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A propósito dos públicos culturais: uma reflexão ilustrada para um caso português

About audiences for culture: an illustrated reflection on a Portuguese case
À propos des publics de la culture : une réflexion illustrée sur un cas portugais
Helena Santos
p. 75-97

Resumos

O artigo analisa a criação e produção de uma ópera pelo Departamento Educativo da Casa da Música, na perspectiva do trabalho com o envolvimento activo de públicos recrutados em dois bairros sociais da cidade do Porto. Intenta-se problematizar essa experiência inédita, não apenas no contexto português, como também referenciá-la a algumas transformações estruturais das sociedades contemporâneas que põem em causa a(s) análise(s) sobre os públicos culturais.

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Públicos são pessoas. Escreve-se no plural, pois que de outra forma se poderia escrever pessoas? [...] O Departamento Educativo [da Casa da Música] trabalha com pessoas e não com públicos. (Ralha, 2001: 1, 4)

Pessoalmente, sempre achei a máxima surrealista «cada pessoa é um artista» uma boutade [...] Mas, enfim, com os surrealistas nunca se sabe. O que se sabe, aquilo em que acredito, é que mudar a representação de uma pequena parcela do mundo é já mudar a representação do próprio mundo. (Pacheco, 2002)

0. Intróito

  • 1  Apresentam-se alguns resultados inscritos numa reflexão mais ampla sobre as relações entre o(s) pú (...)

1Partindo, genericamente, de um enquadramento problematizador do conceito de públicos culturais, no âmbito das tendências de reconfiguração dos campos culturais nas sociedades contemporâneas, o artigo propõe uma leitura crítica de uma experiência inédita de formação de públicos na área da música.1

  • 2  Wozzeck, de Alban Berg, 6 e 7 de Abril de 2001 (cf. AA. VV., 2001a).
  • 3  Demolição – A história que ides ver. “Ópera em dois actos, para 29 vozes não profissionais, três v (...)

2A iniciativa que nos serve de pano de fundo surgiu num contexto institucional de grande evento público: no âmbito da programação da Porto 2001 – Capital da Cultura, o Departamento Educativo da Casa da Música realizou a ópera Wozzeck, pela Birmingham Opera Company, com a participação, como figurantes activos, de elementos da população dos bairros sociais de Aldoar e da Fonte da Moura.2 Contou, assim, com o enquadramento local de uma rede que vem articulando a acção da Junta de Freguesia, de uma associação interinstitucional da mesma freguesia e ainda da escola básica e secundária. Este ponto não é displicente, e, provavelmente, poucas freguesias da cidade poderiam contar com a capacidade de acolhimento formal que Aldoar pôde implementar. Já em 2002, o estaleiro da obra da Casa da Música abriu-se ao público com um espectáculo musical, representado num dos parques de estacionamento, no que se configurou como “[o] primeiro espectáculo da Casa da Música”3.

3Tratou-se, em nosso entender, de uma abertura fortemente simbólica, do ponto de vista da construção da imagem do equipamento, ao dar prioridade, não ao acolhimento profissionalizado de espectáculos musicais, mas ao trabalho do Departamento Educativo, numa das suas primeiras e porventura mais arrojadas experiências: uma ópera de raiz, integrada na continuidade do trabalho iniciado com a população da freguesia de Aldoar para o Wozzeck. Justificava-se, aparentemente, a possibilidade de aprofundar a experiência de 2001, enquanto iniciativa inédita no nosso país, face à avaliação interna dos resultados obtidos e, sobretudo, às expectativas criadas na população envolvida, habituada a não ver seguimento a acções com espectacularidade comparável.

4Numa perspectiva analítica, esta experiência inscreve-se no processo de reconfiguração contemporânea das relações entre artistas, instituições e mercados (para parafrasearmos Raymonde Moulin, 1992), e em especial das actuais reconceptualizações dos lugares dos públicos de cultura. Ao longo da segunda metade do século XX, com especial visibilidade no último quartel, porventura nenhuma outra categoria terá permeabilizado tanto os discursos sociais, culturais e políticos. A noção de públicos culturais apresenta-se, assim, hoje talvez como nunca, no entrecruzamento de diversas problemáticas de mudança e permanência das sociedades contemporâneas em contexto de globalização. Importam-nos especialmente as que articulam algumas reconfigurações nos campos da produção cultural-simbólica com transformações no campo económico-social, que tornam o processo de reconhecimento social e institucional da cultura e da arte, dos seus agentes e dos seus princípios especialmente desafiador em termos de novas práticas e representações culturais.

1. Movimentos gerais

5Entre outras mudanças, assistimos, sobretudo no curso das duas últimas décadas, aos rápidos crescimento e diversificação interna dos campos de produção cultural, ao desenvolvimento de princípios de formalização técnica e profissional das competências artísticas e a um crescente domínio das lógicas de mercado em todos os sectores da vida social (em especial, para o que nos ocupa, no que toca às relações tradicionalmente antitéticas entre arte e economia). É neste quadro geral que se desenvolvem condições para a produção de novos olhares e novas funcionalidades relativamente aos públicos culturais, cuja problemática de formação, amplificação e fidelização se encontra actualmente no cerne, quer dos discursos políticos quer dos discursos económicos sobre as dinâmicas socioculturais das sociedades contemporâneas (cf., entre outros, AA. VV., 2000a; Farchy, 1999). Subjaz a esta centralidade uma maior visibilidade da dimensão económica da cultura (em particular, pela troca, desigual embora, entre critérios de racionalidade aplicados à esfera cultural e lógicas simbólicas importadas para a esfera económica); e aparentemente a assunção de que a vitalidade de uma sociedade (no sentido de competitividade e capacidade de afirmação na arena global) passará, actualmente, pela sua vitalidade cultural – enquanto (re)produção de símbolos e imagens com funcionalidades comunicacionais.

6Os anos noventa parecem marcar em definitivo, no mundo desenvolvido, essa nova visibilidade da cultura, profundamente atravessada pelo predomínio das lógicas económicas e gestionárias, crescentemente assentes numa ideologia neo-liberal fortemente crítica à intervenção estatal – num processo de “desestatização” relativamente generalizado, devedor, em modalidades diversas, da questão mais ampla do Estado Providência (e da sua crise) (cf. Cliche et al., 2002). Por outras palavras, a actual convergência em torno da cultura faz-se acompanhar de transformações na intervenção cultural pública, perpassada por uma crise dos modelos de acção cultural do Estado. Neste domínio, releva-se o predomínio crescente das formas culturais industriais, por definição mercantis, configuradoras de novos contextos identitários por via do consumo e da cultura (a “cultura de consumo”, segundo Mike Featherstone, 1994) e de novas relações entre os artistas, os profissionais da arte e os públicos. As transformações no campo cultural e nas suas relações com a sociedade, a política e a economia associam-se estreitamente a alguns dos efeitos de estrutura mais marcantes da segunda metade do século XX. São de salientar, num plano, a generalização do ensino e o aumento das classes médias (onde se destacam, para a problemática em causa, as fracções mais qualificadas); noutro plano, o aumento do ensino artístico e para-artístico e a formalização crescente (designadamente em termos de profissionalização) dos operadores culturais, criadores e mediadores. Finalmente, o processo designado por “capitalismo desorganizado” das duas últimas décadas do século propulsionou novas formas de desigualdade e exclusão sociais, no interior do próprio mundo desenvolvido, que também contribuem para a recolocação das relações entre o campo de produção cultural e os seus “mercados”.

