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Dossiê: Cidades do Interior, Interior das Cidades

Sobre pássaros, estradas e contradições: questões político-sonoras e territorialidades cambiantes em uma vila amazônica

On birds, roads and contradictions: political-sonorous issues and changing territorialities in an Amazonian village.
Maria Fantinato

Resumos

Alter do Chão, pequeno distrito administrativo de Santarém, PA, apelidado de “Caribe da Amazônia”, recebe anualmente pessoas de diversas áreas do mundo e do Brasil, e está localizado próximo à fronteira agrícola em expansão no planalto santareno e zonas de mineração na região do Tapajós. Este artigo explora a dimensão sonora dessa localização de Alter do Chão articulada a sua vocação turística e, a partir de relatos de escuta de pessoas com diferentes relações de enraizamento na vila, argumenta que a materialidade de suas paisagens é também feita de deslocamentos, apagamentos, e transportes do sonoro. Neste sentido, o artigo busca, a partir de reflexões advindas de trabalho de campo, extrapolar perguntas sobre a dimensão política da escuta frente a estratégias de desenvolvimento que transformam paisagens rural-urbanas e afetam modos de vida na Amazônia hoje. Perguntar-se sobre escuta será sempre perguntar-se sobre terra e território.

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Notas da redacção

Versão original recebida em / Original Version 05/02/2019

Aceitação / Accepted 25/05/2019

Texto integral

Introdução

  • 1 Apesar de não esgotar as referências aqui, indico algumas leituras que abordam a festa do Çairé sob (...)

1Este artigo busca, a partir de reflexões advindas de trabalho de campo em Alter do Chão (PA), extrapolar perguntas sobre a dimensão política da escuta frente a estratégias de desenvolvimento que transformam paisagens rural-urbanas e afetam modos de vida na Amazônia hoje. Alter do Chão, um dos distritos administrativos do município de Santarém (PA) é vila internacionalmente conhecida pelas suas praias de água doce formadas na época de seca do rio Tapajós. Cheguei em Alter do Chão no início de setembro de 2018 com o objetivo de atentar para a intensificação de fluxos sonoros e o embate entre diferentes volumes musicais (amplificados em objetos como caixas de som de diversos tamanhos e potências) durante a festa do Çairé, festa do Divino Espírito Santo que todo ano atrai milhares de turistas para o local1. Durante o tempo que passei na vila, todavia, dei-me conta de que a violência, especulação e interesses diversos que atravessam a região do baixo Tapajós reverberam sonoramente em Alter do Chão num dia-a-dia para além da festa. Diante dessa constatação, a pesquisa sofreu uma reviravolta. Notei que não seria possível falar dos fluxos sonoros que atravessam Alter do Chão limitando-me a constatação de que a vila amplificou sua visibilidade internacional e nacional como “caribe amazônico” nos últimos dez anos. Alter do Chão, é importante notar, também se configura ao estar próxima à fronteira de avanço do agronegócio e zonas de garimpo, e existe uma dimensão brutalmente sonora desse seu posicionamento—dimensão esta que não se desconecta de sua vocação turística. Apesar de contar com um pouco menos de sete mil habitantes, a vila é lugar de passagem de diversas pessoas e interesses, e ali reverberam sonoridades advindas tanto do turismo e sua intensificação na última década, como da expansão da fronteira agrícola da soja nos municípios do planalto santareno nos últimos vinte anos.

2A urbanização na Amazônia deve ser sempre “entendida em associação a outros processos de apropriação da terra e de reconfiguração do território” (Barandier e Moraes 2018:6). Viso neste texto apontar conexões possíveis entre os processos de transformação de Alter do Chão e a formação de camadas sensoriais sonoras reveladas a partir de escutas de diferentes habitantes da vila. Proponho assim, a partir de pequenas vinhetas etnográficas, advindas de trabalho de campo em curso, que questões sobre terra, território, processos de urbanização, exploração e desmatamento na região são também questões inescapavelmente da ordem do sonoro e da escuta. A partir desses exemplos argumento, então, pela fertilidade da escuta como questão para uma antropologia urbana antenada às urgências e preocupações do Brasil contemporâneo – marcado por uma expansão de modos neocoloniais de exploração da Amazônia –, e pela atenção à escuta como estreitamente ligada a ressonâncias concretas de processos de transformação de cidades. Vale frisar que as perguntas e conexões aqui expostas tem um caráter especulativo, e mais do que ser assertivas, visam iluminar a potência que reside em ancorar-se na escuta como eixo mobilizador de histórias de transformação de vilas e cidades no Brasil de hoje.

3 Antes de entrar na discussão do artigo vale, todavia, uma pequena seção de esclarecimentos metodológicos deste trabalho, que o situa como parte de trajetória de pesquisa de maior fôlego iniciada em junho de 2016. Essa seção torna-se necessária para explicar a importância da festa do Çairé para a pesquisa, apesar de não ser propriamente a festa o foco do trabalho.

A festa como estratégia metodológica e a sintonia com o Çairé de Alter do Chão.

  • 2 Trata-se de uma entre as diversas formas que a “brincadeira de boi” assumiu pelo Brasil ao longo do (...)

4 Minha primeira visita a Alter do Chão, em janeiro de 2009, havia sido na condição de turista, e fora também então meu primeiro contato com a Amazônia brasileira e minha primeira viagem ao norte do país. Agora, quase dez anos depois, o que me trazia para a vila eram motivos de outra ordem: um percurso de pesquisa que havia iniciado com visitas preliminares ao Festival Folclórico de Parintins2, a famosa festa do boi-bumbá do Amazonas, em 2016. A partir dessas viagens de pesquisa, realizadas durante os verões do calendário acadêmico norte americano, elaborei um plano de trabalho para o ano que teria propriamente dedicado ao trabalho de campo mais intenso, que se estenderia da segunda metade de 2018 à primeira de 2019. Quando comecei a pesquisa preliminar em 2016 tinha o objetivo amplo e ainda abstrato de entender maneiras de pensar o sonoro popular e dimensões políticas da escuta no Brasil contemporâneo a partir da Amazônia. Visava, assim, aproveitar a facilidade de financiamento de pesquisa proporcionada pelo doutorado no exterior para deslocar o que acreditava ser uma centralidade epistemológica do eixo urbano do Sudeste na narrativa acadêmica do musical-sonoro-popular brasileiro.

5Todavia, como poderia eu, como natural do Rio de Janeiro, chegar ao norte do país com o propósito de fazer uma pesquisa tão dispersa e ampla? Que tipo de perguntas mais específicas faria sentido eu fazer, tendo em vista que jamais poderia acessar a densidade territorializada de questões que pessoas que viviam naquela região poderiam perguntar? Como lidar com as múltiplas distâncias entre minhas escutas e as realidades por onde passava e passaria como parte da pesquisa? Essas perguntas, que permanecem sendo motor de reflexão do trabalho ainda em curso, não serão discutidas neste texto. Viso somente apontar que foi esse tipo de preocupação que me fez elaborar um roteiro inicial de pesquisa para os anos de 2018 e 2019 centralizado em festas populares da região, entre os estados do Amazonas e Pará. As festas, acreditava, como momentos de intensificação de fluxos, embates e encontros sonoros, disparariam a pesquisa para direções ainda imprevistas. O roteiro incluía os seguintes eventos: o Festival de Parintins, a festa da santa padroeira da mesma cidade, o Çairé em Alter do Chão, torneios e pequenas festas em comunidades da Resex Tapajós-Arapiuns, e o Círio de Nazaré em Belém.

