Georges Banu (dir.), Les cités du théâtre d’art – de Stanislavski à Strehle
Georges Banu (dir.), Les cités du théâtre d’art – de Stanislavski à Strehle. S/l: Éditions Théâtrales, 2000, 331 pp.
Texto integral
1Les cités du théâtre d’art - de Stanislavski à Strehler é uma obra colectiva dirigida por Georges Banu, cuja publicação resulta de uma pesquisa preliminar sobre o conceito de théâtre d’art. Esta noção serviu de base a um colóquio europeu co-organizado pela Universidade Paris III e a Académie Expérimentale des Théâtres, tendo ainda como associadas diversas instituições teatrais e de pesquisa, entre outras, o Théâtre du Rond-Point – Compagnie Marcel Maréchal, o Théâtre du Vieux-Colombier, o Piccolo Teatro di Milano, o CNRS.
2A obra agrega e organiza um conjunto representativo de textos sobre práticas e estéticas que se radicam na emergência e na continuidade de um “conceituado” théâtre d’art, constituindo-se em documento incontornável de bibliografia geral pelos ricos e vivos exemplos, também de cidadania, que fornece.
3As trezentas e trinta e uma páginas são agrupadas em cinco capítulos, antecedidos por dois textos iniciais, um de Giorgio Strehler (“Les quatre cités du théâtre d’art”) e o segundo de Georges Banu (“Les cents ans du théâtre d’art”). Tenta-se, ao longo da obra, «reinventar» as “acções/percursos” de um théâtre d’art, nas suas fundamentais e constitutivas asserções. Como?
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Identificando várias posições e valores (Positions) de criadores como Anatoli Smelianski, Peter Stein, Jacques Lassalle, Anatolli Vassiliev, Stéphane Braunschweig, Yannis Kokkos, e Jean-Loup Rivière;
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traçando uma possível trajectória por cidades, como Moscovo, Munique, Paris, Estocolmo, Varsóvia, Bucareste e Atenas, às quais estão associados trabalhos teatrais de referência (Repères);
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sistematizando as permanências: o carácter artesanal da produção artística, as opções de repertório, o espaço, a constituição de “escolas” de formação, as questões de ética assumidas pelos respectivos criadores e as políticas editoriais, normalmente associadas a uma acção criativa (Permanences);
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relembrando os cruzamentos, os quais remetem, sobretudo, para o Cinema, a Pintura e as Artes Decorativas (Carrefours);
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permeando as asserções mais inaugurais desta prática teatral – e do correspondente conceito – de outras contribuições, as quais se tornaram identitárias, como, por exemplo, os trabalhos desenvolvidos por Strehler, Bergman, Krejca, Chéreau, Vitez, Pasqual, e Robert Wilson (Identités).
4O leitor pode ainda encontrar cópias de cartas, entrevistas, breves depoimentos, desenhos, fotografias, croquis e excertos de cadernos de encenação que tentam ilustrar um sem fim de vidas e vivências artísticas que os participantes na obra insistem em perpetuar: um “Teatro de Arte” em consonância e/ou dissonância com os exemplos históricos, fora e/ou dentro das suas cidades.
5A realidade que o conceito théâtre d’art agrega e reflecte foi um viveiro inestimável de produção criativa (entre outros exemplos o do Teatro de Arte de Moscovo e o Quartel francês) e, consequentemente, de revisitação. Essa produção artística deseja-se anuladora do desperdício teatral. O “Teatro de Arte” nasce do ímpeto de fragilizar silenciando o Teatro do desperdício. Aquele teatro tem como gérmen o não-desaproveitamento. É uma actividade não-homogénea e muito menos hegemónica. Desenvolve-se em conjunturas e territórios particulares, pretende-se e reivindica-se artística (de e com arte) evocando os seus enunciados, inscrições, gritos e murmúrios. A presente obra é um levantamento sério dessas inscrições e manifestos de um passado, ainda muito presente, de uma linguagem/construção específica, bem entendido, a teatral. Sobre a noção de théâtre d’art, da qual a obra parte, pode afirmar-se ainda que é um conceito “económico”, de um teatro “da economia”. O “Teatro de Arte” tentou fazer “economia” num sistema integral das artes; procurou articular certas artes numa estratégia e vontade de interpenetração, fazendo-as interagir numa plataforma de comunicação e acção democrática, cujo intento não seria mais do que o destronar da monarquia cifrada do dito teatro comercial, armadilha sócio-espectacular, segundo os crentes e devotados ao primeiro.
6Esse sim, seria, por declaração e em conformidade aos seus postulados, o Teatro que economiza e prospecciona o espaço, também arquitectónico, abrindo a sua prática a outros territórios e áreas de actuação; seria um teatro que cogita a sua existência, a sua função, os seus meios e fins, que se atribuiria uma política coadjuvante de um programa desejavelmente eficiente, ao nível interno, através da (in)formação dos seus intervenientes constitutivos e, eficaz, ao nível externo, no cumprimento de estratégias de formação de públicos e de preocupações de cidadania.
7Seria e foi – tal como esta obra exemplarmente o demonstra e ilustra – um teatro que reequacionou a matriz da criação, em que os recursos são escassos, a procura incessante, não obstante, por fluxos e castas, embora a oferta, segundo os seus precursores, recorrentemente desperdiçada. A disposição dos elementos desta matriz obrigaria, ela própria, a uma economia de funções, bem como de aptidões, num estatuto de suposta equidade, sem protagonismos caprichosos, levando à supressão de toda e qualquer unidade do desnecessário e de não-excepção. Esta relação equi-estatutal de pertença viria, por ironia do implícito, a ser afagada pelo metteur en scène. Ela funcionaria como condição sine qua non e como pré-requisito de filiação à referida “democracia” inaugural, a qual, atravessada por ressonâncias de um “totalitarismo” dócil e integrador, alegadamente não exacerbado, seria legitimada e reclamada sob a, então, nova égide da autoria-criação; ou numa outra postura, a da coordenação e da interpretação de uma, anterior, essa sim, obra primária e/ou prima, bem entendido, o texto.
