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"Varia"

Uma experiência na área das reservas de têxteis

An experience in the field of textiles storage
Maria João Mota

Resumos

Os museus, enquanto instituições responsáveis pela salvaguarda do património, têm por dever assegurar as melhores condições para a preservação dos seus acervos. É neste pressuposto que a organização e manutenção das reservas surge como uma prioridade do trabalho museológico. No presente artigo, e após breves considerações de caráter mais genérico sobre o papel das reservas nos museus e as especificidades inerentes às coleções têxteis, abordamos o caso prático da reserva de têxteis do Museu de Aveiro. Neste contexto, focamos aspetos que lhe são determinantes e essenciais, tais como a necessidade de um estudo prévio da coleção e das suas necessidades, a enumeração dos critérios que devem orientar a escolha do tipo de equipamento mais adequado e, por fim, a elaboração de um normativo para acondicionamento das peças, bem como a preparação de um conjunto de boas práticas necessárias à sua correta manutenção.

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Texto integral

Introdução

1As reservas, espaços fundamentais em qualquer instituição museológica, carecem frequentemente das condições essenciais a uma correta preservação dos acervos. A escolha desajustada do local destinado à instalação da reserva, a incapacidade de manter nestes espaços as condições ambientais próximas das recomendáveis, a seleção inapropriada do equipamento ou o incorreto acondicionamento dos objetos, podem comprometer a conservação das peças e contribuir para reduzir a sua longevidade. No caso das coleções têxteis, a maioria dos museus conserva o seu acervo em reserva, expondo-o apenas por curtos períodos. Muitas dessas peças não chegam sequer a sair para exposição, pelo que as preocupações com a sua conservação deveriam justificar um forte investimento nesta área, tornando-a uma prioridade na gestão dos museus.

2Ao abordarmos o caso da reserva de têxteis do Museu de Aveiro, daremos a conhecer todo o processo que antecedeu a sua montagem, valorizando as etapas fundamentais desse trabalho, as quais nos permitiram justificar as opções tomadas relativamente à escolha do equipamento, dos materiais de acondicionamento e dos critérios utilizados na sua organização.

3Procuraremos ainda formular um conjunto de procedimentos que, julgamos, poderão contribuir para a elaboração de um conjunto de boas práticas essenciais à conceção e montagem de uma reserva de têxteis, bem como a uma correta manutenção destes espaços. Uma apreciação crítica das opções tomadas permitirá identificar os pontos menos positivos, compreender as suas causas, evitando a repetição de falhas idênticas em situações futuras.

O papel das reservas no museu

  • 1 A afirmação presente em An Illustrated Guide to the Care of Costume and Textile Collections express (...)

4Os museus são por definição instituições que investigam e divulgam o património pelo qual são responsáveis, mas, acima de tudo, zelam pela sua salvaguarda e preservação física.1

5De um modo geral, do vasto número de peças que compõem os acervos museológicos, apenas uma parte se encontra exposta ao público e, por esse motivo, é mantida em condições ambientais eventualmente próximas dos valores recomendados. Em situação diferente, as coleções acondicionadas em reserva, espaços frequentemente desadequados a essa função, encontram-se expostas a condições favoráveis a uma progressiva degradação dos materiais que as compõem. De facto, um número significativo de museus encontra-se instalado em edifícios preexistentes, em muitos casos de relevante valor arquitetónico e patrimonial, mas que se revelam desajustados à sua função museológica. Nestes imóveis históricos são comuns os constrangimentos decorrentes das próprias características estruturais da construção e da enorme dificuldade em controlar as condições ambientais, nomeadamente de temperatura, humidade e luminosidade. A estes entraves a uma correta conservação das peças, acrescem a exiguidade do espaço, a inadequação do tipo de equipamento destinado ao acondicionamento dos objetos, bem como as dificuldades decorrentes das acessibilidades deficitárias.