7O problema dos públicos culturais surge especialmente revelador, ao localizar-se na confluência de eixos contraditórios: públicos culturais, em sentido alargado, configuram as procuras e modalidades de recepção de bens e serviços de comunicação, lazer e entretenimento, e por aqui esbatem-se relativamente à noção de consumo; em sentido estrito, reportam-se às práticas mais raras e distintivas em torno da criação artística, configurando uma hierarquia de gostos socialmente filtrada. O conceito de públicos integra propriedades de mensuração, quantitativa e qualitativa, susceptíveis de múltiplas instrumentações. Quantos são; que categorias sociais; o que praticam/consomem em matéria de bens e serviços culturais e sob que modalidades; como se (re)produzem – são algumas das questões traduzidas em “baterias de indicadores” de práticas de cultura e lazer, relativamente normalizadas através de diversos procedimentos de observação, junto de populações extensas e específicas, fileiras e géneros, eventos e instituições...

8Sintetizaríamos em dois tipos as principais posições analíticas e interpretativas. Uma ancora-se na defesa do reforço da vertente política (de regulação e implementação directa) de democratização do acesso aos patamares mais selectivos da criação e do consumo culturais, que permanecem estreitamente correlacionados com o nível de instrução, e, por essa via, com a condição socioprofissional. Os estudos disponíveis dão, sistematicamente, conta da renovação dos processos de fechamento e distanciação artísticos e da resistência persistente às economias de acessibilidade promovidas pela maioria das políticas culturais dos países desenvolvidos, sobretudo na tradição europeia continental (aumento, descentralização e diversificação da oferta, redução de preços, sensibilização junto de grupos sociais específicos, entre outras modalidades). Os perfis sociais dos públicos mantêm-se tendencialmente inalterados, mesmo quando, no geral, se pode verificar um aumento do volume dos mesmos (cf., genericamente, AA. VV., 1999; Donnat, 1998). A disseminação, do lado da oferta e da procura, das formas culturais mais próximas da cultura de entretenimento, audiovisual e mediática é, neste quadro, entendida como demonstrativa de uma reprodutibilidade pesada da “cultura de arte”, cujo combate requererá o aperfeiçoamento dos processos de familiarização precoce e prolongada com os campos culturais mais selectivos.

9O mesmo pano de fundo serve, porém, argumentações em torno do insucesso da democratização cultural pelas economias de acessibilidade a que aludimos, preconizando a aproximação mercantil e mass-mediática das formas culturais-artísticas mais eruditas. O relevo atribuído à profissionalização e empresarialização das artes e dos seus especialistas (não apenas criadores, mas, especialmente, intermediários – produtores, programadores, animadores, etc.), às dinâmicas do emprego cultural e das externalidades territoriais, e às necessidades de racionalização da assistência pública, configura alguns dos eixos que produzem a representação dos públicos como elementos de certificação da produção cultural pelo mercado. Esta perspectiva é servida, mais genericamente, por uma ideologia pragmática e utilitária, que tende a legitimar a produção cultural-artística em termos não artísticos (Yudice, 1998) – em particular, salientando as suas potencialidades sociais, económicas e, acima de tudo, cívicas, onde os públicos ocupam um papel privilegiado (cf. Yudice, 1998; AA. VV., 2000a; Bérardi, 1994).

10As duas posições que apresentámos estão longe de se configurar absolutamente antagónicas, e, sobretudo, convergem na assunção crescente dos “públicos culturais” como um problema social alargado: uma e outra perspectiva denotam a inscrição da(s) cultura(s) e das relações que se lhe(s) referenciam na matriz de estruturação das sociedades contemporâneas.

11Uma das vias pelas quais se denota a elegibilidade dos públicos de cultura como problema social encontra-se no cruzamento das políticas culturais com as políticas educativas e, por via destas, com as de acção social – em orientações políticas e práticas que dependem de contextos políticos particulares (designadamente nacionais), que condicionam os modos como as principais instituições modernas respondem às transformações estruturais a que aludimos atrás. A instituição escolar e as tensões decorrentes dos seus mecanismos de reprodução sócio-simbólica apresentam-se nucleares. Estão em causa, designadamente, o valor e a eficácia da escola no plano cultural-antropológico, enquanto plataforma privilegiada de relação com a cultura (modelação cultural-ideológica, designadamente nacional); no plano económico (pelo mercado de trabalho e a certificação de competências profissionais); e no plano social (princípios de selecção e diferenciação social, sob o processo de massificação da educação escolar). As reconfigurações em causa não parecem anular, antes reforçarão, a seu modo, no palco de uma representação da “escola em crise”, a essencialidade da instituição na estruturação difusa das sociedades modernas (Lopes, 1996) – uma parte da “crise” interna e externa à escola articular-se-á com as expectativas de (re)fundação social da modernidade a que se liga a sua universalização.

  • 4  Vd., ainda, o depoimento do italiano Franco Passatore, 1999; para a exemplaridade histórica do cas (...)

12Assinalemos, para o que nos ocupa, que a imagem da escola associada aos movimentos de animação e intervenção sociocultural mais ampla não é propriamente nova. No quadro das doutrinas de democratização cultural, os anos do pós-Segunda Guerra foram palco, sobretudo na Europa, de um pujante movimento de acção sociocultural, que propugnava uma fortíssima componente pedagógica-escolar (cfr., para um enquadramento exemplar do caso francês, Girard, 19974). A protagonização de uma parte importante daquele movimento por professores reforça a ambiguidade do espaço escolar institucional, ao combinar a função reprodutora, de inculcação ideológica, disciplinadora de corpos e mentes, da escola, com a de equipamentos culturais públicos relativamente abertos à inovação e à crítica, num espírito mais comunitário do que institucional. Não é claro, sublinhe-se, que esta ambiguidade venha valorizando sem tensões a imagem, crescentemente negativa, da escola. Primeiro, porque se trata, regra geral, de contextos semi-formais de envolvimento parcelar das escolas nas iniciativas que acolhem, propulsionadas pelo exterior, através de redes de sociabilidade capazes de mobilizar, no interior da instituição, uma espécie de parcerias que raramente se formalizam. Depois, porque, nestas circunstâncias, as utilizações dos espaços físicos escolares concorrem para a integração da escola na menoridade e carência infraestrutural do campo cultural, por um lado; e reforçam, numa primeira fase, o vazio de projectos de envolvimento sociocultural e artístico no interior da instituição e com a comunidade envolvente.

