Costa, Hermes Augusto, Sindicalismo global ou metáfora adiada? Discursos e práticas transnacionais da CGTP e da CUT.
Costa, Hermes Augusto (2008), Sindicalismo global ou metáfora adiada? Discursos e práticas transnacionais da CGTP e da CUT. Porto: Edições Afrontamento, 347 pp.
Texto integral
1Sindicalismo global ou metáfora adiada? Discursos e práticas transnacionais da CGTP e da CUT é o resultado da tese de doutoramento em Sociologia de Hermes Augusto Costa, docente da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e investigador do Centro de Estudos Sociais.
2O livro, organizado em 5 capítulos, reflecte um conjunto de experiências de investigação, desenvolvido ao longo de vários anos. A pesquisa, dedicada à procura de um “sindicalismo de língua portuguesa”, dividiu-se entre Portugal e o Brasil, centrando--se em duas centrais sindicais, respectivamente CGTP e CUT.
3A investigação interroga-se sobre a existência, contornos e eficácia de uma política de relações internacionais no seio do movimento sindical, que sendo afirmada e almejada por dirigentes sindicais, fica contudo muito aquém da transnacionalização que a economia logrou alcançar.
4Apesar das diferentes formas de actuação, condicionadas pelas respectivas condições locais de inserção, constata-se nesta pesquisa que as duas centrais sindicais – CGTP de Portugal e CUT do Brasil – encetam afinal um caminho na procura da transnacionalização, que não é nem tão directo nem tão rápido como o da globalização económica. Que foi o capital e não o trabalho que logrou internacionalizar-se é uma inegável evidência.
5O autor traça um duplo diagnóstico, aparentemente antagónico, de crise e de pujança do movimento sindical. Apesar da exclusão social, do desemprego e do individualismo contemporâneo, o espaço do mundo do trabalho ainda não foi substituído por outra forma de organização da sociedade. O movimento sindical fragilizado está a recompor-se. Apesar dos muitos erros, o autor prefere salientar, pela positiva, os contributos e a actualidade desta forma de intervenção e transformação social, em tempo de globalização.
6Os recursos metodológicos foram sobretudo entrevistas a dirigentes sindicais, quer das centrais sindicais em análise, quer de vários sindicatos. Encontramos também testemunhos através de outras entrevistas (jornais, revistas) que se interligam com o objecto deste trabalho. As pesquisas documentais na CGTP, na CUT, na Confederação Europeia de Sindicatos (CES, em Bruxelas) e na AFL-CIO (EUA) foram outro recurso utilizado.
7Hermes Augusto Costa começa por analisar o impacto das transformações das últimas décadas na esfera laboral e as consequentes ondas de choque no movimento sindical. Identifica factores da crise nacional e transnacional que o sindicalismo atravessa. Avança com algumas propostas para a renovação do modo de fazer e estar dos actores sindicais com vista à ultrapassagem desses condicionalismos, chamando a atenção para o facto de todos os intervenientes envolvidos na globalização desenvolverem a sua actividade nos planos nacional, regional, internacional ou multinacional. Interroga-se sobre se há algum vestígio de política de relações internacionais na agenda do movimento sindical. Conseguirão os sindicatos globalizar a sua acção para resistir aos efeitos nefastos da globalização neoliberal? Os actores/dirigentes sindicais, em cada país, pensam, estudam, dialogam, anseiam por esse papel mobilizador? Estarão a tentar articular-se nos vários níveis regionais e transnacionais a fim de, em breve, poderem ver resultados da política de relações internacionais que estão, de forma melhor ou pior, a pôr em prática?
8Um dos desafios da construção de uma política de relações internacionais deriva da limitação de as organizações sindicais estarem mais vocacionadas para intervir no plano nacional. É aí que actuam regularmente, propondo melhorias salariais, monitorizando a aplicação de clausulados contratuais e denunciando ilegalidades. No entanto, há que rearticular organicamente e transnacionalizar estruturas. A filiação não é apenas um acto formal. Está em jogo uma institucionalização de procedimentos e práticas que poderá conferir ao sindicalismo aptidão para desafiar as estratégias do capitalismo global.
9Neste domínio, refere-se o desafio das experiências de diálogo social transnacional, que podem ser maximizadas no quadro das Empresas Transnacionais (ETNs). Mais difícil de alcançar, mas mais aliciante e promissor, é o desafio da ligação a outros movimentos sociais e outros sectores da sociedade, bem como o uso das novas tecnologias.
10Quanto às duas centrais sindicais analisadas nesta obra, é feita uma apresentação das suas origens e uma análise das suas pretensões, concepções sindicais e linhas de actuação. Lembram-se os contributos que as duas organizações deram aos processos de democratização em Portugal e no Brasil, já que ambas nasceram em contextos de clandestinidade ou semi-clandestinidade, no período das ditaduras.
