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Dossiê: Cidades do Interior, Interior das Cidades

Transformações urbanas e as memórias do rito funerário da coberta d’alma na cidade de Osório/RS

Urban transformations and the memories of the soul enshroud funerary rite in the city of Osório/RS
Cristian Leandro Metz e Ana Luiza Carvalho da Rocha

Resumos

Este artigo resulta de uma pesquisa etnográfica sobre o ritual da Coberta d’Alma que velhas senhoras, que residem na cidade de Osório/RS, litoral norte do Rio Grande do Sul, praticam após a morte de um ente querido no contexto das transformações das práticas sociais vividas por elas no lugar onde moram. A Coberta d’Alma é um rito funerário de perpetuação da memória da pessoa falecida em seu meio familiar e social ainda praticado em algumas cidades da região litorânea do sul do Brasil. O estudo trata das narrativas biográficas e trajetórias sociais de nossas parceiras de pesquisa, cujas lembranças e reminiscências apontam para as metamorfoses nas formas tradicionais de enfrentamento do fenômeno morte entre os praticantes do rito.

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Notas da redacção

Versão original recebida em / Original Version 05/02/2019

Aceitação / Accepted 25/05/2019

Texto integral

Introdução

  • 1 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

1A cidade de Osório é o principal acesso para o litoral norte gaúcho daqueles que se deslocam da capital do estado. Localizada estrategicamente entre Porto Alegre e Torres (essa última representando o marco de saída do estado do Rio Grande do Sul para o estado de Santa Catarina), é ponto de passagem quase que obrigatório dos milhares de turistas que cruzam, todos os anos, as suas principais vias: a BR 290 (Free Way), BR 101 e RS 389 (Estrada do Mar). Com uma população de aproximadamente 40 mil habitantes, a possui 663km2 de área territorial (IBGE1, 2010) e está distante 95 km da capital do estado (Porto Alegre).

  • 2 O Maçambique de Osório é uma espécie de auto popular de natureza religiosa, com o qual os negros pr (...)

2Habitualmente Osório (antiga Vila de Nossa Senhora da Conceição do Arroio), suas vilas e vilarejos (e principalmente o Morro Alto) aparece mencionada em estudos que fazem referência aos dançantes do Maçambique2. A Festa da Nossa Senhora do Rosário (momento em que acontece a festa do Maçambique) é a principal manifestação sagrada e cultural da comunidade negra remanescente do Quilombo de Morro Alto (atualmente pertencente ao Munício de Maquiné). O Maçambique é um importante símbolo cultural e sagrado na construção social da identidade negra no combate ao racismo e à discriminação social, além de lutar pela afirmação sociocultural dos quilombolas (BITTENCOURT Jr., 2006).

3A presente pesquisa tem por inspiração os estudos de etnografia da duração nos moldes propostos por Eckert e Rocha (2013), e que trata do estudo da identidade narrativa de habitantes em contextos urbanos interpretando a cidade como objeto temporal, e, assim, transita pelo campo da antropologia das sociedades complexas concebida por Gilberto Velho (2004). O rito funerário da Coberta d’Alma é concebido como fenômeno que integra a memória coletiva dos ritos fúnebres da e na cidade de Osório, sendo aqui concebido como aspecto integrante por muitas famílias locais tradicionais para o enfrentamento do problema do desaparecimento de um ente querido das esferas de convívio social, tanto pública quanta privada.

4O trabalho de campo se inicia com a retomada do contato, dez anos depois, com algumas das protagonistas do documentário “A Coberta d’Alma – Um ritual para os mortos de Osório”, produzido e realizado no ano de 2004, do qual um dos autores participou como assistente de produção.

As parceiras de pesquisa e suas histórias de vida

  • 3 As etapas do ritual da Coberta d’Alma serão descritos em capítulo próprio no decorrer deste trabalh (...)

5As informações e referências que aparecem no artigo, sob a forma de citações (curtas e longas), apresentam os relatos das próprias interlocutoras, captadas por meio de registro audiovisual, durante a pesquisa de campo. São elas as principais narradoras das estórias que serão aqui apresentadas, as quais remontam seu engajamento com o ritual da Coberta d’Alma3 desde a perspectiva de suas trajetórias sociais, das suas famílias de origem às suas famílias de procriação, sempre numa reflexão densa sobre as metamorfoses ocorridas nas formas de vida urbana no contexto das sociedades moderno-contemporâneas (VELHO, 2004).

6A primeira parceria de pesquisa, Dona Luiza Colombo Martins, 75 anos, foi uma das primeiras protagonistas do referido documentário a ser contatada e foi a responsável por nossa entrada no trabalho de campo, no dia 04 de dezembro do ano de 2014. Segundo seu relato “eu nasci e me criei até meus 09 anos ali no Morro (Alto), mas é Osório né?, também. Só que aqui na cidade foi com 09 anos que eu vim pra cá”.

Dona Luiza em seu espaço de trabalho

Fonte: Coletado pelos autores (2014)

7Dona Luiza pertence a uma família composta de mais duas irmãs e seus pais, sendo que “a minha irmã mais velha agora também já faleceu. Agora só tem eu e a outra irmã mais velha que eu”. Ela casou com 19 anos e desta relação teve 02 filhos: “foi com muita dificuldade pra ter esses dois ainda... Graças a Deus, tenho esses dois filhos que são maravilhosos”, complementa. Seu marido já é falecido há 34 anos, “faleceu bem novo”, deixando-a viúva com os dois filhos pequenos.

8Dona Luiza sofre com um problema de deslocamento do osso do quadril decorrente “de um remédio que minha mãe tomou para dor de dente quando ela estava grávida. Daí eu nasci toda cheia de problemas! Minha vó diz que foi espichando e enfaixando com um travesseiro e meus braços melhorou e eu só fiquei com problema aqui, no quadril, aquele ossinho saindo pra fora. Eu caminhava com a perna cruzada até os 11 anos quando eu fui pra Porto Alegre pra me operar. Eu caminhava com a perna cruzada, uma em cima da outra. E esse ossinho cada vez saindo mais pra fora, né?”.

9O deslocamento da família de origem, segundo ela, teve um motivo nobre: ela queria estudar:

E eu vim pra Osório pra estudar. Por que eu não podia trabalhar na roça, né? Por causa da minha dificuldade física. Aí, chegando aqui, eu estudei o quarto ano e o quinto. Daí com 11 anos no caso, chegou um médico novo aqui, Dr. Maineri, e eles começaram a dizer: “Leva ela lá pra ver se tem jeito pra arrumar a perna!” Aí a minha mãe levou no Dr. Maineri. Aí ele já me indicou pra Santa Casa, já fui eu pra Santa Casa, em fevereiro. Antes de começar as aulas, que daí eu ia entrar no ginásio, no caso. Naquela época saía lá no quinto ano e ia pro ginásio, né? E aí eu já fui foi pra Santa Casa, fazer cirurgia. Fiquei 4 anos... eu vim pra casa com 15 anos. Daí eu já caminhava só com muleta, tinha bastante dificuldade assim, né? (Trecho da entrevista de Dona Luiza, em 04/12/2014, informação verbal).

10Começou a costurar com 20 anos de idade, em máquina de pedal, fazendo roupas para as bonecas das amigas e agora, com a velhice, está, como ela mesma afirma, “só fazendo arrumação, muita bainha, prega fecho, bota elástico na calça...” E complementa, informando que:

Só consertos agora eu estou fazendo. Não pegando mais assim pra fazer. É mais difícil, né? A gente já está cansada, com a idade os problemas vão aumentando, a gente vai ficando com dor aqui, dor ali, né? Aí já tem que diminuir o serviço, né? Não pode mais fazer tanto como fazia antes.

