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Cir-kula

A memória política de Ermelino Matarazzo: lutas populares e ação coletiva em um bairro da Zona Leste de São Paulo

The political memory of Ermelino Matarazzo: popular struggles and collective action in a neighborhood at the East side of São Paulo
Victoria Lustosa Braga e Martin Jayo

Resumos

A Zona Leste da cidade de São Paulo, região mais populosa dentre as divisões do município, tem uma história marcada por atividades de militância que incidiram em políticas de âmbito local e até mesmo nacional. Este trabalho visa contribuir para o estudo da memória política desse lugar, mais especificamente do distrito de Ermelino Matarazzo. O recurso metodológico para tanto são entrevistas com cinco atores sociais e políticos do bairro, dirigindo o olhar a aspectos memoriais da construção desse espaço. Além de referências teóricas sobre memória social e memória política, a análise foi guiada a partir do Modelo Analítico para Estudo da Consciência Política, de Salvador Sandoval (1994), cujas categorias ajudaram a identificar memórias relacionadas à identidade, crenças e valores coletivos locais; à identificação de adversários e interesses antagônicos; aos sentimentos de justiça ou injustiça que pautaram a ação coletiva; e aos sentimentos de eficácia ou ineficácia das lutas históricas do bairro.

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Notas da redacção

Versão original recebida em / Original version 07/02/2023

Aceitação / Accepted 13/08

Texto integral

Introdução

Casei, comprei uma casinha lá no Ermelindo

Tenho três filhos lindos

Dois são meus, um de criação

Eu tinha mais coisas pra lhe contar

Mas vou deixar pra uma outra ocasião

Não repare a letra

A letra é de minha mulher

Vide verso meu endereço

Apareça quando quiser

(Adoniran Barbosa, 1975)

1O distrito de Ermelino Matarazzo, na Zona Leste de São Paulo, tem uma história de privações, lutas e conquistas sociais. Desde o início de sua urbanização até a construção dos movimentos sociais hoje ali presentes com pautas de moradia, saúde, educação, cultura, memória, entre outras, Ermelino tem sido palco de muitas ações coletivas de reivindicação ao Estado por infraestrutura e por políticas públicas. Apesar das muitas conquistas alcançadas, ainda há inúmeras lutas a serem travadas nesse território.

2Na literatura sobre a Zona Leste paulistana, há trabalhos voltados a estudar o processo de desenvolvimento da região sob a perspectiva de seus atores sociais. É o caso da obra do historiador Paulo Fontes (2008), intitulada Um Nordeste em São Paulo, que, fazendo uso de história oral como recurso metodológico, propõe uma história “vista de baixo” de São Miguel Paulista, distrito vizinho de Ermelino Matarazzo. Outro exemplo são os trabalhos do antropólogo Antonio Augusto Arantes (Arantes, 1984; Arantes & Andrade, 1981), também focados no território vizinho.

3Especificamente sobre Ermelino Matarazzo, à exceção de uma dissertação de mestrado da década de 1980 (Andrade, 1989), de um livro de cunho memorialístico escrito por iniciativa local (Augusti, 2012), e de pesquisa desenvolvida por Adriana Dantas e Graziela Perosa (2013), é difícil encontrar produções bibliográficas relevantes que tenham se aprofundado no passado do bairro. Tal escassez sugere a necessidade de dar mais visibilidade a Ermelino e às memórias locais que estejam circulando com caráter de memória comunicativa (Assmann, 2016) ou mesmo de memória subterrânea (Pollak, 1989) nesse território periférico, que foi produzido em situação de carência e insuficiência no que diz respeito à presença do Estado e de políticas públicas.

4Neste artigo, buscaremos realizar essa tarefa, com foco no registro da memória política de Ermelino por meio de atores relevantes para lutas sociais e políticas do bairro. A análise que propomos nos parece significativa na medida em que as lutas políticas e territoriais travadas nesse território podem ter uma relação de aproximação, ou complementaridade com lutas presentes em outros bairros e regiões periféricas de São Paulo. O estudo feito por Fontes (2008), por exemplo, discute as formas pelas quais São Miguel Paulista, distrito vizinho, constituiu-se como um território a partir do sentimento de coletividade construído em espaços de sociabilidade (como a igreja, bar, cinema, futebol), assim como de trabalho e luta (fábrica, associação, sindicato), o que, como será ilustrado mais adiante, se assemelha muito à trajetória de Ermelino. Levar o foco para outra localidade menos estudada, como é o caso de Ermelino Matarazzo, ainda que com outro escopo e sem o grau de detalhamento que Fontes imprimiu a sua análise de São Miguel, pode ajudar a ressaltar as convergências e similaridades, e apontar eventuais especificidades, das trajetórias de mobilização e lógicas de produção territorial presentes em diferentes espaços periféricos.

5Partindo do pressuposto de que a memória é importante não apenas para conhecer o passado, mas também para significar o presente e projetar o futuro (Vázquez, 2001), entendemos a importância de contribuir, por meio deste artigo, para o registro da memória local de Ermelino Matarazzo acerca das lutas travadas na produção do seu território. Os alicerces para o registro da memória de Ermelino neste trabalho são justamente os relatos orais de pessoas que acompanharam e muitas vezes protagonizaram lutas políticas e sociais que ocorreram no território. Resgatando Paul Ricoeur, para quem “toda história de vida ocorre em um espaço de vida” (Ricoeur, 2021, p. 155), podemos dizer que a memória coletiva tem relação com os espaços em que se dá ou se deu a interação com nossos próximos, coprodutores dessa memória. Por isso o nosso foco nos relatos daqueles que têm Ermelino como seu “espaço de vida”, vivendo e construindo o bairro cotidianamente e ali estabelecendo suas relações de proximidade.

6Para cumprir esse objetivo, o presente artigo se organiza em outras quatro seções, além desta Introdução. A primeira delas é uma brevíssima revisão bibliográfica sobre as origens de desenvolvimento histórico do bairro, com vistas a fornecer uma descrição geral do território alvo da pesquisa. A seção seguinte apresenta as referências conceituais e as decisões metodológicas que estruturaram a análise, que se baseou em entrevistas com cinco atores sociais locais. A análise propriamente dita aparece na penúltima seção. Em seguida, encerramos o artigo com uma discussão sobre as contribuições e os possíveis caminhos de continuidade da análise.

Ermelino Matarazzo: origem do bairro e construção do território

  • 1 Assim como ocorre com outras localidades do município de São Paulo, as delimitações oficiais do bai (...)

7Nos séculos XVI e XVII, a região onde hoje se encontram Ermelino Matarazzo1 e o município de Guarulhos era ponto de parada para bandeirantes em suas expedições ao litoral, e local de assentamento de jesuítas. Naquele espaço de passagem em direção a localidades como São Vicente e São Sebastião, existiam comunidades de povos tradicionais, como os indígenas Guaianazes. No século XVIII São Paulo passou a fazer parte, junto com Minas Gerais e Rio de Janeiro, de uma estrutura econômica que mobiliza a atividade pecuária e a exploração do ouro, e no século XIX a economia agrário-exportadora do café criou condições para a industrialização (Furtado, 2009; Versiani & Versiani, 1975).