13Numa outra dimensão, anotemos duas questões relacionadas com o campo artístico. Em primeiro lugar, a lenta incorporação, no plano político, de um discurso que vem integrando o ensino artístico como componente de formação escolar geral (cada vez mais longa) (por ex.: Bergonzi e Smith, 1996; Donnat, 1998). Em segundo lugar, uma nova consciência da instrumentalidade das artes e das competências artísticas, conferindo um reconhecimento progressivo das potencialidades das práticas artísticas como complementos de integração, num plano social (e económico) mais amplo, em torno do que se vem aglutinando sob o conceito (que abrange o primeiro aspecto) de “educação para a cidadania”: integração social como desenvolvimento pessoal (cf., Carasso e Saez, 1994; Belfiore, 2002; para o caso português: Silva, 2000b).

14É, em parte, neste âmbito que tende a generalizar-se a constituição de estruturas “educativas” nas instituições culturais públicas e semi-públicas (museus, bibliotecas, centros culturais, teatros nacionais, etc.). Progressivamente alargada a instituições privadas, denota preocupações com a captação, o acolhimento, a formação e a fidelização dos públicos de cultura (assim como da sua relação com os criadores e as obras), dirigindo-se privilegiadamente (mas não em exclusivo) aos públicos mais novos, na sua maioria escolares. Ao mesmo tempo, recolocam-se os termos da profissionalização das artes e, em particular, dos novos animadores socioculturais, assim como os do estatuto e das funções contemporâneas dos professores. A escola e as práticas escolares reproduzem-se, por esta via, como referências centrais dos (des)equilíbrios entre transformação e permanência nas sociedades modernas. Esta situação, porém, deve-se em nosso entender, mais a razões estruturais do que especificamente culturais, e já as referimos: o aumento progressivo da escolarização, em volume e grau; as transformações das relações entre a formação escolar e o mercado de trabalho (não apenas em termos de “crise de competências e qualificações” para o trabalho, mas também como novas perspectivas das mesmas); mudanças nas expectativas de relações multi-institucionais, designadamente com a família e a comunidade local.

15Uma das vias da prossecução dos novos figurinos encontra-se na emergência de projectos artísticos “reais”, isto é, de iniciativa e/ou raiz profissional-artística, para os quais se recrutam “públicos” que são convertidos em participantes activos nas obras. A reconfiguração do conceito de público advém profunda, e, eventualmente, ainda pouco clarificada. Na nossa óptica de análise, opera-se a reconstrução conceptual ao serviço de uma ideologia de integração activa e crítica, ensaiando suplantar a utopia desencantada da quantificação democratizante dos públicos enquanto procuras culturais (consumidores), através da realização de acções pontuais, intermitentes, de criação – que, a prazo, tenderá a tornar a arte menos pública e mais social... A realização de um projecto artístico acabado, nos patamares da hierarquia artística que tradicionalmente se demarcavam de qualquer intenção social, isto é, externa (a arte pela arte), desemboca numa obra (ou num conjunto de obras) – um filme, um livro, uma peça de teatro, uma exposição de artes plásticas/visuais, uma ópera... –, e é esse elemento/objectivo final que se apresenta simultaneamente como garantia de um processo capitalizável no interior da arte (através de projectos arrojados e inovadores) e no interior do tecido social de recrutamento do público-artista (pelo envolvimento no processo criativo).

16Particularmente incorporáveis nos discursos artísticos em torno da (re)produção da excepção artística, configuram-se crescentemente neste tipo de intervenções “educativas”/comunitárias pela e com a arte iniciativas focalizadas em franjas de exclusão e marginalidade sociais, ensaiando figurinos flexíveis e contraditórios entre a inovação criadora (sacralizadora), a des-sacralização social da arte e o trabalho de consciencialização social-política dos participantes “leigos”. De alguma maneira, a excepcionalidade da criação, ou, com mais rigor, o seu carácter, por essência, atípico, revê-se no carácter igualmente atípico (no plano social) dos grupos sociais classificados como excluídos – reproduzindo, nesta dimensão, a lógica dominante do campo artístico, designadamente enquanto radicalidade, singularidade e diferença estéticas.

17Noutra dimensão, estas intervenções reúnem condições para a inscrição privilegiada nos (novos) desenhos da institucionalização das políticas sociais e das políticas culturais. Por um lado “respondem”, funcionalmente, a objectivos e princípios de inclusão social, não redutíveis a critérios socioeconómicos, e convertendo a intervenção sociocultural em socioartística. Por outro lado, implementam nas acções redes localizadas de parcerias diversas, não apenas na sua dimensão prática, mas também indutoras de autênticas “economias de produção”, cost-saving (pela mobilização de agentes multilocalizados: na administração pública local, nas escolas, nas associações de base, nas instituições de acção social e reinserção, na comunidade envolvente).

18Numa terceira dimensão, aquele tipo de iniciativas, induz, ao nível da recepção das obras, uma certificação, pelos públicos, político-institucional – por via da consensualidade gerada, no plano social, em torno do prestígio e da qualificação artística envolvidos, assim como da identificação que promove com os princípios de estetização da vida quotidiana e das (novas) relações entre a arte a vida. Nesta perspectiva, impõe-se uma reflexão profunda sobre os princípios enformadores deste tipo de acções, pressupostamente emancipatórios, e sobre a complexidade das relações entre diferentes mundos que as mesmas se propõem compatibilizar. Digamos, em poucas palavras, que o equilíbrio entre representações, princípios e interesses dos subcampos mobilizados, envolvendo grupos sociais por vezes antagónicos, artistas e outros especialistas, interlocutores institucionais e políticos, entre outros, não está isento de efeitos de reprodução simbólica, sobretudo ao nível da legitimação cultural-artística. Como intentamos mostrar a partir do caso empírico que exploraremos, o princípio fundador deste tipo de acções não deixa de se congregar em torno de classificações simbólicas portadoras de uma eficácia enunciativa e identitária profunda – em primeiro lugar, a representação maior e mais transversal de arte, referenciada ao potencial último da natureza humana individualmente expressável e por isso esvaziada da sua construção social (ou, noutros termos, o princípio anómico da construção social da arte – Bourdieu, 1989). Do ponto de vista dos efeitos de des-sacralização e reformulação de acessibilidades críticas, por parte de públicos tradicionalmente excluídos dos mundos elitizados da criação e da fruição estética, este tipo de acções não deixa de concorrer, em modalidades diversas, mais ou menos (in)conscientes, para as necessidades de certificação pelo mercado da produção cultural contemporânea: o investimento no alargamento e diversificação de públicos potenciais não deixa de se jogar numa relativa aproximação aos princípios de recepção polissémica que caracterizam a produção cultural mais mercantilizada (cf. Abercombie e Longhurst, 1998).

2. Entre a Arte e as artes: as “Obras da Arte”5 ou a subversão dos públicos

  • 5  Título de um livro publicado no âmbito do caso que exploraremos (Pereira, 2002c).

