanos (baseada na observação directa dos fenómenos físicos efectuada através do trabalho de campo), a importância das exposições e a ideia do ambiente como um “museu pedagógico” – eis algumas das vertentes presentes nos modernos Centros Urbanos que estão directamente relacionadas com a vaga de inovações técnicas, de descobertas científicas, de reformas sociais e de pensamento utópico2 que, na segunda metade do século XIX e na primeira metade do século XX, se fez sentir na Europa e em particular na Grã‑Bretanha. Tais tendências confluíram na obra de Patrick Geddes e na mais famosa das suas invenções – a Outlook Tower.3

  • 4  “Como foi possível isso acontecer? […] é fácil de entender, atendendo a que a obra e a visão de Ge (...)

6O escocês Patrick Geddes foi cientista, geógrafo, pedagogo, activista cívico, filósofo e urbanista. Tinha interesses de tal maneira diversificados, que se torna difícil fazer dele uma apresentação sumária. Esquecido durante anos,4 ele é hoje considerado o pai do moderno planeamento urbano e do conceito de desenvolvimento sustentável.

  • 5  Sobre o conteúdo e o funcionamento da Torre, ver Geddes (1915) e Earley (1991).

7A Outlook Tower, em Edimburgo, é uma manifestação física concreta da abordagem de Geddes, podendo ser considerada o arquétipo formal e, até, o modelo ideal dos actuais Centros Urbanos. Neste sentido, ela coincide, em nossa opinião, com o centro do mapa proposto na Figura 2, onde convergem muitas ideias e abordagens diversas. Por isso também, ela é crucial para as reflexões contidas na segunda parte do presente artigo.5

8A Outlook Tower – uma “Torre de Observação Regional”, como inicialmente Geddes chamou a este seu projecto – foi um espantoso instrumento de investigação e aprendizagem acerca do meio envolvente desde uma escala global até à escala local. Aberto a todos, surgia como um centro de investigação e um museu pedagógico “onde o conhecimento seria aplicado e não meramente armazenado” (Cantor, s/d) e tinha um objectivo claro: envolver activamente as pessoas na melhoria dos aglomerados urbanos de Edimburgo. Nas palavras do próprio Geddes,

o princípio orientador é o princípio sinóptico, que almeja chegar porventura ao reconhecimento e à utilização de todos os pontos de vista, preparando‑nos assim para a Encyclopaedia Civica do futuro. Porque esta tem de conter, a um tempo, a apresentação científica e, na medida do que for viável, artística, da vida da cidade: tem de construir, sobre essa apresentação, uma interpretação do curso evolutivo da cidade no presente; tem de, cada vez mais, prever‑lhe as possibilidades futuras; e com isso poderá despertar e educar para a cidadania, organizando os esforços no sentido da concretização de alguns destes meritórios desideratos. Desde há muitos anos que, inicialmente por esta via, mas também, e complementarmente, pela via dos estudos da natureza e da geografia, se tem vindo a assistir aos começos de um Observatório e Laboratório Cívico na nossa Outlook Tower de Edimburgo. (Geddes, 1915: 320)

  • 6  Autor de ensaios fundamentais no campo da psicologia ambiental, da arquitectura e da teoria anarqu (...)
  • 7  Ver Bishop et al., 1992.

9A Torre constituiu um caso isolado até ao início da década de 1970, altura em que, mais uma vez na Grã‑Bretanha, Colin Ward (anarquista e escritor6) e Anthony Fyson (geógrafo) decidiram, com base nas mesmas ideias de Geddes, lançar um novo tipo de centro para a educação ambiental:7 o Centro de Estudos Urbanos (Urban Studies Centre).

  • 8  Em 1979 havia 15 Centros de Estudos Urbanos em actividade no Reino Unido; em 1984, passados apenas (...)
  • 9  Colin Ward, conferência proferida no ILEA Centre for Urban Education Studies em 5 de Junho de 1973

10Ao longo de pelo menos quinze anos,8 os cerca de 20 Centros de Estudos Urbanos existentes na Grã‑Bretanha eram espaços/processos de aprendizagem, de debate e de descoberta em que os estudos sobre o meio urbano ofereciam às pessoas, especialmente jovens mas não só, a oportunidade de interagir de forma activa com os problemas locais no domínio político, social e do planeamento. Segundo Colin Ward, “a educação para a participação no planeamento não tem a ver com a estética nem com a relação custo‑benefício nem com a teoria dos lugares centrais, mas é antes uma educação sobre o poder”,9 sobre o poder de planear em conjunto e de moldar o meio em que vivemos.

