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Dossiê: Cidades do Interior, Interior das Cidades

A cidade subvertida: vínculos, negociações e reinvenções urbanas

The subverted city: urban links, negotiations and reinventions
Tiago Lemões

Resumos

Neste texto, reflito sobre a trama de relações sociais tecidas na urbe interiorana, explicitada pela negociação de vínculos, corpos e espaços dinamizados por pessoas em situação de rua. A partir de vinhetas etnográficas, extraídas de pesquisa realizada entre 2010 e 2012, no município de Pelotas-RS, problematizo a subversão de noções estáticas e normativas do espaço urbano, analisando a apropriação e a negociação valorativa dos corpos, das atividades informais e dos vínculos cultivados. Por fim, explicito a potencialidade subversiva dos modos de produzir e compartilhar territórios existenciais frente às forças repressivas e ordenadoras da cidade.

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Notas da redacção

Versão original recebida em / Original Version 05/02/2019

Aceitação / Accepted 25/05/2019

Texto integral

Introdução

E a cidade se apresenta

Centro das ambições

Para mendigos ou ricos

E outras armações

Coletivos, automóveis

Motos e metrôs

Trabalhadores e patrões

Policiais, camelôs

A cidade não para

A cidade só cresce

O de cima sobe

E o de baixo desce.

A cidade

Chico Science, 1994.

  • 1 Utilizo-me da categoria “situação de rua”, por ser a denominação crítica mais recente em relação a (...)
  • 2 A pesquisa de mestrado, intitulada “Família, Rua e Afetos: uma etnografia dos vínculos familiares, (...)

1Boa parte da minha trajetória de pesquisa com pessoas em situação de rua1 é marcada por inferências sobre os vínculos que compõem o campo relacional dos interlocutores no espaço público urbano (Lemões, 2009; 2011; 2012; 2013; 2014). Sem dúvida, o epicentro destas reflexões encontra-se em minha dissertação de mestrado, cujo objetivo foi descrever e interpretar as diferentes relações estabelecidas e cultivadas pelos sujeitos de pesquisa no centro do município de Pelotas, interior do Rio Grande do Sul2. Em minhas observações, atentei para a continuidade das relações sociofamiliares no contexto das ruas, para os mecanismos com os quais as pessoas firmam relações ao longo de seus trajetos pela cidade e para os códigos de sociabilidade que os vinculam uns aos outros numa rede de relações sociais, espaciais e afetivas. Assim, de 2010 a 2012, concentrei todos os esforços em etnografar, por meio de descrições interpretativas possibilitadas por relações de partilha, escutas, silêncios e diálogos, a trama de vínculos esparramada pela cidade e apreensível pela movimentação entre pontos relativamente fixos de repouso e sociabilidade. O mergulho cotidiano neste cenário possibilitou identificar uma experiência singular, que trouxe à tona o caráter inventivo das pessoas em situação de rua na constituição de vínculos fundamentais à sobrevivência material e afetiva no universo da circulação entre domínios relacionais.

2Partindo de um recorte analítico destas experiências pretéritas, busco, neste texto, refletir sobre a trama de relações sociais tecidas na urbe interiorana, explicitada pela articulação de vínculos, espaços, sociabilidades e itinerários pacientemente produzidos por pessoas em situação de rua e a multiplicidade de agentes com os quais interagem. Neste contexto, como veremos, as vinhetas etnográficas permitem captar a dimensão inventiva dos sujeitos no que se refere à subversão de noções estáticas e normativas da experiência urbana (Pechman, 1993). Será necessário, para isso, especificar e descrever a dinamização e apropriação dos espaços urbanos, a manipulação e negociação moral e valorativa dos corpos e das inscrições espaciais dos sujeitos, assim como o estabelecimento de relações de pessoalidade travadas no espaço central de Pelotas-RS.

3Para tal, lanço mão de uma discussão inicial a respeito das tensões existentes entre uma noção estática e normativa de cidade e as práticas que desafiam a funcionalidade planejada do espaço urbano. O debate é subsidiado pelas contribuições de Michel De Certeau (2002) a respeito das articulações conflitivas entre concepções racionalizadas do espaço e as práticas que reinventam e subvertem o marco urbano totalizador. Em seguida, as reflexões incidem sobre as noções de nomadismo e suas especificidades no cenário brasileiro no que se refere à complexidade da vida nas ruas. Esse debate ainda perpassa a problemática do Estado moderno e seus esforços de fixação de corpos e modos de vida para, então, explicitar a potência política da errância na afronta à domesticação do espaço-tempo ocidental, atentando, porém, para as classificações depreciativas do “viver nas ruas” no Brasil e suas particularidades históricas.