11Algumas casas depois da morada de Dona Luiza, logo depois da mecânica JJ, numa casa de madeira, mora a Dona Iracema Noronha da Luz, 87 anos, viúva, mãe, avó, bisavó e tataravó! Dona Iracema vem de uma família com 08 irmãos (04 irmãos e 04 irmãs). Atualmente, estão vivas “só as duas mais moças... Só vive eu e a Terezinha, uma que mora lá em Lajeadinho. Ela com 83 anos e eu com 87. Dona Iracema morou com o pai e os irmãos “até 22 anos, foi a idade que eu me casei” informa. Ficou casada com o primeiro marido por dois anos e quatro meses, quando ele veio a falecer; “eu fiquei com dois nenéns: um com 01 ano e o outro com 02 meses. Aí depois casei de novo né?” Com o segundo marido teve 03 meninas: “uma faleceu com 14 dias e as outras duas estão aí”. E dos filhos do primeiro casamento “um faleceu com 37 anos e o outro mora em Tramandaí”. Trabalhou durante 30 anos como merendeira na escola General Osório, “entrei e saí aposentada. Faz 27 anos que eu estou aposentada. Eu tive sorte que eu fechei os 30 anos de serviço como 60 anos de idade junto. Naquela época deu certo”.

Dona Iracema na sala de sua casa

Fonte: Coletado pelos autores (2014)

12Revisitando sua biografia, Dona Iracema destaca que sua vida “dá uma novela”:

Nasci em Osório! Dia 18 de outubro de 1927, às 9 horas da manhã. Eu fui uma criatura que fui criada sem mãe, perdi a minha mãe com 7 anos, meus irmãos que me criaram. Agradeço muito a educação que eles me deram, uma educação muito boa que até hoje eu procuro cumprir ela. E, como tu sabe, uma pessoa sem mãe passa trabalho, né? Eu passei muito, sofri muito! [...] Mas eu fui feliz, com tudo o que eu passei, eu hoje me sinto uma mulher feliz. Porque hoje eu tenho os meus filhos, tenho meus netos, bisnetos, tataraneto eu já tenho, já sou tataravó! E eu vivo assim como eu gosto, simples. [...] Eu moro, pode se dizer, sozinha; tenho uma filha que mora aqui, mas passa mais tempo em Capão da Canoa do que aqui. Ela não gosta de Osório. [...] A minha casa é simples, eu não gosto de luxo! (Trecho da entrevista de Dona Iracema, em 14/04/2015, informação verbal).

13Dona Iracema recorda da morte da mãe, quando tinha 07 anos de idade e nos ressalta que este foi o seu primeiro contato com a experiência da morte de um ente querido. Sua mãe morreu “de parto e estava deitada com o ‘nenenzinho’ no braço... ela tinha cabelos compridos e puxaram o cabelo dela todo assim”. A descrição do momento dessa morte veio acompanhada de um gesto que mostrava como o cabelo de sua mãe havia sido acomodado sobre o peito. Precisamente neste momento a voz da senhora embargou e os seus olhos lacrimejaram. Ela rememora que via a mãe deitada naquele caixão, mas que achava que a mãe estava dormindo. Emocionada, relata ainda que estava com a irmã mais nova no colo, tentando fazê-la dormir e que, para isso, cantarolava alguma coisa. Neste momento teve a sua atenção chamada pela comadre Chiquinha que pedia que ela não cantasse naquele dia. Sem saber o motivo da advertência, justificou que a irmã não estava dormindo.

Aí então, quando levaram a mamãe para o cemitério, eu fiquei em casa, eu não fui. Botaram aquele caixão dentro de uma carreta (naquela época era carreta não era carro assim). Aí , eu fiquei em casa, mas eu achei assim que levaram, não sei, que depois ela voltava, né? Aí me lembro quando o pessoal chegou do cemitério, o papai chegou aí eu disse para ele: “o pai, cadê a mãe?” Eu ainda estava achando que ela vinha. Aí o pai me botou assim, me sentou numa perna dele e disse: minha filha, a mãe não vem mais. A mãe foi para o céu. Aí foi que eu desandei a chorar. A hora que eu chorei foi nessa hora, isso aí eu me lembro bem (Trecho da entrevista de Dona Iracema, em 14/04/2015, informação verbal).

14Iniciou um namoro com seu primeiro marido a contragosto do pai, “Mas eu fui feliz!”. Comenta que sente muita saudade da “igrejinha pequenininha da cidade” que desapareceu de sua paisagem; muito devota de Nossa senhora Aparecida, é atuante na comunidade e participa do apostolado da oração. Diz que percebe as transformações que ocorreram nas práticas religiosas quando relembra que “no mês de outubro, que é o dia de Nossa Senhora Aparecida, a gente fazia os terços, a gente tinha que arrumar uma flor, não importava, podia ser rosa, qualquer uma flor”.

Então a gente vinha lá dos fundos da sacristia, o padre na frente e a gente atrás dele, como uma rosa na mão, pra oferecer para Nossa Senhora. Isso tudo são coisas que a gente vai ficando numa idade que a gente sente saudade”.

15Dona Iracema diz que é uma mulher rica “da Graça de Deus”; com os seus 87 anos, informa que não sabe o que é ir ao médico. Atuante e muito disposta, ela está sempre envolvida nos “bailinhos” do Centro de Convivência de Osório. Já foi eleita 07 vezes rainha da Terceira Idade do Centro de Convivência. E finaliza dizendo: “Cris, tu não vai rir de mim, mas quando eu morrer, gostaria muito que as minhas faixas fossem comigo no caixão”.

16A terceira parceira de pesquisa, moradora da cidade, foi a Dona Severina. Mulher negra, de profissão benzedeira e parteira, na época de nosso encontro estava com a saúde debilitada pois havia sofrido um derrame e encontrava-se morando com sua filha Francisca Dias (Preta) em uma casa construída no seu pátio. Dona Severina completou 90 anos no dia 08 de dezembro de 2014, dia consagrado a Nossa Senhora da Conceição. Foi a Rainha Ginga do grupo de Maçambique de Osório até o seu falecimento, em dezembro de 2016. Dona Severina e Preta Dias nasceram na comunidade remanescente do quilombo do Morro Alto. Os pais de Dona Severina tiveram 08 filhos, pelo que ela recorda.

17Preta relembra que a comunidade do Morro Alto era composta por 08 casas, “que eram dos irmãos dela (Dona Severina)”. Diziam, na época, que quem morava no morro “morava no barro e quem morava na beira da faixa (BR 101) morava na areia”. No momento de desapropriar as terras quilombolas, Dona Severina, “que era a poderosa lá na comunidade, abraçava os irmãos, porque tudo era ela que ia fazer, era os partos, aí ela pegou e veio primeiro e depois começou a trazer os outros”. Dona Severina, segundo relata sua filha, sempre foi uma mulher “muito firme, muito decidida, sabe? Muito brigona, rígida, ela que comandava assim. Nas rezas, ela benzia também, ela era parteira” e isto justifica o seu “poder” na comunidade.