6Poder-se-ia então supor que estes problemas não constituiriam uma preocupação nos museus cujos edifícios foram projetados de raiz para essa função, ou naqueles recentemente submetidos a projetos de requalificação arquitetónica, já que, em ambos os casos, a consciência da importância que as reservas assumem nas instituições museológicas teria sido devidamente valorizada e acautelada. Na realidade, constatamos que, também nestes casos, a planificação das reservas tem sido frequentemente subvalorizada ou sacrificada em detrimento dos espaços de exposição ou das restantes áreas de acesso público, pelo que as reservas constituem, de facto, um problema estrutural em grande parte dos museus nacionais portugueses.

A escolha do local apropriado

  • 2 O efeito progressivo da luz nas peças provoca perda de cor, de firmeza e de flexibilidade, danos qu (...)

7A escolha do espaço para a localização de uma reserva é fundamental, sobretudo quando se trata de edifícios antigos. Sempre que possível deve optar-se por um piso intermédio, onde as condições ambientais são mais estáveis, sendo desaconselhadas as caves, os pisos térreos e as coberturas, mais propensos a alterações bruscas de temperatura e humidade, bem como a acidentes associados a infiltrações e inundações. Também para evitar estas ocorrências, os espaços devem situar-se longe de condutas de água ou outro equipamento que, em caso de anomalia, possam constituir um fator de risco (Espinoza e Grüzmacher 2002, 38). É igualmente aconselhável o afastamento das paredes exteriores do edifício, evitando assim possíveis humidades, a entrada direta de luz natural2 ou de gases poluentes vindos do exterior. É de realçar que esta localização interior deve, no entanto, ser compensada com um sistema eficaz de circulação e renovação do ar, por forma a evitar ambientes estagnados que facilitem o desenvolvimento de microrganismos (Glover 1992, 308-309).

8Finalmente, o acesso às reservas deve ser suficientemente espaçoso para permitir a entrada e saída de peças sem constrangimentos, quer para a necessária movimentação de objetos para exposições, quer precavendo a ocorrência de um evento extremo que obrigue a uma evacuação súbita do edifício.

9Não sendo fácil obter áreas que assegurem muitas destas premissas, regra geral, é o acervo que se adapta ao espaço disponível e não o contrário. É, pois, no equipamento que pode e deve ser feito o investimento, quer em termos de rentabilização do espaço, quer da escolha das melhores opções para o acondicionamento das peças.

Especificidades das reservas de têxteis

10Um dos grandes desafios que se coloca aos conservadores para a planificação das reservas têxteis decorre do facto das coleções abrangerem peças de tipologia muito variada no que respeita aos materiais, formatos e dimensões.

11A degradação dos têxteis está associada a quatro tipos de causas: a deterioração natural e progressiva dos materiais, o descontrolo das condições ambientais (sobretudo humidade, temperatura e luz), a ação de agentes biológicos (como fungos, insetos ou mesmo roedores) e, por último, mas não menos relevante, a fatores humanos, em especial, ao incorreto acondicionamento e manuseamento das peças (Glover 1992, 305).

  • 3 Os materiais orgânicos apresentam características comuns, como uma forte presença de carbono, grand (...)
  • 4 Não nos referimos aos índices de luminosidade, uma vez que, como já referido anteriormente, se acon (...)

