1Argumenta‑se neste texto que o desenvolvimento de uma inovação sociopolítica – uma política pública de Educação e Formação de Adultos (EFA), que integra um dispositivo baseado em Centros de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências (CRVCC) – constitui um caso elucidativo de mudanças, quer na forma de envolvimento do Estado na provisão de bem‑estar que configura um direito social e humano, quer na concomitante criação de contextos específicos de acção e luta políticas.
2No final dos anos 80, o lançamento do subsistema de Escolas Profissionais constituiu uma manifestação tangível da acção da UE (União Europeia, então Comunidade Europeia, CE) na educação, num momento em que as suas competências excluíam formalmente essa esfera. Nesse quadro, a CE assumiu um papel catalisador e impulsionador da experimentação em educação: de fórmulas institucionais de governação (Dale, 1997: 2005), de modalidades de provisão, de papéis e de formas de envolvimento do Estado/da autoridade pública (a CE) e de novos actores (Antunes, 2004). Tratou‑se, nessa altura, de fundar um sistema privado para fornecer o serviço público de educação, uma realização promovida activamente através de uma política pública.
3Esta inovação sociopolítica foi considerada
uma política ambígua, híbrida e compósita que não conduziu nem à diminuição do papel do Estado na governação dos serviços educativos proporcionados e muito menos à assunção exclusiva destas actividades por qualquer das outras formas institucionais de coordenação social. Pelo contrário, o Estado surge ainda como principal financiador e regulador, com os mecanismos de mercado e as instituições e modalidades de organização e actuação eventualmente referenciáveis ao terceiro sector participando também dessas áreas de governação. (Antunes, 2004: 207)
4Este processo constituiu, em Portugal e no sector da educação, uma expressão de transformações em curso quanto à política social de direitos básicos e de bem‑estar, à forma de Estado e à forma de capitalismo.
5Ao longo das próximas páginas discute‑se o enquadramento da criação de CRVCC, mais tarde Centros Novas Oportunidades (CNO), analisando, entre outros aspectos, a modalidade instituída de governação em educação; questiona‑se então a forma de envolvimento do Estado com o direito social, as políticas e os serviços públicos de educação; assinala‑se neste contexto actuações comprometidas com as reformas do Estado gestionário promotor da nova gestão pública.
6Quanto à orientação teórico‑metodológico de análise de políticas educativas, procura‑se combinar uma abordagem que considera a centralidade da acção do Estado (esclarecendo a fonte, o mandato, a governação da política pública de EFA aquando do seu lançamento) com a observação de ‘dimensões’, ‘níveis’ (ou ‘momentos’) do ciclo político. Esta perspectiva permite focar o contexto de influência (que inclui actuações e protagonistas que constroem os propósitos, os discursos e os conceitos estruturantes da medida) e o contexto da produção de textos político‑programáticos e de decisões traduzidas em normativos (atentando na acção política de confronto de projectos e interesses e de construção de compromissos provisórios expressos em contradições, silêncios e desconexões que permeiam os textos de formulação da medida). As dimensões dos contextos da prática (a apropriação e tradução da inovação através da acção no terreno), dos resultados e da estratégia política não são estudadas, mas eventualmente evocadas enquanto reforço argumentativo ou ilustrativo (cf. Dale, 1989; Bowe et al., 1992; Ball, 2009).
7O debate teórico e político acerca da problemática da governação convoca desenvolvimentos e posicionamentos em torno de mudanças sociais cruciais das últimas quatro décadas. Na sequência de Boaventura de Sousa Santos (2005) e Roger Dale (2005), nesta discussão distanciamo‑nos de um conjunto de abordagens que percorrem hoje este campo. Assim, não partilhamos o entendimento de governação como modo de coordenação alternativo ao Estado e ao mercado e baseado em redes alimentadas pela sociedade civil; nem enquanto mudanças técnicas (declinadas sob o signo da eficácia e eficiência) na administração pública, quer conjugadas sob a égide da nova gestão pública, quer proclamadas como governação sem governo no nível supranacional; tão pouco acolhemos a perspectiva normativa da boa governação, difundida por organizações internacionais, como o Banco Mundial e cada vez mais a União Europeia, vinculando práticas políticas e económicas direccionadas para aumentar a competitividade das taxas de retorno do investimento (cf. Dale, 2005).
8Em consequência, o conceito de governação aqui discutido desafia a perspectiva que apreende uma matriz de regulação social pós‑estatal recente, que alegadamente terá substituído fórmulas anteriores assentes no conflito e no incontornável papel do Estado, procurando agora viabilizar parcerias plurais, votadas a metas partilhadas, em que o confronto de interesses e de projectos é ignorado (Santos, 2005: 72). Nesse sentido, considera‑se que as formas de governação actualmente observáveis: (i) revelam a reconstituição e reorientação e não a redução da centralidade da acção, do papel e do poder do Estado; (ii) reordenam a distribuição de poder entre as escalas supra e subnacional; e (iii) se relacionam ainda com movimentos e aspirações sociais e reacções e respostas de baixo para cima, no sentido de ampliar a participação democrática e a transparência na administração e no governo (cf. Dale, 2005). Esta clarificação impõe‑se, dado que, no actual quadro da teoria social e política, a problemática da governação, tal como o termo e o debate em torno da globalização, ameaça pretender tudo explicar e, em consequência, tornar‑se conceptualmente informe, teoricamente indiscutida e, como tal, analiticamente irrelevante. Reconhece‑se, por outro lado, que esta é uma questão relativamente recente, em que o terreno das práticas sociais se encontra ainda em maturação, e por conseguinte refere fenómenos distintos, resulta de proveniências diversas, assumindo significados também divergentes. Procura‑se, por isso, de seguida clarificar o quadro analítico e as acepções adoptadas para situar a discussão desenvolvida.
9Assim, a governação como dinâmica sociopolítica é problematizada por Santos (2005) no quadro da ‘crise da democracia’, diagnosticada na transição para a década de 70 e formulada como ‘crise de legitimidade’, por um lado, e como ‘crise de governabilidade’, por outro. Estes desenvolvimentos inauguram o percurso para a construção de uma nova matriz sociopolítica de regulação social, alternativa àquela estabelecida pelo modelo ocidental e europeu, corporizada no regime político‑económico fordista de democracias representativas e Estado‑Providência, nas suas diversas formas de realização. Neste quadro, a matriz sociopolítica do contrato social das sociais‑democracias, de referência ocidental‑europeia, que vigorou entre as décadas de 40 e 70 do século XX, constituiu uma forma específica de compatibilização entre capitalismo e democracia (Santos, 1990; Afonso, 1998). Este compromisso foi interpelado radical e duravelmente desde a década de 70, quer a partir de reivindicações de movimentos sociais – estudantil, feminista, ecológico – em torno da participação popular, inclusão, autonomia e auto‑regulação (‘crise de legitimidade’), quer de instâncias como a Comissão Trilateral e de agendas compaginadas com a crise do regime de acumulação fordista e desenvolvidas pelas elites políticas e económicas, em nome da ‘crise de governabilidade’. A contestação política, protagonizada pelos movimentos sociais em torno da insuficiência da democracia do contrato social fundador do Estado‑Providência passa, a partir de meados da década de 70, a ser secundada por uma crítica de sinal inverso, que formula as reivindicações sociais em torno de direitos, justiça social e participação como ‘sobrecarga’ e ‘excesso’ de democracia e ‘ingovernabilidade’. O processo de reestruturação económica do capitalismo aberto nessa época foi assim acompanhado por uma agenda política que vem desenhando e instaurando uma nova matriz sociopolítica de organização das sociedades expressa por arranjos tematizados sob o tópico da governação. A Comissão Trilateral (1975) e o Consenso de Washington (década de oitenta) constituem marcos de lançamento deste novo projecto societal das elites políticas e económicas que estabeleceram, segundo Santos (2005), um programa de mudança de regime em torno da privatização, mercantilização e liberalização, dominante entre meados dos anos 80 e 90.