Dona Severina e Preta Dias na ocasião da entrevista

Fonte: Coletado pelos autores (2014)

18O ofício de benzer e de fazer partos foram apreendidos com o “titio Mané Rosa, que era um senhor que benzia e ele ia muito lá”. Preta lembra dele “porque quando a gente via ele vindo, nossa, a gente corria pra avisar que o titio estava chegando”. Titio Mané Rosa ficava alguns dias na comunidade, cada dia na casa de uma família. “Ele era o curandeiro da comunidade; se via que tinha alguém mal, chamava o Titio Mané Rosa” relembra Preta. Dona Severina relembra, então que foi o titio Mané Rosa que fez o parto do seu nascimento: “ele fez o parto, ele me criou, ele me deu tudo...”. Preta recorda de uma ocasião que “teve uma doença na comunidade, que morreu muitos animais, e eu lembro que titio Mané Rosa foi chamado pra benzer, pra benzer a comunidade por que tava morrendo muito bicho”. Diz que ela era bem pequena, mas “a gente não esquece essas coisas...”.

19Dona Severina sempre esteve envolvida com benzeduras, ao ponto da sua antiga casa estar sempre cheia de pessoas que buscavam, por meio de seu dom de “rezas e benzeduras” transmitidos a ela por seu antigo parente, uma cura para seus males. Figura de destaque na realização do ritual do Maçambique, Severina ocupava o lugar importante da Rainha Ginga no processo de realização da congada. Segundo comentários de Preta, sua mãe “foi durante 30 anos pajem da Maria Tereza (antiga Rainha Ginga do Maçambique); ela cuidou da Maria Tereza, ela arrumava a Maria Tereza, penteava o cabelo, cuidava da alimentação.” Ela cuidava dela não só durante a festa, mas depois da festa. E depois que transcorreu o falecimento de Maria Tereza, assim relata sua filha, Severina foi pajem da filha dela, a Tomásia: “A Tomásia, antes de falecer, tinha feito um pedido: que ela (Severina) fosse a Rainha (...). Daí a Dona Severina foi coroada com a coroa da Maria Tereza”.

20A coroa de Rainha Ginga do Maçambique não necessariamente é transmitida aquela que foi pajem. Preta salienta que “Maria Tereza era pulso firme, aquela coisa assim. Já a dona Severina é mais lenta, mais light, é uma rainha mais light”. Essa forma de exercer o cargo de Rainha Ginga na congada está intimamente relacionada às transformações pelas quais o grupo vem passando:

“entrou muito jovem, hoje o grupo depende desses jovens também. Se tu não tiver um modo de falar com eles, eles vão se dispersar pra outro lado. Daí a gente tem que ter um foco com eles, né? É muito difícil tu controlar... hoje, a maioria dos dançantes são jovens. Eles tão ali dançando de pés descalços, muitas meninas tão olhando e tu tem que ter um jogo de cintura assim: ‘olha, tu na vara! Presta atenção!’ Sabe? Então assim: hoje tão todo mundo de brinquinho lá, cabelinho grande... Daí chega na época da festa tem que ajeitando até o cabelo deles, botando grampo de cabelo, puxando com gel, então assim, mudou muito, mudou muito, né? Daí pra botar o gorro na cabeça, então... A Rainha tem que mudar nesse ponto também”.

  • 4 Os negros que vivem na localidade de Morro Alto descendem de ancestrais que estavam ali desde antes (...)

21Remanescentes do quilombo do Morro Alto4, Preta, acompanhando os relatos esparsos de sua mãe, relata o que sentiu frente à necessidade de desocuparem a área do Morro Alto bem como as relações sociais no seio da comunidade:

Foi um baque assim pra gente, por que, a gente morar num espaço onde tu planta de tudo, né? A gente tinha criações, de porcos que, aquela época era aqueles chiqueiros que eles faziam de pedra, né? Mangueirão, como eles chamavam... E a gente tinha muita galinha, muita... A única coisa que a gente comprava era o sal, por que a farinha, a farinha de milho a farinha de mandioca tudo era dali, da comunidade. E entre todas as casas tinha no meio um forno, enorme, que, uma vez na semana todo mundo se reunia e fazia o seu pão ali, fazia e trazia ali pra assar, que era o forno da vovó, né? Então era usado, então a gente trabalhava tudo em comunidade. Compartilhava tudo! Matava um porco, todo mundo ia pra lá pra ajudar e era aquela festa, aquela festa. E ai as crianças, nós (eu também era criança na época) a gente brigava muito por causa da bexiga do porco, que a gente fazia bola. Que aquilo ali dá pra fazer uma bola enorme, que dura bastante tempo. Então aí tinha aquela disputa, briga entre a gente. Aí, quando era na casa da mãe sempre era eu que levava por que eu era a mais moça, daí sempre era eu que levava a bola, a bexiga do porco pra fazer a bola. Mas era muito bom assim, bah! Era uma festa aonde que a comunidade toda se reunia (Trecho da entrevista de Dona Severina e Preta Dias, em 04/12/2014, informação verbal).

22Por seu turno, Preta relembra do contato com a morte no seio da comunidade do quilombo do Morro Alto informando que “desde criança, acompanhavam tudo”. As suas memórias se detêm, principalmente, na confecção do caixão em casa: “a pessoa está se velando lá em cima de uma madeira, que bota uma toalha, lá a pessoa e eles tão lá fazendo o caixão nos fundos, entendeu?”. Além da confecção do caixão, conforme nos relata, era necessário comprar o tecido, “forrar o caixão, tu fazer o caixão, forrar o caixão, tudo ali na comunidade... então é muito puxado.” Os moradores do quilombo do Morro Alto eram sepultados no cemitério de Aguapés, que ficava bem distante da comunidade e essas experiências reaparecem como algo que “marcava muito a gente”, finaliza.

23A última parceira da pesquisa contatada foi Dona Odete Maria da Silveira, na época com 85 anos. Dona Odete , falando de sua trajetória social, nos relata que sua família, além do pai e da mãe era composta por “quatro irmãs e dois irmãos”, mas que agora estão só mais em duas irmãs, “uma com 95 anos e eu, com 85, uma diferença de dez anos de uma pra outra”.

24A irmã, que na ocasião da pesquisa estava com 95 anos de idade, era a segunda filha do casal, “a primeira era a Bernardina, que morreu com 96 anos”. Dona Odete é a caçula, “a mais moça da família”. E por estar na posição de “caçula”, nos conta que morou com os pais até os 19 anos, “sempre lutando junto, na roça, plantando cebola, plantando batata, aipim”. Era “peona” pois os irmãos casaram e ela ficou morando com os pais. Nesta atividade, além de ajudar na plantação, “pegava o cavalo no piquete e ia voltear as ovelhas e depois volteava o gado para colocar na mangueira”.

Dona Odete Maria da Silveira

Fonte: Coletado pelos autores (2015)

25A família de origem de Dona Odete produzia leite, sendo ela a responsável por “apartar os terneirinhos, separar os terneiros das vacas de leite”. Na madrugada, tiravam o leite “pra tocar para a praia, a praia de Cidreira. E ia a cavalo, meu irmão que levava”. Ela relembra que a tarefa de tirar o leite era “sacrificosa”, pois mesmo sendo criança precisava ajudar “na lida”. Segundo conta, nessa época, o leite era tirado a mão e colocado numa lata de querosene “muito bem lavada, desinfetada com álcool e botava um foguinho pra queimar pra ficar limpinha”; nesta lata, colocavam uma alça de arame. E, “na puxada da tarde, ainda fazia manteiga, fazia queijo, fazia de tudo”.

26Ao casar com 19 anos, Odete foi morar em “Fortaleza, município de Cidreira. Um mato, rapaz!”. Moraram por 15 anos nesta casa, “todos os 06 filhos nasceram lá”. Dos filhos que teve “perdi 04, um há pouco tempo e os outros 03 pequeninhos”. Lá não tinha recursos, “quando adoecia alguém lá, só aqui em Osório que tinha recurso”. Os filhos nasceram de parteira e, para o segundo filho, necessitaram de um médico, “o Doutor Mário Silveira, um doutor antigo. Foi ele e a parteira”. A transferência para a cidade se deu por um problema de doença do marido: “meu marido teve um derrame e o médico disse que se ele quisesse durar mais alguns anos, teria que vir pra cá; eu peleei com meu marido 16 anos, numa cadeira de roda. Agora, faz quase 30 anos que faleceu”.