12A planificação de uma reserva, considerando estes agentes de degradação, desde logo suscita dificuldades diretamente associadas à natureza dos materiais. Antes de mais, os têxteis são, maioritariamente, compostos por materiais orgânicos, nomeadamente por fibras de origem animal (seda e lã) ou vegetal (algodão, linho ou cânhamo), materiais que pela sua natureza3 reagem rapidamente à qualidade do ambiente, deteriorando-se com alguma facilidade (Glover 1992, 305). Por outro lado, numa mesma peça podem coexistir diferentes fibras têxteis, com diferentes capacidades de absorção e índices de retração e expansão, gerando tensões que levam ao enfraquecimento dos tecidos (Idem, 308 e 309). A acrescer a estes aspetos, muitos objetos são decorados com materiais de natureza diversa, designadamente metal, vidro e osso, só para referir os mais comuns, os quais exigem condições ambientais específicas para a sua conservação (Idem, 302). Isto faz com que, numa mesma peça, diferentes materiais reajam de forma distinta quando sujeitos a idênticas condições de temperatura, humidade relativa e luminosidade. Esta heterogeneidade de materiais e comportamentos obriga, no que toca ao seu acondicionamento, a cuidados redobrados e a opções de compromisso para encontrar as condições ambientais desejáveis. A prática museológica tem vindo a considerar como condições ambientais recomendáveis, temperaturas entre os 18ºC e os 21ºC, de forma a evitar o aparecimento de insetos e bolores, e uma humidade relativa (HR) próxima dos 50%.4 Este valor resulta do facto de humidades relativas superiores a 60% serem propícias ao desenvolvimento de fungos, à ocorrência de manchas e à corrosão dos elementos metálicos, e valores inferiores a 40% levarem à perda de elasticidade e quebra das fibras (Staniforth 1992, 234 e 243). Contudo, a prática museológica também nos revela que, tão importante como manter determinados valores de temperatura e HR, é manter a estabilidade dos valores a que as peças estão sujeitas.

  • 5 Regra geral, em contexto de sala de exposição, a temperatura e HR são os fatores mais facilmente co (...)

13Para além das questões ligadas ao controlo do ambiente, existem também constrangimentos inerentes à própria fragilidade dos materiais. A exposição destes acervos deve ser feita por períodos inferiores a um ano, por vezes menos, conforme o estado de conservação dos objetos.5 Por sua vez, a necessidade de garantir uma rotatividade frequente das peças torna essencial garantir formas de acondicionamento do acervo que facilitem o seu manuseamento.

14Finalmente, falamos de peças não só delicadas, mas que frequentemente se encontram em deficiente estado de conservação. A forma como estas peças são acondicionadas deve, assim, evitar danos provocados pelas mais variadas situações de risco. O excesso de têxteis sobrepostos, a fricção dos materiais (nomeadamente no caso das peças bordadas ou com passamanarias), a excessiva dobragem dos tecidos, e ainda a criação de zonas de tensão decorrentes do difícil acesso às peças, são alguns dos fatores altamente danosos para este tipo de acervo. O planeamento de uma reserva têxtil exige, por isso, grandes cuidados na sua preparação de forma a acautelar todos esses aspetos e ainda outros igualmente importantes de que iremos tratar em seguida.

O planeamento

15Então, qual o melhor procedimento para a planificação de uma reserva? Parece consensual que a primeira fase de planificação deva passar pelo levantamento da coleção: que tipologia de peças existem? Quais os materiais que empregam? Em que estado de conservação se encontram? Quais as suas dimensões? Todos estes elementos são essenciais para o dimensionamento e escolha do equipamento mais adequado.

16Concluído este levantamento terão de ser tomadas as decisões sobre o critério a adotar para o acondicionamento das peças. Como deverão ser acondicionadas? Guardadas por tipologia? Por conjuntos? Por peso? Por critério cronológico? Que outros fatores poderemos e deveremos ter em conta? A frequência com que poderão vir a ser manuseadas? As formas que mais facilmente se justapõem quando acondicionadas? Deverá prever-se um aumento do número de peças da coleção e assegurar a existência de espaço para o seu armazenamento? Estas são questões que devem ser consideradas e ponderadas, condicionando a seleção do equipamento a adotar.

A procura do equipamento

17Em Portugal, as experiências de montagem de reservas têxteis de raiz são escassas, situação justificada quer pela necessidade de adaptação a espaços disponíveis, quer pela limitação orçamental existente para a compra de equipamento adequado. É frequente, pois, a utilização de armários previamente existentes ou, havendo a possibilidade de adquirir novo equipamento, de modelos estandardizados, mais económicos, que nem sempre são funcionais ou recomendáveis.

