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Ensaios Fotográficos

“Bloco Afro Ilú Obá De Min, Mãos Femininas Que Tocam Tambor Para Xangô – Cultura Afro-brasileira, Gênero e Performance “

Afro Ilu Obá Block De Min, Female Hands That Touch Drum For Xangô – Afro Brazilian culture, Gender and Performance”.
Yara Schreiber Dines

Notas da redacção

Versão original recebida em / Original Version 26/03/2019

Aceitação / Accepted 22/06/2019

Texto integral

1Na exposição apresentamos imagens do carnaval do bloco afro Ilú Obá de Min, de 2018, cujo tema foi Akotirenes Yibi das mulheres quilombolas, uma referência de lutas e de conquistas dessas guerreiras. O foco da exposição é a presença do gênero feminino e sua performance nas ruas do centro de São Paulo, realizando uma etnografia visual do movimento dos corpos, das poses e da dança das integrantes do bloco, em agência.

2A exposição proposta traz à tona aspectos marcantes do cortejo do bloco afro Ilú Obá de Min, composto principalmente por mulheres, mostrando as formas de sua ocupação do espaço da rua, por um viés de gênero, por meio de lentes da antropologia da imagem e da antropologia urbana, que captam filigranas da sua performance. Trata-se de um trabalho de etnografia visual, edição e curadoria sobre imagem, gênero e cidade, no carnaval - tempo único e com múltiplos significados.

3A proposição da antropologia visual é a de uma reflexão analítica e interpretativa da fotografia, no intuito de contextualizar as imagens para que apoiem a reconstrução de culturas. Somente considerando as recorrências de temas/imagens na pesquisa, de forma e de conteúdo simbólico é que podemos nos valer das fotografias etnográficas enquanto artefatos para se pensar as culturas. A fotografia etnográfica pode ser entendida como uma maneira de utilizar este registro para o estudo e o entendimento das culturas. No caso, a etnografia visual realizada do Ilú Obá de Min, no carnaval, possibilita captar filigranas das formas de expressão da identidade cultural de suas integrantes, que se exprimem pelo corpo, gestos, movimentos, vestimentas, adereços, instrumentos utilizados - transmitindo aspectos da cultura afro-brasileira. Por meio da fotografia etnográfica, metodologia única, via imagens, para captar minuciosamente os retratos do cortejo na rua, buscamos transmitir a força e particularidade do ethos desse carnaval criado pelo bloco formado principalmente por mulheres negras.

4O conjunto dos personagens do bloco – bailarinas/bailarinos, percussionistas/ritmistas, cantoras, comedores de fogo, pernaltas – apresenta um conteúdo imagético fecundo, iluminado pelo olhar antropológico. Neste ensaio as particularidades dos movimentos dos corpos, a alegria e sorrisos contagiantes das mulheres, por integrarem o bloco, são filtrados pela expressão da fotografia, captando a densidade da pertença das integrantes ao grupo, em sua exposição pública.

5O Bloco Afro Ilú Obá de Min foi criado pelas percussionistas Beth Beli e Adriana Aragão, em 2004, significando em yorubá “mãos femininas que tocam tambor para o Rei Xangô”. Desde o seu início, o bloco atua nas áreas de educação, cultura e arte negra, tendo como foco a ação com as culturas de matriz africana e afro-brasileira e gênero .

6O Ilú Obá de Min busca preservar e disseminar aspectos da cultura negra no Brasil, incentivando a interação cultural permanente com a África através da musicalidade e do corpo e também atuando no sentido do empoderamento individual e comunitário das mulheres na sociedade.

7É integrado unicamente por mulheres ritmistas - negras e brancas, ocupando o espaço público de São Paulo, no intuito de valorizar a cultura afro-brasileiras, a diversidade cultural e rítmica da música brasileira, herdeira do legado das matrizes africanas e afro-brasileiras e o protagonismo das mulheres no mundo. O bloco é um dos projetos desse Ponto de Cultura, desde 2010.

8As mulheres negras homenageadas no carnaval pelo bloco, desde o seu início, são, por exemplo, Rainha Nzinga – rainha de Matamba e Angola (século XVIII), Leci Brandão – madrinha do bloco, compositora e cantora, Raquel Trindade, Nega Duda – sambista do recôncavo baiano e Maria Carolina de Jesus.

9O bloco é formado por naipes dos agogôs, djembes africanos, xequerês ou cabaças e de alfaias, corpos de dança, pernaltas e comedores de fogo. Em 2017, o bloco saiu com 354 integrantes, sendo 300 percussionistas, 322 bailarinas e bailarinos, no corpo de dança, 10 cantoras e 12 pernaltas. Neste ano, mais de 60 mil pessoas acompanharam o bloco, entre paulistanos e pessoas vindas de outros municípios. (http://iluobademin.com.br/​site/​institucional/​quem-somos/​)

10Os homens só participam na dança, expondo uma inversão de papéis existentes nos grupos tradicionais no qual homens tocam e mulheres dançam, trata-se de uma afirmação de gênero. O Ilú apresenta performances nas ruas, selecionadas de cantos tradicionais dos orixás e músicas de algumas das integrantes do bloco.

11A música e a dança dos orixás durante o cortejo expõem alguns aspectos fundamentais para o Ilú como “a alegria, a energia, a educação corporal e intelectual, o sentido de compartilhar e a representação de diferentes planos simbólicos da cultura e das religiões afro-brasileiras”. (SOUZA, 2016).