6Impactada pela quantidade de caixas de som nos barcos que levavam centenas de passageiros entre Manaus e Parintins no período do festival que havia frequentado por três anos consecutivos, assim como com os paredões de som que coexistiam nas ruas da cidade de Parintins durante o festival – soando músicas e mensagens sonoras muitas vezes contrastantes – cheguei em Alter do Chão com algumas ideias em mente. Minha pesquisa, pensava, versaria sobre a relação entre infraestruturas sonoras e camadas de volumes musicais e não musicais que ocupam espaços públicos e meios de transporte por água na região (Fantinato 2018). Foi com esse tipo de preocupação que cheguei à vila Paraense em setembro de 2018, algumas semanas antes da realização da festa do Çairé. Todavia, ao chegar, dei-me conta do óbvio: não bastaria eu, sozinha, vagar pela vila atentando para os múltiplos sons e o que diferentes pessoas ao redor tinham a dizer sobre eles. Eu precisava encontrar uma maneira de recortar a minha relação de pesquisa com esses relatos. Trata-se, aqui, de uma reflexão póstuma que faço, mas devo afirmar que quem me deu esse recorte foi a relação com as pessoas responsáveis pela realização da parte religiosa do Çairé.

  • 3 A corte do Çairé é composta por um conjunto de personagens que são parte da hierarquia festiva tais (...)

7Darei mais detalhes sobre a história e estrutura da festa do Çairé, que conta com um lado conhecido como sagrado e outro como profano, mais abaixo, quando descrever situações sonoras vividas no campo. Por ora, basta apontar que foi com esse grupo de senhoras, senhores, e alguns jovens, que passei todos os dias do mês de intenso trabalho na vila. Acompanhei as semanas de preparativos da festa assim como os dias após sua realização em que organizadores se reuniram com a secretaria de cultura e a prefeitura para discutir os erros e acertos do ano. Nos dias da festa propriamente dita, passei as manhãs e tardes nos fundos do barracão (onde ficava a cozinha desse espaço, que havia sido construído especialmente para os rituais religiosos), e auxiliava na limpeza da louça das refeições servidas três vezes ao dia – primeiro aos integrantes da corte3, depois à comunidade em geral. Sendo assim, enquanto esta pesquisa não é sobre a festa do Çairé, posto que não investiga aspectos específicos desta, o Çairé configurou parte de sua metodologia. Foi a partir do contato com essas moradoras e moradores nativas da vila, e sobretudo com Osmar Vieira, uma liderança do Çairé, que eu vim a entender questões mais amplas da região. Ao estar em contato com essas pessoas e ao ser, sobretudo, acolhida por elas, passei a notar relações distintas com a vila que surgiam em outras escutas de pessoas não nativas com quem conversava. Há, portanto, nas pequenas vinhetas e relatos que partilho ao longo deste texto, algo que reverbera desse encontro com a parte religiosa do Çairé, algo que deriva dessa sintonia com as escutas do barracão. Foram estas que me abriram para perguntas cruzadas com outros relatos de escuta que tive contato ao transitar na vila. Como afirma Ingold sobre a visão, mas no que afirma valer também para "qualquer outra modalidade sensorial":

qualquer tentativa em separar o discurso acerca da visão de sua prática real de olhar, observar e ver é insustentável. (...) Pois, o que é o discurso, senão uma narrativa entrelaçada de experiência resultante da atividade prática e da percepção? Os significados que ele produz, como mostrei, não são somados no 'topo' da experiência vivida e corporal, mas reside nos modos pelos quais as tramas dessas experiências são tecidas juntas. (2008: 48)

8As narrativas sobre escutas aqui entrelaçadas são, portanto, entendidas como parte da experiência vivida de Alter do Chão. Mais além, mais do que contarem sobre percepções individuais de um lugar, estas narram, no seu encontro umas com as outras, as tensões operantes na fabricação material e sensorial de espaços. Aquilo que chamo de vinhetas nada mais são do que narrativas de algumas situações de campo que evocam questões mais amplas que aos poucos tornaram-se parte da pesquisa: pequenos contatos com perguntas a partir de situações de campo. Começaremos com a história de um Igarapé.

Barracão do Çairé de Alter do Chão durante rito religioso em setembro de 2018.

“Lá no canto onde eu moro tinha um Igarapé”: sobre as forças que mobilizam e deformam o sonoro.

9“Lá no canto onde eu moro tinha um igarapé / Lá no canto onde eu moro tinha um igarapé / Prefeitura concretou e agora quer ter o Çairé”. Assim cantou uma mulher de cerca de 30 anos durante a “desfeiteira,” tradição de colocar versos de improviso em estilo de desafio que já se tornou uma das marcas do encerramento da festa do Çairé (Carvalho 2016). Conversei com uma conhecida na vila que morava com a moça que cantou o verso acima. Ela me explicou: “Estamos indignadas. De um dia para o outro a prefeitura concretou um igarapé que passava do lado da nossa casa aqui em Alter. Antes, quando eu estava chegando em casa, podia escutar o barulho do rio de longe... agora já não o escuto mais.”

  • 4 De acordo com fala registrada de Carlos Alberto Santos, então Presidente do Conselho Comunitário de (...)

10Hoje em dia Alter do Chão é uma vila em obras (figura 2). Além da rede de pousadas, hotéis e redários que se expandiu radicalmente nos últimos dez anos, há também novas casas em processo de construção4. E enquanto a vila cresce, ainda carecendo de infraestrutura de saneamento que acompanhe este crescimento, os menos abastados moradores antigos e nativos da região são afastados da proximidade da água e empurrados do centro para a periferia. Ao caminhar por ruas do centro, mas também de áreas mais afastadas, com frequência esbarrava em terrenos com propriedades novas em obras, e acostumei-me com os sons de furadeiras, martelos, serras, e motos transportando estruturas de metal que rompiam com as zonas de calmaria e silêncio da vila. Mais além, as casas com muros e arame farpado – em maior número do que recordava ter visto em minha visita turística à vila dez anos antes – não me passavam a sensação de tranquilidade que imaginava que aquele lugar poderia trazer.

Rua com terreno em obras em setembro de 2018

11Após alguns dias eu descobri que não era a única a estranhar as obras ao redor. Os sons de martelos, serras e britadeiras incomodavam um rapaz de classe média, vindo de uma cidade grande de outro estado da região Norte, que conheci. Ele havia se mudado para Alter do Chão havia dois anos, e atualmente era sócio de um pequeno restaurante. O rapaz, com um pouco menos de trinta anos, me dizia que agora já não sentia a mesma tranquilidade de antes. Se as coisas continuassem assim, em breve ele se mudaria dali – afirmou. Além das obras, lhe incomodava o som das vans passando de madrugada na rua asfaltada em frente à sua casa, levando turistas em direção a um famoso hotel por perto. Como os voos de outras partes do Brasil para Santarém, onde está o aeroporto mais próximo, costumam chegar às três da manhã, era inevitável que a locomoção de turistas se desse ainda na madrugada, e o som desses veículos atrapalhava seu sono. “Não dou mais que quatro ou cinco anos para Alter do Chão já ‘não dar mais’ – ele me disse”. Ele afirmou que sairia dali se não encontrasse mais a tranquilidade que o trouxe para a vila anos atrás. Ao escutá-lo, lembrei-me que, assim como ele, uma jovem de cerca de vinte e poucos anos vinda de uma capital do Sudeste do Brasil havia me dito dias antes que se as coisas em Alter do Chão “continuassem do jeito que estavam” em breve ela, que já morava na vila fazia alguns anos, se mudaria dali.

