- 1 Conforme artigo publicado no site do SEBRAE: “Os produtos e serviços de cuidados pessoais masculino (...)
1A proposta desse ensaio surgiu desde que considerei deixar a minha barba crescer. O processo de tornar-me um homem que cultiva pelos no rosto, aproximou-me de um dos segmentos profissionais mais prósperos da economia mundial nas últimas décadas. Estima-se que, nos próximos anos, o Brasil venha liderar o ranking mundial no segmento de consumo de beleza masculina1. A ascensão desse mercado consumidor está intimamente atrelada à relação dos homens com os seus pelos, o que refletiu na abertura de milhares de barbearias país a fora. Acontece que frequentar “barbershops”, nunca deixou de representar para mim uma experiência enfadonha.
2Certa vez, enquanto envolvia o meu rosto com uma toalha quente, um barbeiro questionou-me: “você está pronto para se tornar um novo homem?”. Barbearias são espaços de sociabilidade (Goffman, 1975; Simmel, 1998) bastante interessantes para pensar, contemporaneamente, sobre a relação que os homens estabelecem com o próprio corpo. Há nesses lugares, majoritariamente compostos por outros homens, a produção constante de certos padrões masculinidade (Grossi, 2004), relacionados a discursos sobre autocuidado, individualidade e modernidade (Soares, 2012). Entretanto, é importante referir que muitos dos serviços oferecidos por esses templos modernos da beleza masculina nada mais são do que versões atualizadas de práticas milenares, se nos lembrarmos que a navalha em pedra afiada, surgiu no Egito Antigo, cinco mil anos atrás.
3Foi no contexto de peregrinação por barbearias, que conheci na cidade de Caxias do Sul-RS, a Barbearia Tesourinha de Ouro, do carismático Jorge Pedrotti. Em meio à padronização estética desse perfil de estabelecimento, o Tesourinha de Ouro destaca-se, pois se trata de um ambiente pouco convencional que ainda resiste nos grandes centros urbanos, porque possui identidade própria.
4Do alto de seus 73 anos, Seu Pedrotti aprendeu o ofício sozinho, aos 18, cortando em casa o cabelo do pai, dos primos e irmãos. Logo a fama de “bom laminador” se espalhou pela vizinhança de Ana Rech, localidade onde residia com a família, no interior de Caxias do Sul, que passou a demandar os serviços do jovem barbeiro. Em razão da habilidade no manuseio das lâminas e tesouras, abriu o próprio negócio aos 25 anos.
5O interior da barbearia Tesourinha de Ouro é um verdadeiro bricoleur, constituído por centenas de objetos que Pedrotti foi juntando ao longo da vida. Tem flor de plástico, imagens religiosas, ursos de pelúcia, diversos relógios de parede, além de seu xodó: uma cadeira profissional de barbeiro com mais de 100 anos de existência, que ele chama, afetuosamente, de “minha filha”.
6Além de excepcional barbeiro, Seu Pedrotti é um grande contador de histórias. Enquanto fazia minha barba, ele narrava episódios em torno de cada uma das peças que constituíam, originalmente, o lugar. A sua trajetória de vida confunde-se com a própria história da cidade. Um “guardião da memória” se recorrermos a Walter Benjamin. Já ao final do atendimento, ele comentou sobre a paixão pelo ofício, contestou a modernidade e reclamou da desvalorização de algumas profissões antigas em detrimento do que se apresenta como “novo”.
7 Sobre o processo de produção das imagens que compõem esse ensaio é importante ressaltar que, a partir de uma experiência pessoal, tal seja, a situação de adentrar a uma barbearia para “fazer a barba”, procurei explorar visualmente o espaço, registrando, por meio do recurso fotográfico, os elementos materiais que compunham, originalmente, o lugar. Entretanto, mais do que um exercício de registro visual, esse trabalho utilizou-se de uma técnica de escuta atenta ao elemento humano presente na situação. A partir da conjunção desses recursos de pesquisa, procurei dar luz a fragmentos da trajetória de vida de meu interlocutor, destacando aspectos de sua relação com o trabalho e com o espaço de no qual ele desempenhava a sua atividade profissional.
Figura 1: Tesourinha de Ouro. Cristiano Sobroza Monteiro, 2019.
Figura 2: A “filha”. Cristiano Sobroza Monteiro, 2019.
Figura 3: As coisas. Cristiano Sobroza Monteiro, 2019.
Figura 4: A bancada. Cristiano Sobroza Monteiro, 2019.
Figura 5: As memórias. Cristiano Sobroza Monteiro, 2019.
Figura 6: Mais coisas. Cristiano Sobroza Monteiro, 2019.
Figura 7: E mais coisas... Cristiano Sobroza Monteiro, 2019.
Figura 8: Reflexos. Cristiano Sobroza Monteiro, 2019.
Figura 9: O tempo. Cristiano Sobroza Monteiro, 2019.
Figura 10: Volte sempre. Cristiano Sobroza Monteiro, 2019.