19Cativo de uma política cultural oficial, censurada e profundamente restringida, própria do regime ditatorial de meio século, Portugal chegou tarde à institucionalização cultural que vimos enunciando. Podemos, genericamente, traduzi-la, em termos de formatação política, pela criação, aparentemente consensual, de um ministério autónomo para a cultura mais de vinte anos depois da revolução de Abril de 74 (e cerca de quarenta após a criação do emblemático ministério homólogo em França).

20Na verdade, se a cultura constituiu uma esfera privilegiada de mudança social, característica dos primeiros anos do regime democrático, foi-o menos do lado das formas culturais mais instituídas e nobilitadas do que das mais espontâneas e instrumentais para a intervenção social-política mais ou menos directa (cf. Santos, 2001). O processo de institucionalização política da cultura, em Portugal, apresenta-se, assim, hesitante e frágil, e, sobretudo, denotando uma refracção importante em face dos processos de mudança em curso nos restantes países europeus. Configura-se uma tessitura de modernização cultural tardia e vulnerável, porque alheia a uma tradição histórica e nacional, nos termos de Augusto Santos Silva (2003). Como traços dominantes, assinale-se a permanência de um figurino centralizador estatal, seja na vertente da posse do equipamento estruturante, seja na das iniciativas directas (o Estado como o principal promotor de iniciativas culturais e artísticas) e indirectas (o Estado como o principal financiador e parceiro). Os estudos disponíveis mostram uma enorme fragilidade de equipamentos e operadores privados, a par de um déficit de profissionalização dos serviços de cultura (cf. Silva et al., 1998; Silva, 2000a e 2002; Pinto, 1994). A fragilidade referida exprime-se ainda na contradição entre uma referenciação ao modelo político-cultural francês, no plano dos discursos e das representações, sem as contrapartidas no plano das práticas (cf. ainda Silva, 2003).

  • 6  Para uma primeira sistematização das políticas culturais em Portugal, vd. Santos, 1998.

21Ao longo dos anos noventa assistimos, não obstante, a importantes reconfigurações.6 Se a criação do Ministério da Cultura constitui, sem dúvida, uma das centrais (sobretudo pelo esforço de formatação institucional do espaço cultural), deve registar-se uma política pública de espectacularidade e comemoração em torno de grandes eventos (como a Expo’98 e as capitais da cultura – Lisboa 94 e Porto 2001), assim como novos desenhos na produção e criação cultural artística privada (processos de profissionalização e empresarialização, designadamente, ao nível de protagonistas do sector “independente”, no teatro, na dança, na música, nas artes plásticas, no cinema).

  • 7  O acompanhamento da experiência que assinalamos inscreve-se numa observação de relativa duração em (...)
  • 8  “Envolvimento da comunidade e envolvimento na comunidade” é uma das sugestivas expressões utilizad (...)

22A experiência singular, inédita, que tivemos oportunidade de observar com alguma sistematicidade, teve lugar, já o referimos, na Porto 2001 – Capital da Cultura.7 Tratou-se, recordemos, da presença em Portugal de uma das mais consagradas companhias de ópera mundiais, a Birmingham Opera Company, cujo projecto (criado em finais dos anos oitenta) assume uma incorporação radical da dimensão teatral no género operático, recuperando princípios que o processo de elitização progressivamente lhe exteriorizara – designadamente a itinerância e a actuação em espaços não convencionais. A estes elementos acresce a produção no seio de populações igualmente exteriores, quer ao campo musical, quer, num sentido, ao campo social – recrutando os seus figurantes entre populações consideradas “de risco”, no interior de cujas comunidades têm lugar as récitas; e fazendo condicionar cada projecto aos contextos específicos de inserção comunitária (introduzindo, por esta via, um princípio de flexibilização de recursos e acções pouco compatível com os figurinos convencionais musicais eruditos).8

  • 9  Para uma apresentação breve do Departamento, veja-se Ralha, 2001.
  • 10  Para uma síntese do trabalho com a população local, veja-se AA. VV., 2001a.

23A iniciativa trazida a Portugal teve então lugar no âmbito da programação específica da Casa da Música, o equipamento emblemático do evento, que instituiu, de raiz, um Departamento Educativo.9 A companhia inglesa realizou e apresentou duas récitas da ópera Wozzeck, com mais de cem figurantes recrutados nas populações de dois bairros sociais especialmente integrados no conceito de exclusão social (pobreza, desemprego, prostituição, tráfico e consumo de drogas, e outras formas de desvio e criminalidade).10 O trabalho de selecção, enquadramento e acompanhamento do grupo, assegurado pelo Departamento Educativo da Casa da Música no terreno, antecedeu a presença da companhia no Porto, e prolongou-se no tempo, depois de consumadas as récitas da ópera, tendo desembocado na produção de raiz de uma outra ópera, sem a companhia de Birmingham. Esta segunda produção ampliou substantivamente o ensaio de envolvimento da população, que concebeu o argumento para o libreto (numa oficina de escrita); discutiu activamente a coreografia, o movimento, a encenação, a distribuição e o desenho de personagens; concebeu e construiu instrumentos de percussão (numa oficina de instrumento); e, finalmente, participou no canto e na interpretação dramática. Sem uma equipa pré-construída, como a que caracteriza uma companhia de ópera, por mais pequena e flexível que se apresente, o projecto envolveu uma multiplicidade de perfis técnicos, artísticos, políticos e “leigos”. Neste sentido, o segundo projecto (ou, na óptica que privilegiamos, o segundo momento de um mesmo projecto que teve início com a programação da companhia britânica – cf. Ralha, 2002) subverteu o próprio conceito de criação – o que sobressai é a predominância de uma mediação cultural autorizada, capaz de se equivaler a criadora, pela relação que promove entre mundos diferentes, dentro e fora das artes, a pretexto da música (já que é intrinsecamente naquela relação que se produz a obra).

24Neste sentido, o projecto da ópera Demolição – A história que ides ver, distingue-se do tipo de projectos desenvolvidos pela Birmingham Opera Company, desde logo pela ausência de uma concepção marcada individualmente (um criador singular). Esta afirmação analítica-interpretativa incorpora o desdobramento em duas dimensões, que intentam enquadrar, articuladamente, uma dupla subversão: na primeira, perspectivamos a subversão dos princípios de criação autoral próprios do campo artístico, que desafiará necessariamente as diversas hierarquias de competências culturais e sociais envolvidas; na segunda dimensão, focalizamos o processo, que se nos afigura crucial para a implementação da primeira dimensão, relativo aos contornos de autonomização e legitimação de uma mediação simultaneamente artística e social da educação pela arte – que, esperamos demonstrá-lo, lhe imprime uma vertente política de intervenção social. Passemos a explicitar detalhadamente.

25A primeira dimensão decorre, então, do próprio carácter inédito da iniciativa. A ausência de inserção explícita num enquadramento protagonizado por um criador isolado – condição de legitimação, como acontecera com a Birmingham Opera Company – imprimiu-lhe uma diluição de autoria em dois planos: no da criação artística e no do processo de implementação prática do projecto.

