Nobles, Melissa, The Politics of Official Apologies
Nobles, Melissa (2008), The Politics of Official Apologies. New York: Cambridge University Press, 200 p.
Texto integral
1“Desculpe parece ser a palavra mais difícil”, como nos lembrou Elton John. Como bem de mais sabemos, isto é verdade para as relações interpessoais. E no que se refere às tentativas colectivas de pedir desculpas? Por motivos óbvios, os grupos enfrentam problemas ainda maiores quando procuram expressar arrependimento pelas suas acções: quem é que está em posição de pedir desculpas em nome do colectivo? Pode alguém pedir desculpas por alguma coisa que não fez pessoalmente? Para que servem as desculpas quando o que está em causa é uma injustiça em larga escala, como, por exemplo, a escravatura?
2Para alguns, perguntas como estas põem em causa a própria noção de desculpas colectivas. Não obstante, recentemente, as coisas parece terem mudado de forma significativa, ao ponto de haver agora quem chame à nossa época “a era das desculpas”. Muitos agentes colectivos, da Igreja Católica dos Estados Unidos a um conjunto de empresas privadas, vieram nos últimos anos a público exprimir arrependimento por actos passados. Ainda mais digno de nota é o facto de estarmos agora a assistir a uma vaga de pedidos de desculpas apresentados por estados, tanto aos seus próprios cidadãos como a outros estados. Já não é possível negar que pedir desculpas se tornou numa espécie de tendência tanto no plano interno como no plano internacional. Do que se trata, evidentemente, é de como interpretar esta tendência: será que exigir aos estados que exprimam arrependimento pelos seus crimes é sinal de uma hipocrisia “liberal” ecuménica? Ou será que os pedidos de desculpas são meios essenciais de um auto‑aperfeiçoamento democrático, permitindo corrigir práticas de discriminação e de opressão?
3The Politics of Official Apologies, de Melissa Nobles, merece elogios por tornar claro que a resposta à última pergunta não pode senão ser afirmativa. Trata‑se de uma obra de uma clareza exemplar que propõe uma tese com incisividade e estilo. A tese é bastante simples: as desculpas pedidas por estados ou, mais precisamente, por governos (e não por chefes de Estado) visam, em primeira linha, reformular os “termos da pertença a uma nação” (36). Isto significa que as desculpas procuram rectificar injustiças resultantes da discriminação e opressão de minorias no seio do Estado. Há uma forma específica de injustiça que conduziu a uma discriminação e opressão em larga escala, a injustiça histórica. A injustiça histórica é especialmente – mas não apenas – visível relativamente a grupos indígenas. Estes grupos têm sido permanentemente maltratados no mais elementar dos sentidos: nas palavras de Duncan Ivison, espoliar os aborígenes das suas terras não é apenas problemático por se tratar de um roubo de propriedade, mas sim, num sentido determinante, por ser uma “violação dos termos de associação justos”.
4A injustiça histórica é, assim, radicalmente incompatível com as normas igualitárias da democracia. É esta, de acordo com Nobles, a razão principal pela qual as desculpas surgem no contexto da renegociação de formas de cidadania. Quanto a este ponto, a autora distingue, com um sentido apurado, entre três estratos de cidadania que estão interligados: jurídico, político e afectivo. Contra uma perspectiva mais formalista relativamente à participação cívica, Nobles insiste em que o estatuto de cidadão necessita de ganhar vida através de um sentido de pertença; além disso, é necessário reconhecer certos direitos de autogoverno, se se quer reparar a injustiça histórica de uma maneira séria. Os grupos indígenas são frequentemente vítimas de discriminação e opressão em todos os aspectos, e as desculpas têm de ter em mente estes três estratos de cidadania para serem eficazes.