27Dona Odete já tem separado o traje com o qual quer ser enterrada e, também, aquele que deverá ser entregue para vestir a sua alma. Me informou que as roupas “estão ali”, apontando para o seu quarto. Além do encontro de reaproximação, ocorrido no mês de abril de 2015, fui até Osório mais duas vezes para conversar com Dona Odete. Nas três vezes em que estive com ela, sempre fui muito bem recebido; ao término das nossas conversas, era convidado a tomar um café com leite com pão feito em casa, pois “a viagem até tua casa vai ser longa, pra tu não ficar com fome!”.

As transformações na paisagem da cidade – a Osório de ontem e de hoje pelas vozes das velhas senhoras

28Passamos, agora, ao relato das transformações urbanas que acompanham as estórias das interlocutoras sobre a prática ritualística da Coberta da Alma, os quais remontam as memórias destas velhas senhoras quando passam a morar na área urbana da cidade em foco. Os testemunhos, repletos de saudosismo e emoção, gravitam fortemente em torno da intimidade e solidariedade que teciam as relações de vizinhança entre as famílias no âmbito de uma vida de bairro, das suas conexões com o referido ritual e das suas transformações.

29Iniciamos essa parte da escrita do artigo, registrando os efeitos da passagem do tempo nas formas da vida urbana em Osório, a partir da paisagem citadina que descobrimos ao retornar para realizar esta pesquisa, dez anos após a realização do documentário acima citado; sem dúvida, na última década, ela se verticalizou na região central e a instalação do parque eólico, que capta o recurso natural mais abundante na região (o vento), transformou as margens da Lagoa dos Barros (a maior das lagoas na região litorânea do estado do Rio Grande do Sul).

Chegada em Osório – Parque Eólico que mudou o visual da cidade

Fonte: Coletado pelo autor na saída de campo (2014).

30No diário de campo de um dos autores, do dia 19 de outubro de 2014 (dez anos depois do seu primeiro contado com a cidade), percebemos a surpresa causada por essa transformação na paisagem:

Fotografei algumas imagens de Osório, principalmente a lagoa e o parque eólico. Essas fotos foram feitas de dentro do ônibus, com o mesmo em movimento, mas pode-se ter uma noção de como a paisagem se modificou com a instalação desses enormes cata-ventos que tem uma altura de aproximadamente 100 metros e que somam 125 unidades espalhadas pela cidade.

31No momento da sua saída de campo este autor pôde percebe ainda mais fortemente a transformação na paisagem do centro urbano; a cidade passa pelo processo de desenvolvimento, porém, mantém viva a memória do seu passado na preservação dos prédios históricos do município. Ao sair da biblioteca pública, na esquina das ruas Machado de Assis com a rua Marechal Floriano encontra-se o prédio que, na década de 50, era o Big Hotel e a estação rodoviária. Atualmente, o prédio abriga no vão inferior o terminal de ônibus urbano de Osório; há, ainda, uma lanchonete e algumas lojas populares que vendem produtos de decoração, tabacaria entre outros. A parte superior do prédio ainda comporta o hotel.

Transformações do centro urbano de Osório – Esquina das ruas Machado de Assis com Marechal Floriano – década de 1950 e ano de 2014

Fonte: Foto esquerda: Fotógrafo Sérgio Baptista – década de 1950

Foto direita – Coletado pelo autor na saída de campo (2014).

32Em suas lembranças da antiga Osório da época de sua infância, Dona Luiza retinha em suas memórias a imagem de uma cidade pacata, onde não havia quase nada, “tinha um ou dois carros” (em alusão à atual falta de lugares para estacionar os carros, principalmente quando necessita ir ao Centro). Pouco a pouco, durante nossas conversas, ela retoma a época quando aquela região, onde atualmente está localizada a sua casa, era uma grande chácara, sem rua movimentada, “com um matinho com eucalipto que dividia com o outro senhor lá que tinha taquareiras”. Era o território onde se situava a roça onde o pai plantava aipim e laranjas, com uma extensão que “ia até lá na esquina”.

Transformação do espaço denominado por Dona Iracema como "chácara"

Fonte: Desenvolvido pelos autores a partir do Google Maps, (2015)

33Vizinha de Dona Luiza e contemporânea, Dona Iracema apresenta a sua versão para a paisagem urbana de Osório desta época a partir da descrição dos limites de uma quarteirão que lhe era significativo por ser parte das propriedades de sua família de origem: “da Nelson Silveira até a Voluntários da Pátria era do meu irmão isso aqui tudo, ali na frente, onde é esta faixa de movimento, era uma estradinha de carreta. No mais tudo era mato”. Impossível não perceber o saudosismo que invade a fala de Dona Iracema quando descreve uma Osório “de antigamente”, cujas ruas, cercadas de mato, eram cortadas pelo trânsito modorrento das carretas e onde não havia o medo de sair na rua (correndo o risco de “carro pegar a gente e bandidos assaltar as velhinhas de cabelos brancos como eu”).

34Para Iracema, na sua época de criança e jovem “era uma cidade calma né? Poucos habitantes, não era como é hoje, é muita diferença... Uma das coisas que eu tenho muita saudade, daqui, é a nossa antiga igreja, a igreja pequenininha onde hoje vai ser a catedral”. E constata, com a sabedoria dos seus oitenta e sete anos de vida, que essas transformações vêm junto com o progresso, “o que que a gente vai fazer? ”.

35Segundo Dona Odete, a distância entre as moradas era longe uma da outra (“longe, muito longe”) e o código de posturas da época permitia “que os vizinhos criassem porcos... faziam chiqueiro de porco e a vizinhança nem ligava”. Eram as atividades religiosas promovidas pela paróquia local aquelas que uniam os vizinhos entre si, configurando-os como uma comunidade. Dona Luiza relembra que o encontro com os vizinhos acontecia, principalmente, na paróquia. Na cidade, “a gente tinha, assim, alguma amiga, mas bem longe que de vez em quando vinha, mas não tinha assim vizinho pertinho como tem agora, né? Não! Era tudo bem longe, duma quadra na outra, assim”.

36Segundo seu relato para essa região do bairro Centro, Dona Luiza relembra ainda, que “naquela época cada um era dono de uma quadra”. Sobre os vizinhos da época em que veio morar no local “já tem muito poucos, mudou muito. Assim: tem a outra vizinha ali, depois desse aqui (na frente) que já faz bastante tempo que aqui. É, mudou bastante também... eles eram bem pobres. Ela fazia pão pra vender, coisa assim... Arrumou bem a casa, botou tudo coisa boa dentro de casa, né? Mudou bastante”.

37Esta mesma impressão sobre as relações de vizinhança no bairro tem a sua vizinha, Dona Iracema. Ela relembra que “quando a gente tinha um vizinho, por exemplo, nós morava ali onde é a Luiza hoje, nosso vizinho mais perto ficava na outra rua. E o meu irmão, Fernando Noronha, que morava ali. Era dois irmãos que moravam um pertinho do outro. E nossos vizinhos era isso aí”.