18De facto, as especificidades das peças não facilitam a sua adaptação ao equipamento mais comum, pelo que, ao contrário do que sucede com outro tipo de coleções, não se encontra disponível no mercado material específico, ou facilmente adaptável, ao acondicionamento de têxteis (Muñoz-Campos 2004, 73).

19Por outro lado, apesar da abundante bibliografia, sobretudo internacional, que reúne um vasto conjunto de boas práticas a aplicar na planificação e montagem das reservas têxteis, a realidade é que a aplicação desses procedimentos normalizados pode nem sempre ter os resultados esperados, obrigando a uma adaptação dessas recomendações. É, pois, importante que na altura de optar pela escolha do equipamento, possamos servir-nos igualmente da partilha de experiências menos bem-sucedidas, e da descrição da forma como estas foram superadas pelas equipas técnicas dos museus. É essa troca de experiências práticas, e a aprendizagem feita a partir dos ensaios tentados por outros, que nos permitido traçar o caminho para alcançar os melhores resultados e criar protótipos mais adequados e funcionais a cada caso.

A escolha do equipamento

20No que respeita ao equipamento a adotar, há que ter em consideração a escolha do respetivo material de construção. Sejam quais forem os materiais selecionados, estes deverão ter um comportamento estável de forma a não interagirem, quer com as diferentes matérias têxteis, quer com os restantes materiais que habitualmente lhe estão associados, como os fios ou as aplicações metálicas (Muñoz-Campos 2004, 75).

21Geralmente, a opção coloca-se entre a utilização de mobiliário metálico ou em madeira. Se na primeira opção deve ser acautelada a possibilidade de formação de ferrugem, ou a utilização de materiais de acabamento, tais como tintas ou vernizes com formaldeído, nas madeiras há que ter cuidados redobrados. Para além da possibilidade de expansão ou retração da matéria orgânica e da libertação de gases nocivos às peças, a madeira necessita muitas vezes de ser combinada com outros materiais. É fundamental garantir que, nessa composição, não existam quaisquer produtos químicos agressivos, nomeadamente cloro (pvc), colas ou outros produtos que possam atrair insetos e contribuir para o desenvolvimento de microrganismos prejudiciais à conservação das peças. É ainda necessário ter um cuidado extremo com os acabamentos dados à superfície da madeira, já que algumas soluções poderão contribuir para a corrosão ou oxidação das ligas metálicas presentes nas peças.

22Por todas estas questões, a bibliografia especializada aconselha a utilização de equipamento metálico, de preferência de alumínio anodizado ou aço inox (Muñoz-Campos 2004, 75; Museums & Galleries Commission 2000, 24), materiais que, sendo isentos de compostos voláteis, não apresentam risco de agressão aos materiais têxteis ou a outros elementos, nomeadamente de natureza metálica. Não obstante, a decisão técnica pode ser condicionada por questões orçamentais.

Caracterização do espaço da reserva têxtil do Museu de Aveiro

23O Museu de Aveiro encontra-se instalado num edifício histórico quatrocentista que ao longo dos séculos foi sofrendo múltiplas ampliações e transformações. A última intervenção data de 2006-2008, altura em que uma parte significativa do imóvel foi modernizada, tendo sido contempladas novas zonas de serviços, incluindo salas destinadas a reservas e a laboratórios de restauro.

24Foi na sequência do referido programa de ampliação e requalificação que a reserva de têxteis foi organizada, passando a localizar-se no segundo piso do edifício, confinando numa das extremidades com um estreito corredor de acesso a gabinetes e, na outra, com a reserva de arqueologia, constituída por um longo corredor equipado com estantes que deixa livre apenas uma estreita área de passagem para o laboratório de conservação e restauro. Situada no último piso do edifício, tem como cobertura uma laje onde foram instaladas as tubagens das UTAS, às quais se acede por uma abertura no teto da reserva. Este espaço tem como cobertura telha vã.