10Assim, a genealogia da governação, inscrita nas transições, quer do regime de acumulação, quer do sistema político, situa os desenvolvimentos em discussão na gestação de formas políticas alternativas, em que capitalismo e democracia se interpelaram no bojo da instabilização do regime fordista de Estado‑Providência. As dinâmicas de globalização inscrevem‑se nestes processos, modelando‑os e sendo alimentadas por eles. Nesse sentido, a governação é aqui discutida como matriz sociopolítica de regulação social em processo de imposição, formulada como resposta ‘ao diagnóstico da crise das democracias’, de legitimidade e de governabilidade, sob a tendência de hegemonia do programa tematizado a partir da última (Santos, 2005). As reivindicações de participação popular, inclusão e justiça sociais marcam a agenda política da governação, promovida por actores e processos comprometidos com a interpelação do capitalismo e da democracia em termos de redistribuição e emancipação social e protagonizada por uma pluralidade de sujeitos e de projectos. Os processos em torno dos Fóruns Sociais Mundiais da última década constituem experimentações e construções que expressam, alimentam e são alimentadas por este veio de acção sociopolítica. Alargar o círculo da governação, em termos de interesses, benefícios, participação e projectos, é um horizonte de práticas e lutas políticas em aberto para aprofundar o vínculo desta inovação com a emancipação social (Santos, 2005).
11Por seu turno, as agendas em torno da autonomia e da auto‑regulação identificam também os questionamentos do contrato social do Estado‑Providência em termos de crise de governabilidade. Este posicionamento revela‑se, de forma mais ou menos clara, por um lado, quando aquelas exigências surgem acopladas às regras promovidas pelo Consenso de Washington (liberalização, mercantilização, privatização) e, por outro, pelas ausências do Estado e dos excluídos e pelos flagrantes silêncios em torno das transformações sociais, das relações de poder e conflitos sociais, da justiça social e participação popular. São estas omissões propositivas e de acção que mais incisivamente colocam aquelas interpelações numa agenda de instauração da governação como projecto de viabilização de um novo regime de acumulação, assente num contrato social favorável ao reforço da acumulação (e à minimização da distribuição de recursos socialmente produzidos), à polarização e exclusão sociais e à limitação da democracia daí derivada.
12No entanto, aquelas aspirações de autonomia e auto‑regulação são também partilhadas por actores e experimentações sociais mobilizados à volta do reconhecimento e da participação popular, pelo que o seu sentido político depende em primeira mão das visões do mundo, conceitos e práticas com que são formulados e prosseguidos. A ambivalência pode então assomar no terreno das lutas e das práticas sociopolíticas, dependendo os seus sentido e consequências das correlações de forças e das conjunturas em que têm lugar (cf. Santos, 2005; Antunes, 2008: 163 e ss.). Desse modo, o campo da governação apresenta‑se como uma construção conflitual e desequilibrada que envolve agudas tensões quanto à redistribuição social e ao reconhecimento da diferença. Aí, políticas, discursos e práticas manifestam‑se sob versões neoliberais hegemónicas ou segundo concretizações contraditórias, fragmentárias ou ambivalentes. Nestas últimas, podemos encontrar dinâmicas de acção e sentidos políticos conflituais, confrontos de interesses e compromissos, tensos e/ou precários. Então, as propostas e modalidades de governação podem ser posicionadas, em termos do significado político e das consequências sociais que produzem, em torno de vectores como: a presença/ausência do Estado e dos excluídos, os problemas silenciados ou tematizados, as respostas construídas ou ausentes, a prioridade ao enfrentamento da crise de legitimidade ou a desqualificação dos défices que produz, em favor das preocupações em termos de governabilidade. Nesse sentido, a matriz sociopolítica de governação neoliberal vincula‑se à acção política tendente a transformar os sistemas políticos e a instituir arranjos institucionais alternativos. Neste contexto, as reivindicações de participação, inclusão, autonomia e auto‑regulação são traduzidas e respondidas num quadro de prossecução da coesão social, através de políticas compensatórias assentes na coordenação, na parceria e auto‑regulação, envolvendo interesses reconhecidos para a resolução de problemas. Nestes desenvolvimentos, salientam‑se as questões contempladas quando contêm aspirações democráticas cuja relevância se reconhece, avultando, no entanto, as respostas silenciadas e as ausências cultivadas: as transformações sociais, a participação popular, o contrato social, a justiça social, as relações de poder e a conflitualidade social, por um lado, bem como o papel do Estado e a ocultação dos excluídos, por outro (Santos, 2005).
13De um outro ângulo complementar de análise, os processos de globalização, com a constituição de sistemas políticos de múltiplos níveis (Pierson e Leibfried, 1995), envolvem a coexistência de espaços, actores e arenas sociais e políticas com responsabilidades e processos de decisão e acção instáveis, disputados e irregularmente coordenados. Neste quadro, o Estado cria uma margem de manobra acrescida para intervir de forma estratégica e selectiva, para promover ou acatar a desinstitucionalização (de processos técnico‑políticos que não raro configuram direitos), para inibir ou estimular a inovação social, quer progressiva, quer regressiva, nas margens dos sistemas e transfronteiriça às instituições (Seddon et al., 2005). Por estas vias, temos testemunhado e participado na experimentação de formas alternativas de aprendizagem e de criação do laço social. Não obstante, e mais frequentemente, também temos colectivamente percorrido caminhos de precarização de direitos sociais e humanos que a modernidade consagrou e o Estado‑Providência prometeu garantir e o projecto de governação vem tornando contingentes à correlação de forças, aos resultados de lutas, ao xadrez de interesses em presença num dado contexto sócio-histórico.
14No âmbito deste debate teórico‑conceptual, propõe‑se ainda condensar um vasto leque de modalidades de intervenção pública sob as noções de Estado de competição, Estado‑em‑rede e Estado‑articulador que, embora de modo imperfeito e insatisfatório, pretendem dar conta de formas específicas de acção estatal que podem surgir singularizadas ou combinadas em determinadas áreas da vida social. O Estado parece assim envolvido em transformações que apontam para três configurações ou formas de actuação parciais fundamentais: o Estado de competição (competition state) cujas prioridades se orientam para a actuação em instâncias supranacionais e para a intervenção no nível nacional de modo a promover a competitividade da sua economia e a expandir as oportunidades de acumulação (cf. Cerny, 1990: 53, 205, 220 e ss.); o Estado em rede (the network state) enquanto articulação de segmentos de Estados que asseguram a intervenção em áreas da vida social cujo controlo escapa às fronteiras da soberania nacional (cf. Castells, 1997: 266‑9); e o Estado‑articulador voltado para a criação de condições de mediação dos interesses sociais, sob novas fórmulas e arranjos institucionais em que não é o único nem o principal envolvido (cf. Santos, 1998: 59‑69).