12O que precisamente seria isso que Alter do Chão está se tornando? Sem dúvida não há uma simples e direta resposta para esta pergunta, todavia, vale apontar que existe atualmente um intenso debate entre diferentes atores da comunidade sobre a questão do “desenvolvimento” urbano da vila. Ouvi duas histórias recorrentes sobre acontecimentos dos últimos dois anos, contadas por moradores diversos – nativos e recém-mudados. Uma das histórias dizia respeito a uma onda de assaltos que havia assolado alguns bairros em meados de 2018, com foco num bairro de casas grandes de classe média, conduzidos por jovens que a polícia agora já havia prendido. O índice sonoro ainda presente desse passado era o som agudo de uma espécie de sirene que escutava vez ou outra soar em área próxima a casas e hotéis à noite. O som, me disse a dona de uma hospedagem mais isolada do centro na qual me hospedei nos primeiros dias de setembro, vinha do carro da segurança privada que fazia ronda à noite, contratada por moradores e donos de hotéis da vila.

  • 5 Para uma história resumida da vila assim como um breve resumo do debate sobre essa PL, ver artigo d (...)
  • 6 Conversa relatada por Patricia Kalil em jornal comunitário O Boto (2017)

13A outra história que escutei dizia respeito a uma recente polêmica em torno do tema da construção imobiliária na vila e um Projeto de Lei, o PL 1621/2017, que tramitou na câmara dos vereadores sem consulta prévia da sociedade. O PL visava flexibilizar a regulamentação do solo urbano, reduzindo a proteção aos mananciais hídricos e liberando empreiteiras para construir prédios na orla do Tapajós e do lago verde.5 O debate em torno da questão imobiliária colocava em jogo, entre outras coisas, a vocação da vila para um turismo “amazônico”. É isto que revela a pergunta que Seu Ladilson Amaral, do Projeto de Assentamento Agroextrativista Eixo Forte, fez em conversa com um Promotor Público Federal, quando ele e lideranças de Alter questionavam a lei: “Que turista de São Paulo ou Rio de Janeiro quer vir para a Amazônia para ver prédio?”6

Prédio recentemente construído na vila e alvo de polêmica sobre sua ilegalidade.

14Estava em Alter do Chão em setembro, período de intenso fluxo turístico, pois combina a formação de praias de água doce e a festa do Çairé. A vocação turística da vila na sua alta temporada mobiliza fluxos diários de pessoas vindo não somente do Sudeste, mas de Santarém, município de cerca de 300.000 habitantes e terceiro mais populoso do estado, do qual Alter do Chão é um dos distritos administrativos. Essas pessoas vinham em busca não somente de lazer, mas também de trabalho. Além dos turistas nacionais e estrangeiros que se hospedavam em hotéis, redários ou casas alugadas para passar alguns dias, havia também uma entrada e saída diária de visitantes e trabalhadores vindo de Santarém. Na ilha do amor, praia mais famosa da vila, vendedores ambulantes de picolés e petiscos andavam para lá e para cá oferecendo seus produtos por entre caixinhas de som de pessoas que desfrutavam a praia. No fim da tarde, esses vendedores pegavam o ônibus de volta para Santarém, que fica a 38 km da vila. Dos visitantes na praia, muitos passavam somente o dia e depois voltavam com carro próprio ou de ônibus para Santarém. A vila, portanto, apesar de pequena, mobilizava nessa alta temporada um fluxo intenso de visitantes e trabalhadores não-moradores. E vale também apontar que entre os sons do trabalho também ressoavam sons de lazer. Era comum operários trabalhando em obras ouvirem músicas a seu gosto enquanto trabalhavam. Em uma das obras em curso em uma casa chique próxima à orla da vila, por exemplo, notei que soavam diariamente não somente furadeiras, motosserras e martelos, mas também as músicas flashback amplificadas pelas caixas de som de médio porte dos trabalhadores da obra.

15Como pude aprender durante minha estadia observando placas de carros e também confirmei por depoimentos de alguns habitantes locais, as casas mais chiques (como essa que estava sendo reformada acima), normalmente eram usadas por moradores de fim de semana. Estes vinham de Santarém, do Mato Grosso, ou eram grupos de lugares diversos do país que alugam locais para temporadas. Destas casas, quando habitadas, era comum soar um repertório variado de músicas nos fins de semana e feriados, com preponderância dos hits sertanejos, mas, sobretudo, independente do gênero musical, músicas marcadas pelos altos volumes que com frequência incomodavam vizinhos que habitam a vila durante a semana toda.

16Em texto intitulado “Monsanto Sounds”, de 2014, o etnomusicólogo Alan Oliveira faz sábias ponderações sobre a relação entre o crescimento da música sertaneja como centro aglomerador de hibridismos musicais no Brasil recente e processos sociais e econômicos das últimas décadas. O autor analisa a canção “Ai se eu te pego”, na versão de Michel Teló, e sugere que a musicalidade desta “denota a paisagem sonora hegemônica em todo o Centro-Sul brasileira, com extensões para o Nordeste e a região Norte,” paisagem esta que “aparece como o fundo musical da expansão do agronegócio no Brasil, centrado, sobretudo, no cultivo de soja” (Oliveira 2014:8). As sonoridades não são um simples espelho do social, mas, voltando ao exemplo do igarapé que virou concreto com o qual iniciei esta seção, há uma relação entre a rua que é expandida e concreta um rio, o fluxo de pessoas que chegam na vila, e as dinâmicas sonoras de sua ocupação viabilizada pela expansão de ruas e estradas na região.

  • 7 Em 2018 a Universidade Federal do Oeste do Pará realizou um evento intitulado “Novas Fronteiras do (...)
  • 8 https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,estado-percorre-a-br-163-a-rodovia-da-soja,700022054 (...)

17Ha décadas, a agricultura mecanizada da soja vem avançando na Amazônia. O avanço se iniciou pela região do norte do Mato Grosso (parte da Amazônia legal), e chegou à região do Baixo Amazonas – do qual Santarém é uma das microrregiões – no final dos anos 1990. Mais precisamente, em “1997 começaram a chegar sojicultores à região (...) que migraram do Sul do país e do estado do Mato Grosso em busca de terras mais baratas” (Gaytoso da Costa 2011:74). A “disponibilidade” de terras e a formulação de políticas públicas para a abertura de áreas, a implantação do porto da Cargill em Santarém em 2003, e a promessa de asfaltamento da BR-163 colaboraram para tal avanço, com o resultado perverso da “desterritorialização de agricultores familiares e de povos e comunidades tradicionais.”(ibid:83) Nas últimas décadas, Santarém destacou-se como polo produtor e escoador da soja para fora do pais7: a BR-163, a chamada Cuiabá-Santarém, é hoje uma das principais vias de escoamento da soja do Mato Grosso para os portos da região Norte8. E tanto a BR-163 quanto a Rodovia Transamazônica, “alteraram os processos de povoamento e de formação de aglomerados humanos da região” (Castro 2008:31). Em Santarém chegaram os chamados “‘sulistas” ou “gaúchos”, como foram chamados aqueles atraídos pela soja e com “poder aquisitivo elevado e um padrão de vida bem acima da capacidade econômica da maioria da população.” (Matos Pereira 2008:335).

18A mudança do perfil populacional de Santarém e a expansão da monocultura mecanizada na região do planalto santareno impactam os fluxos de trabalho e lazer que ocupam e passam por Alter do Chão. Escutei músicas sertanejas do novo estilo “sofrência” na praça central da vila, vindo de carros de visitantes tomando cerveja e socializando. Ouvi músicas similares vindo do carro estacionado de um morador local que lavava o veículo. Também ouvi alguns moradores da vila reclamarem do som alto, apelidado de modo pejorativo como “sertanojo”, que algum vizinho com casa de fim de semana colocava para tocar. Uma mulher de cerca de trinta anos e um homem de cerca de quarenta, ambos ex-moradores de Santarém, me contaram também sobre como, aos poucos, esta cidade da qual Alter do Chão é distrito administrativo havia sido dominada por esse gênero musical que não apreciavam e que, com tom de desdém, faziam associação direta aos “sojeiros”.