11Suportados essencialmente pelo financiamento público para a educação informal, os Centros de Estudos Urbanos quase se viram extintos por força da depressão vivida na Grã‑Bretanha no início da década de 1980:

A exemplo do que sucedeu em muitos outros países, a Grã‑Bretanha assistiu a uma reacção da direita que veio pôr em causa a educação progressista […]. Numa economia em declínio, tal reacção contou com o apoio (ainda que amiúde contrafeito) de uma população desejosa de ver um maior empenho na passagem do mundo do ensino para o do emprego. Os recursos escassearam, a educação ambiental foi marginalizada e passou a ser um dos alvos naturais para os cortes (principalmente quando a área a cortar envolvia disputas interdepartamentais sobre as políticas e a propriedade intelectual, como é o caso da educação ambiental). (Bishop et al., 1992: 65)

12A perda da memória no que se refere à experiência dos Centros de Estudos Urbanos é, provavelmente, a falha conceptual mais grave de que enfermam os actuais Centros de Arquitectura da Grã‑Bretanha e também da Itália e de outros países da Europa. Em consequência desse facto, a maior parte desses centros não conseguiu reatar e desenvolver abordagens já existentes da educação ambiental e do planeamento progressista de base comunitária. Os seus actuais modelos educativos alinham mais pela ideia de agentes profissionais apostados em trazer o público até aos seus conceitos e princípios do que por uma ideia de abordagens de reciprocidade, em que cada uma das partes se sinta instigada a ensinar e a aprender com a outra.

  • 10  “Em termos de Centros de Arquitectura, a mensagem é positiva por um lado, mas incerta por outro. O (...)

13Várias questões se colocam quando se estuda estas estruturas na sua expressão concreta e com referência ao papel que efectivamente desempenham, ou poderiam desempenhar, nos processos de planeamento em colaboração. Não obstante as conquistas alcançadas pelos Centros de Arquitectura da Grã Bretanha no que respeita a promover um bom design para todos,10 a verdade é que a maior parte parece ter abandonado a missão principal dos Centros de Estudos Urbanos e da Outlook Tower de Geddes, que era envolver as pessoas de uma forma activa, levando‑as a participar na moldagem do seu próprio meio ambiente.

14Para quem, como os presentes autores, considera que a participação deve constituir o alicerce, a finalidade e a consequência natural da activação destas estruturas nas cidades, há ainda muitas coisas a necessitar de melhorias.

15Partindo da experiência dos Centros de Estudos Urbanos e do modelo da Outlook Tower de Geddes para clarificar algumas das contradições acima expostas, as considerações que se seguem constituem uma tentativa de desenvolver o potencial ainda não expresso dos Centros Urbanos.

Primazia às pessoas ou aos espaços?

16A dimensão física dos Centros Urbanos assume uma grande importância: um Centro Urbano é, antes de mais, um espaço de encontro com, de aprendizagem, e de descoberta da cidade.

17Ao visitar a torre de Edimburgo, em 1959, Joyce Earley percebeu que “a Outlook Tower, então, era e deveria ser um espaço para trabalhar dados, para os arquivar e divulgar com vista ao diálogo e ao debate. Precisa de salas de reuniões e de um café. Ao mesmo tempo, na câmara municipal os modernos departamentos analisam e correlacionam, hoje em dia, os dados dos seus estudos […]. Ainda não se encontrou o mecanismo que permita que os cidadãos de uma democracia sejam sistematicamente chamados a envolver‑se em todo este processo. Quando isso acontecer, as palavras ‘outlook tower’ poderão simbolizar, nas nossas cidades, o espaço do público em tal processo” (1991: 71). Para Geddes, a Outlook Tower era passível de concretização em qualquer escala, mesmo nas estantes de uma biblioteca, mas acima de tudo deveria ter a maior divulgação possível: Geddes passou toda a sua vida a planear e a activar estruturas semelhantes noutras cidades, como Indore (na Índia) e Montpellier.