8É a partir do final do século XIX que a chegada da ferrovia e o desenvolvimento de um parque industrial paulistano alteraram mais fortemente a configuração da cidade de São Paulo. Pasquale Petrone (1955) descreve como, já na primeira metade do século XX, novos e populosos “subúrbios”, cada vez mais distantes do centro da cidade, se desenvolveram acompanhando a instalação paulatina de indústrias e moradias ao longo das principais linhas férreas:

Os subúrbios da cidade passaram a ser bem outros: Itaquera, São Miguel, Lajeado, Ferraz de Vasconcelos, Poá, Itaquaquecetuba, para as bandas de Leste, na zona da Central do Brasil; São Caetano, Santo André e Mauá, na direção de Sudeste, junto à E. F. Santos-Jundiaí; Itapecerica e Cotia, um tanto afastados no rumo de Sudoeste; Osasco, Duque de Caxias e Barueri, para ocidente, ao longo da Sorocabana; Pirituba, Perus e Caieiras, na direção de Noroeste, margeando a Santos-Jundiaí; Tremembé, Vila Galvão e Guarulhos, ao Norte, na região da Cantareira (Petrone, 1955, p. 161).

  • 2 A Variante Poá, ou Variante Poá-Norte, é um ramal ferroviário da Central do Brasil cuja construção (...)
  • 3 A Lei Municipal nº 15.342, de 29 de novembro de 2010, instituiu oficialmente o dia 7 de fevereiro p (...)

9Nesse contexto, a ferrovia pode ser considerada o primeiro estímulo à construção do bairro de Ermelino Matarazzo nos moldes em que ele existe hoje. Em 1926 foi inaugurada a Estação Comendador Ermelino Matarazzo, que hoje tem seu nome encurtado para Comendador Ermelino, localizada quatro quilômetros além do bairro da Penha, na então em construção Variante Poá da Estrada de Ferro Central do Brasil2. O nome da estação homenageava um filho recém-falecido do industrial Francesco Matarazzo, e a data de sua inauguração – 7 de fevereiro – é hoje considerada o aniversário do bairro, na memória oficial3.

  • 4 Trechos de matéria do jornal Folha da Manhã, 6 jul. 1925, p. 7. A transcrição manteve a grafia orig (...)

10A chegada da estação e o loteamento imobiliário que originou o bairro não podem ser, de forma alguma, desvinculados um do outro. Os investimentos públicos na expansão da ferrovia e na construção da estação valorizaram as terras adjacentes, e então a família Matarazzo, que havia adquirido a área com antecedência, procedeu ao loteamento e vendeu os terrenos com lucro. Em jornais da época, encontramos descrições do “bello panorama que offerecem os terrenos do Jardim Matarazzo”, localizados “junto à nova estação Commendador Ermelino Matarazzo, que, como se sabe, está collocada na variante daquella estrada de ferro a concluir-se dentro em breve”4. As escrituras definitivas dos terrenos eram passadas pelas Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo, proprietárias da área, como se vê em anúncios publicitários veiculados também em jornais (Figura 1).

Figura 1. Anúncio de terrenos no loteamento “Jardim Matarazzo”

Fonte: Folha da Manhã, 9 dez. 1925, p. 3. Imagem reproduzida de Jayo (2013).

11Esse processo, origem da urbanização de Ermelino Matarazzo como o conhecemos hoje, impactou no perfil da população que nele se enraizou: um operariado formado em sua primeira onda por imigrantes europeus, e em um segundo momento por migrantes nordestinos. Em ambos os casos, os moradores chegavam atraídos pelos terrenos relativamente acessíveis e também pela oferta de empregos, com a industrialização em curso desde o início do século em toda a área compreendida entre o Brás e São Miguel Paulista (Rolnik & Frúgili Jr., 2001; Fontes, 2008).

12O crescimento industrial tinha grande influência na dinâmica de ocupação desses espaços. Em todo o eixo mencionado, do Brás a São Miguel, antigas propriedades rurais são urbanizadas obedecendo a uma dinâmica marcada pela instalação de fábricas ao longo da ferrovia, e pela consequente atração de massas proletárias. Cria-se um modelo de ocupação espacial em que a antiga fazenda se converte em loteamento, e a vida urbana e identidade de bairros inteiros se forja sob forte influência empresarial. Foi o caso de São Miguel Paulista, que se desenvolveu em torno da Cia. Nitro Química Brasileira (Fontes, 2008), e também de Ermelino Matarazzo, que surgiu como resultado de dois empreendimentos – loteamento e fábrica – do grupo Matarazzo.

13Foi assim que, a partir da década de 1940, empregos fabris passaram a ser oferecidos no interior do bairro: o mesmo grupo Matarazzo que loteou a área instalou ali, em 1941, a Celosul, indústria produtora de papel celofane. Em seguida, a infraestrutura criada atrairia novas empresas, como a indústria de vidros Císper, instalada em 1949 (Ponciano, 2001).

14Em 1959, pela Lei Municipal 5.285, Ermelino se tornou um distrito oficial da cidade de São Paulo, desmembrando-se administrativamente de São Miguel Paulista. O livro Memórias de Ermelino Matarazzo, de Waldir Aparecido Augusti (2012), um morador local, nos dá uma ideia dos serviços públicos, espaços de lazer e de associação, e sobretudo das privações que marcaram a vida no bairro em suas primeiras décadas. Os serviços públicos chegaram ao distrito aos poucos, em condições quase sempre precárias. Na década de 1940 tiveram início os primeiros serviços de segurança, inicialmente providos pela própria população, até que fosse inaugurada a primeira delegacia policial. A energia elétrica chegaria só em 1952 – mais de 25 anos após o loteamento inicial do bairro. A primeira linha de ônibus, em 1947.

15Outro acontecimento de grande impacto no território foi a instalação do Grupo Escolar Ermelino Matarazzo, implantado em 1949 pelo grupo Matarazzo (de iniciativa privada, mas gratuito para os filhos dos operários da Celosul). O primeiro estabelecimento público de ensino médio, existente até hoje, receberia mais adiante o nome Escola Estadual Condessa Filomena Matarazzo, homenageando a esposa de Francesco Matarazzo, mãe de Ermelino.

  • 5 O busto em homenagem a Francisco Matarazzo Júnior, o Conde Chiquinho, filho de Francesco e Filomena (...)

16Por sinal, os nomes oficiais constituem um poderoso mecanismo de afirmação de memórias muito presente em Ermelino Matarazzo. Por meio do nome do próprio bairro, da estação, da escola, cria-se uma narrativa que reforça o protagonismo e importância dos Matarazzo na formação e na identidade do lugar. Mais recentemente, tal narrativa continuou sendo reforçada com nova homenagem pública à família fundadora: um busto de Francisco Matarazzo Júnior, instalado em 2009 na Praça Primeiro de Maio, bem no centro do distrito5. A homenagem ao empregador pioneiro, na praça central cujo nome faz alusão ao dia do trabalho, carrega forte simbologia oficial. Por estes mecanismos, a memória e a história oficiais do bairro evidenciam o papel central da família e da fábrica Matarazzo no desenvolvimento de Ermelino, relegando para segundo plano outros atores que protagonizaram mobilizações e avanços na infraestrutura local. É em direção a essa outra memória, menos institucionalizada, que propomos voltar o olhar de pesquisa.