15Neste seguimento, a proposta teórica de consideração do Estado gestionário (the managerial state) permite escrutinar o sentido de alguns dos nexos entre as opções políticas e os arranjos institucionais privilegiados. Aquela problemática propõe o debate sobre o impacto do gerencialismo (managerialism), enquanto ideologia e projecto político, nas relações “entre o estado e o cidadão, entre público e privado, entre os fornecedores e os utentes do bem‑estar social, e entre ‘gestão’ e ‘política’” (Clarke e Newman, 1997: IX). Analisa‑se a reforma do Estado, impulsionada para responder às crises dos pactos económico, político e social que sustentaram o Estado‑Providência, observando a reestruturação alimentada pelo gerencialismo. Desse modo, ganham clareza o abandono de princípios normativos e processuais, típicos de compromissos formais centralmente negociados no quadro do Estado‑Providência, e a orientação “para resultados específicos” “explícitos e prescritivos”, cuja regulação, “formalmente contratualizada”, assenta em “requisitos de desempenho” dos participantes (Seddon et al., 2005: 570). A adopção dessa ordem de mandamentos da nova gestão pública (NGP) vem frequentemente acompanhada da colocação sob contingência de direitos sociais e humanos, quer de produtores, quer de beneficiários dos serviços públicos.
- 1 A observação privilegiou a recolha de informação através da análise documental de um corpus consti (...)
16Nas páginas seguintes analisa‑se a construção recente de uma medida política de educação e formação de adultos em Portugal à luz da problemática aqui delineada. Discutem‑se questões em torno de: (i) as fórmulas institucionais concretas assumidas pela provisão de bem‑estar (o financiamento, o fornecimento, a regulação, a propriedade sob coordenação estatal, mercantil, comunitária/terceiro sector às escalas supra, sub ou nacional) (Dale, 2005); (ii) o sentido político da governação estatuída (ausências/presenças e silêncios/alternativas propostas) (Santos, 2005); (iii) as formas de contratualização de serviços públicos, partenariados e/ou quase‑mercados (Rodrigues e Stoer, 1997; Seddon et al., 2005; Le Grand e Bartlett, 1993); e (iv) outras opções vinculadas à NGP. A observação incide sobre (o contexto d)a criação e lançamento do dispositivo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências (RVCC) como inovação sociopolítica de Educação e Formação de Adultos, no período entre 1997 e 2002.1
17O dispositivo de RVCC e a sua governação ilustram dinâmicas de redefinição do sector da educação e de alteração do regime de bem‑estar, envolvendo ainda certas formas de actuação do Estado privilegiadas e, em consequência, o (re)posicionamento da educação face à economia, à política, à cultura. Acresce que a valorização do RVC de adquiridos experienciais ocorre, na UE como em Portugal, na segunda metade da década de 1990, num contexto sociopolítico favorável quer à desarticulação da educação como direito social e humano envolvido com a formação dos sujeitos e das comunidades, quer à sua tematização como bem de consumo privado, individual e objecto de relações de troca (Afonso, 1998). Esta mudança vem sendo, em alguns subsectores e processos, concretizada pelo descompromisso do Estado face a certas vertentes da governação da educação. Mais frequentemente entre nós, o fornecimento e a propriedade foram deslocados para o domínio privado (por exemplo, com o subsistema de Escolas Profissionais), assistindo‑se ainda à alteração dos padrões da regulação, com a delegação de vectores importantes desta actividade em entidades formalmente ‘independentes’, e à redução da responsabilidade pública pelo financiamento (como ocorre com o Processo de Bolonha na Europa). Neste quadro, o envolvimento do Estado ocorre segundo formas que acentuam a sua desvinculação quanto às dimensões distributivas e democratizantes das políticas sociais públicas e aos interesses e demandas a que estas respondem.
- 2 Roger Dale (1989) propõe esta categoria teórica para apreender as dimensões das políticas educativ (...)
18Desenvolver uma oferta pública sem obrigatoriamente edificar um sistema ou estrutura públicos de Educação e Formação de Adultos (EFA) parece ter sido a opção decisiva quando, em 1999, se tratou de dar corpo ao ‘S@ber +’: Programa para o Desenvolvimento e Expansão da Educação e Formação de Adultos, 1999‑2006 (cf. Melo et al., 2001). Essa orientação afastou‑se das propostas programáticas dos Grupos de Trabalho (1997) e de Missão (1998) que assinaram o Documento de Estratégia para o Desenvolvimento da Educação de Adultos, Uma Aposta Educativa na Participação de Todos (doravante Documento de Estratégia) (cf. Melo et al., 1998) e o texto acima mencionado. Sugere‑se que este relançamento de uma política e de um sistema públicos de EFA, em que se integra o dispositivo de RVCC, agora no quadro da política de Aprendizagem ao Longo da Vida (ALV) e da Estratégia Europeia de Emprego (EEE), revelou uma ambivalência inicial (Antunes, 2008: 160 e ss.). Argumenta‑se que esta complexidade está presente em termos do sentido político das dinâmicas, medidas e práticas de governação propostas e geradas, quanto à presença do Estado e dos excluídos, nos sentidos atrás discutidos. Por seu lado, se olharmos para as orientações e práticas socioeducativas (uma expressão do mandato2), aquela ambivalência (ou heterogeneidade…) permanece pelo menos até 2000, continua mais difusamente presente em 2002 e, mesmo que marginalmente, até hoje, de modos a estudar e discutir, não sem forte controvérsia (cf. Loureiro, 2009: 373‑411; Rothes, 2009: 444 e ss.; Sá, 2009: 602 e ss.; Castro, 2007).
19No Documento de Estratégia a combinação entre a ‘lógica de serviço público’ e a ‘lógica de programa’ promove um entendimento de um sistema de Educação de Adultos (EA) assente na “organização de uma rede pública garantida de oferta educativa” “gratuita” e a “disponibilização, através de concurso, de apoios financeiros e outros para as iniciativas da sociedade civil” (Melo et al., 1998: 50 e 15). A primeira vertente consistiria num “serviço público directamente prestado ou publicamente apoiado”, “vocacionado para a recuperação escolar” no âmbito do “nível educativo hoje considerado como obrigatório”. Quanto ao segundo campo, afirmava‑se requerer “a existência, a nível central, de uma fonte permanente de apoios vários”, devendo “ser igualmente estimulada pelo Estado, embora dentro de uma ‘lógica de programa’” (ibidem: 14, 16). A recomendação de “uma oferta pública educativa para adultos” previa ainda a criação de “um sistema autónomo e gradualmente ‘municipalizado’” (ibidem: 49). Propunha‑se uma estrutura assente em Unidades Locais de Educação de Adultos (ULEA), coordenadas por Organizadores Locais de Educação de Adultos, funcionando na base de Protocolos Locais de Apoio à Educação de Adultos celebrados com os Municípios. As ULEA não teriam como missão organizar directamente as actividades de EA, mas contratá‑las com entidades formadoras; a organização directa pelas ULEA deveria ocorrer apenas quando aquela contratualização não fosse possível. Era este o figurino previsto para a designada “oferta estatal educativa que facilite a recuperação escolar (até ao nível actual de ‘escolaridade obrigatória’)” em que deveria “imperar uma ‘lógica de serviço público’ assegurando uma cobertura generalizada” (ibidem: 52). Preconizava‑se ainda, “para as restantes dimensões de EA”, uma “lógica de programa” “com base num Fundo próprio” para um “Programa de Apoio às Iniciativas de Desenvolvimento da Educação de Adultos” (ibidem).