4Na sequência, exploro etnograficamente os cenários e lugares de visibilidade urbana das pessoas em situação de rua, descrevendo apropriações que dinamizam a cidade em suas potencialidades de sobreposição de fronteiras e zonas de contato. Também figuram como lócus analítico os usos dos corpos e a negociação dos espaços a partir da manipulação de valores e moralidades, imprescindíveis à constituição de vínculos e à obtenção de recursos. Por fim, analiso as relações de pessoalidade tecidas a partir das práticas que envolvem a vigilância informal de veículos – a guarda de carros – destacando os vínculos estabelecidos, os usos do espaço e a gestão de ilegalidades. Em seu conjunto, as experiências descritas, assim como as reflexões que delas se depreendem, deslocam o nosso olhar para as práticas que produzem, entre conflitos e cordialidades, uma outra cidade: a cidade subvertida.

O espaço urbano para além da funcionalidade geométrica

Por mais que sejam funcionais, por mais que se especializem, os espaços públicos são eternamente reinvadidos, repossuídos, reinventados por aqueles que dele fazem o jogo da vida

(Pechman, 1993:33).

5Os centros urbanos brasileiros, a despeito das particularidades históricas, assumem um panorama similar, na medida em que são transformados e utilizados a partir de referências à funcionalidade (Frangella, 2009). A eficiência dos comércios, dos serviços, da segurança dos pedestres que compram e vendem produtos, as propagandas, as ofertas, os anúncios estão articulados numa lógica de maior rapidez e facilidade no plano ideal das trocas simétricas. Neste contexto, a rua, especificamente no que se refere ao imaginário ameaçador que se opõe ao universo doméstico e sedentário (Magni, 2006), reforça a circulação, o meio da passagem, do trânsito de cidadãos no cumprimento de suas funções diárias. Mesmo os locais de lazer apresentam suas arquiteturas a partir da transitoriedade.

6Tal panorama não se distancia em nada do próprio conceito de cidade, elaborado por Michel De Certeau (2002). Para ele, a transitoriedade e a funcionalidade delimitam a cidade por uma tríplice operação: (1) a produção de um espaço próprio, racionalizado e liso; (2) o estabelecimento de um sistema sincrônico que reprime as resistências desafiadoras das estratégias científicas unívocas e (3) a concepção da cidade como um sujeito universal e anônimo que permite conceber o espaço a partir de propriedades estáveis, isoláveis e articuladas. Uma cidade assim concebida funda-se na potência política de um “marco totalizador” que, mesmo ao projetar a cidade no plano das ideias, justifica ações repressivas e ordenadoras que se legitimam no embate entre instituições normativas e as manifestações que escapam por entre os dedos da ordem. Mas, contra toda esta racionalidade estanque, uma multiplicidade de outras manifestações remete a uma cidade dinamizada, composta por outras espacialidades (antropológicas, poéticas, míticas) e outras formas de mobilidade (inventivas, opacas, cegas). Elas vivem numa tensão espacial e apresentam-se como expressões estranhas ao espaço geométrico, aquele planejado por arquitetos e urbanistas no plano teórico da “cidade-panorama”, da cidade abstrata, vista de cima por uma visão totalizadora, vítima da cegueira urbana que desconhece as múltiplas teias relacionais tecidas em itinerários particulares (De Certeau, 2002).

7Assim, para além da ordem comercial que orienta a conquista do espaço a partir da circulação, os elementos que compõem uma ordem subversiva com práticas não previstas pelo Estado expressam a tensão dos lugares na cidade. Trata-se de atividades não contidas, não planejadas, como a dos camelôs que se espalham pela cidade; a dos vendedores ambulantes de todos os tipos; a dos artistas de rua; dos traficantes; das profissionais do sexo, dos guardadores de carros, das pessoas em portas de restaurantes solicitando a partilha de moedas, comida e interação. Sujeitos e atividades que, a despeito de suas presenças históricas, marcantes e cotidianas, permanecem nos interstícios, nas sombras, na penumbra entre os bicos de luz, tolerados sob a condição de ameaça constante da intervenção estatal. Não por acaso, De Certeau afirma que...

A linguagem do poder se “urbaniza”, mas a cidade se vê entregue a movimentos contraditórios que se compensam e se combinam fora do poder panóptico. A Cidade se torna o tema dominante dos legendários políticos, mas não é mais um campo de operações programadas e controladas. Sob os discursos que a ideologizam, proliferam as astúcias e as combinações de poderes sem identidade legível, sem tomadas apreensíveis, sem transparência racional – impossíveis de gerir (De Certeau, 2002: 174).

8Eis um debate que acena para práticas e existências que funcionam como pólvora para a criatividade de vínculos, apropriações e reinvenções inesperadas. Sabemos, no entanto, que as condutas pautadas por movimentos de não-fixação permanentes são, geralmente, o alvo privilegiado das intervenções estatais justamente pela imprevisibilidade de seus deslocamentos e pela circularidade de suas relações com o universo familiar, laboral e com agentes e instituições estatais. Por isso, antes de adentrar diretamente o contexto etnográfico, considero importante assinalar brevemente a dimensão dramática que envolve convivências entre práticas subversivas e os aparatos controladores pautados no exercício do poder político que historicamente delibera condutas apropriadas para o espaço público. No contexto social brasileiro, quais as especificidades das práticas e das existências que produzem a cidade subvertida?