18Na sua maioria, os Centros de Arquitectura e os Centros Urbanos da actualidade entenderam este facto, investindo fortemente na procura de locais e instalações adequados, com uma arquitectura e “atributos” tecnológicos atractivos. Em nossa opinião, porém, de pouco vale dispor de meios dispendiosos, incluindo edifícios, espaços, salas de reuniões e sistemas de informação (visual, interactiva, etc.) de alta qualidade, se não houver pessoal devidamente qualificado e recursos de apoio para poderem ser usados tão plenamente quanto muitos cidadãos gostariam. Por outro lado, é igualmente ineficaz ter pessoas qualificadas a trabalhar em comunidades, se, ao nível local, não existir um espaço físico – um território neutro – em que as pessoas se possam reunir e colaborar.

19Para ser, de facto, “o espaço do público” nos processos de planeamento das cidades, um Centro Urbano tem, a nosso ver, de investir em pessoas o mesmo nível de reflexão e de recursos que investe em espaços.

Perorar ou ouvir?

  • 11  “A educação ambiental e o exercício da cidadania andam de mão dada: a criação de novas oportunidad (...)

20Os Centros de Estudos Urbanos surgiram a partir da educação ambiental; baseados no princípio da “educação para a participação”,11 desde sempre apresentaram, por isso, uma dimensão didáctica ou “perorante”. Não existe nisso nada de mal, se a educação for planeada e gerida em dois tempos: de maneira a ajudar as pessoas a aprender, por si mesmas, a conhecer o seu espaço, necessidades e aspirações, e também a ajudá‑las a fazer chegar essas ideias e reflexões até aos profissionais e aos responsáveis pelas tomadas de decisão.

21Os Centros de Arquitectura e os Centros Urbanos da actualidade fazem, muitas vezes, um trabalho criativo de muito boa qualidade no campo da educação, da informação e da divulgação, principalmente através de exposições. Contudo, nem sempre atingem a mesma qualidade no que toca a apoiar as iniciativas autónomas dos grupos informais de cidadãos e a gerir as reacções geradas pela sua actividade.

22O papel dos Centros Urbanos podia voltar a ser o de dar resposta a esta procura de oportunidades para debater e decidir em conjunto as transformações da cidade, sobretudo ao nível informal. E podia fazê‑lo, não tanto da forma como isso é entendido hoje em dia, mas antes na linha do pensamento original de Patrick Geddes. Segundo Geddes, “é assim que, a partir da nossa perspectiva, a criança parte, muitas vezes, para os seus estudos científicos, que o escuteiro se lança na sua expedição. No entanto, é aí que o especialista tem de regressar, para discutir as aplicações da sua própria ciência e a relação desta com o filósofo enquanto cidadão e com o cidadão enquanto filósofo” (1915: 323).

23O desafio que hoje se nos coloca é, porventura, o de transformar em genuína comunicação multidireccional – de e para o indivíduo, e de uma forma horizontal, consciente e crítica – toda a informação que estas estruturas conseguem colher, tendo sempre em mente que o objectivo último é criar o processo de transformação do nosso ambiente construído. Isto exige, necessariamente, de todos nós (administradores e cidadãos, profissionais e não profissionais, adultos e crianças) o maior apoio possível a um processo que se quer aberto, partilhado e democrático.

Professional ou independente? Que tipo de participação?

24É, actualmente, bastante elevada a procura de espaços e de ensejos de debate público e de tomada de decisões sobre as questões urbanas e ambientais. Todos os dias se vê, por toda a Europa, grupos de cidadãos criarem comissões a favor ou contra este ou aquele projecto ou plano de desenvolvimento tanto do domínio público como do privado, organizarem “ocupações” para travar a construção desta ou daquela obra. Simultaneamente, as mais diversas instituições, desde a Comissão Europeia às autoridades locais, têm vindo a promulgar estatutos e regulamentos que de forma explícita exigem, em nome do “desenvolvimento sustentável”, uma maior participação pública nas questões do planeamento, de tal modo que os termos, os instrumentos e os métodos dessa participação têm vindo a conhecer uma difusão crescente em muitos campos da actividade humana.

25De alguma forma, no Reino Unido (e, em menor grau, na Itália) as práticas participativas têm vindo a ser dominadas por métodos, técnicas e truques – qual remédio pronto a usar – promovidos por este ou aquele grupo profissional, como arquitectos, urbanistas e designers urbanos. Isso significa que o discurso não só tem o cunho dos profissionais desta área como é, frequentemente, dominado por eles, correndo‑se com isso o risco de as perspectivas, ideias e questões do público serem facilmente marginalizadas.