20A recomendação 3 dirigia‑se à constituição “com base na estrutura prevista para a EA, aos níveis central, regional e local − [de] uma Rede de Centros de Balanço de Competências Pessoais, abertos à generalidade da população adulta” e desenvolvidos “paralelamente à instalação de processos e estruturas de validação dos saberes e competências adquiridas” (ibidem: 54). Pode admitir‑se que esta Rede de Centros abrangeria também o campo “vocacionado para a recuperação escolar” considerado como integrando a “lógica de serviço público”. Como se percebe, as dimensões consideradas neste documento para a definição de um sistema público assentavam em serviços de coordenação, central, regional e local, apoio técnico, financiamento e regulação, mas em regra não contemplavam o fornecimento directo do serviço público nem a propriedade dos bens inerentes à actividade. A rede pública garantida incluiria, por norma, o fornecimento público através da sua contratação a um largo espectro de entidades locais. É reconhecido “o papel crucial da intervenção pública para a concretização do direito constitucional de todos à Educação”, considerando “ainda que não seria de todo legítimo por tal facto procurar ‘estatizar’ a Educação de Adultos” (ibidem: 14). Preconiza‑se “um sistema coerente, sólido e moderno de EA”, cabendo “ao Estado (nas suas instâncias central, regional e local) […] realizar um invulgar esforço, tanto técnico como financeiro”, tendo “em conta a riqueza e diversidade das práticas em curso, tanto da responsabilidade de escolas e docentes do ensino oficial, como de formadores e animadores provenientes sobretudo da sociedade civil de natureza solidária” (ibidem).
21A educação, na sua vertente adultos, é então concebida como um direito constitucional de todos, que envolve actividades eminentemente referenciáveis à instituição escolar e dinâmicas socioeducativas que promovem o acesso a conhecimentos e formas de expressão mais avançados e estruturados. O Documento de Estratégia propõe “Garantir uma rede pública geral e acessível aos adultos (serviço público directamente prestado ou publicamente apoiado)” em que ao Estado cabe o “financiamento”, a “organização”, bem como
assegurar uma certa normalização, através da definição de critérios de credenciação das entidades formadoras e de creditação e certificação de experiências profissionais e de aprendizagens informais, da produção e disseminação de equipamentos e materiais pedagógicos de qualidade, da coordenação da formação de formadores, da animação da rede nacional de EA, etc. […] Desenvolver um sistema de EA, coerente, flexível, autónomo e assente numa parceria aberta e criativa entre o Estado e a Sociedade Civil, designadamente o sector social solidário. (Melo et al., 1998: 15‑16, 49 e ss., 61, realces no original).
22O sistema delineado, quer no Documento de Estratégia (1998), quer no Programa S@ber + (1999), organiza‑se numa tripla dimensão: a estrutura pública estatal de coordenação político‑técnica; a estrutura (de coordenação política e/ou político‑consultiva) de participação alargada; a estrutura técnico‑pedagógica de desenvolvimento no terreno, tendencialmente não‑estatal e de natureza dual, pública e privada. O Estado está presente através de: um pequeno núcleo político‑técnico central; uma rede de agentes de coordenação local e regional, no quadro de entidades de participação alargada (ambas as estruturas aos níveis central, regional, local); um orçamento autónomo e estável (cf. Melo et al., 1998; 2001).
23Tomando como referência a análise proposta por Boaventura Sousa Santos (2005), argumenta‑se que a proposta dos dois documentos programáticos incorpora de forma tensa e ambivalente certas questões colocadas e algumas respostas perseguidas na nova matriz sociopolítica da governação, quer práticas sociais de experimentação de alternativas contra‑hegemónicas, quer ensaios de soluções de governabilidade de inspiração neoliberal. Estariam aí presentes preocupações: (i) por um lado, com o envolvimento do Estado, com a obrigação de garantir direitos redistributivos e promover a justiça social, e enquanto mediador do enfrentamento e compatibilização de interesses e divergências, mediante uma estrutura de recursos organizacionais, humanos e materiais permanentes; e (ii) por outro lado, com a ampliação do campo da governação aos excluídos, através de instâncias de participação alargada nos diversos níveis do sistema. Aquela proposta incorporaria ainda de forma tensa reivindicações de autonomia e silêncios ou omissões quanto à transformação e conflito sociais.
24Propõe‑se, então, que se considere o desenvolvimento em Portugal do dispositivo de RVC de adquiridos experienciais. Num primeiro momento, entre 1997/2000‑2002, encontramos opções que conjugam a recente centralidade da educação no quadro da política económica e de emprego com projectos inspirados em processos de educação popular e permanente, procurando aqueles enfrentar as tensões decorrentes de uma articulação dinâmica e conflitual dos “objectivos económicos com a estrutura social e o poder político com o fim de quebrar a dominação cega da racionalidade económica e administrativa” (Stoer, 1982: 63). Como expressão dessa ambivalência inicial, o lançamento do dispositivo de RVCC assume uma fórmula institucional de governação que ensaia compaginar a distanciação face ao fornecimento directo, típica da forma de actuação como Estado de competição (Cerny, 1990), com uma preocupação de filiação dos Centros de RVCC em dinâmicas socioeducativas de desenvolvimento das comunidades, numa lógica de política social multidimensional, votada à participação cívica, à capacitação, à potenciação das práticas culturais e à proximidade dos quotidianos vivenciais dos públicos. É nesse sentido que os primeiros passos de desenvolvimento do Programa S@ber+ (1999‑2006) incluem o lançamento de Centros de RVCC, Cursos EFA, Acções S@ber+ e Clubes S@ber+. Tratava‑se de criar as bases para apoiar, valorizar e articular processos formativos formais e não formais, de iniciativa popular ou central, enraizados e sustentados em dinâmicas (inter)institucionais e territoriais de desenvolvimento educacional e social. Ainda na mesma década, o principal rosto e nome deste muito tardio e (des)esperado esforço de criação de espaço e lastro para um sistema e uma política públicos, globais e integrados de “Educação e Formação de Adultos em Portugal como projecto de sociedade” afirmaria:
- 3 O testemunho de Alberto Melo é consonante com a leitura das dinâmicas sociopolíticas e das realida (...)