17Mas que atores são esses? Desde o início do desenvolvimento do bairro houve uma sociedade civil organizada, articulada para o desenvolvimento do local. As SABs (Sociedades de Amigos de Bairro), por exemplo, tiveram presença marcante em diversos bairros de São Paulo durante o século XX, e em Ermelino sua criação se deu a partir da chegada da Celosul, em 1941. Essa forma de organização foi essencial na luta por infraestrutura básica, com destaque para a implementação de novas escolas públicas no bairro, como observam Dantas e Perosa, (2013).

18Como ressaltado por Emir Sader (1988), o processo histórico das lutas populares, em diversas áreas periféricas da cidade de São Paulo, se deu sob forte influência do associativismo popular, e com centralidade do papel exercido por lideranças católicas. Ermelino Matarazzo também não era exceção nesse sentido, como veremos. A Igreja foi espaço de discussão política, especialmente durante o período do regime militar, conforme pudemos acessar na memória dos nossos entrevistados, e a paróquia local desempenhou papel importante na reivindicação e articulação de demandas da população.

19Serviços de saúde, conforme relata Augusti (2012), foram os que mais demoraram a se estruturar. Durante muito tempo o bairro contou basicamente com os cuidados de parteiras, responsáveis por fornecer, além da assistência aos partos, serviços básicos como a administração de medicamentos à crescente população. Em 1968 a população passou a ter acesso também ao Hospital Municipal Tide Setúbal, mas para tanto era necessário percorrer a distância até São Miguel Paulista. Em 1984 os moradores passaram a se organizar em prol da construção de um hospital no próprio bairro, por meio de abaixo-assinados, bazares e encontros na Igreja São Francisco de Assis, que foi, como exploraremos adiante, palco de muitas das lutas populares do território. Por fim, somente em 1990 é que um hospital municipal foi inaugurado — seis décadas e meia depois do nascimento do bairro. A lembrança destas mobilizações, ainda disponíveis em relatos de atores locais, merece ser incorporada à memória do bairro e demanda a nossa atenção.

Memória local, memória política, consciência política: desenho teórico e metodológico do estudo

20Ao nos propormos contribuir para o registro da memória de Ermelino Matarazzo acerca das lutas travadas na produção do seu território, esbarramos em uma questão conceitual. O que se entende pela memória de um local – no nosso caso, o bairro de Ermelino Matarazzo?

21Maurício Abreu (1998) critica a imprecisão conceitual da ideia de uma memória “urbana” ou “da cidade”, que aqui poderíamos estender à da memória de um bairro. Falar de memória nesses termos, para o autor, “é enganoso pois a cidade não pode lembrar-se de nada. Quem lembra são as pessoas que nela vivem ou viveram” (Abreu, 1998, p. 17). O que aqui chamamos de memória de Ermelino Matarazzo, nada mais seria, portanto, do que um conjunto de lembranças construídas coletivamente, no cotidiano, por atores sociais.

22Apesar dessa crítica, considerar a memória “de um local” (uma cidade ou, no nosso caso, um bairro) pode oferecer alguma vantagem analítica. Jayo (2022), com base na discussão de Abreu, e articulando os conceitos de memória coletiva (Halbwachs, 1990), lugares de memória (Nora, 1993) e disputas e silenciamentos de memória (Pollak, 1989), propõe que se considere conceitualmente como sendo a memória de um local o conjunto das memórias coletivas, elaboradas por diferentes grupos ali presentes, que encontram guarida na coleção de pontos de ancoragem de memória (ou lugares de memória, nos termos de Nora) reconhecível no território em questão — como os monumentos, o arquivo local, a toponímia, os aniversários e comemorações oficiais etc.

23Assim conceituada, a ideia de memória de um lugar tem a vantagem de oferecer-se à problematização: dado que os diferentes grupos sociais de um território costumam deter diferentes capacidades para nele inscreverem seus lugares de memória, a memória efetivamente ancorada no território acaba viesada por relações de poder. É assim que a “memória da cidade” ou do lugar costuma ter um caráter conflitivo, silenciador: ela tende a selecionar as lembranças e vivências cristalizadas em um estoque desigual de pontos de ancoragem. Fixada e alimentada em lugares de memória que por sua vez resultam de relações de poder, ela é fatalmente uma memória elitista. As lembranças não admitidas nos registros ou pontos de ancoragem estáveis permanecem apenas como memória comunicativa (no sentido de Assmann, 2016), altamente dependentes de portadores vivos e, como tal, fadadas a uma menor duração.

24De forma semelhante, como nos apresenta Soraia Ansara (2008), sempre há as memórias oficializadas, cristalizadas nos lugares de memória visibilizados, mas também as memórias que não encontram possibilidades de expressão pública. O enfrentamento dessa situação é fundamental para encorajar ações de combate a opressões e silenciamentos, e neste caso a memória adquire contornos de memória política. Para Ansara, embora toda memória seja coletiva, pois construída a partir dos grupos sociais como defende Halbwachs (1990), “nem toda memória coletiva é política, visto que ela pode ser apenas expressão ritualística ou festiva de determinados grupos sociais, sem nenhuma pretensão de levar a algum compromisso ou comportamento político na sociedade” (Ansara, 2008, p. 52). Ao buscarmos colaborar por meio deste artigo para o registro de memórias orais pouco fixadas na memória local oficial, é com memória política no sentido de Ansara que estamos lidando.

  • 6 Projeto de pesquisa e extensão universitária sediado na Escola de Artes, Ciências e Humanidades da (...)

25Do ponto de vista metodológico, o desenho da pesquisa se baseou em entrevistas de história de vida (Alberti, 2005) junto a atores locais que tivessem marcada vivência nas lutas comunitárias do bairro. Para isso contamos com a colaboração de um morador do bairro, Sidnei Paixão Antunes (1972-2020). Visando articular e contrastar os depoimentos entre si, nós buscamos formar um painel de entrevistados que contemplasse critérios de diversidade em relação à idade, gênero, raça e orientação sexual. Como morador politicamente ativo em diferentes frentes de luta, Sidnei indicou lideranças do distrito e facilitou nosso contato com elas. Como resultado, pudemos selecionar cinco participantes para a pesquisa. Quatro dessas pessoas foram entrevistadas pela primeira autora do presente artigo, e uma quinta por um pesquisador de iniciação científica envolvido no projeto “Memória Política na Zona Leste Paulistana: os caminhos da cidadania”6.

26As entrevistas foram todas conduzidas presencialmente, entre maio de 2018 e abril de 2019, com duração média de 90 minutos, em local de escolha do entrevistado. Considerando que o ambiente em que a entrevista ocorre pode ajudar a disparar lembranças e emoções, enriquecendo o encontro entre pesquisador e colaborador, solicitamos aos entrevistados que escolhessem locais que tivessem significados relacionados às vivências ou lutas de cada um. Todos os entrevistados autorizaram sua identificação no trabalho, bem como a gravação da entrevista para posterior análise.