Nomadismo, vida nas ruas e viração

9Ocultadas pela cidade-panorama, as maneiras específicas de tecer a teia urbana problematizam o nomadismo no contexto citadino. O desejo de errância impõe-se de maneira antitética e complementar ao próprio Estado moderno. É o que advoga Michel Maffesoli (2001), ao elucidar o fato de que desde o momento em que alguns homens dirigem e organizam a vida social no lugar de seus diversos protagonistas, estes tornam-se algo estranho contra o qual é necessário empreender projetos de controle coletivo. É nesse contexto que, a partir da modernidade, “fixar significa a possibilidade de dominar” (Maffesoli, 2001: 24).

10A positividade do nomadismo está colocada para o autor na medida em que emerge contra o compromisso de residência, estruturando uma relação de novo tipo com o outro, menos ofensiva, um tanto lúdica, trágica, mas que repousa na impermanência das coisas e dos seres, incitando a ver na errância um valor social prenhe de criatividade. Mas se a positividade da errância, nos termos de Maffesoli, está no vetor de socialização eficaz que a configura, bem como nas rupturas que provoca contra os poderes disciplinadores que buscam tudo fixar, nomear e vigiar, o autor também adverte que estas rupturas são dolorosas, pois assentam-se num atrito violento contra valores sedentários extremamente enraizados na herança cultural do ocidente.

11No contexto social brasileiro, o enraizamento de imaginários depreciativos que evocam termos como “vagabundagem” e “perigosos da rua” reitera um sistema classificatório em que “casa” e “rua” constituem, nos termos de Roberto DaMatta (1985), esferas de significação social com visões de mundo particulares que moralizam comportamentos diferenciados. Nesta reflexão, o universo privado distingue-se pelo maior controle das relações sociais em seus domínios, o que implica a produção de maior intimidade e proximidade social. Em contrapartida, a rua implica em certa ausência de domínio e um afastamento, caracterizando-se por um espaço de castigo, luta e trabalho.

12Pensar o nomadismo em tal contexto taxonômico nos leva a relativizar uma positividade exacerbada como aquela manifesta por Maffesoli (2001). Estamos falando de um sistema cultural brasileiro em que o perigo, a desgraça, o drama, o crime, a violência, a solidão e o anonimato estão associados ao universo das ruas (DaMatta, 1985), mas também a determinados corpos historicamente marcados por indexações sociais e raciais, condenados pelos “poderosos da história” a viverem como despossuídos de humanidade e racionalidade. Como sabemos, tais elucubrações foram alimentadas por teorias racialistas que atravessaram os séculos XIX e XX, invadiram o campo das práticas policiais, médicas e jurídicas e criminalizaram a “mendicância”, a “vadiagem” e, consequentemente, a presença de vidas pobres e negras nos espaços públicos brasileiros (Lemões, 2017; 2018).

13Frente à continuidade dessa lógica classificatória muito bem articulada às continuidades do mundo colonial e imperial, as pessoas em situação de rua têm de se desdobrar nas negociações de fronteiras simbólicas no espaço público, lugar onde o estabelecimento de redes relacionais é fundamental na edificação de pontos de apoio. Portanto, se a rua é universo complexo e incerto, ela é também possibilidade de relações sociais múltiplas, algumas solidamente firmadas, outras efêmeras, mas que permitem o mínimo de trocas simbólicas e estruturam um itinerário de ajuda e apoio de cidadãos anônimos e bem-intencionados, grupos religiosos, residências de familiares, amigos e instituições assistenciais de caráter público e privado. Com estes, estabelece-se relações não diretamente percebidas, tecidas em outra regularidade de lugares, atividades, trocas e afetos.

14Mas, nestas relações, assim como cruzam-se as redes, também se cruzam os valores. Se o trânsito entre dimensões sociais estrutura uma sociabilidade itinerante, a articulação de preceitos morais, pertencentes aos diferentes domínios de circulação, exibe-se na conflitualidade relacional entre valores “de casa” e valores “de rua”: por um lado, exaltam-se a liberdade e a aventura que permeiam a vida nas ruas; por outro, expressam-se desejos e memórias da casa, da família, do trabalho. O domínio destes valores acaba por tornar-se, na rua, uma valiosa ferramenta relacional, na medida em que é preciso negociar com distintos agentes. Estes acordos envolvem, na maioria das vezes, demonstração de adesão aos parâmetros hegemônicos socialmente estimados.

15Assim, se há uma força autoritária que os obriga a circular – em um impotente esforço em apagá-los da paisagem urbana – tal força sedimenta um nomadismo forçado, ou seja, uma circulação autoritária através da qual é necessário esconder-se ou buscar estratégias negociáveis que permitam uma permanência espacial menos ofensiva. Por outro lado – e em decorrência disso – um nomadismo circunscrito e voluntário edifica-se: é aquele marcado pelos pontos focais de ajuda, apoio e sociabilidade, erigidos por diferentes agentes sociais abertos à relação e proximidade.