E, falando de tempo, gostava de recuar trinta anos […] [quando] pela primeira vez, assumi algumas funções de responsabilidade no campo da educação de adultos. O que estava na mesa era então uma campanha de alfabetização, que se propunha erradicar o analfabetismo em três anos. Foi o meu primeiro choque, de certo modo, com uma lógica de planeamento contra aquela que sempre defendi e tenho procurado adoptar: uma lógica de política. Muitas vezes faz‑se planeamento, porque não se quer, não se pode, ou não se sabe fazer política. (Melo, 2007: 65) 3
25Mais adiante, referindo‑se aos Cursos EFA e aos CRVCC, sublinha a sua génese “de práticas sociais”, “daquilo que no terreno se tem vindo a fazer, de práticas pedagógicas de educação de adultos que se experimentam no terreno” para concluir que “não podem afastar‑se estes instrumentos, que já deram muito boa conta de si, das mãos dos agentes e das organizações que fazem educação e formação de adultos no âmbito de projectos: de intervenção social, de inclusão, de projectos de vida até, para os jovens, para a sua inserção social, profissional” (ibidem: 70‑1).
26Assim, os primeiros seis Centros, a funcionar sob observação e como projecto‑piloto, incluíram duas entidades directamente ligadas ao tecido económico (uma associação comercial e uma associação industrial) e outras duas ligadas à formação profissional, uma pública, outra particular; uma entidade do sector solidário e uma associação de desenvolvimento local. Geograficamente, os Centros distribuíam‑se pelo Norte (3), região de Lisboa e Vale do Tejo (2) e Sul (1). Neste período, pode testemunhar‑se uma dinâmica ambivalente que, mesmo face às tendências de descompromisso do Estado, procura potenciar dimensões e processos participativos e reivindicativos em torno da política social, compagináveis com a actuação como Estado‑articulador (Santos, 1998). A intervenção pública e de outros agentes nesses contextos educacionais e estatais contraditórios e conflituais diligencia afirmá‑los como espaços de construção de direitos, de cidadania e democracia. Pode questionar‑se se a heterogeneidade quase representativa, visível no primeiro grupo de Centros do projecto‑piloto, é um indício dessa tentativa de compatibilização entre a ameaça de descompromisso do Estado e a aspiração da concretização do direito à educação para todos os cidadãos adultos, em particular aqueles que dele se encontravam mais gravosamente privados. Na verdade, de entre os promotores do projecto‑piloto de CRVCC, três constituem entidades típicas e tradicionais ligadas à formação profissional, correspondendo as outras três a perfis de intervenção próxima de dinâmicas socioeducativas comunitárias e de educação popular.
27Pensamos que, a partir de Setembro de 1999 e nos meses seguintes, não é claro se estão a ser dados passos em direcção ao abandono ou à concretização da opção por um sistema público, autónomo, sólido, descentralizado e amplamente participado. A escolha em favor da prossecução de um programa centralizado e contingente de provisão da oferta pública de EFA começa a insinuar‑se quando é criado um instituto público autónomo (mas não descentralizado), a Agência Nacional de Educação e Formação de Adultos (ANEFA), sem que simultaneamente sejam estabelecidas as previstas Unidades Locais de Educação e Formação de Adultos (ULEFA) (cf. decreto‑lei nº 387/99 de 28 de Setembro). Mais tarde, foram convocadas entidades dos sectores público, privado/mercantil e social/solidário para fornecer serviços educativos, estabelecendo mecanismos de contratualização, numa base de candidatura/concurso competitivo e envolvendo aspectos do funcionamento de quase‑mercado de bem‑estar (por exemplo, a concorrência por financiamentos e por públicos). A coordenação descentralizada e parte da estrutura pública, corporizando a dimensão sistémica prevista nos dois documentos político‑programáticos iniciais de 1998 e 1999, não serão nunca concretizadas, tal como os órgãos de participação alargada (Conselho Comunitário e Conselho Regional ou Conselhos/Comissões Locais) e o orçamento estável autonomamente gerido, aí preconizados. Esta opção significou o abandono da construção de um sistema que desse corpo ao compromisso durável do Estado, quer com a realização do direito dos adultos à educação, quer com a capacitação da participação cívica de todos, em particular os excluídos, nessa missão.
28Quando fica clara a escolha política de prescindir desta estrutura pública permanente, dotada de recursos materiais e humanos próprios, descentralizada e participada de coordenação e oferta quando necessário? O lançamento em 2000 dos seis Centros‑piloto de Reconhecimento e Certificação de Competências (CRVCC) e dos treze Cursos de Educação e Formação de Adultos (CEFA) experimentais, disseminados pelo território nacional, sem o subsequente estabelecimento das estruturas locais de coordenação (ULEFA: organizadores locais, Plano local, Conselho Local) (cf. Aprender ao Longo da Vida, 2004: 56), poderá porventura ter anunciado essa opção política, de que a ANEFA promulgada constituiria o primeiro elo e alicerce.
- 4 A opção por uma entidade centralizada, mesmo quando desconcentrada em unidades regionais ou apoiad (...)
29Desde então foi sendo paulatinamente construído um modelo de intervenção político‑social que tende a esvaziar qualquer estrutura pública permanente para além da entidade coordenadora central.4 Desde as propostas de um sistema público sólido e autónomo até à realização ulterior de um programa de oferta pública contingente, instável e a prazo, o percurso foi traçado sem anúncio nem discussão. Para o primeiro, antevia‑se um desenho baseado em instâncias centrais, regionais e locais e na integração territorial através de instrumentos políticos e técnicos específicos (o Conselho Comunitário e o Plano Local), bem como a articulação com, o apoio a e a promoção de, dinâmicas socioeducativas locais. Quanto ao segundo, foi tutelado e concretizado por uma entidade central (a ANEFA; posteriormente, a Direcção Geral de Formação Vocacional, DGFV; hoje, a Agência Nacional para a Qualificação, ANQ). Aquela instância veio a coordenar a criação (funcionamento e avaliação) ou mobilização de organismos que produzem e fornecem serviços educativos que o Estado financia para constituir a oferta pública de Educação e Formação de Adultos. Como se advertia em 2002, “continua em causa, isso sim, a concepção e o desenvolvimento de uma política global e de um sistema nacional de EA” (Melo et al., 2002: 120) e frontalmente se afirmava mais tarde que “a criação da ANEFA ocorreu, paradoxalmente, à margem de uma política de desenvolvimento da educação de adultos” (Lima, 2005: 48), constatando‑se ainda “a generalização de uma lógica de candidatura [a programas de financiamento] no sistema de educação e formação de adultos” (Rothes, 2009: 324) com resultados profundos na “recomposição induzida do campo da educação básica de adultos” por afluência de promotores adjacentes ao campo (ibidem: 382). É já esse o modelo em implementação quando, em 2001, é publicado o regulamento de acesso aos apoios financeiros da UE, através da Intervenção Operacional da Educação, PRODEP III (despacho 262/2001 de 22 de Março), e, em Setembro do mesmo ano, é criada a rede nacional de Centros RVCC (cf. portaria nº 1082‑A/2001 de 5 de Setembro). Também neste momento, como ocorrera em 1989 com o subsistema de Escolas Profissionais, é plausível considerar que a existência de financiamento, proveniente da UE e com duração limitada no tempo, mobilizável para lançar a oferta pública de EFA, pode ter constituído uma circunstância catalisadora da opção política que acabou por vingar. A natureza conjuntural de tais recursos, associada à tendência para a reforma do Estado gestionário (Clarke e Newman, 1997) – com retracção do fornecimento directo de bem‑estar, distanciação de obrigações de redistribuição social e diluição das fronteiras entre sectores e responsabilidades do ‘público’ e do ‘privado’ – terão alimentado a escolha política de constituição de uma oferta pública de EFA, centralmente coordenada e baseada na contratualização de serviços, numa base concorrencial, com uma ampla gama de entidades.
