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Recensões

The End of the World As We Know It

Teresa Cravo
p. 173-176
Referência(s):

Hinde, Robert; Rotblat, Joseph, War No More. Eliminating Conflict in the Nuclear Age. London: Pluto Press, 2003, 228 p.

Texto integral

We appeal as human beings to human beings: remember your humanity and forget the rest. If you can do so, the way lies open to a new paradise. If you cannot, there lies before you the risk of universal death.
Manifesto Russell-Einstein
(Conferências de Pugwash, 9 Julho 1955)

1Estar à beira do abismo nuclear durante quarenta anos sem nele cair trouxe uma falsa tranquilidade à comunidade internacional que se tem revelado contraproducente para lidar com a nova era nuclear do pós-Guerra Fria.

2Para os autores de War No More, os riscos de acumulação e emprego de armas nucleares que representaram, desde 1945, uma ameaça contínua à estabilidade mundial e à própria sobrevivência da humanidade não desapareceram. Pelo contrário, mantêm-se mais acutilantes do que é generalizadamente presumido, ainda que a iminência de um holocausto nuclear esteja, por enquanto, fora de cogitação. Tendo em conta o novo cenário de insegurança que se afigura no início do século XXI, é vital que o alerta que pautou a Guerra Fria relativamente ao perigo deste tipo de armamento regresse à ribalta da opinião pública internacional. É, de certa forma, esse o intuito mais imediato deste livro, que se pretende acessível não só a académicos e decisores políticos mas, muito particularmente, ao cidadão comum.

3Robert Hinde e Joseph Rotblat vão, todavia, mais além. Numa altura em que as perspectivas de paz parecem menos prometedoras do que há uma década atrás, apresentam-nos uma proposta ousada, desde logo evidente no título, bastante peremptório. Considerando a magnitude dos perigos que põem em causa a segurança mundial, argumenta‑se no livro que só o caminho no sentido da eliminação das armas de destruição maciça e, necessariamente, do próprio fenómeno da guerra pode devolver à espécie humana a certeza da sua continuidade. Os dois objectivos – o primeiro sendo um passo para o segundo – estão intimamente ligados e têm pautado, de forma inabalável, as vidas de ambos os autores.

4O ex-físico nuclear Joseph Rotblat, polaco, naturalizado britânico em 1946, esteve envolvido no Projecto Manhattan que desenvolveu a primeira bomba atómica durante a Segunda Guerra Mundial e passou o resto da sua vida em campanha contra aquilo que ajudou a criar. Acreditando que só a ameaça de perder a guerra contra a Alemanha poderia justificar a criação de uma arma com semelhante poder destrutivo, retirou-se do projecto – o único cientista a fazê-lo –, antes mesmo de ela ter sido construída, assim que teve a certeza da inverosimilhança de perigo análogo em mãos nazis.

5Uma volumosa obra sobre a questão do nuclear testemunha a sua batalha de 60 anos – uma batalha que lhe valeu alguma impopularidade junto de instâncias oficiais, ao desistir do esforço de guerra aliado ainda durante o conflito mundial e ao bater‑se contra a corrida armamentista no pico da Guerra Fria. Viu, finalmente, o seu empenho reconhecido de forma inequívoca ao ser laureado pelo Prémio Nobel da Paz em 1995 em conjunto com as Conferências de Pugwash – organização que fundou juntamente com Albert Einstein e Bertrand Russell, entre outros, em 1955, e que reúne cientistas, académicos e figuras públicas de todo o mundo preocupados com a eliminação do armamento nuclear e a resolução pacífica de conflitos.

6Com noventa e quatro anos de idade, Joseph Rotblat é uma personagem histórica de peso (como tive oportunidade de testemunhar numa palestra, há uns anos atrás), o que lhe dá uma autoridade para escrever este livro que pouca gente teria.

7Companheiro de campanhas e co-autor desta obra, Robert Hinde, é um biólogo e psicólogo consagrado, cuja inclinação pelo estudo do fenómeno da guerra também deriva da sua experiência pessoal enquanto piloto da RAF (Royal Air Force) durante a Segunda Guerra Mundial. Igualmente envolvido nas Conferências de Pugwash, como presidente do British Pugwash Group, e actualmente professor jubilado da Universidade de Cambridge, Robert Hinde é um autor extremamente conceituado que tem inúmeros livros e artigos escritos sobre as causas da violência institucionalizada. Rejeitando a noção de que a guerra é uma actividade intrínseca à natureza humana, o autor tem procurado explicar extensivamente os factores psico-sociais que levam aos conflitos armados e tem explorado o modo como as relações humanas podem desenvolver‑se de forma pacífica.

8Fica claro que ambos os autores combinam o activismo com uma importante elaboração teórica sobre a real ameaça que os conflitos armados representam – ameaça ainda mais premente numa era nuclear. O seu interesse por este tema é, sem dúvida, fruto das suas vidas pessoais. É indispensável termos em conta esta evidência para podermos compreender por inteiro e apreciar verdadeiramente o intuito deste livro.

9Assim, lançado no início do século XXI, War No More representa o produto final de décadas de reflexão sobre a temática da guerra e da paz e apresenta-se como a ocasião certa para se tentar prevenir os conflitos armados do novo milénio, como refere Robert McNamara, ex-Secretário da Defesa norte-americano, no prefácio. Partindo da premissa de que, em face da presença de armas de destruição maciça, as consequências das guerras serão inevitável e exponencialmente mais devastadoras do que no passado – e tendo em consideração que todas as guerras carregam consigo o potencial da escalada –, a eliminação total da ameaça de confrontação militar surge como uma necessidade vital.