16Na construção deste circuito relacional, a negação pública da via ilegal, ou seja, o discurso da adesão aos valores que estruturam os universos de significação dos doadores, revelam criativos processos de incorporação e mimetização das representações sociais, como evidenciarei a seguir. Longe de objetivar a autopreservação, tais processos atuam como motor das trocas interativas. Assemelha-se a uma simbiose entre a luta pela sobrevivência e interação simbólica, operacionalizada por Gregori (2000) na noção êmica de viração, especificamente para o caso de seu estudo sobre meninos em situação de rua em São Paulo. Embora virar-se seja um termo coloquialmente empregado para designar a conquista de recursos por meio de atividades informais, a viração, entre os meninos em situação de rua, refere-se à manipulação de recursos simbólicos e identificatórios que permitem diálogos, comunicações e posicionamentos múltiplos, altamente maleáveis e adaptáveis as mais diversas interações. Trata-se, em suma, deuma comunicação persistente e permanente com a cidade e seus vários personagens” (Gregori, 2000: 31).

17Assim, o poder da viração está na elaboração de um conhecimento que implica a demarcação simbólica de lugares a partir dos vínculos que tecem as malhas relacionais. São estas malhas que configuram territórios, circunscrevem movimentos e, ao mesmo tempo, concedem visibilidades. Os deslocamentos, assim, são marcados pelos pontos aos quais os sujeitos em situação de rua ancoram-se, pontos estes que indicam suas presenças contínuas e persistentes no espaço urbano e os processos de alteridade decorrentes destas presenças. Vejamos, agora, como estes vínculos, negociações e apropriações são dinamizados por pessoas de carne e osso.

A cidade viva

18É na região central de Pelotas que podemos identificar com maior intensidade as dinâmicas de apropriação dos segmentos que dão vida ao espaço público. A Avenida Bento Gonçalves (a Bento), especificamente, é uma das principais artérias urbanas e, por isso, sua extensão é elucidativa das múltiplas relações que lhe dinamizam. Em uma de suas extremidades territoriais, temos acesso à rodoviária, por excelência o lugar de passagem e circulação. No outro extremo, encontramos o Mcdonalds e o Hipermercado BIG, arquétipos dos valores imperialistas e consumistas. Próximo a estes pontos, o 4º Batalhão de Policiamento Militar ostenta os imperativos da ordem e da segurança urbana. Por toda a extensão da Bento, traillers de lanches compõem uma paisagem expressiva ao longo do canteiro central, juntamente com as calçadas paralelas, por onde se multiplicam postos de gasolina, restaurantes, bancos e festas noturnas. Nas esquinas e semáforos, meninos e meninas empenham-se em atividades de malabarista. Guardadores de carros atuam por todos os lados.

19As noites de sextas-feiras são especialmente tumultuadas na Bento. Mesas e cadeiras lotadas, garçons circulando entre clientes e balcões, carros e motocicletas ensurdecedoras compõem um cenário turbulento. Um vaivém de adolescentes em grupo, casais de namorados em seus veículos a contemplar o movimento, homens e mulheres em busca de diversão, companhia e aventura. Músicas, risadas, bebidas, ronco de motores, olhares furtivos e convidativos. Gestos suspeitos e instigantes sugerem um comércio quase imperceptível de drogas ilícitas conduzido por veículos discretos ou ancorado em alguns estabelecimentos comerciais. Nada é explícito. A discrição é gerida em uma comunicação rápida e camuflada, numa transação movida pela dissimulação de desejos transgressivos. Veículos entram e saem de estacionamentos, amparados pelos serviços de guardadores de carros. Catadores de material reciclável confundem-se entre os carros com suas carrocinhas ou lançam seus corpos para dentro de grandes reservatórios de lixos. Outros corpos também jazem sob marquises, esticados sobre papelões ou velhos colchões, buscando um descanso em meio à intensa movimentação noturna.

20Na composição deste cenário, o parque Dom Antônio Zátera (o DAZ) – um dos principais pontos de encontro da população pelotense aos finais de semana e em festividades cívicas – é delimitado ao sul pela Bento, à oeste pela Rua Andrade Neves e à leste pela Rua Padre Anchieta, demarcado as zonas sul e norte da cidade. No seio do movimento intenso e do barulho estonteante dos carros, o parque DAZ parece funcionar, para certas pessoas, como um isolamento ilusório do caos existente ao redor. É possível encontrar ali alguma tranquilidade em meio à natureza controlada, o que possibilita, também, identificar distintos grupos que frequentam o local com maior assiduidade: jovens de classe média que usam a pista de skate, casais de namorados, famílias e crianças a brincar no pequeno parque de diversões. Mas o DAZ também se singulariza por ser um importante foco de sociabilidade entre pessoas em situação de rua e outros segmentos sociais com os quais interagem naquele cenário.

  • 3 A Igreja Matriz de São Francisco de Paula é um referencial religioso, histórico e urbano de Pelotas (...)