30Nesta secção sugere‑se que ao longo da última década: (i) o direito dos adultos à educação tem suscitado esforços de criação de condições de acesso (gratuito, em condições de funcionamento compatíveis com, ou favoráveis às, condições de vida dos beneficiários e com um certo padrão de qualidade regulado pelo Estado) a vertentes axiais (‘recuperação escolar’, ‘formação profissional’, ‘reconhecimento de adquiridos’) de uma versão ainda assim parcelar e empobrecida do campo polifacetado em que se materializa; (ii) aquele direito não está garantido, se atendermos à reconhecida multidimensionalidade da Educação e Formação de Adultos (formal, educação popular e permanente, entre outras expressões), ou à sua necessária continuidade. É a omissão do Estado quanto à fundação de estruturas duráveis e capacitadas para intervir que testemunha o seu envolvimento previsivelmente conjuntural. A opção política por instrumentos de acção circunscritos, num primeiro momento, a um Programa (S@ber +) e depois a uma Iniciativa (Novas Oportunidades), delimitados no tempo e, sobretudo a última, no âmbito de intervenção, aliena compromissos concretizados em estruturas autónomas, consistentes, específicas e estáveis, públicas e/ou estatais.
- 5 Não se ignora que são desigualmente gravosas as condições de precariedade de emprego sofridas pelo (...)
31Esta evasão do Estado (cf. Santos, 2005) manifesta‑se ainda numa outra dimensão: a rede de provisão assenta na indistinção tendencial entre agentes e organismos públicos e privados. Mesmo quando, como ocorre desde 2005, são massivamente mobilizadas entidades públicas para produzir e fornecer o serviço, são‑no em condições aproximadas, em diversos aspectos importantes, às dos seus congéneres privados.5 Por exemplo, o estatuto e as condições laborais dos agentes da chamada ‘estrutura permanente’ do CNO (profissionais de RVCC, técnicos administrativos, entre outros), bem como a relação do Estado com os organismos criados, seguem um padrão comum de precariedade, com variantes, mesmo quando aqueles são promovidos no quadro de instituições públicas. Esta assimilação entre público e privado, quanto às normas e condições de produção e fornecimento do serviço, constitui um traço marcante da política e do arranjo institucional inaugurado para a EFA em Portugal na última década. Assim, a governação da oferta pública do serviço de RVCC associa o protagonismo do Estado na criação do dispositivo, no seu financiamento e regulação com a desvinculação ou o envolvimento precário contratualizado no fornecimento, mesmo quando, como actualmente (2010) ocorre, a maioria dos promotores são entidades públicas. O teor contratualista e circunscrito no tempo dos direitos e obrigações das partes abrange a própria existência do serviço, submetendo à incerteza e ao risco o direito humano e social básico à educação a que aquele responde.
32Esta assimilação de base contratualista permite ao Estado desenhar a política e promover o serviço, distanciando‑se expeditamente de requisitos, normas ou práticas associadas aos sistemas públicos e que pretende suprimir (por exemplo, o estatuto, vínculos, condições laborais, direitos e organizações sindicais dos agentes estatais), enquanto simultaneamente se reserva um amplo espaço para regular e controlar a rede de provisão como se de um sistema estritamente estatal se tratasse. O alcance estratégico desta particular indistinção entre público e privado revela‑se no forte dispositivo de controlo administrativo que vincula os fornecedores do serviço à agência central de tutela. De tal forma que fica seriamente em questão o envolvimento desses organismos com projectos socioeducativos locais ou institucionais da entidade promotora que os acolhe (cf. Sá, 2009). Esta assimilação estratégica entre público e privado permite, então, suprimir sumariamente vinculações a tradições indesejadas, quer aquelas associadas à provisão através de sistemas públicos, quer as que decorrem de dinâmicas de acção local ou institucional, cultivadas pelas diversas entidades e eventualmente problemáticas, do ponto de vista do controlo estatal.
33Neste quadro, o Estado centraliza a definição e transfere a implementação da política, mas expande a sua capacidade de regulação e controlo: condiciona, assim, estreitamente a acção das entidades públicas, privadas e sociais/solidárias, que devem responder, em primeiro lugar, aos objectivos e prioridades da política e aos requisitos de fornecimento do serviço estabelecidos pela tutela. A sociedade civil secundária (Santos, 1990) e a sociedade civil tutelada (Hespanha et al., 2000: 200, 329; Lima e Afonso, 2006) podem bem ser reforçadas, designadamente em Portugal, como expressões do Estado gestionário no seu percurso de reestruturação das políticas de bem‑estar. Deste modo, o gerencialismo preconiza a expansão do poder estatal em conjunção com a sua retracção e evasão, para construir um campo de poder e relações sociais em que a regulação, a contratualização, a monitorização e vigilância definem o terreno em que são reestruturados o padrão de provisão, a responsabilidade individual e colectiva e reposicionados o ‘público’ e o ‘privado’, bem como as relações do Estado com cada um dos sectores e domínios da vida (cf. Clarke e Newman, 1997: 25 e ss.).
34Pode colocar‑se a questão de saber se estamos perante um arranjo de partenariado para a constituição de uma oferta pública de serviços educativos; aparentemente e sob certos ângulos, ainda que uma resposta afirmativa fosse plausível, afigura‑se também muito problemática. Isto porque a dimensão negocial entre as partes surge de tal modo comprimida e a unilateralidade das condições de prestação do serviço parece tão marcante, que se poderia questionar se às entidades participantes é deixada uma margem de iniciativa muito mais lata que a demonstração de interesse e de capacidade de realização expressas pela candidatura e pelo Programa Estratégico de Intervenção.
35Em síntese, a discussão desenvolvida problematiza como, em Portugal, o direito das populações adultas à educação ficou assim confrontado com: (i) o sacrifício, quer de um sistema, quer de uma política públicos, globais e integrados de EFA; (ii) um campo de políticas e práticas com horizontes diminuídos e precários e raízes comunitárias progressivamente fragilizadas; e (iii) opções crescentemente dependentes das políticas, objectivos e metas do Estado, tantas vezes conjunturais, tácticos e servis perante outras esferas (por exemplo, a economia) e políticas (como as de mobilização profissional ou acção social).