27O primeiro com quem conversamos foi Antonio Luiz Marchiori, conhecido como Padre Ticão, pároco da Paróquia de São Francisco de Assis. Padre Ticão tinha 66 anos de idade no momento da entrevista, morando em Ermelino Matarazzo há 36 anos, reconhecido como uma das mais importantes lideranças comunitárias do bairro e da Zona Leste. A entrevista foi realizada na própria Paróquia de São Francisco de Assis, tendo em vista que a trajetória do entrevistado é imbricada a esse espaço e que foi através da Igreja que o Padre chegou ao bairro.

28O segundo entrevistado foi Danilo da Costa Morcelli, na época com 30 anos. Danilo, nascido em Ermelino Matarazzo, é autor de uma dissertação de mestrado a respeito do patrimônio da Zona Leste, defendida em 2013. É militante ativo nas lutas por educação e memória no bairro. A entrevista com Danilo foi realizada no Sítio Mirim, patrimônio tombado do bairro que foi objeto de sua pesquisa de mestrado.

29Em seguida entrevistamos Valentim Morcelli, que tinha 93 anos no momento da entrevista. Avô de Danilo, Valentim morava no bairro há mais de 50 anos. Foi fundador do Lar Vicentino, uma entidade sem fins lucrativos localizada no bairro, fundada em 1972 por voluntários locais, atuante até hoje no atendimento a idosos em situação de abandono e risco social. Ex-funcionário da indústria local, teve atuação sindical e participação em diversas lutas históricas do bairro. O lugar de maior significado na trajetória política de Valentim seria o Lar Vicentino, mas tendo em vista suas condições reduzidas de mobilidade e a idade avançada, ele optou por fazer a entrevista em sua residência, o que também foi produtivo ao permitir que o entrevistado mostrasse à pesquisadora registros importantes de sua trajetória.

30A quarta entrevistada foi Elda Rodrigues da Paixão, com 59 anos no momento da entrevista. Elda é ex-moradora do distrito, ativa nas lutas por moradia. Considerando que Elda possui uma trajetória de luta política muito relacionada à educação, inclusive pela construção da USP Leste, e que à época ela era aluna de um curso de especialização ali ministrado, onde estudava as lutas políticas do bairro, a própria USP Leste foi escolhida como local da entrevista.

  • 7 Agradecemos a Ricardo Sanches Tomazoli pela realização da entrevista.

31A última interlocutora foi Glaucy Alexandre, que tinha 16 anos no momento da entrevista. Glaucy também nasceu no bairro, e na época era estudante, além de atuante em movimentos sociais na área cultural (especialmente na Ocupação Cultural Mateus Santos, um dos principais grupos de militância de jovens no bairro), e no movimento feminista e LGBTQIA+. A entrevista de Glaucy foi realizada na Ocupação Cultural Mateus Santos. Para garantir um melhor entrosamento, esta foi a única entrevista que não foi realizada pela primeira autora do artigo, mas por um pesquisador que tinha relação próxima com a Ocupação7.

32O tratamento dado ao material assim obtido foi baseado nos procedimentos da História Oral, buscando analisar os relatos de vida dos entrevistados de modo a compreender as lutas políticas no bairro e como é construída a memória dos acontecimentos. Dado o nosso interesse de acessar memórias de cunho político, para além das referências teóricas sobre memória acima referidas, a análise também se valeu do Modelo para Estudo da Consciência Política proposto por Salvador Sandoval (1994). O modelo decompõe o construto “consciência política” em sete categorias ou dimensões inter-relacionadas — identidade coletiva; crenças e valores societais; identificação de adversários e de interesses antagônicos; sentimentos de eficácia ou ineficácia política; sentimentos de justiça e injustiça; vontade de agir coletivamente; e metas ou propostas de ação coletiva — e tais categorias nos serviram de referência instrumental na elaboração dos roteiros de entrevista e na interpretação do material coletado.

33Tendo em vista que a consciência política inevitavelmente se faz presente em processos de rememoração de um passado ligado a lutas políticas, o modelo foi de grande valia para a elaboração e análise das entrevistas. Este modelo tem sido objeto de ligeiras revisões nos últimos anos, inclusive pelo próprio autor (como em Sandoval & Silva, 2016), mas tendo em vista nosso propósito, de apenas utilizar suas principais categorias como apoio metodológico para roteirização e análise das entrevistas, a versão original (Figura 2) foi considerada suficiente.

Figura 2. Modelo para estudo da consciência política de Sandoval (1994)

Fonte: Elaborado por Silva (2006) com base em Sandoval (1994)

34Conforme evidenciado pela figura 2, as sete dimensões relacionadas às formas de ação individual e coletiva da consciência política possuem uma sobreposição analítica. Por isso, ainda que nossa opção tenha sido por separar algumas dessas dimensões para o melhor enquadramento dos temas e acontecimentos que apareceram nas entrevistas, é preciso ter em mente que há uma relação intrínseca entre elas.

Memória política local de Ermelino Matarazzo: análise das entrevistas

35Dado que a análise das cinco entrevistas de histórias de vida usou como recurso de apoio as sete dimensões do modelo de Sandoval (1994), a exposição de resultados nesta seção é organizada em subseções guiadas pelo modelo.

Identidade, crenças e valores coletivos

36É, eu acho que todo ermelinense tem um pouco de luta no sangue”. Esta fala de Danilo Morcelli é uma das que denotam que o sentimento de identidade presente do bairro costuma estar associado à ideia de mobilização nas lutas políticas locais. Referências a “comunidade atuante”, “povo unido”, “espírito de união” e “solidariedade” aparecem com grande frequência em diversos depoimentos, sobretudo nos de Valentim Morcelli, Padre Ticão e Elda Paixão, nossos entrevistados que viviam no bairro há mais tempo e que acompanharam a maior parte das mobilizações políticas que ocorreram no território. Isto ilustra como a memória coletiva das lutas travadas no bairro é também uma memória política no sentido apontado por Ansara (2008).

37Com menor intensidade, mas ainda assim digno de nota, o papel da família e indústrias Matarazzo nos primórdios do bairro também aparece frequentemente nos depoimentos como aglutinador da identidade local, com destaque para as entrevistas de Valentim Morcelli e do Padre Ticão.