  • 11  Profissionais da literatura, da composição musical, da encenação teatral, da direcção de actores, (...)

26No primeiro plano, convocou para a arena da produção e criação diversos “profissionais” das várias artes que a ópera congrega – isto é, um conjunto relativamente disperso (apesar de apresentar percursos relativamente cruzados, noutros planos),11 que muito improvavelmente conceberia de forma espontânea um projecto comum. Nesta perspectiva, a autoria do projecto coube, em termos de nomeação, a uma instituição (a Casa da Música) e, nela, ao Departamento Educativo (componente técnica). Não obstante o estatuto artístico dos responsáveis institucionais, de elevada reputação no meio musical, o projecto não se personalizou em qualquer deles. Este aspecto revelou-se, em nosso entender, crucial para o acolhimento junto do público-espectador e da imprensa não especializada – o entusiasmo a que o votaram, ainda durante a produção, dá conta do cumprimento de uma expectativa em torno de uma experiência inovadora, sem autor nomeado, pré-certificada por uma reputação diluída. Menos do que uma “obra operática”, sublinhava-se o trabalho de “profissionais” com “amadores” – onde o facto de se tratar de uma ópera apenas contribuía para uma acrescida pré-garantia de qualidade artística. Finalmente, o lastro deixado pela companhia de Birmingham permitira alimentar a confiança na competência da equipa portuguesa no terreno e reforçar a imagem de elevada qualidade, no campo artístico, da instituição proponente, que se apresentava como alargando o seu projecto a uma área “não artística” que, por definição, não lhe competiria. Nas palavras do director artístico da Casa da Música: “A propósito do trabalho do Departamento Educativo da Casa da Música em Aldoar e de outros que venham eventualmente a realizar-se noutros bairros e freguesias é provável que, numa equação linear, possamos estar a fazer coisas que não nos competiria fazer. E é certo apontar que não é vocação da Casa da Música vir a praticar acção social. Todavia, se ninguém as faz e se nós temos capacidade para isso, é óbvio, para mim, que devemos fazê-las. De resto, é provável que tenhamos mesmo de o fazer, porque é algo que acaba por se tornar inerente a um projecto como este.” (Burmester, 2002: 16 – sublinhados nossos).

27A esta luz, pode compreender-se a reacção da imprensa portuguesa especializada, nos dois momentos/projectos. Relativamente ao trabalho da Birmingham Opera Company, elidiu sistematicamente a intervenção social envolvida, restringindo a divulgação e a crítica à sua vertente estritamente musical, na qual se balizaram as referências à companhia de ópera britânica, ao seu director artístico, aos intérpretes-cantores, à obra original, e, finalmente, à Casa da Música e à programação cultural da Porto-2001. A alusão à dimensão sociocultural, quando assinalada, surgia ao serviço da referenciação musical e, em particular, da especificidade estética da companhia de Birmingham – o que antecipava o silêncio relativo à Demolição – A história que ides ver, relativamente à qual apenas se cumpria a função de divulgação estrita (cf. Pereira, 2002a, que classifica esta reacção da imprensa especializada como de “olímpico desprezo”).

  • 12  Em rigor, o trabalho com as escolas, e em particular com os professores, que o Departamento Educat (...)
  • 13  A categorização que vimos intentando, orientada sobretudo para a demonstração da heterogeneidade q (...)

28O segundo plano de diluição de autoria prende-se, recordemos, com o processo de implementação do projecto, que, em rigor, incorpora as duas óperas, Wozzeck e Demolição – A história que ides ver. Nas condições apresentadas, redobrava-se, na segunda, a exigência de um trabalho de forte controlo sobre os dispositivos de confiança múltipla, entre os diversos grupos e no interior de cada subgrupo em presença (que, num total de mais de cem pessoas, estavam longe de se apresentar internamente homogéneos). Desde logo, os grupos de artistas e técnicos especializados no processo de produção musical, que recobriam, grosso modo, o estatuto artístico: criadores (de composição, instrumentos – incluindo aqui o canto –, regência, encenação, cenografia, coreografia, escrita...); técnicos especializados de som, imagem e movimento (sonoplástica, luminotecnia, caracterização de personagens, guarda roupa...); e uma panóplia de operadores de assistência técnica à produção (dos co-repetidores musicais e copistas de partituras aos anotadores e diversos assistentes ao trabalho técnico). Em segundo lugar, os mediadores institucionais, porventura o conjunto mais sincrético, quer do ponto de vista das operações práticas, quer do ponto de vista das hierarquias simbólicas que incorporava e veiculava: o próprio Departamento Educativo da Casa da Música – que incluía um grupo de jovens, essencialmente recrutados em escolas, e o trabalho com professores do ensino pré-escolar, básico e secundário da cidade12 –; técnicos de reinserção social local; professores da escola básica e secundária de Aldoar; animadores socioculturais13; políticos e funcionários da administração local. Finalmente, o “grande grupo” informal, “comunitário”, ele próprio extremamente diversificado internamente: além das clivagens próprias do tecido social em causa, que, naquela escala, permitiam distinguir várias modalidades de exclusão e auto-exclusão, incluía um pequeno conjunto de moradores na freguesia que mediavam, nos períodos entre os ensaios, o trabalho com o texto escrito (o libreto), e que tendiam a ser percebidos como pertencentes à equipa técnica.

29Pelo seu carácter aparentemente lateral no processo, vale a pena determo-nos um pouco nesta espécie de sub-mediação de terreno. Tratava-se de implementar, tão informalmente quanto possível, um dispositivo “de base” para o reforço e a sustentação da familiarização dos participantes com a versão escrita da “sua” história, elaborada no âmbito de uma oficina para o efeito (cf. Guimarães, 2002). A conversão dramatúrgica da história transmutava-se, do ponto de vista dos seus autores primeiros, numa dupla inacessibilidade, que se intentava ultrapassar.

  • 14  As referências assinaladas ao longo do parágrafo são, naturalmente, citações de participantes.
  • 15  Evidentemente que não se esgotam aqui as ambiguidades e diferenças entre mundos. Estão fora dos no (...)