36Num outro trabalho, afirmava‑se:
Se, por um lado, as políticas educativas (e sociais) nacionais são modeladas por movimentos globais, traduzíveis por novas constelações de problemas com que os Estados se confrontam – evidenciando a emergência de uma configuração de Estado que gere a tensão entre acumulação e legitimação privilegiando genérica e sistematicamente a competitividade das economias nacionais – por outro lado, aquelas dinâmicas assumem, em cada formação social concreta, a forma de uma equação política nacional, ainda especificada, para cada sector considerado, pela configuração histórico‑institucional que o caracteriza. (Antunes, 2004: 232‑3, itálico acrescentado)
37Consideramos que o relançamento, a partir de 1997, da política pública de Educação de Adultos em Portugal correspondeu a uma articulação, pelo Estado, de orientações vinculadas ao fomento da competitividade das economias e da coesão social, no quadro da UE e inscritas na Estratégia Europeia de Emprego, com demandas da sociedade civil, protagonizadas por activistas educacionais, pedagogos progressistas e académicos que, ao longo de décadas, insistiram na prioridade da Educação de Adultos como exigência de democracia e desenvolvimento (cf. Antunes, 2008: 163‑171). Na senda de Dale e Ozga (1991), admitimos que a fonte da política residiria então em pressões com origem na economia, num contexto em que quer o Estado, quer a sociedade civil interpretaram e modelaram essas e aquelas outras demandas no campo educacional e político.
- 6 Não é inconsequente o facto de, ao contrário do que ocorre desde 1989 e para o subsistema de Escol (...)
38Assim, o lançamento do dispositivo de RVCC envolveu um arranjo institucional para a coordenação das actividades (governação) que pode ser sumariamente descrito nos seguintes termos: o financiamento é público, nacional e da UE; o fornecimento e a propriedade são assumidos por entidades públicas, privadas lucrativas, solidárias e comunitárias, de escala nacional e subnacional; a regulação é protagonizada pela UE, o Estado nacional e os fornecedores. A coordenação destas actividades envolve formas institucionais características da burocracia estatal e do (quase‑)mercado, eventualmente combinadas, em certas circunstâncias, com elementos derivados do terceiro sector/comunidade. Esta combinação institucional de governação aproxima‑se de um modelo (de inspiração neoliberal) − baseado na conjugação entre as formas de actuação do Estado de competição, do Estado‑em‑rede e do Estado‑articulador − desenvolvido em Portugal em 1989 para o subsistema de Escolas Profissionais (Antunes, 2004) e reactualizado em 2000 (Sá, 2009), segundo uma configuração híbrida (compaginável com a orientação de neoliberalismo educacional mitigado identificado por outros investigadores [Afonso, 1998]).6
- 7 Pense‑se, por exemplo no carácter estruturante que podem assumir, para a concretização do direito (...)
- 8 Por exemplo, os dois documentos programáticos que estudamos (de 1998 e 1999) preconizavam a consti (...)
39No entanto, um exame mais insistente pode captar dinâmicas e nuances, desde a primeira hora e particularmente numa fase inicial (1997/2000‑2002), que devem ser problematizadas tendo em atenção certos aspectos que complexificam a política desenvolvida: (i) por um lado, a especificidade e a heterogeneidade do sector da educação de adultos,7 em termos dos actores, dos contextos e das práticas; (ii) por outro lado, o esmagador défice e abandono a que a educação da população portuguesa adulta havia sido votada por sucessivos governos; e ainda (ii) a presença relativamente influente no campo de aspirações, concepções e práticas constituintes de uma comunidade interpretativa vinculada a projectos de educação popular e de educação permanente. O envolvimento dos chamados pedagogos progressistas e activistas socioeducacionais em domínios periféricos do sistema de educação, dirigidos a segmentos populacionais estruturalmente marginalizados e desfavorecidos, votados ao esquecimento pelas políticas públicas e as elites do poder, pode ter contribuído para fazer deste processo de inovação sociopolítica um espaço contraditório e controverso no que respeita a certos interesses sociais fortalecidos e alguns efeitos das políticas em termos de capacitação de cidadania e de justiça social.8 Esta percepção apela, portanto, a uma análise que apreenda as dinâmicas e as tensões que marcaram o desenvolvimento desta medida política, em termos das tendências, relações e processos sociais, consequências e sentidos (cf. Lima, 2005; Rothes, 2009).
- 9 Se estas áreas de acção problemáticas e mutuamente contraditórias do Estado no capitalismo estão d (...)
40Sugere‑se, assim, como atrás se procurou fundamentar, que estes momentos e desenvolvimentos políticos constituem a especificidade socioeducativa portuguesa: esta é traduzida e revelada por uma agenda política para a educação que é nacional e globalmente estruturada (Dale, 2001; Antunes, 2004). Esta agenda ilustra num sentido muito próprio globalismos localizados (Santos, 1997): a reestruturação das relações e realidades locais/nacionais por força do impacto de processos e pressões globais, mediados e apropriados por agentes e comunidades interpretativas (e outros recursos) dos espaços políticos estatal e educacional. Aquelas dinâmicas, processos e pressões globais tendem a posicionar a educação como política económica e de emprego, para sustentar a competitividade e a coesão social. Nesta linha, é fomentada a sua inscrição no padrão neoliberal dúplice de política social e educacional: o apoio infraestrutural ao processo de acumulação assume centralidade através de formas particulares; o controlo social e a legitimação9 são perseguidos reforçando os vectores assistencialista, particularista e compensatório de políticas que fragilizam direitos também pela opção crescente de medidas conjunturais e incertas. A prossecução de tais respostas através da educação impulsiona desenvolvimentos contraditórios. Nesse sentido testemunhamos, em Portugal, fortes pressões (externas e internas) para a recuperação do atraso da qualificação da população activa. Sendo claramente dominante, esta orientação nunca esteve ou está sozinha no terreno educacional: dependendo das conjunturas temporais e das dinâmicas contextuais, o campo é disputado, umas vezes em concorrência, outras numa combinação tensa, por aspirações e intervenções de movimentos socioculturais e comunidades interpretativas e de acção (internos), empenhados na concretização do direito à educação, à cultura e ao desenvolvimento, das pessoas adultas e dos colectivos estrutural e historicamente dele excluídos. A acção destes actores revela‑se persistente, muitas vezes marginal e frágil e com efeitos contraditórios, insistindo em desafiar a dominação da governação neoliberal instituída e as suas consequências (cf. Lima e Afonso, 2006; Castro et al., 2007; Loureiro, 2009; Rothes, 2009; Sá, 2009).
- 10 E não pode deixar de se interrogar em que medida se vêm continuamente, e por estas vias, insinuand (...)
41Acresce que a posterior massificação do dispositivo de RVCC, a partir de 2006, em boa medida com base nas escolas do sistema de ensino regular e nos centros de formação profissional públicos,10 introduz componentes cujos sentidos e consequências não podem ser simplesmente analisados como movimentos de aproximação ao sentido da governação neoliberal, ainda que múltiplos vectores aí se inscrevam. Propõe‑se que esta mais recente fase (de 2005 em diante) de prioridade política sob compromisso limitado necessita igualmente de ser compreendida como uma constelação de processos sociais heterogéneos e em tensão: estes formam a agenda política para a educação, que é nacional e globalmente estruturada e construída a partir de constrangimentos, condições e interpretações específicos das realidades socioeducacionais e políticas portuguesas no contexto da UE.
42Discutimos neste texto desenvolvimentos na política pública portuguesa de Educação e Formação de Adultos que permitem explorar questões sobre mudanças em curso na forma de envolvimento do Estado na provisão de bem‑estar que configura um direito social e humano. Nesse sentido, explorámos algumas dimensões de análise (fonte, mandato, governação) e questões: (i) que arranjos institucionais concretos efectivam a coordenação das actividades envolvidas (o financiamento, o fornecimento, a regulação, a propriedade são coordenados segundo que combinação de entidades e modos – estatal, mercantil, comunitária/terceiro sector às escalas supra, sub ou nacional)? (ii) qual o sentido político da governação estatuída (ausências/presenças e silêncios/alternativas propostas): como se constitui o ‘círculo da governação’? que presença/ausência do Estado e dos excluídos? que lugar para a ‘participação auto‑determinada’ e a ‘transformação social capacitadora’? que lugar para as ‘redistribuição e justiça sociais’ (direitos)?