38A memória de Dona Iracema vem carregada de um sentimento de perda pois, segundo ela, “naquela época a gente tinha assim uma amizade. A gente chegava, por exemplo, no fim de semana, a gente arrumava a casa, fazia docinho, rosquete, bolachinha para esperar visita, os vizinhos que vinham conversar, né? E, quando era domingo de tarde, eles vinham, a gente sentava na rua quando era um tempo bom pra conversar, a gente fazia café. Era uma felicidade diferente de hoje”. Importante frisar que, no momento da realização da pesquisa, Dona Iracema frequentava o Centro de Convivência e afirmava sentir-se muito bem neste espaço de convívio social com outras pessoas, todas mais ou menos da mesma idade que ela. Porém, ressalta, sente falta de amizades verdadeiras, como as que tinha quando veio morar em Osório: “naquele tempo, que tu dissesse assim: ‘bom, aquela vizinha ali é minha amiga’, era tua amiga de verdade. E hoje não é assim”.

39Hoje, como antigamente, Dona Iracema se esforça por cultivar as relações de amizade e solidariedade entre os vizinhos no bairro, apesar do crescimento urbano na região, que alterou substancialmente sua paisagem. Como a distância entre os vizinhos era maior que atualmente, “se eles não se vissem, eles vinham ali: tudo bem? tudo bem? tudo com saúde? E ia embora. Eles vinham ali saber como agente estava. É muita diferença daquele tempo pra hoje”.

40Dona Severina, e sua filha Preta, moraram, durante a sua infância, na comunidade quilombola do Morro Alto; a vida em uma área comunal permitia uma relação mais estreita entre os vizinhos (diferente do que relatam as outras nossas parceiras de pesquisa). Segundo ambas, tudo praticamente era feito em comunidade: a carneação de algum animal, o plantio e a colheita, a transformação dos grãos em farinha, as comemorações. Preta relembra das brincadeiras com as demais crianças da comunidade e percebe-se esse modo de bem viver nas relações de vizinhança (e de parentela) quando ela relata da vida em comunidade no quilombo do Morro Alto:

Quando a gente morava na comunidade, era muito próximo, né? Poxa vida... Pra tu sair de casa tu tinha que passar por várias casas, né? E a gente tinha aquele costume assim: lá no Morro Alto, de uma pessoa vim pra Osório e passar em todas as casas. "Tô indo pra cidade!" Entendeu? "Tu precisa de alguma coisa de lá?" Daí tu encomendava, dava o dinheiro, a pessoa pegava e trazia o que tu queria (Trecho da entrevista de Preta Dias, em 04/12/2014).

41O deslocamento destas famílias de afrodescendentes do quilombo do Morro Alto para o contexto urbano de Osório modificou essas relações de vizinhança. No momento em que foram “acomodados” nos bairros Medianeira e Caravágio, as casas assumiram novas posições e distanciamentos, afetando o contato direto que tinham quando viviam em comunidade.

A morte para os antigos: ritos funerários e o ritual da Coberta d’Alma

  • 5 Segundo Van Gennep (1977) os ritos de passagem são cerimônias que existiram e existem em todas as c (...)

42Neste momento concedemos lugar à lembrança do contato com a morte, ora vivido na tenra infância, como no caso de Dona Iracema que perdeu a mãe aos sete anos de idade; na ocasião da perda dos filhos recém-nascidos de Dona Odete; ora vivido em comunidade, caso da Dona Severina e da Preta Dias que moravam na comunidade quilombola do Morro Alto. A reconstrução destas memórias do contato com a morte é fundamental pois antecede o engajamento destas senhoras com o rito de passagem5 em questão e os compromissos assumidos com a prática da Coberta d’Alma que transcorre ao longo de suas vidas.

43A Coberta d’Alma é um rito funerário de perpetuação da memória do ente falecido no seu seio familiar e social praticado, ocasionalmente, em cidades do litoral gaúcho e catarinense, caso de Osório. Após a morte de um membro, a família do falecido elege e doa uma muda de roupa completa a um amigo ou a uma pessoa da comunidade que a usará em momento específico; na missa do 7º ou de 30º dias de falecimento do doador. Tendo por referência o sistema de crenças de que a roupa com a qual o morto é enterrado apodrece junto com a matéria, fazendo com que a alma se desprenda nua do corpo, os praticantes creem que, com este gesto, a alma da pessoa falecida estará vestida para apresentar-se perante Deus. Além disso, como afirmam os praticantes (e como parte integrante do antigo rito funerário), ao enxergar-se vestida em outro corpo, a alma do morto toma consciência de sua nova condição, libertando-se do corpo para seguir em paz seu rumo ao mundo dos mortos. Em contrapartida, quem usa a roupa acaba por assumir, moral e afetivamente, o papel da pessoa falecida perante a sua família, sendo tratado/a como se o/a morto/a ali estivesse.

44No que diz respeito a importância da identificação das fases do ritual, Van Genepp (1977) informa que todas são relativas umas às outras: o autor preocupa-se com os rituais como objeto de estudo e tal fato é percebido na apresentação de Roberto DaMatta sobre o assunto:

A grande descoberta de Van Gennep é que os ritos, como o teatro, tem fases invariantes, que mudam de acordo com o tipo de transição que o grupo pretende realizar. Se o rito é um funeral, a tendência das sequências formais será na direção de marcar ou simbolizar separações. Mas se o sujeito está mudando de grupo (ou de clã, família ou aldeia) pelo casamento, então as sequências tenderiam a dramatizar a agregação dele no novo grupo. Finalmente, se as pessoas ou grupos passam por períodos marginais (gravidez, noivado, iniciação, etc.), a sequência ritual investe nas margens ou na liminaridade do objeto em estado de ritualização (Van Gennep, 1977, p. 18).

45Turner (2005) aborda o conceito de liminaridade ao estudar os aspectos rituais em sociedades tradicionais e de pequena escala, como o povo Ndembu (Zâmbia). Para ele, estas sociedades apresentam ritos de passagem muito bem definidos pois as suas posições sócio estruturais também estão muito bem definidas; nestas sociedades tradicionais, os rituais de passagem são muito relevantes e, desta forma, os momentos liminares tendem a ser eminentes e suas características simbólicas potencializam as questões estruturais do grupo.

46O autor chama a atenção, ainda, para a generalidade de uma estrutura processual nos ritos de passagem, informando que eles se compões de rituais de separação, de margem e de agregação. O tempo liminar (margem) desenvolve uma complexidade diferente em relação às outras duas fases (separação e agregação); é durante estes períodos liminares que os indivíduos participantes dos rituais se encontravam fora das estruturas da sociedade em que vivem e, para o autor, este tempo liminar é que dá o sentido do rito de passagem.

47Na Coberta d’Alma identificamos, para a alma, as três fases que compõe o processo ritual de passagem: a separação (que ocorre no momento do falecimento), o tempo liminar (do falecimento à missa de sétimo dia) e a agregação (no momento em que ocorre o ritual) e este pode ser subdividido em etapas: a primeira é o momento em que a pessoa vai até a casa da família para vestir a roupa, objeto ritual para a prática do rito (momento este que apresenta a maior carga de simbolismos); o segundo momento é o comparecimento à missa de sétimo dia pela alma da pessoa falecida e, finalmente, o terceiro momento: a refeição na casa da família enlutada, momento este que encerra também a cerimônia pela alma daquela pessoa. Van Gennep (1977) já aponta para a reincidência e a importância das refeições coletivas durante os rituais de passagem “refeições que tem por finalidade ligar novamente entre todos os membros de um grupo sobrevivente, e as vezes com o defunto, a corrente que foi quebrada pelo desaparecimento de um dos elos” (VAN GENNEP, 1977:139).