30Desde logo, o registo erudito do texto (re)escrito esvaziava-o da original oralidade, e, nessa medida, do sentido primeiro que os seus autores lhe haviam conferido. Impunha-se, junto destes, recontar a história, certificar a sua autenticidade, promover a capacidade de juízo crítico sobre o trabalho da “escritora”, em suma: recuperar o sentido de autoria que a oficina de escrita havia proporcionado, através da generalização relativa de um sentimento de implicação personalizada na criação colectiva.14 Entre alguns elementos, expressava-se, sugestivamente, uma crença na “justiça” e na “justeza” das contribuições individuais, que constituía um elo de envolvimento crucial no projecto. Num dos pequenos sub-grupos acompanhados, as sessões de desmontagem, reorientação de sentidos interpretativos e devolução de acessibilidade narrativa ocuparam um tempo relativamente longo até à (aparente) reapropriação do texto original – e revelaram-se condição prévia para a superação da outra face da inacessibilidade veiculada pela escrita formal, agora a das relações com a escrita, enquanto actualização da memória escolar. Ali estava um texto que “faz[ia] lembrar Gil Vicente” e que era preciso “decorar” e dramatizar (teatral e musicalmente). O trabalho, permanentemente negociado, de manipulação das palavras e dos sentidos, para reposição de uma nova oralidade, que funcionasse como suporte técnico para o processo propriamente operático, revelou a amplitude da distância a uma cultura escolar que, também pela (auto)exclusão, modela intimamente as relações com o mundo. A transcrição manuscrita da peça (entre alguns dos mais idosos) e a memorização que resistia ao uso do suporte impresso (interpondo sistematicamente o mediador como suporte oral) constituíram duas das modalidades mais ilustrativas de uma profunda incapacidade de manipulação do impresso, que traduziam, explicitamente, a barreira ao trabalho de reapropriação da história como criação de cada um, numa espécie de remake da sala de aula. Esta sub-mediação, silenciosa e aparentemente informal (contava, nalguns casos, com participantes no espectáculo) dá, em nosso entender, privilegiadamente conta da importância do controlo sobre a multiplicidade de dispositivos de confiança, permanentemente desafiados e precarizados.15

31Este plano conduz-nos à segunda dimensão analítica que intentamos relevar, especificamente em torno do trabalho de intermediação social e artística. A prossecução de um projecto nestas condições aglutinava na figura do mediador o “pôr em relação” toda aquela diversidade – fazendo-lhe corresponder o papel e o estatuto (ainda que não verbalizado) do director artístico, do encenador, ou do maestro, nos respectivos planos a que cada categoria se reporta. Ele investe-se naquele que se apresenta como o único conhecedor, porque a personifica, da “ideia” original: aquele, em suma, que a criou, e que, nessas circunstâncias, é consensualmente reconhecido como o único que a pode validar. O intermediário-criador passa, assim, a ultrapassar a condição “técnica” com que se apresenta e representa (“director [neste caso, directora] de projecto” é a categoria constante da ficha técnica, sendo o sublinhado nosso), no quadro da mediação cultural-artística, veiculando naquele contexto uma concepção específica de educação pela arte, que está em condições de imprimir ao projecto.

  • 16  Com importantes diferenças, decorrentes, em particular, dos diversos estados de estruturação e div (...)

32A educação pela arte corresponde, nesta perspectiva, a uma “arte de intermediação”, no sentido que lhe atribuímos de equiparação a outras “artes médias” – opondo-se desse modo, na prática, a uma concepção profissionalizante (Santos, 2001): os seus princípios de funcionamento e eleição partem do campo artístico (neste caso, musical), e a relação que estabelecem com o exterior obedece-lhes em primeira instância. Por outro lado, é protagonizada por elementos com competências na arte que representam (encenadores ou actores de teatro, coreógrafos ou bailarinos, músicos...16), os quais, enquanto “especialistas” junto dos públicos com quem se ocupam, não dispensam a demarcação crítica e explícita, designadamente face à “educação” instituída (o que encerra uma profunda ambiguidade, que não cabe aqui desenvolver, assinalando-se, no entanto, que ela se manifesta também em relação ao campo artístico de referência). É, justamente, nessa distância afirmada que se produz a especificidade daquela área como expressão e não reprodução – opondo, designadamente, os princípios de individualização, liberdade criativa e emotividade da “arte” aos de estandardização, normalização e racionalização da “educação”.

33Este ponto afigura-se-nos crucial para a legitimação do trabalho, em particular no caso do “projecto de Aldoar”, que institui, simultaneamente junto do público activo e do (assim também tornado) público artístico participante, uma mediação social e artística autorizada, na medida da posição da arte que representa: atribui-lhe um rosto, equivalente à assinatura que valida uma obra: e a Obra (da Arte) pode subsumir-se no despojamento autoral que o discurso na primeira pessoa traduz: “Achamos a ópera um espectáculo fantástico, gostamos muito de Wozzeck, lemos em qualquer uma das personagens deste elenco pontes para aquilo que determina também a nossa própria vida, encontramos na música sentidos e envolvências que são excepcionais e únicos, estamos, de facto, convencidos de que as pessoas e a ópera só têm a ganhar em conjunto. Só temos que mostrar tudo isto a este grupo que, aos poucos, vai crescendo. Que, aos poucos, se senta à nossa frente a conversar, que ouve e se comove, que fala e se revela, que canta, dança e ri e parte para as suas vidas tão diferentes das nossas.” (Ralha, 2002: 22, subl. nossos). É nesta desprotagonização (do ponto de vista dos princípios de funcionamento do campo artístico) que se pode jogar a eficácia da produção de valor simbólico envolvida, e, designadamente, a assunção de uma dimensão política no trabalho desenvolvido.

34Criar de raiz um espectáculo corresponde assim, por seu turno, a um trabalho de experimentação também no campo musical. É neste plano que não se autoriza a nomeação do criador, mas invertendo o processo criativo: o espectáculo (a obra – no limite: a música) não é apresentada como fim último, mas como um meio que não se impõe à partida. Perceber-se-á, neste momento, melhor porque articulámos tão estreitamente as duas óperas, apesar de nos centrarmos na segunda: o núcleo duro do projecto reside no investimento de formação artística como um veículo de uma concepção específica de educação para a cidadania. No caso que nos ocupa, essa concepção pré-existia ao trabalho na Casa da Música, e é, em nosso entender, a condição do seu reconhecimento (vd., para um enquadramento do trabalho desenvolvido autonomamente por Suzana Ralha: AA. VV., 2000b).

35Ao mesmo tempo, é por se veicularem explicitamente as convenções do campo musical (e artístico em geral, já que a música se reproduz como dominante relativamente às outras especialidades performativas envolvidas) que se produzem as condições para a sua relativa subversão, designadamente quando se inverte a hierarquia entre os artistas e o mediador: na prática, aqueles submetem-se a um projecto que lhes é exterior e que não controlam senão muito fragmentariamente. Em certo sentido, funcionam como intérpretes. Perceber-se-á o precário equilíbrio de poderes envolvidos. A implementação do projecto exige o seu reconhecimento tácito: sob a aparência de desvalorização no interior da criação musical incorpora-se a valorização homologada pelo subcampo da educação pela arte.

36É, mais profundamente, em nome do lugar inquestionado da arte que se pode promover a confiança no projecto por parte da comunidade local envolvida: a crença num trabalho “sério”, “mesmo musical”, ou, mais explicitamente ainda, “mesmo ópera, como a dos ingleses” (citamos participantes). São essas as condições para suplantar, pela participação, a desconfiança profunda em relação “à sociedade”, projectada em imagens de exploração, abandono e manipulação, que, quotidianamente, só se ultrapassa pelo reforço de uma auto-exclusão protectora.