11Vinda de um sindicalismo de forte contestação, a CUT assume na actualidade uma postura em que a negociação ombreia com o conflito, sendo a sua base social menos classista do que a da CGTP e defendendo princípios similares aos da central portuguesa, incluindo um sindicalismo de massas com referência ao socialismo como meta.
12Ao longo do capítulo 2 são analisadas as fases marcantes da política de relações internacionais das duas centrais sindicais, através da análise de entrevistas e de documentos, procurando, à lupa, menções a vestígios dessa política.
13Mostra-se que o financiamento se revela um travão a uma política de relações internacionais mais intensa. Como as duas centrais dão prioridade aos temas nacionais, também não sentem muita necessidade de uma política de relações internacionais. Quando muito, privilegiam as dinâmicas/os contactos regionais (da CES, no caso da CGTP, e do Mercosul, no caso da CUT). Ao nível internacional, a CUT aderiu à então CISL/ORIT, em 1991, enquanto a CGTP ainda não aderiu à Confederação Sindical Internacional (CSI, criada em Novembro de 2006). Quer uma quer outra central sindical não deixam de levar a sua agenda progressista (paz, exclusões, trabalho digno, etc.) às instituições supranacionais em que estão filiadas.
14O desafio das ligações orgânicas e a sua passagem de um plano nacional a um outro supranacional é abordado no capítulo 3. O autor lembra que este processo, via filiação, pressupõe uma “reconstituição dos sindicatos que funcionam, gradualmente, mais como redes do que como hierarquias”. São abordados os motivos invocados pelas duas centrais para a filiação internacional, os obstáculos, polémicas e debates gerados, bem como as consequências da efectivação deste processo. Apesar da gradual aproximação às teses da CES, a CGTP não deixou de criticar sempre a dependência da CES relativamente à UE. Por seu turno, depois de um período de desconfiança e discussão, o movimento sindical brasileiro acedeu, a partir de 1996, à então Confederação Internacional dos Sindicatos Livres (CISL, que deu origem à actual CSI). São discutidas as semelhanças e diferenças entre os processos de filiação transnacional da CGTP e da CUT.
15No capítulo 4 tomamos conhecimento de experiências de participação laboral e de diálogo social, enquadradas nas empresas multinacionais – caso dos Conselhos de Empresa Europeus (CEEs) e do Contrato Colectivo Mercosul (CCM) na América Latina. Nos corredores e boardrooms das multinacionais há afinal uma possibilidade legal de ligar pontas, atar nós que ajudem à construção de redes de solidariedade transnacional, mesmo que de diferente conteúdo e alcance.
16Na Europa, os CEEs resultam da Directiva 94/45/CE (substituída em 2009 pela Directiva 2009/38/CE), que instituiu o direito de informação e consulta dos trabalhadores nas empresas ou grupos empresariais de dimensão comunitária. Superar barreiras é o único caminho que parece ser possível encetar, criando condições de organização laboral transnacional, assentes numa articulação de lutas que resultam da partilha de problemas comuns, apesar das diferentes nacionalidades, línguas, culturas.
17Várias similitudes dos CEEs e CCMs foram detectadas neste trabalho. Estes instrumentos permitem, em teoria (e este é afinal o seu calcanhar de Aquiles), uma vigilância dos acordos capital-trabalho transnacionais. As organizações de trabalhadores que anseiem internacionalizar-se pela negociação colectiva multinacional devem deixar de olhar as multinacionais como uma “caixa negra”. Podem superar a falta de informações e de análise crítica através de relações com outras organizações congéneres, na mesma multinacional, noutros países. Saber onde produz a empresa, quanto pode oferecer, quais as vulnerabilidades e quais as estratégias de investimento (localizações/deslocalizações) são trunfos essenciais. O estudo identifica algumas semelhanças e diferenças entre os dois tipos de participação laboral, na Europa e no Brasil.
18Com o 5º e último capítulo, Hermes Augusto Costa aponta um diagnóstico positivo para o movimento sindical, a partir das duas centrais estudadas, ainda que realce o facto de a alteração de culturas sindicais instaladas ser processo por vezes lento e até penoso. Isto porque os sindicatos operam nas áreas organizadas da sociedade, enquanto as ONGs se relacionam com sectores excluídos, com interacção informal com o Estado. Refere também a desconfiança do movimento sindical relativamente às ONGs, já que estas não têm representatividade aferível. Por isso, só uma abertura dos sindicatos, que tem de efectuar uma série de rupturas mais ou menos radicais, potenciará o sindicalismo como movimento societal bem sucedido, numa perspectiva internacionalista.