  • 12  É exactamente o que Jeff Bishop e os seus colegas andam actualmente a fazer na Grã‑Bretanha, atrav (...)

26A alternativa será desenvolver uma geração de pessoas genuinamente independentes enquanto designers e enquanto propiciadoras de processos de colaboração (co‑planeamento), bem como reforçar as capacidades no interior das organizações (como sejam o Governo central, as regiões e as autarquias12), de maneira não só a fazer com que as abordagens participativas se tornem uma componente habitual, cabalmente entendida, e fundamental do trabalho por estas desenvolvido, mas também a treinar pessoas aos mais diversos níveis – e nas comunidades locais – no sentido de efectivamente conseguirem atingir melhores práticas.

  • 13  Grieve, Peel e Lloyd (2005). A citação de Geddes é de City Development: A Study of Parks, Gardens, (...)

27É de novo Patrick Geddes quem, a este propósito, nos faculta uma perspectiva útil. Com efeito, Geddes “adoptou uma atitude mental diferente para explicar e interpretar os argumentos presentes nos debates públicos, servindo‑se de uma linguagem também diferente para envolver as pessoas no âmbito daquilo que eram então as relações prevalecentes entre os processos sociais e a forma espacial, [uma vez que] ‘como sucede em tudo que constitui verdadeiro progresso, temos de não só compreender e transformar o lado de fora que é o ambiente, mas também desenvolver a vida que temos dentro’. […] Há nisto uma lição salutar, porquanto é frequente os debates polarizarem‑se rapidamente em termos de uma oposição entre ‘nós e os outros’, ou de uma escolha entre ‘as pessoas versus a propriedade’. Ora ao sublinhar o carácter ‘articulado’ do seu pensamento e a sua abordagem de tipo ‘mãos na massa’, Geddes corporizou um ambientalismo activo”13 e uma abordagem renovada da ecologia humana.

Institucionalização ou diversidade social?

28Alguns “pioneiros” da participação pública sustentam que, em certa medida, existia um trabalho participativo mais intenso (e mais interessante) quando não havia um quadro legal do que existe hoje em dia, em que já há esse quadro. Não há dúvida de que conferir à participação um enquadramento legal faz aumentar os poderes e os requisitos que uma determinada comunidade ou um profissional (ou um representante do poder local eleito) têm ao seu dispor para “exercer pressão” e assegurar que algo seja efectivamente levado à prática. No entanto, essa nova faculdade parece, muitas vezes, ser passível de abafar a criatividade, esvaziar de poder o activismo social e (como afirmou alguém) criar um “patamar de mediocridade”. Há abundantes sinais de que, quando a participação passa a requisito legal, o nível médio das práticas se queda, frequentemente, por pouco mais do que um ritual.

29Na introdução ao presente artigo escrevemos que o propósito primeiro dos Centros Urbanos deve ser promover a participação nas questões de planeamento, mas isso não quer dizer que tal aconteça com regularidade. Na verdade, hoje em dia falta à maioria dos Centros Urbanos uma efectiva interacção com os decisores no que se refere às questões de planeamento urbano, ambiente construído e democracia. E mesmo quando essa ligação não está ausente, a verdade é que muitas vezes os Centros Urbanos desfrutam de um reconhecimento (leia‑se: legitimidade) escasso ou nulo por parte do município ou da comunidade enquanto lugares de discussão das opções do planeamento urbano.

30Tal como a concebeu Geddes, uma “Torre para a Observação Regional” não se destinaria a ser apenas um museu. Pelo contrário, viu‑a como um novo tipo de instituição – de certo modo mais parecido com uma biblioteca, dada a sua vocação pedagógica; um espaço que deveria aliar as funções de lugar de exposição, centro de estudo activo, lugar de reunião neutro e laboratório cívico. No projecto de Geddes, este deveria ser um espaço em que as decisões seriam tomadas de uma forma aberta, plenamente informada, democrática e colectiva: um espaço, enfim, para se deliberar sobre as questões de planeamento ambiental.