19Não pretendo propor uma relação direta e espelhada entre a soja na região de Santarém e o sertanejo que ressoava em Alter do Chão. Sons, tais quais cidades, transformam-se em função da articulação de diversas forças. O que é possível afirmar, todavia, é que as forças econômicas impactam a formação de sonoridades pelos fluxos populacionais que promovem e pelas sonoridades que viajam com esses fluxos. Até onde as sonoridades chegam e como chegam, depende, entre outras coisas, da infraestrutura de comunicação que se constrói: estradas, ruas, fios, hidrovias, eletricidade, etc. E, nesse sentido, temos que levar em conta que a construção dessas infraestruturas não somente transporta sons musicais, mas também transforma os espaços, lugares, seus sons e musicalidades. A materialidade das cidades e de suas paisagens é também feita dos deslocamentos, apagamentos, e transportes do sonoro.

20Como afirma Oliveira no mesmo artigo já citado, não é novidade notar que o terreno da música popular é marcado por trânsitos e trocas intensas, tal qual ocorre na confluência de interiores que molda a estética do sertanejo que prepondera no Brasil, “caracterizado por uma confluência de tradições musicais sertanejas, gauchescas e nordestinas” (Oliveira 2014: 8). Todavia, como o exemplo com o qual iniciei esta seção demonstra, trânsitos sonoros não se dão somente pela via dos contatos entre diferentes musicalidades regionais, tampouco pela disputa de volumes que pode articular histórias de trabalho, mas também por como a chegada de máquinas, carros, estradas, e os interesses de construtoras e do mercado imobiliário soterram, deslocam, extraem e deformam os espaços produzindo novos ruídos e até mesmo apagando sons do lugar.

21Em Alter do Chão as transformações e fluxos sonoros são também consequência de estratégias de urbanização e ocupação de uma vila que se ‘desenvolve’ como um lugar turístico e de casas de fim de semana, sendo ao mesmo tempo um local “cuja história remonta à tempos anteriores a colonização”, que já foi alvo de missões religiosas, é até hoje habitado por indígenas Borari (Oliveira Silva 2018) e é cercado de zonas de conflito e violência ambiental. Ao que tudo indica, em nome do ‘desenvolvimento’ de Alter do Chão, uma rua foi ampliada soterrando um igarapé. Por mais que ainda não saibamos mais sobre os impactos que essa massa de concreto gerou no rio em si, sabemos que este soterramento apagou a possibilidade das moradoras de uma casa próxima ao igarapé o escutarem. Como podemos entender as transformações de cidades Amazônicas diante dessas reorganizações, sempre em dada medida violentas, dos dados sonoros dos lugares?

  • 9 Tradução da autora do trecho original em inglês: “the forms people build, whether in the imaginatio (...)
  • 10 Para conhecer mais sobre o circuito de malabaristas em Alter do Chão e Santarém, ler artigo de Oliv (...)

22A mobilização, deformação, e apagamento do sonoro não pode ser pensada de modo isolado de escutas, pois se há uma vila que se transforma, isso não pode ser entendido somente em uma direção. Como o antropólogo inglês Tim Ingold afirma a partir do que nomeia “perspectiva do habitar,” “as formas que as pessoas constroem, seja na imaginação ou no solo, não são dados a priori, mas emergem na corrente de suas atividades cotidianas” (Ingold 2000:154)9. Modos de escutar estão entrelaçados a modos de morar, passar ou deixar um lugar, e todos esses têm implicações materiais bem concretas. Nesta vila por onde passam, ficam, e se enraízam pessoas com perfis sociais e histórias de relação com o próprio território que são tão distintas (povos indígenas, comunitários nativos, turistas brasileiros e estrangeiros, brasileiros de classe média de diversas regiões do Brasil buscando um ritmo de vida mais calmo, ativistas, indigenistas, professores universitários, artistas de rua10, os chamados “hippies”, entre outros) há também que se levar em conta que uma multiplicidade de maneiras de escutar coexistem e se chocam, e essas diferentes escutas também contam sobre os processos de transformação da vila.

23“Você sabe de onde vem isso de tocar som alto em bar?” – me perguntou o Mato Grossense dono da pousada onde estava hospedada durante minha última semana em Alter do Chão, perto do centro da vila. “No garimpo os bares tocavam música alta pra um não escutar a conversa do outro sobre onde estava a mina.” – ele me disse. Perguntei-lhe onde aprendeu isso, e ele disse que foi uma história que escutou de garimpeiros no Mato Grosso. Este homem de cerca de cinquenta anos apontou assim para uma possível estreita relação entre culturas sonoras de lazer imerso em estratégias de trabalho em zonas de garimpo e a estética sonora dos altos volumes que escutávamos por ali por Alter do Chão – já aparentemente distantes da necessidade de alguém esconder uma informação secreta sobre o garimpo.

24A escuta do dono da pousada não nos serve para traçar uma história linear e pronta da estética de altos volumes, assim como a perda dos sons de um rio não foi uma perda para a prefeitura da cidade que concretou a rua sem pudor, mas para pessoas especificas que moravam perto do igarapé. Como dimensionar o sentido da perda sonora do som de um rio? Como levar a sério isso que contou o dono da pousada como uma história das sonoridades e suas territorializações por via de volumes altos sem fazer de sua afirmação nem um argumento sobre a subjetividade de uma escuta isolada nem uma afirmação certa e direta sobre um mundo que se transforma de acordo com uma única genealogia? Se não temos uma única história a contar por essas escutas, vale, todavia, considerá-las como histórias de conhecimento, como sugeriria Steven Feld (2015), ao mesmo tempo que também como parte da produção de paisagens sonoras e materiais do Brasil de hoje – pois trata-se de conhecimentos vivos que reverberam nas escutas de pessoas vivendo neste lugar. Os sentidos produzem lugares, e os lugares produzem sentido, deste modo, não existe uma “paisagem” separada da agência e da percepção: a formação de ambos está sempre em relação (Feld 1996; 2015). A questão dos lugares, portanto, não será jamais uma questão do sonoro absoluto, deslocado de escutas. Territórios soam, ressoam e reverberam em múltiplas escutas no processo de serem feitos, desfeitos, transformados e disputados. Trago abaixo uma vinheta etnográfica para elaborar mais sobre este ponto.

Fluxos, raízes e escutas.

  • 11 A procuradeira e o procurador são “responsáveis pela ornamentação da festa e ajudam na construção d (...)

Esta noite passei na casa de Dona Benvinda, procuradeira11 do Çairé, para me despedir dela e sua filha Maria, que estava visitando a mãe, vindo de Manaus, agora no período da festa. Maria e eu conversamos informalmente sobre a vila e seu passado, e sobre a casa em que estávamos, local onde ela nasceu e cresceu. Uma mulher perto dos 60 anos, Maria me contou que décadas atrás, na época de sua infância, “a vila acabava aqui na rua da nossa casa, onde estamos agora. O resto, daqui para trás, era mato.” Ela também me contou que hoje em Alter do Chão escuta muito passarinho aqui na casa de sua mãe. “Acho que é por causa do desmatamento que eles vem para cá.”, disse. Antes, quando aqui era o limite da vila, tinha passarinho perto, mas depois a vila foi crescendo e eles se afastaram. Agora parece que eles estão vindo de novo, mas por um novo motivo: desmataram outras áreas ao redor. Impressionada com seu comentário, eu disse para Maria que a minha experiência de chegar aqui e escutar pássaros foi bem diferente da dela. Vinda do Rio de Janeiro, eu senti-me próxima da natureza ao notar o som de pássaros ao meu redor: “que bonito ouvir esses pássaros ao longo do dia”, pensei. (Caderno de campo, Set 18)

  • 12 Bioindicador é “qualquer ser vivo que possa indicar as melhores ou piores condições do meio em que (...)