21Assim, na morfologia urbana, a Bento figura como marco divisor entre a zona sul e a zona norte da cidade. A primeira contempla o comércio tradicional, o calçadão comercial com áreas exclusivas para pedestres, grande fluxo de transporte coletivo, prédios altos e concentração maior de estabelecimentos de trabalho e consumo. Um pouco mais afastada do centro comercial, a uma quadra da Bento, a catedral São Francisco de Paula3 exibe sua imponência, majorada por um largo frontal e ladeada por uma das escolas particulares mais renomadas e tradicionais da cidade. Ainda no entorno deste largo, o funcionamento de um centro espírita kardecista encerra um verdadeiro triângulo educacional-religioso. É neste conglomerado espacial que pessoas em situação de rua atuam como guardadores de carros, valendo-se dos preceitos de caridade que subjazem às instituições ali lotadas, conquistando clientes ou cultivando uma clientela já estabelecida que garante uma quantia considerável de recursos por seus serviços de vigilância. conquistando clientes ou cultivando uma clientela j dos preceitos de caridade que subjaz o ar

22Essa breve topografia já desvela o centro urbano em suas diversas apropriações. A congregação de estabelecimentos comerciais importantes, os lugares previstos para o lazer e para a circulação são implodidos por práticas criativas e imprevisíveis. O fluxo de pessoas em trânsito ou ancoradas em determinados circuitos convive diretamente com sujeitos que fazem do espaço descrito seu cotidiano de vida, contrapondo-se, assim, ao discurso totalizador da cidade universal, fruto do planejamento urbanístico (De Certeau 2002).

23 Definitivamente, o meio urbano torna-se espaço de acordos e consentimentos impositivos, definindo-se principalmente pela movimentação de fronteiras (Neves, 1999), em que novos significados engendram processos de constantes reterritorializações. A renovação de limites obedece ao entendimento dos princípios hierarquizados e das regras de convivência em universos de tensão social. Neste contexto, Arantes (1994) assinala a construção cotidiana de fronteiras simbólicas que ordenam categorias e grupos sociais, separando-os, aproximando-os, nivelando-os ou hierarquizando-os. E os lugares sociais assim construídos entrecruzam-se de modo a formar “contextos” ou “ambientes” onde modalidades contraditórias superpõem-se e configuram zonas de contato (Arantes, 1994) que, apesar de hierarquizadas, possibilitam a negociação de corpos, espaços e valores.

Corpo e espaço negociados

24Já aprendemos com Magni (2006) que o corpo é espacializado e, portanto, habitado por códigos e expressões simbólicas que são, no caso dos habitantes de rua, utilizados estrategicamente para, a depender das interações em jogo, apresentar um corpo submisso e deteriorado, inocente, frágil e juvenil ou mesmo um corpo belo e higienizado, que esconde suas feridas e sujeiras para ressaltar qualidades desejáveis aos olhos externos (Magni, 2006). Especificamente no contexto pelotense, Lemões e Magni (2016) evidenciam que a degradação corporal se associa à perda de peso como imagem negativa, reveladora de um corpo enfraquecido, doente e agredido pelos percalços da vida nas ruas e pelo eventual consumo de substâncias psicoativas (Lemões & Magni, 2016). Do mesmo modo, Rui (2014) observa que, no cenário de consumo de drogas na cracolândia paulistana, o corpo é objeto de valoração moral. Neste contexto, um corpo robusto é atributo valorativo ao estabelecimento de vínculos, na medida em que dominar o próprio corpo – controlando o consumo de crack – se faz necessário uma vez que se sabe que a degradação corporal implica na perda da própria dignidade e um descontrole de si perante os outros (Rui, 2013).

  • 4 Os pertences também aludem à continuidade com práticas e representações do mundo sedentário, da int (...)

25Deduz-se, então, que a relação com o corpo, seus valores e significados, está absolutamente relacionada às relações de alteridade firmadas em uma determinada espacialidade social e moral. A perambulação de um local para outro configura uma andança de um conjunto de relações para outro. Nestas andanças relativamente demarcadas, os corpos destacam-se. Poucos pertences transportados na mochila – produtos de higiene pessoal, roupas, comida, cobertor, eventualmente talheres, garrafas plásticas e documentos pessoais – expressam uma mediação: são utilizados em locais específicos onde lhes são concedidos a ritualização da intimidade e da pessoalidade das ações cotidianas. Tais rituais são realizados nos pontos de doação alimentar, nas instituições governamentais que lhes direcionam atendimentos e nos espaços públicos em que uma sociabilidade negociável é possível4.

26O parque DAZ conforma um destes pontos. Vimos que ele congrega em seu entorno os locais que delimitam uma trajetória na cidade, na busca de recursos e manutenção de relações. É também no parque que processos miméticos específicos concedem outras feições ao espaço público: os assentos servem de mesa quando algumas refeições são feitas em grupo; os pequenos galhos de árvores servem como talheres durante as refeições realizadas muitas vezes com alimentos encontrados em latas de lixo ao redor do parque. Nas suas aglomerações, a variedade das interações e atividades exibem-se. Enquanto alguns sujeitos conversam, outros percorrem o parque, vasculhando as lixeiras ou vigiando alguns carros para, mais tarde, retornar com algum dinheiro ou outro ganho qualquer.