25A localização da reserva numa área com estas características desde logo se revelou uma escolha desadequada. Situada entre duas zonas de circulação constante de funcionários, não só impede o controlo eficaz das condições ambientais, como põe em risco a segurança das peças. Por outro lado, a sua proximidade ao equipamento das UTAS potencia o risco de ocorrência de infiltrações e inundações provocadas por avarias, situação aliás já verificada por diversas vezes desde a sua montagem. Acresce o facto de o acesso à reserva ser feito através de corredores pouco generosos, dificultando a acessibilidade à coleção e impossibilitando a evacuação rápida da reserva em caso de acidente grave.

26É, ainda, de realçar que, embora a sala se encontre equipada com um sistema de ar condicionado, como acontece com os restantes espaços do museu, as contenções orçamentais não permitem o seu funcionamento, recorrendo-se a meios alternativos de controlo ambiental menos eficazes.

Origem e caracterização da coleção

  • 6 O Museu de Aveiro encontra-se instalado no edifício do extinto Convento de Jesus, casa dominicana f (...)
  • 7 Uma parte significativa do acervo é constituída por paramentos bordados a sedas e metais nobres, ca (...)

27A coleção de têxteis foi, desde a fundação do Museu, uma das mais valorizadas, quer pela sua qualidade e merecimento artístico, quer pela sua representatividade em termos cronológicos, abrangendo um largo período que se estende do século XV à atualidade. A constituição deste significativo espólio teve a sua origem na fundação do Convento de Jesus6, e na ação das suas religiosas que, desde cedo, reuniram um notável conjunto de paramentaria e alfaias. Durante séculos, as exigências do culto contribuíram para o enriquecimento deste acervo7, ao qual se juntaram doações de monarcas, de membros da nobreza e de ricas famílias burguesas.

28Em 1834, o decreto que determinou a extinção das ordens religiosas e a secularização dos bens conventuais em Portugal, veio dar um novo destino a esse património. Cingindo-nos ao caso dos têxteis, a lei desde logo estabeleceu que os paramentos pertencentes aos conventos fossem distribuídos pelas igrejas das dioceses mais necessitadas, ficando o Estado somente na posse das peças de melhor qualidade. Felizmente, ao invés do sucedido com as instituições masculinas em que esta normativa foi genericamente cumprida, nos conventos femininos, mantidos em funcionamento até à morte da última freira, foi possível conservar uma parte significativa dos bens nos seus locais de origem, protegendo-os de uma dispersão generalizada, situação verificada também no Convento de Jesus de Aveiro.

29Uma nova alteração veio, contudo, a ocorrer no período republicano. Os bens conventuais, entregues à guarda da Comissão Jurisdicional das Extintas Congregações Religiosas, passaram então integrar as coleções de vários museus recém criados, como é o caso do Museu de Aveiro, fundado em 1912. Em 1913, a pedido do Ministro aveirense Barbosa de Magalhães, esta Comissão autorizou a incorporação no Museu de Aveiro de peças de proveniência diversa, com destaque para paramentos e alfaias religiosas provenientes do Convento de São João Evangelista (da Ordem das Carmelitas Descalças) e da Mitra, ambos de Aveiro, bem como dos Conventos das Salésias e das Trinas, de Lisboa.

  • 8 De realçar que algumas peças da coleção tiveram uma evidente notoriedade, bem patente na sua partic (...)

30Assim, a atual coleção de têxteis resulta, não só da incorporação no seu acervo de peças pertencentes ao extinto Convento de Jesus, mas também de espólio proveniente de outros conventos e instituições religiosas de Aveiro e de Lisboa, tendo por isso um cariz marcadamente religioso.8

31Atualmente são perto de 750 as peças acondicionadas em reserva, sendo a sua exposição feita apenas em pequenos núcleos e por períodos limitados, de forma a evitar maiores danos na coleção. Destas, apenas uma pequena parte se encontra em bom estado de conservação, havendo um número muito significativo de peças seriamente fragilizadas.