8As possíveis entradas de leitura que a publicação aqui referida apresenta, favorecem, quer na conceptualização, quer no fenómeno conceptualizado, o movimento, a continuidade e, sobretudo, fomentam a transformação numa tentativa de reciclagem dos repertórios e das trajectórias pessoais, também, geográficas. Leia-se como proferiu Strehler: “Oui, dans le siècle, il y a quatre cités dans ce conte du théâtre d’art. Elles sont nées du pays plus vaste, contradictoire et désespéré, riche en potentialités, qu’est le théâtre. [...]. Je n’ai pas voulu être l’élève du premier [Stanislavski-Moscovo] ou du second [Copeau-Paris], du troisième [Jouvet-Florença] ou du quatrième [Brecht-Berlim], j’ai voulu qu’au Piccolo les quatre se retrouvent ensemble. Ce fut mon combat et le pari de ma vie.”. Estas dinâmicas dão prioridade a ecologias interiores no seio destes colectivos (as companhias) que as reconfiguram, propiciando uma ética e estética indispensáveis à sua concepção e entendimento.
9Os “gestores” desta “economia” teatral, porque os houve, estão sensibilizados para as estratégias de financiamento aplicado numa generosamente optimizada articulação entre matéria-prima, instrumentos de trabalho e tempo de execução criativa (na emergência, não na urgência!) do produto consumado e consumido. Como? Através de directrizes pedagógicas que passam pela instauração de objectivos de produção artística. Numa primeira instância, aquelas podem obrigar à abertura do grupo. Todavia, num tempo posterior, podem mesmo implicar, segundo algumas versões, como a de Peter Stein, o seu estreitamento e, até, a sua ruptura: “Nous ne cherchions pas seulement à jouer sur le plateau, mais aussi à faire des expériences communes en dehors du plateau, de discuter, de débattre. Il n’y a pas beaucoup de personnes de talent qui sont capables d’admettre cela. [...]. Celá a réduit le nombre de candidats et la Schaubuhne est devenue un organisme assez fermé. […] Cette déterioration des choses de la vie d’un ensemble. Mois, je suis parti depuis douze ans.”
10Tanto o conceito de théâtre d’art como os exercícios/exemplos específicos que permitiram a formulação desta conceptualização desvendam o segredo deste “negócio” no sacrifício, na economia das pulsões, dos desejos e das contradições, bem como nas irreverências humanas; eles poupam por opção e metodologia. Aforra-se pela (a)mestria da penitência, a qual se reifica após confissão orientada de uma verdade física, emocional... Verdade individual, social, histórica e geográfica, mesmo circunstancial no que as suas inspirações universais possam ter de local e vice-versa: “[...] Reduta reste peu connue en dehors de la Pologne. Porquoi? 1. La position périphérique du pays et de sa culture par rapport aux grands centres de la vie culturelle, Berlin, Paris, Londres, Moscou et New York. Contrairement aux théâtres russes, connus dans le monde, les théâtres polonais ne quittaient pas le pays […]”.
11Deste modo o “Teatro de Arte”, de construtura de apoio entre a potencialização do consistentemente sublime e a resistência à prontidão banal, pretendia que, no seu exercício artesanal, se instaurasse e maximizasse a legitimidade humana, social e profissional de uma actividade: “«Ma tâche consiste à purifier la famille des artistes» déclare Stanislavski convaincu que la refonte de l’acteur comme homme doit précéder sa transformation comme artiste. «Il doit être au-dessus de la foule par son talent, son instruction et par ses autres mérites.» Et l’ensemble des décisions artistiques de Stanislavski porteront la marque de ce souhait car la vie de troupe, le travail de formation culturelle des comédiens, le prolongement de la durée des répétitions visent justement à assurer un renouveau de l’acteur autant que de ses rapports aux autres. L’école et le Studio sont les laboratoires tout désignés pour cette promotion de l’éthique individuelle et de la responsabilité.” Actividade essa, até então, confiscada, à força de um poder de compra e de uma ociosidade promíscua, por uma outra elite desgovernada e esbanjadora. Só assim poderia o “Teatro de Arte” devolver, com juros e correcção artística, ao banalizado, ao trivial e ao inócuo, o sublime, o belo, o significativo, sob um modelo da interpelação sensível da obra.
12As cidades e seus sistemas convidam, albergam e/ou expulsam a criação de «Arte». O Teatro cresce nestas relações de troca, ocupa e define espaços em trânsitos de parceiros detentores de diversos capitais, erguendo-se, com maior ou menor adversidade. A concepção da obra em apresentação é um genuíno exemplo escrito desta “mercância”, dando várias provas de que não há, nem houve, théâtre d’art sem burgo.
Para citar este artigo
Referência do documento impresso
Berta Teixeira, «Georges Banu (dir.), Les cités du théâtre d’art – de Stanislavski à Strehle», Revista Crítica de Ciências Sociais, 67 | 2003, 140-142.
Referência eletrónica
Berta Teixeira, «Georges Banu (dir.), Les cités du théâtre d’art – de Stanislavski à Strehle», Revista Crítica de Ciências Sociais [Online], 67 | 2003, publicado a 01 outubro 2012, consultado a 18 fevereiro 2025. URL: http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/rccs/1119; DOI: https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/rccs.1119
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