5Nobles defende a sua tese comparando quatro casos – Austrália, Nova Zelândia, Canadá e EUA – em que a questão de pedir ou não desculpas foi levantada e recebeu respostas diferentes. A metodologia desta comparação é sensível à especificidade de cada caso: Nobles prepara o terreno recontando as histórias nacionais de pertença, com relação ao modo como são construídos os cidadãos no plano jurídico, político e afectivo. Esta contextualização é extremamente útil para explicar os debates posteriores a respeito dos pedidos de desculpas. No tocante aos agentes por detrás desses pedidos, a autora observa que o apoio das elites políticas é absolutamente necessário para as expressões de arrependimento, mas que, normalmente, especialistas universitários, em especial historiadores, também desempenham um papel importante na conformação da discussão pública. As elites políticas usam os pedidos de desculpas para propor visões da história nacional e para promover políticas específicas. Os efeitos dos pedidos de desculpas podem diferir muito: por exemplo, o pedido de desculpas do Canadá, em 1998, pelos maus tratos infligidos às crianças aborígenes no programa escolar residencial era inteiramente coerente com uma política geral de autogoverno por parte dos índios. Por conseguinte, Nobles mostra que a relação entre as reparações e os pedidos de desculpas não tem necessariamente de ser vista como dicotómica. Pelo contrário, ela argumenta que a compensação material por uma injustiça histórica está necessariamente virada para o passado, ao passo que os pedidos de desculpas dão sempre azo a conversas futuras. Uma vez que o Estado tenha reconhecido crimes passados, há consequências inevitáveis a tirar. Esta é uma chamada de atenção fundamental para todos aqueles que não vêem nos pedidos de desculpas senão “conversa fiada”.
6Um caso analisado por Nobles transformou‑se por via de acontecimentos recentes: a Austrália é apresentada na obra como um estado que tem vindo a recusar‑se teimosamente a pedir desculpas pelas injustiças históricas de que foram vítimas os aborígenes; no entanto, o actual primeiro‑ministro, Kevin Rudd, decidiu, no início de 2009, apresentar desculpas pela discriminação e opressão de minorias indígenas no passado. Esta mudança de atitude, contudo, de modo nenhum destrói a tese de Nobles, porque Rudd usou no seu discurso precisamente a linguagem da pertença nacional e da reconciliação que constitui o argumento central da obra. A autora defende a sua tese de modo tão veemente que quem quer que tenha perguntas a fazer a respeito das tragédias associadas à injustiça histórica irá colher da leitura perspectivas novas e instrutivas. Uma lista dos pedidos de desculpas apresentados nos séculos xx e xxi torna ainda mais relevante o contributo de Nobles.
7Naturalmente que a focalização exclusiva de quatro países que são antigas colónias britânicas não constitui uma amostra representativa de um ponto de vista global. É evidente que os pedidos de desculpas por injustiças históricas são extremamente controversos numa série de contextos pós‑coloniais, da América do Sul à África. O governo peruano, por exemplo, pediu desculpas em finais de 2009 aos seus cidadãos com ascendência africana, com a intenção de promover “uma verdadeira integração de toda a população multicultural do Perú”. Mas o facto de o âmbito geográfico e cultural desta obra ser reduzido não tem que ser visto como uma limitação grave; talvez devêssemos tomá‑lo como um incentivo para expandir o quadro comparativo, de modo a comprovar se a tese de Nobles sobre a pertença nacional passa o teste da realidade numa perspectiva global. Seja como for, temos de estar gratos à autora de The Politics of Official Apologies por nos ter oferecido um estudo tão informado e interessante sobre os estados que apresentam desculpas.
Para citar este artigo
Referência do documento impresso
Mathias Thaler, «Nobles, Melissa, The Politics of Official Apologies», Revista Crítica de Ciências Sociais, 88 | 2010, 241-243.
Referência eletrónica
Mathias Thaler, «Nobles, Melissa, The Politics of Official Apologies», Revista Crítica de Ciências Sociais [Online], 88 | 2010, publicado a 01 outubro 2012, consultado a 19 fevereiro 2025. URL: http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/rccs/1681; DOI: https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/rccs.1681
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