10Um dos contributos mais importantes desta obra é, precisamente, o facto de tratar a guerra como um fenómeno passível de ser extirpado de forma definitiva. Ao longo do livro, os autores não se perdem em descrições demoradas das consequências das guerras – não mais do que o necessário para alertar os leitores para os perigos de um conflito nuclear em larga escala. Recusam a inevitabilidade da guerra como inerente à natureza humana, apresentando, por sua vez, uma interpretação deste fenómeno como uma instituição que é alimentada quotidianamente por diversos factores sociais, culturais, científicos e militares e que depende da interacção de múltiplas causas para ser desencadeada. A existência e proliferação de armamento convencional e de destruição maciça, o sistema político e o papel do líder, a etnicidade e a religião, a disputa de territórios e recursos ou a globalização podem ser importantes fontes de instabilidade e potenciais conflitos para os quais o livro nos chama a atenção. A verdadeira preocupação dos autores é, então, explorar estas causas mais profundas das guerras e apresentar propostas de caminhos a seguir, com o manifesto intuito de as reduzir e, em última análise, de as eliminar.

11Robert Hinde e Joseph Rotblat produzem, assim, um livro que tem a coragem de nos propor “o fim do mundo tal como o conhecemos”. “What has always been does not have to remain the case” (p. 1). É-nos, no entanto, bastante difícil aceitar os ecos de idealismo que este livro encerra, em especial numa altura em que o argumento realista parece mais certeiro. Não se nos afigura plenamente credível esta visão quase romântica das relações internacionais, em que prevalece o primado do direito internacional, em que a proibição da guerra enquanto forma de resolução de disputas é cumprida, em que a Organização das Nações Unidas surge finalmente com poder para cumprir o seu papel de entidade reguladora do sistema internacional ou em que a ideia de bem comum se reflecte nas políticas externas dos Estados. Por mais que partilhemos das posições dos autores, a ideia de um mundo sem guerras assemelha-se sempre a uma utopia longínqua. É difícil controlar o nosso automático cepticismo. Mas nem por isso o livro nos decepciona, muito pelo contrário. A argumentação é consistente e bem elaborada. Os autores exploram, de forma séria e exaustiva, os pequenos passos fundamentais para assegurar a paz e a segurança internacionais, quebrando ao longo da leitura a nossa inicial relutância. Ainda que resistamos a acreditar na concretização destes dois objectivos finais, as pistas de intervenção fornecidas pelos autores são extraordinariamente importantes para guiar uma comunidade internacional algo perdida entre a evidência de um mundo unipolar e a política agressiva de George W. Bush.

12Trata-se, indubitavelmente, de um livro para acordar consciências. É o próprio móbil de uma vida inteira que Hinde e Rotblat se incumbem de passar ao leitor. Calculo que as esperanças de ambos os autores poderem assistir à concretização do seu objectivo de longo prazo já tenham desaparecido. E, perante a actual conjuntura internacional, leia-se administração Bush – relativamente à qual ambos são particularmente críticos ao longo de toda a obra –, arriscaria dizer que as esperanças relativamente ao objectivo de curto prazo de eliminação das armas de destruição maciça num futuro próximo também tenham ido pelo mesmo caminho. Mas é precisamente por se estar perante este cenário que os autores consideram importante reavivar a noção de que o conflito armado não é uma inevitabilidade nas relações internacionais. Alguns sinais positivos, ainda que episódicos, têm reforçado esta ideia. Mesmo numa altura aparentemente menos favorável à discussão deste tema, as manifestações contra a guerra no Iraque revelaram-se não só contra esta guerra em particular mas contra o fenómeno da guerra em si, abrangendo milhões de pessoas e desvendando uma consciencialização relativamente às alternativas ao imediato uso de meios militares para a resolução de um conflito. Para além disso, como disse Rotblat numa entrevista há pouco tempo, “se conseguirmos evitar um holocausto nuclear na era Bush, existe esperança”.

13Na verdade, esta obra é, do início ao fim, um repto a partilhar deste optimismo, a responder, de forma empenhada e militante ao apelo de prosseguir um sonho porventura dissonante da realidade actual mas que, segundo os autores, é exequível.

14Para quem acha que depender meramente da lógica da dissuasão para a inexistência de guerras fica aquém de uma verdadeira ideia de paz, e pretende enveredar por caminhos mais exigentes na busca de um “war-free world”, este livro recomenda-se vivamente.

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Para citar este artigo

Referência do documento impresso

Teresa Cravo, «The End of the World As We Know It»Revista Crítica de Ciências Sociais, 68 | 2004, 173-176.

Referência eletrónica

Teresa Cravo, «The End of the World As We Know It»Revista Crítica de Ciências Sociais [Online], 68 | 2004, publicado a 01 outubro 2012, consultado a 12 fevereiro 2025. URL: http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/rccs/1092; DOI: https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/rccs.1092

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Autor

Teresa Cravo

Docente de Relações Internacionais da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. Licenciada em Relações Internacionais pela mesma faculdade. Pós-graduação em Direitos Humanos e Democratização da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. É mestre pelo Departamento de Estudos sobre a Paz da Universidade de Bradford, Reino Unido, com uma tese intitulada “Post-War Mozambique: A Test-Case for the United Nations Peacebuilding  Model”. Faz parte da equipa de investigação do Núcleo de Estudos para a Paz do Centro de Estudos Sociais.
tcravo@fe.uc.pt

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