Eu cheguei aqui vindo do interior, de Pirassununga, por volta dos anos 60, e foi na época que Ermelino estava sendo, digamos assim, fundada. E nós não podíamos falar de Ermelino, do bairro, sem falar da família Matarazzo. Porque na realidade, foram eles que vieram aqui, que era uma fazenda antiga, que a família Matarazzo comprou e instalou aqui um polo industrial. Antes disso era um terreno descampado, não tinha gente, não tinha nada e ele [Matarazzo] foi obrigado a construir uma vila para os operários. O Matarazzo ao lado disso também cuidava do desenvolvimento intelectual do bairro, fez um grande grupo escolar aqui embaixo […]. Não tinha lazer nenhum aqui, ele fez um cinema de primeira categoria com aparelhagem ultramoderna, e todo fim de semana tinha filme. […] E o bairro nasceu sob esse prisma, começou a se desenvolver. O Matarazzo pagava um salário relativamente bom em vista de outros, então teve uma grande afluência de gente. O bairro começou a progredir assim, a andar. A gente começou a perceber que ali era um matagal e de repente uma rua, com várias casas, e isso foi se alastrando. (Valentim Morcelli, julho de 2018)

Eu me ordenei padre quarenta anos atrás, eu sou da cidade de São Carlos, interior, e por vários motivos eu decidi deixar aquela diocese de São Carlos e vir para cá […], então tô aqui há 36 anos. E era um bairro muito ligado à fábrica Matarazzo, que hoje está fechada. A população aumentou muito, e é uma comunidade muito atuante, e buscamos dar passos em todas as áreas sociais. (Padre Ticão, maio de 2018)

38Depois da Celosul do grupo Matarazzo, várias outras fábricas se instalaram no bairro, como lembrado por Valentim Morcelli: “de ácido sulfúrico, de enxofre e até de tripas artificiais”. Isso fez surgirem diversas organizações de trabalhadores, que contribuíram para a criação de laços de solidariedade. O Círculo Operário, criado em parceria com a Igreja local, bem como uma cooperativa de consumo e um “banco de solidariedade humana” que mapeava as famílias desempregadas e as ajudava com dinheiro e alimentos, foram representativas nesse sentido. Está presente aqui um elemento básico já apontado por Fontes (2008) no território vizinho, de São Miguel Paulista: a importância dos laços solidários inicialmente surgidos entre trabalhadores da fábrica, mas que acabam extrapolando a vida laboral e influem na composição de estratégias organizativas para luta por direitos no bairro.

39Assim, se os diferentes depoimentos ressaltam que a infraestrutura inicial foi providenciada pelo grupo Matarazzo, ao mesmo tempo a mobilização operária e as diversas organizações ali surgidas – civis, culturais, religiosas, esportivas – foram fundamentais para forjar o caráter “atuante” da comunidade. É pelo movimento sindical e associativista, na memória dos entrevistados, que o bairro começa a se desenvolver para além da infraestrutura inicial:

Ermelino nasceu assim: com todas as suas necessidades, precisava de segurança, estudo e lazer. Então eu quero só dar uma ideia para você de que o bairro de Ermelino nasceu com uma ideia progressista. Nós chegamos a fundar aqui naquela ocasião uma cooperativa de consumo popular. O Padre Ignacio [pároco da época] trouxe essa ideia e ele era assim um pouco anticapitalista e eu também sou, né, então descobrimos isso e fizemos alianças com outras igrejas, batistas, presbiterianas e outras, unimos todas na cooperativa. […] E o Lar Vicentino, que para mim foi uma segunda casa. Ermelino Matarazzo nasceu dentro desses gestos de solidariedade, teve grandes líderes, não só da igreja, também de outros lugares, até do futebol, tinha pessoas que tinham um time de futebol importante. […] Depois abrimos aqui uma associação de amigos do bairro e eles reivindicaram, e logo veio para cá água encanada, logo veio para cá um posto de saúde, posto de policiamento… Também despontou uma associação cultural, tinha grupos teatrais, tinha grupos folclóricos, tinha grupos de show de viola, tinha shows de bandas […]. Nós procurávamos incentivar as coisas nossas. (Valentim Morcelli, julho de 2018)

40A paróquia local, por fim, é citada como ponto focal de articulação das diferentes lutas e de construção da identidade local. Em parte isso aparece creditado à ditadura militar de 1964, que limitou as possibilidades de reunião nos espaços das associações e organizações locais, como explica Danilo Morcelli:

[A atuação política no bairro] tem ligação com a igreja, e até pastores da Igreja Presbiteriana, e acho que isso foi uma herança que a gente teve da ditadura, porque quando a ditadura atuava aqui na região, o pessoal não podia se reunir fora desse espaço, o único refúgio era a igreja. (Danilo Morcelli, junho de 2018)

41Como já mencionado, a centralidade do associativismo e da Igreja é comum na história das periferias paulistanas e importante para a construção de lutas políticas (Sader, 1988). Após a ditadura, a igreja do bairro manteve esse papel. Elda Paixão conta que o movimento negro na região, do qual sua mãe fez parte, também iniciou suas articulações dentro da paróquia de São Francisco de Assis, assim como os movimentos de moradia e de saúde, dos quais ela própria participou. Já Glaucy Alexandre fala de problemas de infraestrutura das escolas, que segundo ela foram mais rapidamente contornados graças ao espaço de reivindicação e legitimidade que o Padre Ticão construiu junto a políticos e gestores públicos. Na sua entrevista, o próprio Ticão conta que a presença de figuras políticas dentro da igreja não é rara, o que cria ali um importante espaço de cobrança e reivindicação direta dos cidadãos para com os políticos.

Identificação de adversários e de interesses antagônicos

42Algo comum entre os diferentes depoimentos é a visão de Estado neles presente. Ao mesmo tempo que há o reconhecimento do papel e dever do Estado de garantir direitos à população, os entrevistados compartilham sentimentos de decepção com essa instituição, o que também acaba por fazer dela uma adversária nas lutas locais. Por ocasião do nascimento do bairro, como visto anteriormente, a presença da família e indústrias Matarazzo como provedoras de infraestrutura se destaca mais do que a do próprio Estado. Essa ausência é percebida como uma constante na história do bairro retratada da perspectiva dos entrevistados:

Toda a nossa luta surge disso, da omissão do poder público. Seja na saúde, na educação, na questão da memória, na questão da infraestrutura básica, de transporte. Enfim. A gente, todos os movimentos aqui, surgem por causa disso, a omissão do poder público. (Danilo Morcelli, junho de 2018)

Não só aqui no Movimento [referindo-se à ocupação cultural da qual faz parte], como por exemplo na minha escola, também. É tipo, sem Estado nenhum, mano. Não tem dinheiro, essa é a realidade. (Glaucy Alexandre, julho de 2018)

43O papel antagonista do Estado atinge seu auge nas memórias que os entrevistados possuem da ditadura militar, diante das perseguições a operários e líderes comunitários do bairro. “Nossa linha política sempre foi mais assim de esquerda, né, então nós tínhamos dificuldades com o governo direitista”, lembra Valentim Morcelli sobre o período. Mas, como ressalta Elda Paixão, a dificuldade de conquistar atenção estatal atravessou diferentes momentos históricos, inclusive em regime democrático:

As necessidades estão sempre postas ali na comunidade, e assim, às vezes as necessidades aqui de Ermelino não são só de Ermelino, mas também de São Miguel, de todo o entorno. […] Mas aí também depende do quê? Da situação política, a situação política sempre vai estar ditando. Se a gente estava com um partido lá no poder que olha mais para a sociedade, mais para o social, aí facilitava um pouco mais determinadas questões, e aí se vai pressionando, lutando, fazendo abaixo-assinado, indo lá na Secretaria. Mas se a gente tinha um governo mais de direita, é uma situação mais complicada para se conquistar determinadas coisas, daí vai se elencando também de acordo com a situação política. (Elda Paixão, abril de 2019)

44Para Elda, qualquer que fosse a orientação ideológica dos governos, uma das principais dificuldades eram mudanças de gestão no governo municipal e estadual, pois os projetos iniciados em uma gestão sofrem descontinuidade na gestão seguinte:

A luta está presente, sempre, mas […] parece que quando tem um avanço, aí vem uma outra gestão que parece que dá uma regredida nas conquistas. (Elda Paixão, abril de 2019)

45Entidades que de alguma forma representam o Estado também aparecem nos depoimentos como fontes de entrave nas lutas dos moradores. Nas escolas, a falta de diálogo e participação na construção dos alunos como sujeitos aparece nas entrevistas de Glaucy, Padre Ticão, Valentim e Elda.