43Assim, podem agora ser sublinhadas as seguintes considerações:
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O relançamento a partir de 1997 da política pública de EFA parece corresponder a uma dupla demanda: por um lado, por parte de comunidades interpretativas e de práticas no campo socioeducacional, que visibilizam largos segmentos da população adulta abandonados pelas políticas educativas desde há décadas; por outro lado, da economia, veiculada pelas orientações da UE no quadro da Estratégia Europeia de Emprego. Se, no decurso do processo, a economia vem a posicionar‑se como a fonte da política, em Portugal o contexto é também claramente marcado pela mediação do Estado e por outras influências com ligações à sociedade civil que se afigu(ra)ram susceptíveis de expandir as possibilidades da política.
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A análise identificou propostas contidas no Documento de Estratégia e no Programa S@ber+ que consubstanciam ‘uma aposta educativa na participação de todos’ como ‘projecto de sociedade’. Aquelas foram seguidas de opções, como a promulgação da ANEFA e o lançamento dos projectos‑piloto de CRVCC e de Cursos EFA, que insinuam a luta política e a ambivalência inicial entre o sentido político daquelas orientações e a evasão do Estado para uma governação do sector compaginável com a adopção de reformas gestionárias. Assim, e na sequência da referida ambivalência, o projecto de construção de um sistema público de EFA foi sacrificado em favor da efectivação de uma oferta pública promovida por um programa conjuntural, coordenada com base na contratualização de serviços segundo uma forma de quase‑mercado (candidatura/concurso competitivos), com financiamento a termo certo e regulação multiescalares, que vem promovendo a assimilação estratégica entre público e privado e com dimensões sistémicas imponderáveis.
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- 11 Adopto aqui a ideia veiculada por um movimento português de trabalhadores (des)empregados, Precári (...)
O carácter conjuntural a que a política foi condenada, circunscrita primeiro por um Programa, PRODEP III, e depois por uma Iniciativa, Novas Oportunidades, as opções de governação assumidamente articulando centralização e concorrência (e precariedade inflexível11), não esclarecem que combinação específica de modos de coordenação social (por exemplo, redes, hierarquias ou mercados) vem sendo construída para a oferta pública de EFA em Portugal desde 2000. Eis uma área cujo estudo teórico e empírico parece indispensável.
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O debate sobre o processo de lançamento do dispositivo de RVCC confirma a opção por uma oferta centrada nas componentes de ‘recuperação escolar’, ‘reconhecimento de adquiridos’ e ‘formação profissional’, que prescinde de uma política pública global e integrada de EFA, privando o sector de recursos políticos (alianças fortalecidas com actores influentes nas suas múltiplas vertentes), institucionais (um sistema multifacetado, consistente e consolidado), humanos (um corpo de agentes experientes) e materiais (um orçamento próprio, permanente e adequado).
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A discussão aponta para um mandato ambivalente, marcado por tensões entre projectos comprometidos quer com uma política social multidimensional, quer com uma política para/segundo a economia e compaginados com aspirações e preocupações avançadas por activistas educacionais e pedagogos progressistas, por um lado, e decisores e quadros político‑técnicos em instâncias nacionais e comunitárias, por outro.
44Desse modo, a evasão do Estado à obrigação de garantir o direito social e humano das populações adultas à educação – optando pela provisão de uma oferta pública, através de programas e iniciativas a prazo, integrando um dispositivo de RVC de adquiridos experienciais – vem sendo forjada no seio de tensões, disputas, derrotas e contradições ao longo da última década. Argumentamos que esta escolha política promoveu um arranjo institucional de governação de inspiração neoliberal, gerado pela reforma do Estado gestionário, que precariza, condiciona e viabiliza conjunturalmente direitos sociais e humanos de destinatários e produtores dos serviços públicos de bem‑estar social. A assimilação estratégica entre sectores e esferas públicas e privadas foi mobilizada pelo Estado, para o controlo centralizado do desenvolvimento de um programa de oferta pública do dispositivo de RVC de adquiridos experienciais e de outras modalidades de EFA, avançando os objectivos estatais da política e corroendo tradições, processos e procedimentos indesejados, em vigor, quer no sector público estatal, quer no sector privado, cívico, solidário ou sociocultural. Assim, uma agenda política nacional globalmente estruturada, de matiz neoliberal, para a EFA foi lançada em Portugal, a partir de 1999, com ritmos, andamentos e progressos irregulares até 2002 (e aos dias de hoje): por um lado, é insofismável a premência do singular mandato qualificacionista, compensatório e particularista, dadas as particulares condições de atraso e distância que separa o desenvolvimento educacional da sociedade portuguesa face ao de outros países europeus; por outro lado, as ambivalências e especificidades identificadas no desenvolvimento da política sugerem tratar‑se de uma prioridade política sob compromisso limitado, no que toca à obrigação e envolvimento do Estado perante o direito dos adultos à educação. Por outro lado ainda, é incontornável a presença no campo de aspirações, comunidades interpretativas, actores individuais e colectivos, práticas e projectos que persistem em desafiar a dominação da política de desenvolvimento do dispositivo RVCC e de outras modalidades de EFA pela orientação neoliberal, vinculada à reforma do Estado gestionário.
45Sem dispor de um estudo fundamentado sobre a complexa situação actual (2010), é possível no entanto sugerir que a ‘política’ ainda hoje disputa o campo ao ‘planeamento’. Por um lado, observa‑se prioridade e visibilidade políticas e investimento e promoção de mobilização social em torno da EFA, por parte do Estado. Por outro lado, também se vislumbram bloqueios, ambiguidades e fragilidades: as estruturas organizacionais criadas são precárias, coordenadas centralmente através de contratualização de serviços em regime de quase‑mercado e promovendo a assimilação estratégica entre público e privado; as articulações e pontes para uma política global, polifacetada e integrada são frágeis ou inexistentes; o enraizamento local das acções e a participação em dinâmicas socioeducacionais e/ou comunitárias são marginais, senão dificultados; as tensões entre qualificação/educação‑formação e certificação/educação‑formação tendem a desembocar no reforço das lógicas do primeiro termo, na instrumentalização do segundo e no recurso crescente à armadilha compensatória. Não obstante, quer a instabilidade dos resultados das reformas do Estado gestionário, bem como possibilidades contraditórias na matriz da governação, quer a especificidade portuguesa podem revelar‑se ainda em desenvolvimentos que potenciem recursos favoráveis ao desenvolvimento da ‘política’: a actual dimensão de entidades, organismos, agentes e públicos envolvidos em Educação e Formação de Adultos; o apelo insistente à mobilização e ao compromisso com o propósito da qualificação/educação da população adulta criam condições susceptíveis de constituir esta política pública e o Estado que a promove como espaços de acção e luta políticas com significado.