37A singularidade dos princípios de educação pela arte espelhados neste processo, traduzidos, nos discursos, através do conceito de “qualidade”, reside, precisamente, na capacidade de fazer-valer um campo que, não intentando substituir-se ao da criação convencional, desemboca, com algum paradoxo, numa outra escala de criação. É o que, em nosso entender, justifica a selecção de uma ópera concebida de raiz: nestas condições, elege-se, provavelmente, como a via mais eficaz para não induzir à desqualificação do resultado (artístico) final. Todo o processo é concebido em torno da aceitação de intérpretes, não apenas desmunidos de competências artísticas, como também (ou sobretudo) de competências culturais e sociais em sentido mais profundo. A música erudita presta-se especialmente a este processo, ainda que, neste e noutros casos, se recuperem em grande medida as dimensões mais teatrais e populares da ópera, e também a concepção relativamente universalizante do canto (neste sentido, perceptível como o instrumento mais acessível à prática isenta de competências técnicas específicas e duradouramente trabalhadas). É que o campo musical apresenta-se ao mesmo tempo fortemente institucionalizado em matéria de reprodução formalizada; e profundamente segmentado do ponto de vista das suas hierarquias e divisões internas, não apenas em géneros mas também em processos de produção, difusão e recepção. Neste ponto, a representação da música “séria” ancorar-se-á tanto no virtuosismo personalizado quanto na competência profissionalizante de especialistas da sua linguagem formal – e ambas as concepções sinalizam a incorporação de visões sobre a música e o subcampo musical que tendem a opor leigos e especialistas, amadores e profissionais, populares e “clássicos”, conhecedores e ignorantes (em matéria de audição)... Configura-se por esta via uma (re)produção simbólica de distâncias e poderes relativamente (ou instrumentalmente) consensual(izável) sobre um domínio que, como um todo, é profundamente ubíquo. Nenhum outro subcampo da produção cultural-artística, aparentemente, goza do mesmo privilégio de autoridade – mesmo se, como acontece com o teatro ou mesmo a dança, do ponto de vista instrumental, a acessibilidade pareça maior.

38O silêncio que rodeia a nomeação autoral surge, por conseguinte, profundamente revelador das tensões subjacentes aos diversos lugares sociais implicados. É também nele que mais poderosamente se intenta afirmar a dimensão política-interventora, não tanto do lugar (intangível) da arte e dos artistas, mas dos lugares tangíveis da vida quotidiana e das “pessoas”.

3. Em final

39Não podendo elidir-se o quadro institucionalizado em que, hoje, decorrem estas acções, o seu objectivo último faz valer um conceito de integração social e política, cuja diferença mais substantiva em relação às utopias políticas da arte “para e com o Povo” residirá, em nosso entender, na construção de uma outra utopia, actualizada: a de que, eventualmente, naquelas pequeníssimas, localizadas, acções, a arte se concebe, já o registámos, como um veículo e não um fim. Mais do que trabalhar o gosto, enquanto percepção e apreciação estéticas, enuncia-se o propósito de devolver, ainda que fragmentariamente, alguma (consciência de) autonomia social a fracções de grupos sociais que se encerraram na expressão mais profunda e corporizada da exclusão, que é a auto-exclusão. Mais do que, a prazo, conquistar “públicos para a cultura” (no sentido de Silva et al., 2000), cria-se um novo conceito, o de co-produção de sentidos de inclusão social.

40A perspectiva que propomos, da ancoragem numa autoridade especificamente artística simultaneamente exterior ao campo da arte, reforça a distinção da educação pela arte que aqui perpassamos, quer face às categorias de criação como “outsider art” (Zolberg e Cherbo, 1997), aqui no sentido da arte dos outros, como pode ilustrar-se pela iniciativa Teatros do Outro (Costa e Guimarães, 2002), promovida também pela Porto-2001, onde se versaram categorias sociais formalmente mais homogéneas (no caso, população reclusa); quer às acções que se inscrevem mais directamente no espaço escolar, como a ilustrada pelo projecto, no mesmo contexto, Pontes de Partida (AA. VV., 2001b).

41O critério de delimitação em torno do conceito de “bairro” ou outro equivalente (como o de comunidade), impõe (como, de resto, já referimos), por um lado uma inelutável diversidade social sob a classificação de exclusão; por outro, uma escala de intervenção mais globalizante e transversal, com envolvimentos inter-institucionais mais difusos, e refractada face à dimensão especificamente formativa, próxima da escolar: “Alguns estudantes que frequentavam a mesma escola mas nunca se tinham falado, devido às suas distintas origens, tornaram-se amigos, ao participarem no projecto [da ópera]. Existe agora um consideravelmente maior nível de entendimento entre os grupos de ex-toxicodependentes e as mães das famílias da comunidade.” Porém: “Existiam tensões entre o grupo. Alguns membros de uma instituição de ex-toxicodependentes em recuperação sentiram, em diversos momentos, a marginalização a que alguns elementos da comunidade os votavam. Foi estabelecido e tornado muito claro que a preparação da ópera não era o local adequado para esse tipo de problemas, que teriam de ser resolvidos fora. Ali, estava a construir-se um projecto artístico-profissional.” (Nicholson e Vick, 2002: resp. 38 e 37, subl. nossos).

42É clara, nestes fragmentos de discurso, a construção de uma estética relacional: a Birmingham Opera Company constitui um caso exemplar dos novos figurinos, relativamente adaptativos, da arte face às transformações sociais que tendem a pôr em causa sobretudo, para o que nos importa aqui, os seus princípios de legitimação. O director artístico da Companhia é liminar: “A saúde e o desenvolvimento da ópera depende do modo como ela conceber a sociedade contemporânea como um todo. E isso significa fazer parte dela e estar preparada para mudar rápida e radicalmente, como a própria sociedade. A natureza do que se tornou, desde meados do século XIX, uma forma de arte antiquada e cada vez mais ingovernável significa que [a ópera] perdeu a agilidade e a flexibilidade para responder aos tempos [...]” (Vick, 2003). Em suma: “Tentar analisar separadamente questões como o ócio, a educação, o envolvimento intelectual ou o nível espiritual da vida é falhar o alvo. É precisamente na combinação complementar de tudo isto que reside o poder da arte.” (Nicholson e Vick, 2002: 39, subl. nossos).

43Do ponto de vista analítico, não deixa de se rever, naquelas palavras, uma outra operação de legitimação singular da arte e do seu campo: o poder, digamos, globalizante, para que o discurso citado remete, pode ler-se como uma outra face da (nova) ideologia pragmática-instrumental em torno da arte, apropriada pelos intervenientes autorizados. A representação dominante sobre o campo artístico, insistimos, ao incorporar os valores de singularidade e personalização, torna-se especialmente instrumental para a (re)produção de diversos tipos de consensos sociais. Os discursos e as práticas artísticas de refuncionalização social vão, de algum modo, ao encontro de expectativas de inclusão que a autoridade artística, porque “anómica”, pode fazer-se crer esvaziada de pressões de manipulação política, ou, noutros termos, como em contra-corrente do instituído – num processo de homologação múltipla de excepcionalidades, como notámos. Neste sentido, a protagonização de uma mediação que possa, simultaneamente, autorizar-se dentro e fora do campo artístico, revela-se determinante para o grau de profundidade da inserção social deste tipo de iniciativas.