Critérios de acondicionamento e escolha do mobiliário

32Tendo em conta o levantamento de toda a coleção têxtil do museu e das suas necessidades de acondicionamento, e perante a enorme diversidade de materiais, formas, dimensão e peso das peças, foi pensada uma lógica de acondicionamento que assegurasse a conservação das peças nas melhores condições. A opção por manter a generalidade das peças acondicionadas na horizontal foi, desde logo, uma decisão inquestionável. A fragilidade inerente aos materiais têxteis, a necessidade de evitar zonas de tensão, e, sobretudo, o avançado estado de degradação do acervo, justificaram o afastamento de qualquer outra opção, nomeadamente a de suspensão das mesmas (Canadian Conservation Institute 2008b, 1). Apenas no caso de peças de grandes dimensões, como as cortinas e panos de armar, se justificou uma solução distinta, na medida em que nestes casos a dobragem provocaria maiores danos às peças.

33Neste sentido, foi considerada a construção de dois móveis diferentes, um destinado a acondicionar as “famílias” de paramentos com as respetivas alfaias de uso litúrgico e processional e outro para acomodar as alfaias que não tinham qualquer ligação com os conjuntos de vestes litúrgicas.

34Relativamente ao armário de paramentos, fez-se um estudo de pormenor que incluiu a contagem de todos os conjuntos e o levantamento das respetivas medidas. Assim, foi possível calcular as dimensões mais favoráveis para a medida das prateleiras, tendo-se optado por realizar um armário com divisórias interiores desiguais, com prateleiras de diferentes dimensões como forma de otimização do espaço.

35O segundo armário, destinado às restantes alfaias, foi concebido para funcionar simultaneamente como mesa de trabalho. De secção quadrangular, apresenta duas frentes opostas, com portadas que dão acesso às prateleiras, todas com igual dimensão.

36Finalmente, optou-se por acondicionar um significativo número de têxteis, constituído por cortinas e panos de armar, em rolos suspensos na parede evitando dobras e, nalguns casos, a fricção de materiais, como foi o caso dos tecidos que apresentavam fio metálico na própria tecelagem.

  • 9 O equipamento foi adquirido através de uma candidatura ao QREN (Quadro de Referência Estratégica Na (...)

37Considerando a inexistência no mercado de equipamento estandardizado que se adaptasse a essas mesmas exigências, o Museu optou por projetar o equipamento necessário e mandar executá-lo em madeira.9 Para esta decisão foi determinante a impossibilidade de encontrar fornecedores que fabricassem um equipamento metálico à medida das necessidades a um preço comportável, sendo economicamente mais viável a contratação de uma marcenaria especializada. Neste sentido, convidámos uma empresa da área do fabrico e restauro de móveis a apresentar uma proposta. Todos os dados relativos às necessidades da coleção foram facultados, constando a encomenda da conceção de três módulos para o acondicionamento das peças.

38Para a apresentação da proposta foram exigidos alguns pressupostos gerais. A empresa teria de apresentar desenhos técnicos do exterior e interior dos móveis à escala 1/10, bem como dos pormenores de construção e ferragens, e identificar todos os materiais empregues, fornecendo, a par da proposta, as respetivas fichas técnicas. Por outro lado, o mobiliário deveria respeitar as normas publicadas pelo Instituto dos Museus e da Conservação (IMC) na sua edição de Temas de Museologia, designadamente no volume intitulado Plano de Conservação Preventiva: Bases Orientadoras, Normas e Procedimentos (2007).

39O projeto dos armários foi longamente discutido. Muitas das soluções apresentadas foram sendo melhoradas, tendo para isso contribuído a noção exata das necessidades, a identificação dos entraves e dificuldades com que frequentemente nos deparamos nas reservas e, ainda, a capacidade de inovação e criatividade da empresa na resolução de todos os problemas que foram surgindo.

Descrição do equipamento

40Na sequência das decisões sobre o critério escolhido para a organização da reserva, a tipologia do equipamento e os respetivos materiais a adotar, entrou-se na fase operacional do projeto, dando desenvolvimento à construção dos três módulos com as seguintes características:

  • 10 Contraplacado de madeira: espessuras de 18 mm e 35 mm. Folha de madeira faia, 8 mm de espessura; pl (...)
  • 11 A eliminação de fontes de luz, quer natural quer artificial, sobre as peças foi sempre um dos requi (...)
  • 12 Ver a este respeito as orientações do Canadian Conservation Institute (2008b, 2).