25A escuta, afirma David Novak, é uma relação histórica de trocas (2008). E modos de escutar carregam consigo histórias de relação com os lugares pelos quais as entidades produtoras de som passam. Enquanto há, na escuta de Maria, uma percepção clara de deslocamento dos pássaros pela região de Alter do Chão, na minha preponderava uma visão idealizada destas mesmas sonoridades, justificada pelo meu deslocamento — vindo de uma cidade grande onde moldei grande parte de minhas escutas. Pássaros são conhecidos bioindicadores12. Será isso que a vinheta acima nos conta? Argumentaria que há aqui mais do que isso, ou talvez algo que seja não somente da ordem disso que biólogos certamente teriam muito mais propriedade para versar sobre.

26Fluxos sonoros mobilizam histórias de escuta e assim também de conhecimento. Baseado em sua pesquisa com os Bosavi, em Papua Nova Guine, Steven Feld, cunhou o termo “acustemologia,” que combina o termos acústica e epistemologia, para enfatizar como o “soar” é simultaneamente social e material. Escutas são sempre moldadas por histórias de escuta que são relacionais, contingentes, e centrais como modos de dar sentido a experiências de mundo. (1996; 2005) Neste sentido, as diferenças entre o que o canto dos passarinhos pode indicar para diferentes ouvintes não são meramente diferenças de opinião, tampouco diferenças entre opiniões de “igual validade”. Essas escutas distintas são moldadas por histórias de chegada neste lugar, e relações distintas com este lugar e seus pássaros. Trata-se de escutas que sabem de coisas diferentes.

27Como Oliveira Silva aponta em sua etnografia com malabaristas itinerantes que escolheram Alter do Chão como lugar para “morar”, a escolha dessa localidade para moradia por esses artistas foi marcada tanto pela proximidade de Santarém – centro urbano de médio porte e portanto mais oportunidades de trabalho—quanto pelo fato de Alter do Chão ser percebido como lugar “com mais natureza,” ecoando “imagens projetadas em torno da Amazônia” (2018:6). Não por acaso, entre os depoimentos que a pesquisadora ressalta para falar sobre a construção de tais imagens está em destaque uma fala que afirma a busca por “um lugar mais tranquilo, onde escutasse os passarinhos cantando pela manhã” (apud Oliveira Silva 2018:5). Tal visão (e escuta) idílica da Amazônia, precisa a pesquisadora, “adquire sentido quando visto sob o prisma da cidade babilônica” vividas por esses mesmos malabaristas ao buscarem sustento em sinais e praças de grandes cidades, caracterizada entre outros aspectos, pela correria e indiferença dos passantes. (ibid 2018:8).

28A acustemologia leva em conta “a presença e consciência sonora como forças potentes que moldam como as pessoas criam sentido nas experiências" (Feld 1996:97) Com o som dos pássaros, de modo similar às/os malabaristas citadas por Oliveira Silva, eu sabia de uma sonoridade pacífica da natureza de Alter do chão, enquanto Maria sabia do desmatamento na região. De fato, como já afirmado em seção anterior, não existe uma “paisagem” separada da agência e da percepção (Feld 1996; 2015). Todavia, se não há paisagem fora da percepção, existem ainda assim materialidades sonoras bem concretas que estão sendo extintas, soterradas e drasticamente reorganizadas na vila de Alter do Chão, e sobretudo na região do planalto santareno em sua proximidade, promovidas pelos modelos de “desenvolvimento” operantes na Amazônia—que com frequência servem mais ao capital externo do que aos interesses de populações locais. Neste sentido, há contraste entre diferentes escutas, há diferentes histórias que elas contam, mas há também a necessidade brutal de se reconhecer algo concreto e comum que as atravessa. Se não cabe falar dessa paisagem sonora que muda como algo isolado da escuta dos entes – humanos e não humanos – que habitam ou passam por espaços onde os sons soam, vale ainda assim perguntar que tipo de escutas-mundo coexistem, se chocam, dão sentido sonoro e refletem sobre o movimento rumo ao chamado “desenvolvimento” em Alter do Chão e seus arredores. Cabe perguntar sobre o impacto desses múltiplos fazeres moldados por escutas, e sobre como Alter do Chão se transforma assim, diante de escutas de corpos que estão em diferente relação de movimento ou estabilidade em relação ao lugar, o que ele é e o que se torna – e isto, não podemos esquecer, em uma região do Brasil brutalmente marcada pelo desmatamento como motor transformador de lugares.

29Anthony Seeger já enfatiza a importância da relação entre som e espaço em seu famoso trabalho originalmente publicado em inglês em 1987, fruto de quinze anos de estudos etnográficos com a comunidade dos índios Kisêdjê, no Mato Grosso. Como o autor argumenta, para os Kisêdjê, cantar era de extrema importância para a criação e recriação dos espaços da aldeia e suas relações. Mais especificamente no terceiro capítulo do livro, Seeger narra os sons e usos sonoros que os Kisêdjê fazem do pátio, das casas ao seu redor, da zona de silêncio que as envelopa, e da floresta. Central para essa perspectiva etnomusicológica representada pelo trabalho de Seeger é a ênfase na música não como produto, mas como processo—aquilo que ele sintetiza ao falar de sua escolha por fazer não uma “antropologia da música”, mas uma “antropologia musical” (2015). Embora aqui neste artigo também atente para os sons como produtores de mundos, estamos hoje em um momento histórico em que a etnomusicologia já teve que aprender a teorizar sobre músicas, sons, e mundos de modo não isolado de fluxos transnacionais, e brutalmente permeado pelo jogo geopolítico global. Deste modo, se os sons são parte da construção de mundos, trata-se aqui, também, a partir da escuta, de tratar do encontro tenso entre diferentes mundos (ou corpos-mundo) que coexistem e co-fabricam espaços, encontros estes que, longe de pacíficos, hierarquizam modos de vida e marginalizam certos sons, escutas e modos de fabricar frente a outros.

  • 13 Para uma literatura em português revisando os enfoques e transformações da etnomusicologia ao longo (...)

30Conectar escuta a questões relativas à terra e território é estar em consonância com uma preocupação da etnomusicologia como área interessada no estudo interdisciplinar dos fenômenos sonoro-musicais. Como indica Araújo, pensar o sonoro-musical e o social hoje é também atentar para a diversidade de visões de mundo que se opõem ou resistem ao processo de dominação movido por uma ideia unilateral de progresso (2016). A busca desta área acadêmica13 também pode ser entendida como a de articular o sonoro aos problemas contemporâneos, entre os quais se destacam no Brasil “a escalada predatória e criminosa de noções unilineares de progresso” que devastam “a diversidade socioambiental e cultural” (2016: 12). Tal devastação não vem desacompanhada de suas implicações sonoras e sensoriais e, mais além, é fruto da marginalização de certas escutas – sobretudo aquelas ligadas a modos de vida e usos da terra que desafiam o desenvolvimento predatório e o avanço de monoculturas mecanizadas.

Regulações que fabricam “ambientes” ou das ironias do que o desmatamento protege e do que o policiamento impede.