19Um sindicalismo de movimento social representa, pois, um teste à capacidade de mudança do sindicalismo, sobressaindo de tal âmbito as resistências ao diálogo e participação com outras organizações da sociedade civil, descontextualizadas da acção sindical mais tradicional. Mas o autor sublinha a necessidade de a transnacionalização do movimento operário deixar de ser vista pelo movimento sindical como sinónimo, exclusivo, de transnacionalização do sindicalismo. Através das políticas de relações internacionais será possível expandir a esfera de acção para fora do estritamente sindical, dando corpo a um “sindicalismo cidadão”, aberto ao exterior, que a CUT, no Brasil, melhor tem conseguido. Assim se abre, com efeito, a porta ao “novo sindicalismo social” – forma organizativa proposta por Peter Waterman – e apoiado em “novos movimentos sociais alternativos” e na prática de uma “solidariedade internacional em casa”, uma solidariedade ética, e no diálogo com intelectuais, especialistas e comunidades científicas, com interesses não estritamente sindicais.
20A CGTP participou e comunga do espírito de Porto Alegre, afirmando pela voz do seu secretário-internacional: “Nós estamos neste movimento porque queremos transformar esta sociedade”. Agir contra a corrente, agir para transformar, é um slogan constante da central sindical. Referindo-se à Internet, Hermes Augusto Costa enuncia este canal virtual como grande recurso ao dispor do sindicalismo no período do capitalismo globalizado. Com o exemplo de Eric Lee e a “sua” rede de trabalho global, estabelece uma comparação ao ideário marxista, onde já se perspectivava a maximização dos meios de comunicação da industrialização, que agora melhor se potenciará. A Internet e o e-sindicalismo podem ajudar a política de relações internacionais, dar força às possibilidades do sindicalismo de movimento social transnacional, ultrapassar as fronteiras espaciais, institucionais e de classe. Uma vez mais, o livro elenca semelhanças e diferenças entre a CGTP e a CUT quanto aos contributos para um sindicalismo de movimento social transnacional.
21O autor evidencia portanto, nesta pesquisa, a necessidade de o movimento sindical aprofundar as suas relações bilaterais e multilaterais, carência que os responsáveis admitem e procuram suprir. Identifica a política de relações internacionais adoptada pelo movimento sindical português (CGTP) e brasileiro (CUT) como uma vertente que tem o seu lugar cativo e determinante na estratégia destas organizações. É no desafiar das potencialidades destes possíveis laços internacionais que estará a solução para a tão ansiada renovação face à globalização do capital económico e financeiro. Algumas diferenças quanto ao exercício desta política pelas duas centrais derivam de problemas de escala geográfica, de ligações partidárias assumidas pela CUT e “escondidas” pela CGTP, de crítica em detrimento do diálogo (CGTP em relação à CES), de menos atenção da CGTP do que a CUT à formação sindical nestas temáticas. Destacam-se três grandes desafios associados à política de relações internacionais: a) a definição de estratégias que possam conduzir à inserção orgânica transnacional (seja regional ou mundial); b) as experiências em termos de participação laboral e de diálogo social enquadradas nas empresas multinacionais (CEEs e CCMs); c) a construção de um sindicalismo de movimento social transnacional. Tais desafios são, afinal, contributos válidos, ainda que parcelares, para um “sindicalismo global” que, ao que parece, não passa ainda de uma metáfora adiada.
22Em resumo, este quase manual de sindicalismo é de grande utilidade para sindicalistas, trabalhadores, estudantes e académicos, enfim, para todos os leitores estudiosos, atendendo ao que traz de compilação (passado) e de novidade e actualidade (olhar para o presente e o futuro). A globalização está aí para o provar, a braços com uma vasta contestação ao modelo baseado nas leis de mercado, tendo os Estados sido chamados a intervir após o descalabro financeiro que emergiu nos finais de 2008, e ainda sem fim à vista.
Para citar este artigo
Referência do documento impresso
Olinda Lousã, «Costa, Hermes Augusto, Sindicalismo global ou metáfora adiada? Discursos e práticas transnacionais da CGTP e da CUT.», Revista Crítica de Ciências Sociais, 86 | 2009, 171-175.
Referência eletrónica
Olinda Lousã, «Costa, Hermes Augusto, Sindicalismo global ou metáfora adiada? Discursos e práticas transnacionais da CGTP e da CUT.», Revista Crítica de Ciências Sociais [Online], 86 | 2009, publicado a 01 outubro 2012, consultado a 15 fevereiro 2025. URL: http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/rccs/206; DOI: https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/rccs.206
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