27À noite, as zonas de penumbras se formam no parque e as interações ganham maior intensidade. É um momento privilegiado para a “caça urbana” e para o exercício da viração, evidenciada pela maleabilidade com que as pessoas deslizam de uma situação para outra, alternando entre discursos e ações performáticas que envolvem corpos e narrativas. Certa vez, quando percorri a Bento numa destas saídas noturnas em companhia de um interlocutor, notei suas investidas criativas no diálogo com um motorista prestes a sair do estacionamento: mudando o tom da voz e as expressões faciais (transpassava tristeza e sofrimento) ele informou ao motorista que precisava de dinheiro para voltar à sua “cidade de origem”. Sem sucesso ou reação do alvo, ele imediatamente assumiu a posição de guardador de carros, dando as coordenadas para a saída do veículo conduzido pelo motorista que, insensível ao seu discurso de forasteiro, concedeu-lhe, ao final de tudo, apenas um cigarro. Sem fôlego para demais investidas, dado o pouco movimento da madrugada alta, reingressamos no parque.

28Na dinâmica da viração, não ficam de fora os usos do corpo, da aparência, das narrativas trágicas que acompanham, igualmente, expressões faciais de sofrimento. Mas o que também atrai a atenção é o jogo de representações sobre o discurso da higiene e da limpeza. Assim como os banhos disponibilizados nos pontos de doação, os banheiros do DAZ e as duas fontes públicas de água disponíveis possibilitam o cultivo da higiene pessoal. Tais recursos são importantes porque estar minimamente limpo é fundamental para o sucesso na guarda de carros, pois atenua a agressão visual e olfativa decorrente da associação ocidental entre limpeza física, social e moral. Estamos falando de um valor compartilhado cujo potencial relacional é reconhecido pelos que o manipulam. Mesmo assim, é comum entre os parceiros de rua desdenhar, caçoar de quem anda “fedendo”, situação cujos extremos associam-se ao uso contínuo e descontrolado de drogas e à perda dos controles de si – condição que pode prejudicar uma das atividades mais importantes e complexas realizadas pelos que habitam o espaço público: a guarda de carros.

Relações de pessoalidade na guarda de carros

29A guarda de carros integra uma rede de relações e de atividades informais criadas no espaço público a partir da atuação inventiva de uma parcela expressiva das pessoas em situação de rua. Seu caráter informal envolve negociação de representações e manipulação de valores, principalmente o valor “trabalho”, no qual a justificativa “trabalhar é melhor que roubar” é recorrente. Diferente de pedir – cujo caráter negativo da troca só se objetiva por outros universos de significação como o “Deus lhe pague” (Neves, 2010) – estas novas qualificações laborais insinuam uma reciprocidade mais imediata entre “vendedor” e “comprador” dos serviços. Exatamente por isso podemos arriscar dizer que há uma oferta quase impositiva da “guarda de carros” que solicita algumas moedas em troca.

30Nas ruas do centro pelotense, embora esta atividade possa ser realizada por todos, sem grandes restrições, existem aqueles sujeitos cuja presença cotidiana ancora-se numa temporalidade e numa intensidade relacional que o prende e o associa ao lugar em que trabalha. São os pontos conquistados por guardadores que atuam há anos no mesmo local, geralmente próximo a um estabelecimento comercial, e que são bem conhecidos por proprietários, clientes e pelos outros estabelecimentos e moradores do entorno. Nesse cenário, o sujeito estabelece uma rede de ajuda, favores e interconhecimentos que o vincula aos outros atores e faz com que seu ponto seja respeitado pelos demais companheiros, que só ousam trabalhar no local quando seu legítimo ocupante, por algum motivo, não comparece. No entanto, o mesmo ponto pode ser partilhado em dupla. Há casos em que um grupo maior atua ao longo de um quarteirão, uma vez que todos podem ser conhecidos dos estabelecimentos ou comungar dos mesmos clientes.

31Ao trabalharem em dupla, porém, algumas especificidades evidenciam-se. O conhecimento das marcas e tipos de carros indica a possibilidade de um possível faturamento, um dinheiro extra. Assim, os carros mais prestigiados e disputados são aqueles de maior valor, como citroen, por exemplo. São veículos que possivelmente indicam o nível social de seu dono. Mas o acesso à vigilância específica dos carros desse gênero é com frequência negociado, de modo que nenhum dos guardadores sinta-se lesado: quando estão em dupla e alguém se responsabiliza pela guarda de um carro de alto nível, ou recebe uma quantia a mais do que a esperada, o próximo cliente, conhecido por “pagar bem”, fica reservado ao outro colega ainda não agraciado com os referidos abonos.