Carlos estava usando uma camisa da campanha contra poluição sonora aqui em Alter do Chão e atrás vi que havia uma grande logo da Cargill. Comentei com ele que era uma grande contradição a Cargill patrocinar uma campanha contra poluição sonora. Ele, de modo enfático, disse, “e bota contradição nisso”. Ele me contou que trabalhou por cinco anos na Cargill em Santarém como segurança, e que o barulho do processo dos grãos caindo de um lugar para o outro era insuportável. Usava um protetor auricular quando ia para perto das máquinas, mas ele não resolvia o problema. (Caderno de campo, set 18)

31Até aqui falamos sobre as deformações, transformações e apagamentos do sonoro, e em seguida da relação entre escuta e fabricação de mundos. A vinheta acima, todavia, adiciona mais uma camada a discussão aqui proposta: a questão da regulação sonora e seu papel na produção e circunscrição de ambientes. Meu comentário a Carlos vinha da constatação de que a trading de grãos norte americana cujo terminal graneleiro havia sido erguido em cima de um sitio arqueológico, concretado nascentes de rio, além de suprimido uma praia que era antes ponto de encontro de Santarém – praia de Vera Paz –, ousava associar-se a um discurso contra um tipo de “poluição”. Carlos, todavia, revelou outro aspecto dessa contradição: que uma empresa produtora de ruídos agressivos no dia-a-dia de seu funcionamento associava-se a uma campanha contra a produção de ruídos em uma zona fora de suas portas.

32Conforme também já afirmado em seção anterior deste texto, a viagem de sonoridades e as dinâmicas de suas amplificações sonoras dependem da infraestrutura de comunicação entre lugares. As dinâmicas de amplificação sonora, todavia, também estão passíveis a regulações por leis e fiscalizações que seletivamente limitam volumes sonoros sob o argumento da poluição. Como apontou Ana Ochoa Gautier (2014), a escuta opera na fabricação de limites entre o dado e o fabricado, o natural e o cultural. A mobilização do discurso ambiental-sonoro está sempre pautada numa lógica de organização do mundo que configura os valores das vidas e entidades que são tidas como partes mais ou menos valorosas de um denominado “ambiente”. A ironia da logo da Cargill na camiseta deste atual morador de Alter do Chão, local onde a empresa patrocinou uma campanha contra a poluição sonora, é um indicio de tal tipo de organização.

33Aqui caberia perguntar por que, por exemplo, os carros com grandes caixas de som que chegam na orla de Alter do Chão, aos quais em grande parte se dirige tal campanha, são percebidos como uma ameaça maior ao ambiente do que os sons emitidos pelo próprio processo de exportação da soja da Cargill em Santarém. A questão aqui vai para além de um debate sobre decibéis. E não se trata de simplesmente argumentar pela legitimação da presença desses carros com sons altos que com frequência de fato podem incomodar e atrapalhar a vida de pessoas de diversos extratos sociais – e não somente uma elite que repudia músicas “periféricas” em alto volume. Trata-se, por exemplo, de notar esse jogo que desloca o problema do ruído e do excesso sonoro (os volumes que incomodam) para fora da esfera do trabalho cotidiano e para o domínio do lazer. A questão aqui é também notar como a distribuição de regulações entre essas diferentes instâncias (sons de lazer, sons de trabalho, etc) organiza movimentos que fazem as cidades (quem pode e não pode chegar, com que objetos e a que custo) e justificam e moldam maneiras de ocupar espaços e de escutar seus sons.

Placa no centro da vila, alertando a proibição de sons altos na APA de Alter do Chão. As leis citadas referem-se a lei federal que institui Unidades de Conservação e lei municipal que cria a respectiva APA.

  • 14 Conforme já esclarecido em nota no início do texto (3), a corte do Çairé é composta por um conjunto (...)
  • 15 “Entende-se por rito religioso – em oposição às apresentações dos botos e dos grupos musicais e fol (...)

34Cito aqui mais um exemplo, que ajuda a elaborar o último ponto acima, e que diz respeito a organização sonora da vila durante a festa do Çairé de 2018. A festa do Divino Espirito Santo “que ocupa lugar de destaque na cena cultural regional” contou nesse ano, segundo levantamento da polícia militar, com a presença de 92 mil pessoas (Carvalho 2016:23). Para além do evento turístico que se tornou hoje—de caráter espetacular com a inserção do Festival competitivo dos Botos em 1997—o Çairé data cerca de trezentos anos, e nasce, segundo o pesquisador Wilson Nogueira “do entrechoque das visões de mundos dos invasores/colonizadores e das cosmovisões dos indígenas amazônicos” (2016:13). Atualmente a festa é organizada em dois espaços centrais: o barracão, voltado para os ritos religiosos, e o Lago dos Botos, uma arena de espetáculo onde se concentra a parte chamada “profana” do evento (Carvalho 2016). Como todo ano, em 2018, a programação oficial da festa contava com manhãs e tardes voltadas para o seu lado circunscrito como sagrado, e à noite o chamado profano. Todas as manhãs dos dias oficiais de festa, às 5:00, estava prevista uma “alvorada”: quando os foliões dos Çairé saem pelas ruas convocando os outros integrantes da corte14 a se juntarem a eles e caminhar em direção ao barracão, onde fica concentrada a programação religiosa da festa ao longo do dia15. Este ano, todavia, apesar de prevista para ser realizada todas as manhãs, a alvorada passou por alguns contratempos. O primeiro deles ocorreu na noite de sexta, dia 21, para sábado, dia 22. O folião responsável por conduzir a alvorada – um rapaz de 27 anos reconhecido pela corte como uma liderança e um dos principais mantenedores da tradição centenária da festa – não conseguiu dormir por conta das músicas incessantes e em altíssimo volume tocadas pelas casas de dois de seus vizinhos – ambos moradores de classe média de Santarém que só visitam a vila em fins de semana e feriados. Consequentemente, o jovem, nativo de Alter do Chão, pai de uma criança pequena e que trabalhara incansavelmente na organização da festa nos últimos dias e semanas, não teve disposição física para coordenar a alvorada das cinco horas da manhã de sábado.

35O segundo contratempo ocorreu no dia de segunda, data de encerramento da festa. Os músicos, desta vez despertos de manhã cedo e seguindo o ritual de andar pelas ruas da cidade cantando e tocando tambores, foram interrompidos pelo policiamento da festa. Policiamento este que este ano, após reclamações de aumento da violência na vila, veio em peso, como forma da prefeitura demonstrar à comunidade e aos turistas seu esforço de atuação. Ou seja: o mesmo policiamento que não impediu o vizinho da liderança do Çairé de tocar músicas altíssimas durante a madrugada dois dias depois interrompeu a alvorada, alegando que eles faziam barulho em hora inapropriada. Vale notar que, ao contrário da música eletrônica em alto volume dos moradores de fim de semana da vila, a alvorada constava na programação oficial do evento. Há uma série de injustas contradições nestes exemplos que acabo de citar. Para muito além de resolvê-las, apenas friso que elas revelam como há um jogo entre forças de transformação e deformação do sonoro, entre modos de escutar e modos de regular o meio ambiente, e entre diferentes lógicas de delimitação dos incômodos e regulações que fazem e refazem Alter do Chão como vila turística e como lugar para morar. Há, no exemplo acima, uma questão sobre a distribuição desigual da validade de diferentes histórias de habitação da vila e, nos termos de Ingold, das diferentes “perspectivas do habitar” (2000).

  • 16 Como aqui trato de um coletivo mais amplo opto pelo uso da linguagem não binária como forma de abar (...)