31Os actuais Centros Urbanos possuem todas as características e todo o potencial necessário para desempenhar esse mesmo papel na sociedade contemporânea. Mas do que eles hoje, mais do que nunca, precisam é que esse papel seja reconhecido pelos decisores e pela comunidade, porque um espaço de deliberações carece, necessariamente, de ser legitimado.

32Isto pressupõe uma mudança cultural: tanto os políticos como as pessoas em geral terão de se entender quanto à necessidade de as decisões serem tomadas fora dos corredores do poder, em terreno neutro. Esse é, muito provavelmente, o primeiro passo a dar no sentido do reconhecimento da participação dos cidadãos enquanto direito (e dever) de ter uma parte activa na transformação da cidade.

Co‑planeamento?

33Em conclusão, defendemos que uma possível resposta para a crescente procura de maior participação dos cidadãos nas questões de planeamento poderá estar num repensar radical dos Centros Urbanos através do prisma de Patrick Geddes, redescobrindo a experiência esquecida dos Centros de Estudos Urbanos enquanto espaços para levar a cabo processos de planeamento abertos, democráticos e feitos em colaboração.

  • 14  “A obra de Geddes é percorrida por três pombas. De início aparecem de modo inesperado, mas depois (...)

34Uma última sugestão útil para gerir estes processos – dirigida especialmente aos profissionais – é a que está contida no princípio dos 3S14 de Geddes: síntese, simpatia e sinergia.

35A síntese significa que a compreensão dos fenómenos e a solução dos problemas só são possíveis através da síntese de todas as questões em presença. Este princípio implica o mais amplo e o mais inclusivo envolvimento possível, assim como uma abordagem interdisciplinar do conhecimento.

36Simpatia com as pessoas e com o ambiente, ou seja, comprometimento e empenhamento com os outros; “ao referir a ‘simpatia’ Geddes aludia à acepção iluminista da palavra, mais próxima daquilo que hoje designamos por ‘empatia’, que é a capacidade de nos imaginarmos na pele de outrem” (MacDonald, 1994: 40).

37Finalmente, a sinergia: solucionar problemas e criar oportunidades através da acção comum (colectiva, de colaboração). Para Geddes, a base de qualquer consórcio humano bem gerido era (e continua a ser) a cooperação – ou, como afirma Philip Boardman, “a acção cooperante de todas as pessoas envolvidas” (Boardman, 1944: 106).

38Com estes três conceitos, Geddes fundamentalmente “facultou toda uma filosofia para se pensar a ecologia humana, não só chamando a atenção para a necessidade de explorar qualquer meio em termos das suas características naturais e do modo como essas características se relacionam com a gente que ali vive e com a actividade laboral que desenvolve, mas também especificando qual a atitude psicológica necessária a essa análise, que o mesmo é dizer, um envolvimento emocional, intelectual e de cooperação com o lugar, as pessoas e o seu trabalho” (Macdonald, 1994: 41).

39Este é o legado da obra de Geddes e também, a nosso ver, dos Centros de Estudos Urbanos tal como surgiram na sua origem na Grã‑Bretanha. Possam esses princípios, juntamente com as reflexões aqui avançadas, oferecer uma base sobre a qual em anos futuros se venham a erigir Centros Urbanos mais eficazes e mais democráticos.

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Bibliografia

Bishop, Jeff; Adams, Eileen; Kean, J. (1992),Children, Environment and Education: Personal views of urban environmental education in Britain”, Children’s Environments 9(1), 40‑67.

Boardman, Philip (1944), Patrick Geddes: Maker of the Future. Chapel Hill: University of North Carolina Press.

Cantor, Joshua (s/d), Patrick Geddes: Social Evolutionist and City Planner, portal da Universidade de Kentucky, http://www.uky.edu/Classes/PS/776/Projects/Geddes/geddes.htm.

Earley, Joyce (1991), “Sorting in Patrick Geddes’ Outlook Tower”, Places. A Quarterly Journal of Environmental Design, 7(3), 62‑71.

Geddes, Patrick (1915), Cities in Evolution. An Introduction to the Town Planning Movement and the Studies of Civics. London: Williams & Norgate Ltd.

Grieve, Neil; Peel, Deborah; Lloyd, Greg (2005), “Towards a Civic Renascence?” Journal of Generalism and Civics, VI (Agosto), http://patrickgeddes.co.uk/feature_nineteen_loyd2.html.