32Ocorre também de o motorista solicitar um serviço além da vigilância do carro, o que torna as coisas ainda mais interessantes. Nestes casos, também há garantia de um faturamento extra. Certa vez, quando um carro estacionou na calçada lateral da catedral, em frente ao Colégio Gonzaga, o motorista solicitou a um interlocutor que não deixasse seu carro encurralado entre outros veículos de modo a facilitar sua saída mais tarde. O guardador empenhou-se em cumprir o que lhe foi pedido, induzindo outros motoristas a estacionarem seus carros em locais mais distantes. Outra vinheta etnográfica é ainda mais interessante e refere-se ao caso de um cliente que estacionou o veículo em local proibido. Com receio de ser multado pela guarda de trânsito, o homem aproximou-se de um guardador de carros com o qual eu conversava no centro da cidade e recomendou que ele ficasse atento ao movimento, pois estava “mal estacionado”, o que poderia lhe causar alguns problemas legais. O homem finalizou o pedido alertando que “se acontecer qualquer coisa, pode entrar ali (no bar) e me chamar”.

33Para além das singularidades e imprevisibilidades próprias da atividade informal, a negociação dos lugares de exercício da guarda de carros também assume feições inesperadas. Como já vimos, na Bento, deparamo-nos com uma paisagem urbana onde se destacam os estabelecimentos do ramo alimentar. Os traillers de lanches funcionam quase um ao lado do outro. Neste universo, salienta-se o cultivo de relações mais íntimas e afetivas com proprietários daqueles estabelecimentos, onde os que ali guardam carros exercem outros pequenos serviços, obtendo, em troca, a garantia de alimentação diária. É também sob estes traillers que, com a permissão dos proprietários, muitos guardadores de carro escondem seus colchões e cobertores utilizados para dormir à noite. Instaura-se um sistema informal de troca de favores: ao cuidar dos carros dos clientes, cuida-se também da movimentação suspeita, que venha a pôr em risco a segurança do local, ou fiscaliza-se e informa-se a presença de sujeitos indesejáveis que possam importunar os clientes. Em troca, tem-se a alimentação garantida, assim como eventuais doações de roupas e calçados, mas tem-se, sobretudo, a relação com os donos dos estabelecimentos que confirma, aos olhos da clientela, a boa “índole” do guardador de carros, provando que “os perigosos são os outros”.

34O restaurante Cruz de Malta, localizado na Bento, em frente ao parque DAZ, é receptivo à presença de pessoas em situação de rua que atuam na atividade de vigilância de carros. Ali alguns dos meus interlocutores eram conhecidos por funcionários e clientes. A comida doada a partir das sobras diárias era famosa pela boa qualidade. Porém, a relação com os proprietários extrapolava a o interesse imediato por alimentação: alguns garotos eram chamados pelo proprietário para realizarem pequenos serviços em sua residência; outros foram indicados para trabalhar em cidades distantes. Também soube de casos em que o mesmo proprietário forneceu passagens rodoviárias para que alguns homens em situação de rua viajassem ao litoral catarinense para trabalhar como garçom na temporada de verão.

35Portanto, a enunciação destes pontos de visibilidade relacional, em que a guarda de carros é apreendida como atividade importante para a aquisição de determinados bens materiais e simbólicos, desvela igualmente o rastro de relações impessoais que, no contexto cotidiano, vão adquirindo pessoalidade e proximidade entre os diferentes personagens envolvidos na interação, fazendo com que formas específicas de produzir vida social sejam percebidas.

36Do mesmo modo, a complexidade das práticas e das relações descritas, assim como a dimensão microssocial em que foram registradas, permite ampliar o debate sobre a “vida nas ruas” no tocante a reflexões que possam reduzir os fenômenos sociais a compreensões monolíticas. Para Neves (1983) a guarda de carros configura-se enquanto “mercantilização do medo”, em que o pagamento pelo serviço é realizado pelo motorista em virtude do temor provocado pela ameaça indireta de danos ao veículo. Contudo, é muito provável que a consideração das múltiplas relações descritas neste artigo relativize certa redução do fenômeno à ameaça e intimidação. Vimos que clientes exigem um “serviço bem feito” e também estabelecem acordos impulsionados pela subversão de regras e normativas que ordenam a cidade. Nestes casos, a informalidade é acionada para dar conta de uma transgressão às leis que regularizam os usos do espaço urbano, expressando, neste contexto, o temor, manifestado pelo cliente, às autoridades encarregadas de multar motoristas inadimplentes.

37Além do mais, danificar veículos ou realizar qualquer ato agressivo contra as pessoas com as quais interagem, traz um retorno negativo para os sujeitos em situação de rua. Isso porque a imagem de homem trabalhador, respeitável por “não estar nem pedindo, nem roubando” pode ser manchada no seio das relações que constroem nos pontos de guarda de carros. Além disso, a administração do crime obedece a uma regra explícita: jamais perpetrá-lo contra pessoas conhecidas e importantes do ponto de vista da rede de ajuda e apoio na cidade. E mais: desvelar explicitamente qualquer ilicitude aos conhecidos que, direta ou indiretamente, lhes asseguram determinados recursos, é colocar em risco todo o empenho da viração, desandando a paciente construção de representações positivas, estimadas pelos demais cidadãos, e que sustentam os vínculos pacientemente edificados no centro de uma cidade constantemente subvertida.