36Aqui vale voltar a um exemplo citado na primeira seção deste artigo, à guisa de comparação. Enquanto os dois jovens de classe média advindo de capitais de outros estados e moradores recentes da vila diziam que se Alter do Chão continuasse indo na direção que estava indo eles iriam em breve embora dali, a liderança jovem do Çairé jamais afirmou algo similar diante do incomodo sonoro que o acossava não somente no período da festa, mas nos fins de semana ao longo do ano. Na verdade, a solução que este rapaz de 27 anos e nativo da vila deu para o fato de ter sido impedido de dormir (e logo de tocar) na manhã de sábado foi aproximar-se do barracão ao meio dia e, para descontrair (ou “fazer bagunça”, como me disse), tocar a música da alvorada para as senhoras que ali ficavam trabalhando e já era antigas integrantes da corte e participantes da festa. Ou seja, apesar de incomodado com o som de música eletrônica em altíssimo volume de seu vizinho que vem aos fins de semana para Alter do Chão, e apesar deste ter impedido ele e sua família de dormir, a resposta que o rapaz deu ao incômodo em momento algum passou por algo que o projetaria para fora da vila. Na verdade, sendo um dos principais transmissores da tradição do Çairé – remetendo ao que aprendeu com sua avó, uma das responsáveis por retomar a tradição da festa nos anos 70 – o rapaz é presença fundamental em Alter do Chão, pois esta festa de trezentos anos de idade é também um modo de enraizamento profundo dxs comunitárixs em território inserido em zona de disputa e conflitos na Amazônia16.

37As escutas, portanto, moldam movimentos, contam de transformações, mas não sem uma distribuição bastante desigual das fugas possíveis de seus incômodos. Entre o som árido de carros passando no asfalto, as obras matinais e diurnas em Alter do Chão acompanhadas de flash back, o sertanejo e eletrônico em alto volume das casas de luxo, e uma alvorada no inesperado meio dia, se transforma uma vila, se urbaniza um território, se desloca habitantes locais da orla, se fabricam estratégias de enraizamento, e Alter do Chão—como terra, como história de violências, como casa, como paraíso, como conflito e como lugar de passagem—ressoa.

Considerações Finais

38Confirme afirmam Barandier e Moraes citando a geógrafa Bertha Becker,

O espaço do conflito e da disputa pela terra contrapõe dois principais vetores de transformação na paisagem amazônica: o vetor tecnoindustrial, que reúne projetos de atores interessados na mobilização dos recursos naturais (sobretudo minérios e madeira) e de negócios, e o vetor tecnoecológico, que envolve projetos preservacionistas e conservacionistas que visam preservar o mundo natural como estoque de vida (2018:5).

39Talvez nós possamos traduzir essas forças em tensão apontadas acima em um argumento da ordem do sonoro: a escuta é essa fricção entre a dimensão inescapavelmente real do desmatamento que transforma ambientes em nome do desenvolvimento e acumulação de riquezas, os esforços de conservação, e os corpos que habitam essa transformação. A especificidade e potência da escuta como centro organizador de estudos está no fato de que esta – inseparável do soar e também dos outros sentidos – é fator crucial de organização de mundos. Tratando-se de escutas, tratar-se-á sempre de escutas de corpos que estão em diferente relação de movimento ou estabilidade em relação aos fluxos híbridos de violência que formam o soundscape contemporâneo do Brasil. O que, afinal, seria “escutar” o presente e essas transformações com múltiplas camadas de violência histórica a partir de cidades e vilas de variados portes na Amazônia?

40Como busquei apontar nas seções anteriores, isso que se soterra, afasta e reorganiza pelas logicas de desenvolvimento não são somente sonoridades, mas corpos sonoros materiais, tais quais rios, pássaros e caixas de som. Volto a citar Ochoa Gautier que ressalta a dimensão ontológica da escuta ao atentar para como, no século XIX, a escuta de diferentes sons considerados “vozes” moldou ideias de natureza e cultura articuladas a ideias de pessoa e alteridade — ideias centrais para a definição do popular na América Latina (2014). Talvez pensando a partir da Amazônia brasileira, e mais especificamente as histórias de monocultura, turismo, especulação e disputa territorial que acontecem na região de Santarém e seu cartão de visitas Alter do Chão, encontremos algumas pistas para pensar o conflituoso e nebuloso presente sonoro no país de modo mais amplo. Talvez isso nos ajude a acessar alguns dos dados sensoriais (Ahmed 2006) que configuram não a verdade ou a mentira do presente (ambos domínios em crise nos dias dos “fatos alternativos”), mas aquilo que pessoas com enraizamento distintos em um lugar atravessado por muitos fluxos e violências se permitem acreditar sobre o que são os dados e o fabricados — as naturezas e as culturas — de hoje.

  • 17 Tradução livre do original em inglês “(...) breakdown, obduracy and failure have generative as well (...)

41A questão que coloco aqui, a partir de trabalho de campo em Alter do Chão está em diálogo com uma tradição crítica da etnomusicologia e da antropologia da música, citada por Gavin Steingo, que questiona generalizações e reificações da fluidez do sonoro e, ao contrário, atenta para falhas, ecos, fricções, feedbacks e crises na infraestrutura e na subjetividade política articuladas pelo musical e o sonoro. Como afirma o etnomusicólogo: o colapso (de sistemas sonoros), “a dificuldade de mobilidade, assim como as falhas, tem efeitos tanto generativos quando negativos na produção e experiência musicais.”(2015:104) 17Todavia, acrescentaria aqui que para além das falhas e imobilidades de aparatos sonoros e sonoridades, devemos atentar para como a mobilidade de certas sonoridades se dá ao necessariamente soterrar ou marginalizar outras; que sonoridades são não apenas deslocadas (como a alvorada que não aconteceu na hora prevista no Çairé de 2018), mas também são soterradas (como o rio que não é mais possível de se escutar). Deste modo, contar sobre a viagem do sonoro e sobre sua mobilidade, não é somente contar sobre uma história feliz de fluidez, mas também, em sua dimensão brutal e violentamente material, contar sobre como sons chegam com obras e explosões que ressoam e que deslocam espécies que cantam, e como concretam rios. Trata-se, portanto, não tanto de atentar para a potência generativa e negativa das falhas, imobilidades e fricções, mas notar como soterramentos e transfigurações reorganizam, desestabilizam e apagam elementos da memória sonora de um lugar.

42Nesse sentido, em dialogo crítico com a “perspectiva do habitar” de Ingold e a “acoustemologia” de Feld, cabe aqui nos perguntar, diante das brutais políticas de desenvolvimento e acumulação de terras e capital em curso na Amazônia hoje, sobre como a extinção tão inegável de certas possibilidades – como a de se escutar o som de um rio, que agora não se escuta mais pois foi concretado pela estrada – provocam interrupções irremediáveis nas fabricações e histórias. Até que ponto será possível fabricar e o que mais, além de outras fabricações, produzem essas violências e apagamentos de paisagens impostos por tratores, monoculturas, extrativismos violentos e a contaminação e soterramento de rios?