48Segundo nos relatam nossas parceiras de pesquisa, muitas famílias davam uma muda de roupa que havia pertencido ao falecido. “A roupa pode ter pertencido ao morto. Alguns ainda em vida deixam-na escolhida”. E a pessoa que recebe a roupa tem a obrigação de vesti-la na missa de sétimo dia ou na de trinta dias. Para auxiliar, “chama outra pessoa para ajudar botar aquela roupa. E dali pra frente, se era uma criança, passava a chamar a pessoa de pai, mãe”, como ressaltou Preta Dias.

Representação do momento de vestir a Coberta d'Alma

Fonte: Imagem do documentário “A Coberta d’Alma” (2004).

49De Luca (2010:53),em sua pesquisa sobre esse rito em Içara /SC, relata sua experiência com esse momento especifico da Coberta d´Alma: “Enquanto os demais familiares esperam na sala, o convidado para cobrir a alma entra num quarto acompanhado de um familiar que vai entregando-lhe peça por peça”. Neste momento de “cobrir” a alma do falecido, a pessoa que está vestindo a roupa é chamada pelo nome do finado.

50Existem pontos de vista sobre o significado da utilização da roupa por este ente vivo que, pode-se pensar, não se contradizem, mas se complementam. Uma das funções do seu uso é para que aquela alma não se apresente nua no céu. Dona Odete relata que “se não desse a Coberta d’Alma, a pessoa não descansava em paz, pois estava faltando aquela roupa. A outra, era para a alma não passar frio. “A família tinha que dar a Coberta d’Alma praquela alma ficar vestida lá”, enfatiza Dona Iracema. De uma forma ou outra, conforme destaca Dona Luiza, “fazendo o ritual a alma permanece viva dentro da família. Daí tu vê aqueles muitos que não davam a Coberta d’Alma vinham dizer: o fulano apareceu dizendo que está com frio... É por que não foi dada a Coberta d’Alma... Daí a pessoa se sentia com frio por que não era dada aquela roupa, né?”

Saia usada por Dona Odete para vestir a Coberta d'Alma da amiga Hilda

Fonte: Coletado pelos autores (2015).

51Dona Odete vestiu três Cobertas d’Alma, uma quando era criança ainda. A última que vestiu foi da amiga e vizinha Hilda, “uma amiga do peito”. Na ocasião de vestir a Coberta d’Alma da amiga Hilda, conversou com a filha da falecida, Conceição. Além da “roupa de baixo” (comprada nova para a ocasião), compraram somente a saia e o sapato. “A saia foi comprada novinha... e o blazer ela tinha botado uma vez só, eu disse “isso aqui dá, não precisa! Tá novinho, ela botou uma vez só, né?” Ai eu disse: “não precisa vocês comprar o blazer, esse aqui dá!” “Aí ela comprou a saia... a saia ainda tenho aí!”

Roupa destinada a Coberta d'Alma de Dona Odete e traje para o seu sepultamento

Fonte: Coletado pelos autores (2015)

52A família já sabe do seu desejo da realização do ritual para a salvação da sua alma bem como já foi eleita a pessoa que vestirá a roupa. “Eva, eu gosto muito dela, ela é muito boa, ela é muito carinhosa, presenteadeira, é muito legal a Eva. Eva é empregada da Conceição (filha da amiga Hilda) e trabalha para esta família há mais de trinta anos. E é este mesmo tempo que convive com Dona Odete:

“Às vezes ela bobeia comigo, ‘Dona Odete, e se eu morrer primeiro que a senhora?’ Isso é Deus que sabe, né? Não sabe o dia de amanhã... Se acaso tu faltar primeiro do que eu, tenho que arrumar outra do mesmo teu tipo, né? ” E completa dizendo: “E eu já escolhi, já disse pra ela mesmo, né? Então tá tudo guardado!” (Trecho da entrevista de Dona Odete, em 28/11/2015, informação verbal)

53O momento da ida à missa é um dos mais importantes dentro deste rito funerário, pois é ao final da sua celebração em intenção ao morto que a alma percebe-se vestida num outro corpo e toma consciência da sua morte. Conforme já mencionamos, o ritual acontece na missa, mas não faz parte liturgia: somente Dona Odete informa que o padre da paróquia sabia que estava ocorrendo uma Coberta d’Alma naquela missa; as demais interlocutoras informaram não saber se essa prática era aceita pela Igreja. Há uma controvérsia, porém, sobre a aceitação, por parte da Igreja Católica, da realização do rito durante a missa; por não fazer parte da liturgia católica, enquadra-se numa perspectiva de um catolicismo popular e é “a partir da missa ou terço em que houve a presença da Coberta d’Alma, a alma estará purificada e conscientizada de que o corpo morreu, por que vê a si própria em outro corpo” (A COBERTA D’ALMA, 2004).

54Terminada a celebração da missa ou do terço de sétimo dia, os familiares, amigos e vizinhos, além da pessoa que está vestindo aquela roupa, dirigem-se à casa do falecido para fazer a refeição. “Às vezes a gente fazia um almoço em casa praquela pessoa almoçar com a gente ou jantar com a gente que aquela pessoa ficava fazendo parte, né? O falecido estava representado naquele outro”, lembra Dona Iracema.

55Normalmente a comida servida era a preferida da pessoa falecida:

A comida consiste nos pratos favoritos da pessoa morta, servida em doses generosas ao convidado, agradado por todos como se fosse realmente a pessoa morta que estivesse ali. Se tiver predileção por uma fruta, o convidado deve comê-la. Se fumar, o convidado deve fumar (DE LUCA 2010:53).

Representação do momento em que a pessoa que vestiu a Coberta d'Alma é servida

Fonte: Imagem do documentário A Coberta d’Alma (2004)

56Depois que todos jantam, as pessoas rezam e cantam cânticos religiosos. Neste momento, a casa é aberta novamente, principalmente a porta de entrada principal. E, na porta, olhando para o horizonte, um familiar (habitualmente o que tem maior autoridade na família), em companhia da pessoa que está vestindo a roupa da Coberta d’Alma, proclama:

Fulano (cita o nome do morto) tu já recebeste a roupa nova.

Já recebeste o jantar!

Já te demos de comer,

Já te demos de beber,

Já rezamos por ti!

Já te demos tudo o que podíamos te dar!

Vai com Deus, descansa em paz e deixa-nos em paz (DE LUCA 2010:53)

  • 6 Usar a roupa tinha um significado diferente porque trazia a lembrança daquela pessoa que partiu. Us (...)

57Neste momento, a cerimônia encerra-se, estabelecendo forte relação afetiva da pessoa que recebe a roupa com a família do falecido6. Essa relação estabelecida por meio do uso da vestimenta vai além da relação afetiva, pois, moralmente, a pessoa que veste a Coberta d’Alma faz parte daquela família. No caso do falecimento do pai, os filhos consideram-se filhos de quem vestiu a roupa, visitando-se mutuamente. Preta Dias informa que “meu pai faleceu e meu tio que recebeu a Coberta d’Alma dele, ele ficou no lugar do meu pai. Ele é como o meu pai. Meu pai foi embora, mas ele ficou no lugar dele”.

Transformações urbanas: imagens do tempo e a arte de morrer

58Sobre a realização de ritos de passagem, Bayard (1996:7) nos informa que “todas as vezes que a significação de um ato reside mais em seu valor simbólico do que em sua finalidade mecânica, já estamos no caminho do procedimento ritual”. Para Van Gennep (1977:126) as cerimônias funerárias são ritos de separação “pouco numerosos e muito simples”, porém, aqueles ritos funerários que agregam o morto ao mundo dos mortos são os mais elaborados e “a eles é que se atribui a maior importância”. Bayard (1996) cita, ainda, que o rito se integra em um sistema dinâmico, onde lhe é conferida eficácia simbólica e que, muitas vezes, o rito é profano somente na sua aparência: a plenitude da sua função social ocorre quando se enraíza no mito, quando é codificado pelo dogma religioso e quando ele é cumprido pelo conjunto da coletividade. Nesse momento, a aparência profana do rito abre-se para o sagrado (BAYARD, 1996).