46A polícia também aparece identificada como adversária das lutas do bairro mesmo em períodos de democracia, especialmente por suas ações de repressão, que foram e são direcionadas principalmente à juventude. Isto está presente em falas de Glaucy, e também nas do Padre Ticão. Elda também cita a repressão policial em diferentes momentos, nas lutas por educação e por moradia nas décadas de 1980 e 1990:

Na luta em prol da casa própria teve uma situação, eu não lembro agora qual era o governo, mas a gente foi pra frente da Prefeitura e o governante que estava naquele momento mandou um jato d’água no povo, nas pessoas que estavam lá. Aquele jato d'água, com aquele esguicho muito forte, machucou muita gente. Na época do movimento pela FATEC da Zona Leste, veio o choque [referindo-se à Tropa de Choque da Polícia Militar]. E o meu sobrinho, ainda adolescente naquela época com uns 13 ou 14 anos, foi um dos que recebeu balas de borracha, e nem estava participando do movimento, era adolescente, só queria estar naquela muvuca. Adolescente, sabe como é, a gente fala olha, não vai, tá perigoso, o batalhão tá descendo rua, e eles não acreditam, eles pagam para ver. E veio o choque. (Elda Paixão, abril de 2019)

47Ainda que com menos ênfase, as falas remetem a interesses antagônicos quando perguntamos sobre a população não engajada nas lutas do bairro. A falta de mobilização é identificada como dificuldade, e os termos para se referir a isso são vários: Ticão fala em “despolitização” de parte da população e em “desagregação”, Valentim cita a “desarticulação” que se espelha na insuficiência de recursos para manter as entidades do bairro funcionando, Danilo Morcelli menciona a dificuldade em congregar pessoas, e Glaucy, a desmobilização principalmente na área da cultura e na conscientização dos mais jovens. Por fim, o “pessimismo” de lideranças e indivíduos também é citado por vezes como inimigo da mobilização, e a elite é identificada como adversária não só da população ermelinense, mas dos pobres e periféricos de maneira geral: “[…] essa elite nojenta nossa, escravagista, assassina, eles querem a morte dos pobres” (Padre Ticão, maio de 2018).

48Esta última fala do Padre, em particular, evoca diretamente a “elite do atraso” de que fala Jessé Souza (2019). Os antagonistas que foram identificados pelos demais participantes – o Estado e suas entidades, a instituição policial, e a alienação ou despolitização de parcelas da população local – nos remetem às instituições e estruturas a serviço dessa elite que perpetuam de exclusões históricas e obstaculizam direitos, o que acentua o caráter de memória política das memórias aqui acessadas.

Sentimentos de justiça e injustiça, metas de ação coletiva e vontade de agir coletivamente

49Estas três dimensões foram postas em análise em conjunto, não só por suas intersecções no modelo de Sandoval (1994) mas também por terem se apresentado mescladas nos relatos dos entrevistados. Em Ermelino Matarazzo e em tantos outros territórios periféricos nos quais os cidadãos se percebem portadores de direitos na teoria, mas não na prática, há o engajamento em ações coletivas de pressão social e reivindicação de direitos — ou um despertar para a ação, conforme trabalhado por Axel Honneth (2003) na teoria do reconhecimento. Os depoimentos sempre falam das privações experimentadas pelo bairro, e do engajamento da população para resolvê-las, na tentativa de tornar o território um lugar mais “justo”:

O bairro, desde que eu nasci, e mesmo antes, se a gente olhar jornais, enfim, o bairro parece que nasceu da mobilização e da reivindicação política. Desde as coisas mais básicas, até a questão do tratamento de idosos, aqui a gente tem o Lar Vicentino, […] Eu acho que o bairro parece que foi construído com base na ação política. (Danilo Morcelli, junho de 2018)

Isso tudo foi ganho no grito […]. Posto de saúde, tudo foi conquista de grupos ligados à igreja, ligados à sociedade amiga do bairro, a grupos de luta. Conhece o Hospital de Ermelino Matarazzo? Foi fruto da reivindicação do povo de Ermelino Matarazzo. Na frente de tantos bairros, foi um hospital de renome, que foi fruto da reivindicação, principalmente da igreja do Ticão. Então que eu me lembro assim, foi mais essa parte que nós sempre procuramos mudar. Procuramos sempre construir uma sociedade mais justa. Depois degenerou e nós também perdemos aquele ímpeto que a gente tinha. (Valentim Morcelli, julho de 2018)

50Essa redução de “ímpeto” ou de vontade de agir coletivamente, sentida pelo mais velho dos entrevistados, também preocupa Glaucy Alexandre, a mais jovem, embora com menor intensidade. Referindo-se ao movimento cultural do qual faz parte, ela manifesta uma preocupação parecida:

Eu acho que está tendo bastante sucesso, mas não o sucesso que deveria ter. Eu acho que deveria ter mais gente, porque aqui na Ocupa tem uns cursos foda pra caralho, que vem gente do centro pra fazer aqui porque é de graça. Um curso que eles iam pagar 50 conto pra fazer no centro, eles vêm aqui porque é de graça. […] Então eu acho que, mano, devia ser gente da periferia ocupando a periferia, entendeu? (Glaucy Alexandre, julho de 2018)

51Mas apesar dessas menções que aparecem nas entrevistas a algum grau de desmobilização, nossos interlocutores falaram também sobre o forte caráter organizativo do bairro que, apesar disso, permanece. Padre Ticão e Elda ressaltam a dinâmica de organização das diversas mobilizações, com reuniões muitas vezes semanais ou mensais, a partir da discussão dos problemas elencados pela população:

Quando eu cheguei aqui em 1982, nós fazíamos reuniões mensais da comunidade que continuam até hoje. E a comunidade vai listando prioridades, né? Então é interessante aqui porque eu acompanho sete vilas aqui, e todas elas têm uma pauta de reivindicação. (Padre Ticão, maio de 2018)

  • 8 A. E. Carvalho é uma abreviação usual para Cidade Antônio Estêvão de Carvalho, um bairro da Zona Le (...)