Lorenzo, Viviana (2006), URBAN CENTER. Partecipare al pianificare, l’esperienza inglese, le prospettive italiane. Dissertação de mestrado. Faculdade de Arquitectura, Universidade de Florença.

Lorenzo, Raymond (1998), La città sostenibile. Partecipazione, luogo, comunità. Milano: Ed. Elèuthera.

Macdonald, Murdo (1994), “Patrick Geddes e l’intelletto democratico”, Spazio e Società, 67, 28‑45.

Ward, Colin; Fyson, Anthony (1973), Streetwork: The Exploding School. London: Routledge and Keagan Paul.

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Notas

* Algumas das reflexões contidas no presente artigo constam da tese de mestrado de Viviana Lorenzo intitulada URBAN CENTER. Partecipare al pianificare, l’esperienza inglese, le prospettive italiane, submetida à Faculdade de Arquitectura da Universidade de Florença em Julho de 2006.

1  Os esquemas resultam de uma análise de quase vinte estudos de caso retirados principalmente do contexto do Reino Unido e de Itália, a que acrescem alguns Centros Urbanos do resto da Europa e também dos Estados Unidos da América (ver V. Lorenzo, 2006). O mapa sinóptico da Figura 2 foi actualizado tendo em conta a situação presente. As reflexões contidas neste artigo centram‑se sobretudo no contexto anglo‑saxónico, que apresenta uma versão mais desenvolvida e um historial mais longo e mais persistente no que diz respeito a estas estruturas.

2  O “Grande Globo” de Elisée Reclus e o “Urbaneum” de Paul Otlet são apenas dois de entre os inúmeros “Centros Urbanos em embrião” levados a cabo nesse período. Ao leitor interessado nestas questões, sugerimos as seguintes referências: E. Reclus (1898), “A Great Globe”, The Geographical Journal, XII(4); Federica Zampa, “Laboratori dello sguardo, dispositivi di classificazione e analisi”, 2º Congresso da Associação Italiana de História Urbana (AISU), Patrimoni e trasformazioni urbane, Roma, 24‑26 de Junho de 2004; A. Ponte (1982), “Le macchine pensanti. Dall’Outlook Tower alla Città Mondiale”, Lotus international, Milano, 35, pp. 46‑50; Alex Wright, “Forgotten Forefather: Paul Otlet”, Outubro de 2003 (http://www.boxesandarrows.com/view/forgotten_forefather_paul_otlet).

3  Literalmente, Torre Panorâmica. [N.T.]

4  “Como foi possível isso acontecer? […] é fácil de entender, atendendo a que a obra e a visão de Geddes – e de todos os que falam em defesa das cidades sustentáveis – suscitam grandes questões políticas, ainda que não nos termos habitualmente entendidos pelos políticos. […] Questões que têm a ver com a natureza da democracia, da participação e da comunicação entre grupos com diferentes opiniões e diferente legitimidade; questões que têm a ver com a partilha do poder político e económico; e questões que têm a ver com a importância da responsabilidade individual e colectiva” (R. Lorenzo, 1998: 45).

5  Sobre o conteúdo e o funcionamento da Torre, ver Geddes (1915) e Earley (1991).

6  Autor de ensaios fundamentais no campo da psicologia ambiental, da arquitectura e da teoria anarquista, como sejam The Child in the City, Anarchy in Action, Art and the Built Environment (com Eileen Adams), Talking Schools e, obviamente, Streetwork: The Exploding School (com Anthony Fyson) (1973), onde pela primeira vez os autores formularam a ideia de “Streetwork Centre” [Centro para o Trabalho de Rua – N.T.].

7  Ver Bishop et al., 1992.

8  Em 1979 havia 15 Centros de Estudos Urbanos em actividade no Reino Unido; em 1984, passados apenas cinco anos, esse número ascendia a 32.