59Sobre as fases do rito funerário, o autor informa ainda que

Os ritos fúnebres começam com a agonia, fato universal que a vida urbana levou-nos a esquecer e que redescobrimos hoje com o acompanhamento dos moribundos (coincidindo com a fase inicial do luto dos vivos). Elas continuam com o velório, as exéquias, as condolências e o luto público (para os grandes deste mundo), social (uso de roupa preta ou, segundo os lugares, branca, amarela ou azul, e observância de proibições mais ou menos obrigatórias) e psicológico (o sentimento doloroso da perda; o serviço de luto consiste no reconhecimento da realidade da morte – o princípio de realidade prevalece sobre o princípio do prazer – e o reencontro do gosto pela vida) (BAYARD 1996:09, grifos do autor).

60Interessante perceber que o sentido e o lugar dos ritos de passagem permanecem presentes, se não na vida cotidiana, no imaginário e na memória das pessoas. Pensamos que o fato da não realização de determinado procedimento ou da subtração de determinada etapa do processo não esteja ligada, puramente, ao desconhecimento desses procedimentos e/ou etapas. Acreditamos, mais intimamente, numa modificação das/nas práticas dos ritos de passagem (e principalmente no que diz respeito aos ritos funerários) que estejam associadas às metamorfoses nas formas de sociabilidade nas sociedades moderno-contemporâneas (VELHO, 2003) e também estejam relacionadas a uma naturalização dos hábitos e costumes ao qual Elias (1995) trata como processo civilizador. Para esse autor, quando se analisa os costumes de uma sociedade diferente da nossa, é necessário se desfazer de convicções acerca de boas maneiras e considerar que as diferenças de costumes são peculiares àquela sociedade, aquele tempo histórico. Em determinadas sociedades, alguns costumes da população estão em desacordo com o conceito que temos hoje de “padrão de sociedade”.

61Para Elias (1995), o processo civilizador constitui uma mudança a longo prazo na conduta e sentimentos humanos rumo a uma direção muito específica. Para ele, a civilização não é racionalização, nem um produto da raça humana nem mesmo o resultado de um planejamento a longo prazo.

  • 7 “A história da Morte no Ocidente” (2003) e “O homem diante da morte” (1982).

62Philippe Ariès destaca nas suas obras7 as atitudes da cultura ocidental diante da morte. O autor acredita que, somente vivendo com o pensamento na morte, isto é, consciente de que se irá morrer um dia, é que se pode aproveitar bem a vida (Ariès, 1982). Tal consciência fazia parte da relação de “bem viver” e “bem morrer” e deixou de existir para os moribundos a partir do momento em que a morte foi escondida dentro dos hospitais, banida das conversas cotidianas e quando o luto deixa de ser vivido pelos enlutados. Eis que surge o processo de higienização do fenômeno morte dentro da cultura ocidental. No contexto social, o autor retoma a memória e analisa o bem viver em comunidade; esta memória remete a um passado longínquo, a uma utopia do bem viver entre vizinhos e demais membros deste grupo, seguindo regras de bom convívio.

  • 8 “A proteção humana que cercava a hora da morte em nossa antiga cultura funerária era fruto de uma s (...)

63Ariès (2003) nos informa que o fenômeno morte passou a ser algo estranho principalmente no cotidiano social; as conversas sobre o assunto foram banidas das rodas como se o fenômeno não existisse. Muito diferente de como era tratada8, atualmente, dadas as transformações ocorridas, o antigo costume de morrer em casa é substituído pela morte no hospital; o cuidado familiar que o moribundo tinha é terceirizado por uma equipe de enfermeiros. O luto, antigamente cumprido rigorosamente, agora é discreto. E tal pensamento corrobora com a premissa de uma sociedade consumista abordado por Bauman (2001) e nos faz pensar que, na atualidade, a morte (e tudo que a rodeia) passou a ser um serviço prestado por terceiros.

  • 9 “Vivos e mortos faziam companhia uns aos outros nos velórios em casa, em seguida atravessavam junto (...)

64Bauman (2001) informa que os espaços seriam lugares aos quais se atribuem significados, sejam eles de consumo, de vivência, ou outro lugar no qual as pessoas lhe atribuam algum valor. Já os espaços vazios são justamente o contrário: não há nenhum significado atribuído aos mesmos. Relacionamos esse pensamento aos espaços onde ocorrem os velórios atualmente: as capelas mortuárias (espaços vazios, utilizados somente para esse fim e que não trazem impregnados a memória daquele falecido) que não apresentam nenhum significado para a família da pessoa morta. Antigamente, assim como os mortos morriam nas camas onde tinham dormido por toda vida, o velório ocorria sob o teto que lhe protegeu e que serviu de morada por todo o seu tempo em vida. E o valor atribuído a esses espaços no passado9, passa despercebido atualmente. Tanto Dona Odete quanto Dona Iracema são enfáticas ao mencionar o desejo de serem veladas em casa: “se esta casa serviu para eu viver, quero que sirva para quando eu morrer também”, informa Dona Iracema.

65Em épocas de contemporaneidade, percebemos claramente as transformações ocorridas no processo de “bem morrer”, mas principalmente, nos processos de “bem viver”. Identificada por um crescente desapego nas relações interpessoais, pelo individualismo exagerado, pela cultura do consumo e por um desinteresse cada vez maior pelos fenômenos sociais, a sociedade pós-moderna transforma diariamente nossos desejos pela busca da felicidade, ressignificando valores e práticas que, até então, encontravam-se presentes, cotidianamente, na vida e nas relações das pessoas.

66E, no contra fluxo dessas mudanças, aparece o ritual da Coberta d’Alma na intenção de perenizar a memória da pessoa falecida no seu meio social e familiar. Percebemos, por meio dos depoimentos colhidos, que a prática deste rito fortalece as relações de afeto entre os/as praticantes do costume além de criar, em alguns casos, uma relação de parentela que vai além da relação consanguínea; a Coberta d’Alma cria relações de uma parentela afetiva entre as pessoas envolvidas nessa prática funerária tão particular.

Considerações finais

67Este trabalho apresenta e analisa as etapas do ritual da Coberta d’Alma, rito fúnebre de perpetuação da memória da pessoa falecida no seu seio familiar e social por meio de um vivo que, vestindo a roupa que se torna objeto ritual, dignifica a alma daquele/a falecido/a para apresentar-se perante Deus. Além do já mencionado, a prática libera a alma do corpo no momento que a mesma “enxerga-se” vestida por um vivo, o que faz a torna um ato ambivalente.

68Osório, situada no litoral norte do Rio Grande do Sul, apresentou, nos últimos anos, transformações que chamam muito a atenção, principalmente quando trata-se da paisagem do lugar: é uma cidade que cresceu (mais vertical do que horizontalmente) e, além de visualmente, é a partir das experiências narradas pelas parceiras sobre o rito que estas transformações são aqui retratadas. As representações sobre a passagem do tempo na cidade e as suas repercussões nas transformações, nas redes de vizinhança e nas práticas funerárias são apontadas por elas como questões importantes uma vez que desejam que o costume seja realizado no momento do seu falecimento.