12A música e o corpo apresentam importância especial para os membros do grupo, pois além da gestualidade e da estética, o corpo é meio de expressão da história e mostram múltiplos sentidos, que extrapolam a comunicação.

13Um dos aspectos significativos da agência do Ilú Obá de Min é reintroduzir a cultura negra no centro da cidade de São Paulo. As expressões culturais negras como o samba, o jongo e manifestações das religiões eram reprimidas, assim o bloco traz de volta essa memória e ação cultural dos negros e das mulheres negras, ocupando e ressignificando por meio da ação cultural a centralidade da metrópole.

14É com essa perspectiva que as integrantes do bloco se apresentam - recuperar e expressar os discursos sobre experiência, preconceito e memória. Para Luz e White (1986), a expressão forja a experiência em contextos particulares de relações de poder. Assim, o discurso “deve ser analisado enquanto um conjunto de atos pragmáticos e performativos que comunicam tanto sobre as emoções como sobre outros aspectos variados, como as relações de gênero, raça e classe”. (SOUZA, 2016)

15Esperamos que o ensaio de fotografias expresse as características da agência do bloco Ilú Obá de Min, em São Paulo, e comunique aspectos da identidade cultural do grupo, que está em construção, e é marcado por valores da cultura afro-brasileira. Atualmente, o cortejo do bloco é uma das manifestações mais instigantes e provocativas do carnaval desta metrópole.

De agogôs e xequerês

Desafio entre Xangôs

Detalhes de Akotirenes Yibis

“Orixás” no espaço da rua

A “coroa” e o penteado afro

Mulheres do Ilú Obá de Min - presente e futuro

Fotografias – Milton Dines e Yara Schreiber

Milton Dines é fotógrafo, professor universitário, consultor de conservação ambiental e de planejamento ambiental.

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Bibliografia

BARBOSA, Andréa, NOVAES, Sylvia Caiuby ; CUNHA, Edgar Teodoro da ; HIKIJI, Rose Satiko Gitirana. A Experiência da Imagem na Etnografia. São Paulo: Terceiro Nome, 2016.

BUTLER, Judith. Problemas de Gênero. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2003.

CARNEIRO, Sueli. Gênero, raça e ascensão social. Florianópolis: Estudos Feministas, v. 3, n. 2, p. 544-552, 1995.

CAPRANZANO, Vincent. Estilos de interpretação e a retórica de categoria. In: MAGGIE, Ivone, REZENDE, Cláudia. (orgs.) Raça como retórica: a construção social da diferença. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.

FABRIS, Annateresa. Identidades Virtuais. Uma Leitura do Retrato Fotográfico. Minas Gerais: UFMG, 2004.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro, DP&A, 1999.

LUTZ, Catherine; White, Geoffrey M. The anthropology of emotions. Annual Review of Anthropology, v. 15, 1986, p. 405-436.  

NOVAES, Sylvia Caiuby (org.). Entre Arte e Ciência - a fotografia na antropologia. São Paulo: Edusp, 2016.

SIMÕES, Júlio, FRANÇA, Isadora, MACEDO, Márcio. Jeitos de corpo/raça, gênero, sexualidade e sociabilidade juvenil no centro de São Paulo. Campinas: Cadernos Pagu, n. 35, 2010.

SOUZA, Valéria Alves de. Os Tambores das Yabás - raça, sexualidade, gênero e cultura no Bloco Afro Ilú Obá de Min. São Paulo: Dissertação de Mestrado, USP, 2014.

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Índice das ilustrações

Legenda NÃO É NÃO
URL http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/pontourbe/docannexe/image/6280/img-1.jpg
Ficheiro image/jpeg, 364k
Legenda De agogôs e xequerês
URL http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/pontourbe/docannexe/image/6280/img-2.jpg
Ficheiro image/jpeg, 272k
Legenda Desafio entre Xangôs
URL http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/pontourbe/docannexe/image/6280/img-3.jpg
Ficheiro image/jpeg, 364k
Legenda Detalhes de Akotirenes Yibis
URL http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/pontourbe/docannexe/image/6280/img-4.jpg
Ficheiro image/jpeg, 272k
Legenda Dança de Xangô
URL http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/pontourbe/docannexe/image/6280/img-5.jpg
Ficheiro image/jpeg, 308k
Legenda Gestualidade
URL http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/pontourbe/docannexe/image/6280/img-6.jpg
Ficheiro image/jpeg, 352k
Legenda “Orixás” no espaço da rua
URL http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/pontourbe/docannexe/image/6280/img-7.jpg
Ficheiro image/jpeg, 276k
Legenda Frenesi corporal
URL http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/pontourbe/docannexe/image/6280/img-8.jpg
Ficheiro image/jpeg, 268k
Legenda A “coroa” e o penteado afro
URL http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/pontourbe/docannexe/image/6280/img-9.jpg
Ficheiro image/jpeg, 264k
Legenda Mulheres do Ilú Obá de Min - presente e futuro
URL http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/pontourbe/docannexe/image/6280/img-10.jpg
Ficheiro image/jpeg, 616k
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Para citar este artigo

Referência eletrónica

Yara Schreiber Dines, «“Bloco Afro Ilú Obá De Min, Mãos Femininas Que Tocam Tambor Para Xangô – Cultura Afro-brasileira, Gênero e Performance “»Ponto Urbe [Online], 24 | 2019, posto online no dia 29 junho 2019, consultado o 14 fevereiro 2025. URL: http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/pontourbe/6280; DOI: https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/pontourbe.6280

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