Sempre eram [demandas] da maioria, só que era assim: cada momento tinha uma necessidade que acabava sendo priorizada, né? Por exemplo, teve a época da luta pelo hospital, melhoria de saúde, então foi aquele movimento. Depois a luta da moradia, que foi uma luta que teve um período maior. Mas depois vieram também outras, por exemplo quando eu já morava no A. E. Carvalho8 e queriam construir um cadeião ali onde é a ETEC/FATEC. Naquele complexo ali era pra ter construído um cadeião. E foi assim, a população todinha dali, junto com a população de Ermelino, foi para lá e disse não, não é isso que queremos, não queremos nossos jovens presos, queremos nossos jovens estudando. Hoje a gente encontra sempre um vizinho nosso lá estudando. Depois veio a luta pelas universidades, pela instalação da USP Leste… (Elda Paixão, abril de 2019).

52Por fim, as falas de Valentim, Elda e outros entrevistados que ao acessarem suas memórias referenciam lugares do território, evidenciam que determinados espaços, como o hospital ou o Lar Vicentino, funcionam para eles como lugares de memória em sentido próximo ao de Nora (1993). São espaços que, embora não necessariamente disponham de um caráter monumental oficialmente atribuído, servem como pontos simbólicos de lembrança das lutas que foram travadas em Ermelino.

Eficácia política

53Esta dimensão diz respeito aos “sentimentos de uma pessoa acerca da sua capacidade de intervir em uma situação política” (Sandoval, 2001). Durante as entrevistas, as lutas e ações coletivas do bairro foram avaliadas. Em todas as falas, mas especialmente na do Padre Ticão, a capacidade de intervenção popular no bairro é julgada como positiva. O Padre considera positiva a ação política dos moradores não só no sentido da conquista de direitos, mas também no do crescente fortalecimento da própria capacidade de mobilização.

Olha, eu acho assim, 35 mil moradias em 34 anos, deu mais de mil moradias por ano, né? Isso mostra que quando a população se organiza, se mobiliza, conquista as coisas. (Padre Ticão, maio de 2018)

Olha, no geral a gente conseguiu bastante diálogo. A gente foi bastante ouvido por vários órgãos, vários departamentos. É uma situação assim, o objeto de luta é uma coisa bem complexa […] mas a gente teve bastante êxito em algumas ações que fizemos. (Danilo Morcelli, junho de 2018)

54Há, apesar disso, alguma percepção de decrescimento dessa eficácia com o tempo, expressa em fala já mencionada de Valentim Morcelli: “Depois degenerou e nós também perdemos aquele ímpeto que a gente tinha”. Todos os entrevistados reconhecem que muito foi obtido, mas concordam também que a luta precisa ser mantida pois ainda há muitos problemas e necessidades no distrito.

55Mesmo assim, é preciso ressaltar que ainda há mobilização política no território de Ermelino. Comparando as mobilizações atuais às do passado, há diferenças de forma e de repertório. O que Valentim vê como perda de ímpeto talvez reflita mudanças geracionais e novas formas de mobilização. Se antes os trabalhadores e as organizações operárias cumpriam papel importante nas lutas, na atualidade a mobilização periférica se faz com outros focos e demandas — a exemplo da própria Ocupação Mateus Santos, em que Glaucy atua e que mobiliza a população principalmente através da cultura. A própria configuração socioespacial dos bairros periféricos, antes definida pela forte presença da indústria, trabalhadores fabris e mobilizações de âmbito laboral e sindical, se altera fortemente a partir da década de 1990, em contexto de desindustrialização, fazendo surgir novas identidades periféricas relacionadas aos movimentos e organizações culturais — como aborda, por exemplo, Tiaraju D’Andrea (2013).

56A mudança se faz notar inclusive em um dos espaços das lutas históricas do bairro: vale mencionar que, minutos antes de receber a pesquisadora para sua entrevista, Padre Ticão realizava uma conversa com a população idosa sobre os benefícios da alimentação saudável. O líder também era reconhecido em nível nacional pela sua atuação em defesa do uso medicinal da cannabis. Essas pautas e formas de atuação diferem daquelas reconhecidas pela geração de lideranças como Valentim.

  • 9 “Poucas ideias”: a gíria empregada por Glaucy tem sentido de erro, engano, desatino.

57Mesmo diante das novas pautas, identidades e formas de atuação, Danilo Morcelli e Glaucy Alexandre, os mais jovens entre os entrevistados, exprimem avaliações positivas a respeito da eficácia das lutas históricas. Glaucy, ao fazê-lo, não só referencia as lutas do passado, mas também aponta como as lideranças que as protagonizam são hoje reconhecidas pela população local. Ela considera um privilégio o fato de ter nascido e viver em um bairro que já acumula os resultados dessas lutas: “Então assim, aqui a gente tem muito privilégio, eu acho. Um privilégio é a gente não ser morto na rua, por exemplo”. Privilégios que, segundo ela, a população credita à atuação das lideranças comunitárias: “Até o dono do morro respeita o Padre Ticão, porque não respeitar é poucas ideias, entendeu?9. Há, em suma, um respeito por parte dos mais novos à trajetória de luta dos mais velhos, em um processo de construção e transmissão da memória em que se gera reconhecimento às lutas passadas e os indivíduos e coletivos que as protagonizaram e, também, motivação e incentivo para lutas presentes e futuras.

Considerações finais

58O objetivo do presente artigo foi contribuir para o registro da memória política local de Ermelino Matarazzo. No percurso da pesquisa tomamos contato, efetivamente, com um rico conjunto de relatos sobre as origens, reivindicações e lutas daquele território.

59A memória, como propõe Halbwachs (1990), diz respeito a um passado construído coletivamente a partir de valores, interesses e sistemas de referência postos no presente, e por vezes pode haver divergências entre memórias construídas na interação cotidiana dos atores sociais, populares, e a memória oficial ou hegemônica (Pollak, 1989), em especial quando se trata de memórias de teor político (Ansara, 2008). O que pudemos constatar na nossa análise são elementos de uma memória que circula no território, construída por atores locais, e que se oferece como alternativa às narrativas mais hegemônicas — como a do “aniversário” do bairro em 7 de fevereiro, e a das homenagens oficiais que até hoje reforçam a centralidade dos Matarazzo.

60Pudemos registrar parte de uma memória que está menos visível nos lugares de memória institucionalizados, e que atribui o verdadeiro protagonismo do passado do bairro a seus próprios habitantes: homens e mulheres da classe trabalhadora que, com laços de identidade construídos a partir das privações e injustiças experimentadas no território, transformaram esses sentimentos de injustiça em motivação para engajar-se em lutas e reivindicações, e participaram ativamente da construção do bairro tal como se configura hoje. Acreditamos que evidenciar tais memórias é importante não só para o local em questão, mas também para outros territórios, visto que as pautas da luta histórica de Ermelino representam também as carências e demandas de tantas outras periferias urbanas.

61Ao promover este registro, acreditamos que o presente trabalho ofereceu contribuições tanto acadêmicas como para a prática social. Do ponto de vista acadêmico, apesar do reconhecimento atribuído à Zona Leste em trabalhos que falam de movimentos sociais na cidade de São Paulo, são poucas as referências que analisam esse fenômeno com recorte mais específico em Ermelino Matarazzo, chamando a atenção para singularidades da trajetória desse distrito, bem como para as similaridades com a de outros territórios periféricos. Além disso, a adoção do modelo de Sandoval (1994) como instrumento analítico para identificação de dimensões importantes no registro e análise de memórias políticas também é uma contribuição que este trabalho procurou trazer para o campo de estudos da memória.