69Optamos por retratar as transformações ocorridas em Osório, no seu contexto urbano e para isso, instigou-se a rememoração, por parte das parceiras de pesquisa, sobre os seus deslocamentos na cidade, sobre as relações de vizinhança que se transformam com o passar do tempo, sobre o contato com o fenômeno morte e a sua posterior aderência ao rito funerário em questão. A manutenção desta prática é algo que preocupa as interlocutoras e, segundo elas, as novas gerações já não conhecem e, tampouco se interessam na continuidade da prática da Coberta d’Alma. Reforçaram, porém, que esperam que seus/suas filhos/as atendam o pedido já feito: o da realização do ritual quando falecerem.

70Ao optarmos por algumas técnicas e procedimentos do método etnográfico foi possível compreender melhor o sentido atribuído a esse costume por estas senhoras, todas moradoras de Osório/RS, tendo como foco suas histórias de vida e seus itinerários urbanos. No trabalho de campo desvendou-se a importância das antigas relações de vizinhança para os ritos funerários na remota Osório, assim como o posterior engajamento das parcerias da pesquisa na prática da Coberta d´Alma e as transformações nas formas de vida social vividas por elas no contexto urbano da cidade em foco. O registro das informações contribui para que se mantenha esta memória presente no contexto atual; essas lembranças, normalmente restritas à recordação das pessoas velhas, tendem a contribuir num esforço de salvaguarda destas memórias na comunidade urbana local. Para isso, este estudo se utilizou da etnografia das memórias das interlocutoras localizadas para atingir este objetivo.

71As estórias foram captadas por meio do procedimento de estudos de narrativas biográficas e utilizou-se a técnica de entrevistas não diretivas e semiestruturadas (THIOLLENT, 1981). Havia um roteiro mínimo de questões imprescindíveis relacionadas à pesquisa, porém, não havia uma rigidez para obtenção das informações; a entrevista transcorreu como uma conversa onde os temas iam e vinham de acordo com as lembranças destas mulheres.

72Apesar das transformações ocorridas no contexto das práticas funerárias, notou-se que a Coberta d’Alma acaba por fortalecer as relações de afeto entre aqueles/as envolvidos/as no costume, reforçando laços de amizade e criando, muitas vezes, novas relações de parentela; a família perde um/a ente querido/a e a pessoa que veste a roupa assume, na família, o lugar da pessoa que faleceu, atribuindo ao rito um caráter performático por meio da utilização da veste que torna-se objeto ritual.

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Bibliografia

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_______________. 2003. Projeto e metamorfose: antropologia das sociedades complexas. Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar Editores.

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Notas

1 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

2 O Maçambique de Osório é uma espécie de auto popular de natureza religiosa, com o qual os negros prestam as suas homenagens aos santos de devoção católica negra, tais como Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, expressas por meio dos ritos eclesiais da Igreja Católica e da percussão dos tambores, dos cânticos e das danças de matriz africana. As características africanas mantidas pelo Maçambique prendem-se ao fato de que os reis africanos e seus descendentes são os portadores das tradições e da memória de seus ancestrais (nota dos autores).

3 As etapas do ritual da Coberta d’Alma serão descritos em capítulo próprio no decorrer deste trabalho (nota dos autores).

4 Os negros que vivem na localidade de Morro Alto descendem de ancestrais que estavam ali desde antes da abolição da escravidão como quilombolas, escravos ou ex-escravos contemplados pelo legado de Rosa Osório Marques. Essa antiga proprietária de terras legou aos seus ex-escravos, em disposição testamentária, o usufruto de sua propriedade na localidade. [...] No núcleo de Morro Alto, a legitimidade da ocupação se deu da reivindicação da condição de herdeiro de Rosa [...] (MULLER, 2006, p. 41 e 42)

5 Segundo Van Gennep (1977) os ritos de passagem são cerimônias que existiram e existem em todas as culturas, antigas ou contemporâneas, primitivas ou urbanas, acompanhando cada mudança de idade, de lugar, de estado ou de posição social.

6 Usar a roupa tinha um significado diferente porque trazia a lembrança daquela pessoa que partiu. Usa-se sabendo que a está utilizando pela salvação daquela pessoa. E usa até estragar. “Depois de estragar não tem mais o que fazer”, salienta Dona Odete.

7 “A história da Morte no Ocidente” (2003) e “O homem diante da morte” (1982).

8 “A proteção humana que cercava a hora da morte em nossa antiga cultura funerária era fruto de uma sociedade pouco individualista, em que a vida e a morte privadas ainda não haviam siado reduzidas ao pequeno mundo da família nuclear tipicamente burguesa” (REIS, 1997, p. 108).

9 “Vivos e mortos faziam companhia uns aos outros nos velórios em casa, em seguida atravessavam juntos ruas familiares, vivos enterravam os mortos em templos onde estes haviam sido batizados, tinham casado, confessado, assistido à missas e cometido ações menos devotas – onde continuariam a encontrar seus vivos cada vez que estes viessem fazer essas mesmas coisas, até o encontro final sob aquele chão e no além-túmulo” (REIS, 1997, p. 141)

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Índice das ilustrações

Legenda Dona Luiza em seu espaço de trabalho
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Legenda Dona Iracema na sala de sua casa
Créditos Fonte: Coletado pelos autores (2014)
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Legenda Dona Severina e Preta Dias na ocasião da entrevista
Créditos Fonte: Coletado pelos autores (2014)
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Legenda Dona Odete Maria da Silveira
Créditos Fonte: Coletado pelos autores (2015)
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Legenda Chegada em Osório – Parque Eólico que mudou o visual da cidade
Créditos Fonte: Coletado pelo autor na saída de campo (2014).
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Legenda Transformações do centro urbano de Osório – Esquina das ruas Machado de Assis com Marechal Floriano – década de 1950 e ano de 2014
Créditos Fonte: Foto esquerda: Fotógrafo Sérgio Baptista – década de 1950
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Legenda Transformação do espaço denominado por Dona Iracema como "chácara"
Créditos Fonte: Desenvolvido pelos autores a partir do Google Maps, (2015)
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Legenda Representação do momento de vestir a Coberta d'Alma
Créditos Fonte: Imagem do documentário “A Coberta d’Alma” (2004).
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Legenda Saia usada por Dona Odete para vestir a Coberta d'Alma da amiga Hilda
Créditos Fonte: Coletado pelos autores (2015).
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Legenda Roupa destinada a Coberta d'Alma de Dona Odete e traje para o seu sepultamento
Créditos Fonte: Coletado pelos autores (2015)
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Legenda Representação do momento em que a pessoa que vestiu a Coberta d'Alma é servida
Créditos Fonte: Imagem do documentário A Coberta d’Alma (2004)
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Para citar este artigo

Referência eletrónica

Cristian Leandro Metz e Ana Luiza Carvalho da Rocha, «Transformações urbanas e as memórias do rito funerário da coberta d’alma na cidade de Osório/RS»Ponto Urbe [Online], 24 | 2019, posto online no dia 26 junho 2019, consultado o 13 fevereiro 2025. URL: http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/pontourbe/6284; DOI: https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/pontourbe.6284

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Autores

Cristian Leandro Metz

Doutorando em Diversidade Cultural e Inclusão Social (FEEVALE), Mestrado em Processos e Manifestações Culturais (FEEVALE, 2016), Bacharelado em Moda (FEEVALE, 2013). Bolsista PROSUC/CAPES. E-mail: crismetz@feevale.br

Ana Luiza Carvalho da Rocha

 Pós-doutorado em Antropologia sonora e visual (Universidade Denis Diderot – Paris VII), Doutorado em Antropologia (Universidade René Descartes, Paris V, Sorbone), Mestrado em Antropologia (UFRGS), Bacharelado em Ciências Sociais (UFRGS). E-mail: analuiza2@feevale.br

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