43Toda pergunta sobre escuta é também uma pergunta sobre habitar volumes e frequências. Como aponta a artista e intelectual Jota Mombaça, inspirada pela leitura de “Pode o subalterno falar”, de Spivak: “É como se as falas subalternas fossem colocadas tanto aquém quanto além desses limites em que se pode escutar. Esse é um problema tanto físico quanto político” (2017). Reitero a afirmação de Mombaça: a escuta será sempre um problema tanto físico quanto político. Caberia, portanto, apontar que as diferentes escutas que sabem de diferentes coisas diante das transformações e deformações em curso na Amazônia estão também inscritas nesse regime de poder em que certas escutas hegemônicas monoextrativistas exploradoras subalternizam sonoridades e conhecimentos sonoros em nome da ampliação de certos tipos de mobilidade (como o transporte da soja e de turistas, por exemplo) que deslocam ou paralisam outros. Cabe aqui, portanto, pensar como esse problema das políticas da escuta não se refere somente à subjetividade da escuta das pessoas, mas também a questões da ordem da fabricação dos espaços comuns, dos modos de ocupar e territorializar espaços, dos modos de fazer deles cidade, campo, lugar para morar, para trabalhar, para passar férias, para explorar, ou para simplesmente passar. Inscreve-se assim um problema político da escuta que é também um problema político da terra e um problema político-sonoro das estratégias de “desenvolvimento” e urbanização da Amazônia e do Brasil de hoje e de amanhã.

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DOI: 10.1080/17411912.2015.1020823

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Notas

1 Apesar de não esgotar as referências aqui, indico algumas leituras que abordam a festa do Çairé sob diferentes perspectivas: BRAGA, Ivan Sérgio Gil. Festas religiosas e populares na Amazônia: algumas considerações sobre cultura popular. In: BRAGA, Sergio I. G. (Org). Cultural popular, patrimônio imaterial e cidades. Manaus: Universidade Federal do Amazonas, 2007; COSTA, Maria Augusta Freitas. Turismo e patrimônio cultural: a Festa do Sairé em tempos de mudança cultural. In: CARVALHO, Luciana (Org.). Patrimônio cultural e direitos culturais na Amazônia: experiências de pesquisa e gestão. Santarém. Ufopa, 2013; DULCET, Sandro Ruggeri. A produção simbólica da festa do Çairé: drama, cultura e representação em Alter-do-Chão, Santarém, PA. (Dissertação) Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido PDTU, Universidade Federal do Pará, Belém, 1999; FERREIRA, Edilberto. O berço do Çairé. Santarém: Editora Valer, 2008; LOUREIRO, João Jesus Paes Loureiro. Cultura amazônica: uma poética do imaginário. 5ª ed. Manaus: Editora Valer, 2015; NOGUEIRA, Wilson. Festas amazônicas: boi bumbá, ciranda e sairé. Manaus: Editora Valer, 2008.

2 Trata-se de uma entre as diversas formas que a “brincadeira de boi” assumiu pelo Brasil ao longo dos séculos XIX e XX e, como aponta a antropóloga Maria Laura Cavalcanti, em sua versão Parintinense há décadas mistura elementos da cultura popular e do espetáculo de modo indissociável (2000)

3 A corte do Çairé é composta por um conjunto de personagens que são parte da hierarquia festiva tais quais o capitão, a saraipoira, o juiz e a juíza, os mordomos e mordomas, entre outros. Esses personagens, assim “como ocorre na maioria das festas de santo na Amazônia e em outras celebrações do Divino Espirito Santo no Brasil” aludem a “situações de contato que as sociedades locais mantiveram com europeus a partir do século XVI.” (Gonçalves de Carvalho 2016:72)

4 De acordo com fala registrada de Carlos Alberto Santos, então Presidente do Conselho Comunitário de Alter do Chão, em audiência pública em outubro de 2017, naquele ano a vila já contava com mais de quarenta pousadas e quatro hotéis de médio porte. Fonte: http://www.o-boto.com/2017/10/191017-audiencia-com-ministerio-publico-federal-em-alter-do-chao-9h-13h/

5 Para uma história resumida da vila assim como um breve resumo do debate sobre essa PL, ver artigo de Oliveira Silva, publicado no último número desta revista. “Entre casas e estradas: ecos de uma Amazônia urbana no circo de rua.” (2018)

6 Conversa relatada por Patricia Kalil em jornal comunitário O Boto (2017)

7 Em 2018 a Universidade Federal do Oeste do Pará realizou um evento intitulado “Novas Fronteiras do Agronegócio globalizado da soja na Amazônia: O planalto santareno 20 anos depois (1997-2017)”, com o intuito de discutir a expansão da fronteira agrícola da soja nos municípios do planalto santareno (Santarém, Belterra e Mojuí dos Campos) a partir do final da década de 1990.

8 https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,estado-percorre-a-br-163-a-rodovia-da-soja,70002205475

9 Tradução da autora do trecho original em inglês: “the forms people build, whether in the imagination or on the ground, only arise within the current of their life activities."(2000:154)

10 Para conhecer mais sobre o circuito de malabaristas em Alter do Chão e Santarém, ler artigo de Oliveira Silva, publicado no número anterior desta revista: “Entre casas e estradas: ecos de uma Amazônia urbana no circo de rua.”

11 A procuradeira e o procurador são “responsáveis pela ornamentação da festa e ajudam na construção do barracão”— espaço que centraliza as celebrações religiosas do Çairé (Carvalho 2016: 80).

12 Bioindicador é “qualquer ser vivo que possa indicar as melhores ou piores condições do meio em que vive” (Naime 2011).

13 Para uma literatura em português revisando os enfoques e transformações da etnomusicologia ao longo do século XX ler artigo de Tiago de Oliveira Pinto (2001). Como bem resume o autor, “estamos longe de poder formular uma definição inequívoca de conteúdo e abordagens da etnomusicologia. São muito diversificados os meios de pesquisa, os enfoques e principalmente os seus campos de investigação.” (2001: 224).

14 Conforme já esclarecido em nota no início do texto (3), a corte do Çairé é composta por um conjunto de personagens que são parte da hierarquia festiva tal quais o capitão, a saraipoira, o juiz e a juíza, os mordomos e mordomas, entre outros. Esses personagens, assim “como ocorre na maioria das festas de santo na Amazônia e em outras celebrações do Divino Espirito Santo no Brasil” aludem a “situações de contato que as sociedades locais mantiveram com europeus a partir do século XVI.” (Gonçalves de Carvalho 2016:72)

15 “Entende-se por rito religioso – em oposição às apresentações dos botos e dos grupos musicais e folclóricos – o conjunto de atos cerimoniais realizados em louvor ao Divino Espírito Santo no interior e no entorno do barracão, especificamente em volta dos mastros. Esse rito compõe-se de cânticos, rezas e ladainhas, além da benção aos mastros.” (Gonçalves de Carvalho 2016:108)

16 Como aqui trato de um coletivo mais amplo opto pelo uso da linguagem não binária como forma de abarcar pessoas com as quais não tive contato e que podem se identificar como mulher, homem, outras categorias ou nenhuma delas.

17 Tradução livre do original em inglês “(...) breakdown, obduracy and failure have generative as well as negative effects on music production and experience.”

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Índice das ilustrações

Legenda Barracão do Çairé de Alter do Chão durante rito religioso em setembro de 2018.
URL http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/pontourbe/docannexe/image/6515/img-1.jpg
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Legenda Rua com terreno em obras em setembro de 2018
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Legenda Prédio recentemente construído na vila e alvo de polêmica sobre sua ilegalidade.
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Legenda Placa no centro da vila, alertando a proibição de sons altos na APA de Alter do Chão. As leis citadas referem-se a lei federal que institui Unidades de Conservação e lei municipal que cria a respectiva APA.
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Para citar este artigo

Referência eletrónica

Maria Fantinato, «Sobre pássaros, estradas e contradições: questões político-sonoras e territorialidades cambiantes em uma vila amazônica»Ponto Urbe [Online], 24 | 2019, posto online no dia 26 junho 2019, consultado o 10 fevereiro 2025. URL: http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/pontourbe/6515; DOI: https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/pontourbe.6515

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