62Do ponto de vista da prática, para que as lutas do presente possam aprender com as do passado, é preciso que o acesso à memória das lutas passadas se dê por suportes mais potentes e estáveis do que a transmissão oral, que apesar de importante, tem muitas limitações. Memórias sustentadas na oralidade, conforme chama a atenção Ecléa Bosi (2003), tendem a encontrar no próprio meio urbano ameaças à sua subsistência: “O meio urbano afasta as pessoas que já não se visitam, faltam os companheiros que sustentavam as lembranças que já se dispersaram”, diz a autora (Bosi, 2003, p. 70). Promover suporte mais estável é uma contribuição pretendida com este artigo, transformando a memória comunicativa, restrita à transmissão oral por seus portadores, em memória cultural no sentido de Assmann (2016), ampliando o acervo da memória urbana de Ermelino no sentido de Jayo (2022) e fazendo com que essas memórias sejam transmitidas para além das redes de sociabilidade do território.

63Tal contribuição vai ao encontro, por sinal, de uma preocupação claramente manifestada por um dos entrevistados. Esperamos que o trabalho colabore com a transmissão de que Valentim Morcelli nos falou em sua entrevista:

Eu gostaria de transmitir, mas como eu faria? Eu gostaria que o pessoal visse essa história passada, visse o que nós fizemos e tantos outros fizeram, que trabalharam. Eu queria que eles se interligassem ao passado de Ermelino. (Valentim Morcelli, julho de 2018)

64A discussão aqui apresentada certamente pode ser aprofundada por trabalhos futuros. Na medida em que nós ouvimos apenas moradores ou ex-moradores com ativa participação em movimentos sociais e organizações locais, ainda podem ser ouvidos atores sociais com outros perfis, como moradores sem vínculo direto com tais movimentos, ou pessoas que não residem mas transitam por Ermelino em seu cotidiano, podendo deter percepções e memórias sobre o local. Além de entrevistas, podem ser consultados arquivos documentais locais, como os de jornais publicados por associações e sindicatos com atuação no bairro — algo que exigiria um esforço de identificação de acervos, acesso, manipulação e análise de documentos que não cabia no escopo desta pesquisa. Desta maneira, mais do que conclusões, os achados que apresentamos podem ser vistos como indicações para uma possível continuidade da discussão, em futuros trabalhos que se disponham a trilhar o mesmo caminho.

  • 10 Antonio Luiz Marchiori, o Padre Ticão, faleceu em 1º de janeiro de 2021, aos 68 anos. Valentim Morc (...)

65Dois dos relatos obtidos para este trabalho adquirem um peso ainda maior por terem registrado lembranças de atores que, infelizmente, se foram nos últimos anos. Valentim Morcelli e o Padre Ticão faleceram não muito tempo depois da realização desta pesquisa10. Eles compartilharam conosco suas memórias e avaliações sobre a trajetória de Ermelino e, até onde nos é possível saber, as entrevistas que generosamente nos deram foram as últimas por eles concedidas para a pesquisa acadêmica. Esperamos que nosso trabalho contribua para a preservação da memória de ambos, juntamente com a do bairro pelo qual lutaram.

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Notas

1 Assim como ocorre com outras localidades do município de São Paulo, as delimitações oficiais do bairro e do distrito de Ermelino Matarazzo não coincidem exatamente com o que é considerado o território de Ermelino Matarazzo no cotidiano local. Na discussão deste trabalho, não nos referimos às delimitações oficiais da Prefeitura, mas ao que está constituído como Ermelino Matarazzo no cotidiano e imaginário dos seus habitantes.

2 A Variante Poá, ou Variante Poá-Norte, é um ramal ferroviário da Central do Brasil cuja construção ocorreu entre 1921 e 1934, com o objetivo de desafogar seu tronco principal, em operação desde 1877. Embora oficialmente inaugurada em 7 de fevereiro de 1926, a estação Comendador Ermelino só receberia tráfego regular a partir de 1934. O ramal e a estação fazem parte, hoje, da linha 12-Safira da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos - CPTM (Costa, 2019).

3 A Lei Municipal nº 15.342, de 29 de novembro de 2010, instituiu oficialmente o dia 7 de fevereiro para a comemoração anual do Dia de Ermelino Matarazzo.

4 Trechos de matéria do jornal Folha da Manhã, 6 jul. 1925, p. 7. A transcrição manteve a grafia original.

5 O busto em homenagem a Francisco Matarazzo Júnior, o Conde Chiquinho, filho de Francesco e Filomena e irmão de Ermelino, foi inaugurado pela Prefeitura em 7 de fevereiro de 2009, data comemorativa do aniversário oficial do bairro. Na ocasião, o prefeito Gilberto Kassab “entregou diplomas de Honra ao Mérito para ex-funcionários das Indústrias Matarazzo, em agradecimento pelo apoio no desenvolvimento local” (Revista CityPenha, 2009, p. 44).

6 Projeto de pesquisa e extensão universitária sediado na Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo, coordenado por Alessandro Soares da Silva.

7 Agradecemos a Ricardo Sanches Tomazoli pela realização da entrevista.

8 A. E. Carvalho é uma abreviação usual para Cidade Antônio Estêvão de Carvalho, um bairro da Zona Leste paulistana.

9 “Poucas ideias”: a gíria empregada por Glaucy tem sentido de erro, engano, desatino.

10 Antonio Luiz Marchiori, o Padre Ticão, faleceu em 1º de janeiro de 2021, aos 68 anos. Valentim Morcelli faleceu em 13 de outubro do mesmo ano, aos 96.

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Índice das ilustrações

Créditos Fonte: Folha da Manhã, 9 dez. 1925, p. 3. Imagem reproduzida de Jayo (2013).
URL http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/pontourbe/docannexe/image/15676/img-1.png
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Créditos Fonte: Elaborado por Silva (2006) com base em Sandoval (1994)
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Para citar este artigo

Referência eletrónica

Victoria Lustosa Braga e Martin Jayo, «A memória política de Ermelino Matarazzo: lutas populares e ação coletiva em um bairro da Zona Leste de São Paulo»Ponto Urbe [Online], 31 | 2023, posto online no dia 10 dezembro 2023, consultado o 14 dezembro 2024. URL: http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/pontourbe/15676; DOI: https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/pontourbe.15676

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Autores

Victoria Lustosa Braga

Mestranda no Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo; Bacharel em Gestão de Políticas Públicas pela Universidade de São Paulo.

E-mail: victoria.braga@usp.br

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7990-0153

Martin Jayo

Professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Estudos Culturais e ao Programa de Pós-Graduação em Mudança Social e Participação Política; Doutor em Administração pela Fundação Getúlio Vargas; Mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo; Bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade de São Paulo.

E-mail: martin.jayo@usp.br

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0241-9687

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