Considerações finais

38Neste artigo, apresentei e problematizei uma parte do circuito de vinculações sociais construído por pessoas em situação de rua em Pelotas, cidade interiorana do estado mais meridional do país. São ruas e lugares onde estes sujeitos tornam-se visíveis, agrupam-se, exibem-se no meio urbano. Vimos que os pontos relacionais apresentados, além de exigirem de seus frequentadores o domínio de valores, condutas, discursos e comportamentos adequados, de acordo com a comunicação estabelecida, também circunscrevem, de forma incompleta, o movimento, o repouso e a temporalidade dos que vivem nas ruas.

39Ao mesmo tempo, argumentei que a circulação citadina destas pessoas pressupõe uma constante subversão da funcionalidade estática e normativa do espaço urbano, além, é claro, de afrontar e, ao mesmo tempo, dialogar com os valores que guiam as pretensões universais do modo de vida sedentário. Neste contexto, busquei valorizar o caráter inventivo e comunicativo dos interlocutores, direcionando o olhar para os vínculos de apoio em meio às perversas barreiras simbólicas erigidas contra eles na cidade, ressaltando um conhecimento tácito de moralidades, comportamentos e condutas apreciadas por vários interlocutores com os quais interagem. Lançando mão, portanto, de uma comunicação camaleônica, os sujeitos de pesquisa edificam um tecido relacional que marca os seus deslocamentos pela cidade.

40Com isso, acredito que as constatações e reflexões que produzi permitiram-me repensar as tão conhecidas e arraigadas noções depreciativas sobre os que fazem da via pública um espaço de ações, representações e interações vertiginosas e inventivas. Se a solidão, o isolamento, o amortecimento de ações e relações entre estes sujeitos já virou lugar comum nas discursividades estatais e no imaginário social mais amplo, é porque estão presentes, antes de tudo, na lente pela qual a sociedade os apreende na cotidianidade citadina. Por isso, justifica-se a intenção obstinada de perseguir, neste texto, as possibilidades de identificar e reconhecer a produção e o compartilhamento de outros territórios existenciais possíveis – a despeito das forças repressivas que buscam apagá-los do espaço público urbano.

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Notas

1 Utilizo-me da categoria “situação de rua”, por ser a denominação crítica mais recente em relação a conceitos anteriores, tais como “mendigos”, “menor abandonado” e “morador de rua”. Historicamente, estes termos suscitaram uma associação entre a vida na rua e a criminalidade. Da mesma forma, o termo “rua” carregou uma imprecisão que confundiu um processo dinâmico com uma essência social. Tais representações estigmatizantes foram sendo substituídas ao longo das últimas três décadas em função de sua influência nos modelos de intervenção junto a esta população. Assim, o termo “situação de rua”, ao contrário da categoria “moradores de rua”, de acordo com Patrice Schuch, atenta para a situacionalidade da experiência nas ruas, combatendo, ao mesmo tempo, processos de estigmatização direcionados a esta população (Schuch, 2007; apud Schuch et al, 2008).

2 A pesquisa de mestrado, intitulada “Família, Rua e Afetos: uma etnografia dos vínculos familiares, sociais e afetivos de homens e mulheres em situação de rua”, foi defendida em 2012 pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFPel, sob orientação da Profa. Dra. Cláudia Turra-Magni e com financiamento integral da CAPES. No mesmo ano, a pesquisa foi indicada pelo colegiado do PPGCS/UFPel ao Prêmio Nacional de Teses e Dissertações da ANPOCS.

3 A Igreja Matriz de São Francisco de Paula é um referencial religioso, histórico e urbano de Pelotas. Sua construção, iniciada em 1813, quando Pelotas não passava de uma freguesia, marca o início do desenvolvimento urbano às margens da Lagoa dos Patos, por onde se escoava o charque, produto que trouxe opulência e riqueza à cidade, sobretudo durante o período escravocrata. Atualmente, a catedral é sede da Arquidiocese de Pelotas e um dos mais importantes templos católicos e ponto turístico da metade sul do estado.

4 Os pertences também aludem à continuidade com práticas e representações do mundo sedentário, da intimidade, da higiene, cuja resistência em abandoná-las se apresenta nestes detalhes materiais. Mas também expõem as maleabilidades fundamentais à vida das ruas, quando há situações em que a boa aparência é necessária para que “dignidades” sejam comprovadas.

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Para citar este artigo

Referência eletrónica

Tiago Lemões, «A cidade subvertida: vínculos, negociações e reinvenções urbanas »Ponto Urbe [Online], 24 | 2019, posto online no dia 26 junho 2019, consultado o 08 fevereiro 2025. URL: http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/pontourbe/6327; DOI: https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/pontourbe.6327

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Autor

Tiago Lemões

Pós-doutorando em Antropologia (PPGAnt/UFPel)

Doutor em Antropologia Social (PPGAS/UFRGS)

Email: tiagolemoes@gmail.com

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