  • 17  Veja-se a reflexão mais ampla em torno deste e de outros princípios de intervenção cultural em Pin (...)

44Aquela autoridade não elide, em nosso entender, o princípio mais geral envolvido no conceito de “intervenção cultural”, tal como o traduziram Madureira Pinto e Benedita Portugal, no âmbito do projecto Pontes de partida: “[...] alargar o círculo dos intervenientes culturais nas dinâmicas culturais, não tanto através do estímulo à recepção/consumo das obras da cultura instituída (tão característica das intervenções visando o «alargamento de públicos»), mas sobretudo por intermédio da criação de condições para dar visibilidade a disposições e operadores estéticos autónomos de «cidadãos comuns» [...]” (Pinto e Portugal, 2001: 1217).

45Vale a pena sublinhar, para finalizar, a profunda ambiguidade deste processo de subversão da “questão dos públicos” que nos tem conduzido. Foi, em nosso entender, aquela legitimação especificamente artística, porém refractada, nas condições que apresentámos, que conferiu ao projecto em referência o carácter de excepcionalidade e reconhecimento social que o converteu, não sem tensões, num dos pontos emblemáticos e de sucesso da programação da Porto 2001 – não cabe aqui a análise da ressonância mediática; nem a da ressonância interna ao campo da educação pela arte; nem, ainda, dos modos mais tensos como a experiência vem sendo apropriada nos subcampos artísticos (veja-se, de novo, Pereira, 2002a).

46Em Portugal, mas não apenas (se bem que segundo processos diversos), os protagonistas destas novas práticas e políticas de educação artística e democratização movem-se, necessariamente, em lugares de fronteira, onde falar de “públicos culturais” se vincula a “públicos políticos”: as delimitações instrumentais e pragmatizáveis deste tipo de projectos estão longe, como intentámos questionar, de se apresentar firmes.

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Notas

1  Apresentam-se alguns resultados inscritos numa reflexão mais ampla sobre as relações entre o(s) público(s) e a produção cultural contemporânea (Santos, 2003).

2  Wozzeck, de Alban Berg, 6 e 7 de Abril de 2001 (cf. AA. VV., 2001a).

3  Demolição – A história que ides ver. “Ópera em dois actos, para 29 vozes não profissionais, três vozes solistas, quinteto de cordas, quinteto de saxofones, quinteto de metais, clarinete, flauta transversal, percussão, piano, banda magnética e percussão não-profissional”, nas Galerias de Estacionamento da Casa da Música, 17 de Fevereiro e 1 e 2 de Março de 2002 (cf. Pereira, 2002b).

4  Vd., ainda, o depoimento do italiano Franco Passatore, 1999; para a exemplaridade histórica do caso francês, Poirrier, 2000.

5  Título de um livro publicado no âmbito do caso que exploraremos (Pereira, 2002c).

6  Para uma primeira sistematização das políticas culturais em Portugal, vd. Santos, 1998.

7  O acompanhamento da experiência que assinalamos inscreve-se numa observação de relativa duração em dois planos: prolonga o trabalho especialmente intensivo realizado junto de diversas organizações de produção/criação artística, para efeitos de um relatório de doutoramento (cfr. Santos, 2001); e releva de uma observação semi-participante no processo em causa.

8  “Envolvimento da comunidade e envolvimento na comunidade” é uma das sugestivas expressões utilizadas para apresentar a Birmingham Opera Company, nomeadamente num dos sites oficiais da cidade de Birmingham (www.birminghamarts.org.uk). Em 2001, a companhia foi premiada com o Music Award for Audience Development, da prestigiada Royal Philharmonic Society – justamente com a produção do Wozzeck.

9  Para uma apresentação breve do Departamento, veja-se Ralha, 2001.

10  Para uma síntese do trabalho com a população local, veja-se AA. VV., 2001a.

11  Profissionais da literatura, da composição musical, da encenação teatral, da direcção de actores, de cantores e de músicos, da interpretação instrumental e de canto...

12  Em rigor, o trabalho com as escolas, e em particular com os professores, que o Departamento Educativo da Casa da Música vem desenvolvendo não se restringe à cidade.

13  A categorização que vimos intentando, orientada sobretudo para a demonstração da heterogeneidade que aglutina múltiplos contrários, dobra-se de imprecisões devidas à ausência de fronteiras rígidas entre os três tipos de grupos. Neste sentido, classificamos como animadores culturais, essencialmente, um conjunto de operadores ligados ao campo musical, cuja relação com o projecto se centrou no trabalho oficinal, concretamente a construção de instrumentos musicais que foram utilizados no espectáculo.

14  As referências assinaladas ao longo do parágrafo são, naturalmente, citações de participantes.

15  Evidentemente que não se esgotam aqui as ambiguidades e diferenças entre mundos. Estão fora dos nossos propósitos analíticos as dimensões mais antropológicas e sociais, que, vale a pena assinalá-lo, naquele período de tempo expuseram confrontos múltiplos de hierarquias sócio-simbólicas igualmente múltiplas, em termos de categorizações poderosas: os empregados e os desempregados; os homens e as mulheres; os novos e os velhos; os “sérios” e os marginais; os “empregados” e os operários; os dirigentes associativos e os moradores; os “doutores” e o povo; os ricos e os pobres; os artistas e os técnicos; etc.

16  Com importantes diferenças, decorrentes, em particular, dos diversos estados de estruturação e divisão do trabalho em cada subcampo.

17  Veja-se a reflexão mais ampla em torno deste e de outros princípios de intervenção cultural em Pinto, 1994 e 1995.

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Para citar este artigo

Referência do documento impresso

Helena Santos, «A propósito dos públicos culturais: uma reflexão ilustrada para um caso português»Revista Crítica de Ciências Sociais, 67 | 2003, 75-97.

Referência eletrónica

Helena Santos, «A propósito dos públicos culturais: uma reflexão ilustrada para um caso português»Revista Crítica de Ciências Sociais [Online], 67 | 2003, publicado a 01 outubro 2012, consultado a 17 fevereiro 2025. URL: http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/rccs/1115; DOI: https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/rccs.1115

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Autor

Helena Santos

Professora auxiliar da Faculdade de Economia da Universidade do Porto. Publicações recentes: “Hierarquias, fronteiras e espaços: o(s) lugar(es) das produções intermédias”, in C. Fortuna e A. S. Silva (orgs.), Projecto e circunstância. Culturas urbanas em Portugal, Porto, Afrontamento, 2002, 211-253 (em co-autoria com Paula Abreu); “Pequenas artes da arte: considerações sobre espaços e agentes de criação cultural-artística intermédia”, OBS. Publicação Periódica do Observatório das Actividades Culturais, 11, 2002.
hsantos@fep.up.pt

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