9  Colin Ward, conferência proferida no ILEA Centre for Urban Education Studies em 5 de Junho de 1973.

10  “Em termos de Centros de Arquitectura, a mensagem é positiva por um lado, mas incerta por outro. O que sucedeu foi que, paralelamente ao declínio dos Centros de Estudos Urbanos, se assistiu a um surto de interesse em melhorar os padrões da arquitectura e do design, principalmente o design urbano. Isto teve o apoio do Governo central (na altura, Conservador), que criara o “Grupo de Trabalho Urbano” encabeçado por Richard Rogers. Estes factos apontavam para uma necessidade urgente de educar as pessoas acerca do que é um bom design e de garantir que elas irão exigir o melhor. Tratava‑se, ainda, de uma visão um tanto elitista […], se bem que os relatórios do Grupo de Trabalho contenham inúmeras referências à participação, bem como uma sugestão concreta no sentido de incentivar a criação de Centros de Arquitectura por todo o país. […] Mas os Centros de Arquitectura visam a promoção de um bom design para todos, e apesar de muitos deles trabalharem com as escolas e com os jovens, a verdade é que o seu alvo primeiro é o público em geral. Da mesma maneira, ainda se dedicam em grande medida a ensinar as pessoas a apreciar a arquitectura, e não tanto a participar na sua feitura ou a fazê‑la por si próprias” (Jeff Bishop, “Thoughts on Urban Centres”, em carta de 2005 trocada por ambos os autores).

11  “A educação ambiental e o exercício da cidadania andam de mão dada: a criação de novas oportunidades para a participação pública na tomada de decisões é o mais importante de todos os meios ao dispor da educação ambiental, que deve ter como meta o desenvolvimento de uma consciência moral e estética do nosso meio envolvente” (Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, 1972, cit. em Bishop et al., 1992: 53).

12  É exactamente o que Jeff Bishop e os seus colegas andam actualmente a fazer na Grã‑Bretanha, através de grandes programas levados a cabo com organismos e serviços do governo central: “reforço das capacidades organizacionais com vista a um envolvimento mais empenhado”.

13  Grieve, Peel e Lloyd (2005). A citação de Geddes é de City Development: A Study of Parks, Gardens, and Culture Institutes. A Report to the Carnegie Dunfermline Trust. Bourneville: The St. George Press, 1904.

14  “A obra de Geddes é percorrida por três pombas. De início aparecem de modo inesperado, mas depois começamos a procurá‑las nas capas dos livros […]. Para Geddes, contudo, estas aves não eram só simbólicas; eram também uma versão estilizada da letra S, pretendendo significar Simpatia, Síntese e Sinergia” (Macdonald, 1994: 40).

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Título Figura 1 ‑ V. Lorenzo (2006)
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Título Figura 2 ‑ V. Lorenzo (2006)
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Referência do documento impresso

Viviana Lorenzo e Jeff Bishop, «Uma conversa (intemporal) acerca do papel dos Centros Urbanos no âmbito de processos de planeamento desenvolvidos em colaboração»Revista Crítica de Ciências Sociais, 91 | 2010, 155-167.

Referência eletrónica

Viviana Lorenzo e Jeff Bishop, «Uma conversa (intemporal) acerca do papel dos Centros Urbanos no âmbito de processos de planeamento desenvolvidos em colaboração»Revista Crítica de Ciências Sociais [Online], 91 | 2010, publicado a 16 outubro 2012, consultado a 18 fevereiro 2025. URL: http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/rccs/4189; DOI: https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/rccs.4189

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Autores

Viviana Lorenzo

Tem um mestrado em planeamento urbano pela Università degli Studi di Firenze – Facoltà di Architettura (2006). Trabalha desde 1998 na dinamização de processos públicos participativos. A sua experiência profissional tem‑se concentrado nas áreas do design urbano, do planeamento urbano e do planeamento estratégico.
viviana.lorenzo@virgilio.it

Jeff Bishop

Fundador associado (1987) do BDOR (Bristol, Reino Unido) é consultor acreditado do National Planning Advisory Service, conselheiro para a Comissão de Desenvolvimento Sustentável do Governo Britânico e masterclass tutor para a OCDE. Arquitecto de formação e interessado em planeamento, desenvolvimento comunitário, ecologia e participação, foi docente e fez investigação inicialmente no Kingston Polytechnic e depois na recente School for Advanced Urban Studies, na Universidade de Bristol. Esteve pessoalmente envolvido na fundação do Centro de Estudos Urbanos de Bristol nos anos 70, e foi durante alguns anos o presidente a nível nacional do Conselho Britânico para os Centros de Estudos Urbanos. O seu trabalho concentra‑se actualmente no desenvolvimento da prática participativa através de formação, investigação e liderança de projectos inovadores.
jeff.bishop@bdor.co.uk

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