41- Armário dos paramentos. Móvel com uma dimensão de 2,5 x 3,1 x 1 m, em contraplacado engradado de madeira, com 3 cm de espessura, folheado a madeira de faia.10 O móvel é constituído por um corpo superior, dividido em duas partes iguais. Ambas as partes fecham com duplo batente11, tendo no interior um conjunto de oito tabuleiros cada. O módulo inferior é igualmente dividido em duas partes, ambas com duplo batente, tendo no interior três tabuleiros cada. No entanto, a largura de ambas as partes é significativamente diferente. A generosa largura das prateleiras do módulo esquerdo permite acondicionar a generalidade dos frontais de altar e panos de púlpito, estes de grande dimensão, sem qualquer dobra, o que constituiu uma enorme vantagem em termos de conservação. Já as prateleiras menores do lado direito foram destinadas a peças mais pequenas12 (v. fig. 1).

Fig. 1 - Desenho do interior do armário de paramentos. Na parte superior dois pares de batentes encerram prateleiras de iguais dimensões. Na zona inferior, os dois batentes esquerdos dão acesso às prateleiras de maior dimensão e o direito, às prateleiras mais estreitas.

Imagem do Museu de Aveiro

  • 13 Aço inoxidável: norma europeia EN 10088 Código 1.4301 Designação X5CrNi18-10 Aisi 304.
  • 14 Conhecendo desde o início os perigos da escolha de madeira para o equipamento de reserva, houve a p (...)
  • 15 Sobre a importância do processo de facilitação no manuseamento das peças veja-se Muñoz-Campos (2004 (...)

42Tendo em conta o peso das peças e o vão das prateleiras, todos os tabuleiros, concebidos em contraplacado engradado de madeira com 3 cm de espessura, levaram um reforço de barras de aço13 no interior. A superfície superior dos tabuleiros foi coberta com placas de acrílico transparente com 0,5 cm de espessura.14 Os tabuleiros funcionam com um sistema de calhas metálicas de deslizamento muito leve, podendo ser retiradas do armário para facilitar o acondicionamento e mobilidade das peças.15

43O armário apresenta um acabamento interior e exterior à cor natural da faia com verniz nitrocelulósico mate. Todas as portas apresentam um trinco interior e uma fechadura exterior com chave.

44O facto das medidas das prateleiras interiores serem de diferentes dimensões nas várias partes do móvel, obrigou ainda a pensar o exterior do móvel, de modo a que o seu aspeto não resultasse esteticamente desagradável. Os batentes inferiores foram pensados para simularem uma divisão em módulos iguais, o que na realidade não se verifica.

45Neste armário, a arrumação das peças respeitou o critério de “conjunto”, sendo os paramentos e alfaias de um mesmo conjunto e de diferentes tipologias, acomodados na mesma prateleira, do mais pesado para o mais leve.

46Apenas nas peças avulsas, como no caso de frontais, casulas ou outras peças, se optou pelo critério da tipologia, sendo mais uma vez o peso das peças a determinar a ordem pela qual foram sobrepostas na mesma prateleira.

47A mais-valia da construção deste equipamento foi sem dúvida o seu dimensionamento. A quantidade de dobras a que as peças estão hoje sujeitas diminuiu drasticamente. Para além do caso já referido dos frontais e panos de púlpito, e apenas para referir outro exemplo, cada prateleira do módulo superior, acondiciona na perfeição duas casulas colocadas uma a par da outra, já que a profundidade da prateleira corresponde à altura das peças. Assim sendo, não só as peças são conservadas direitas, como são poupadas ao peso excessivo de mais sobreposições (fig. 2).

Fig. 2 – Arrumação dos paramentos e alfaias no armário de paramentos. Pode verificar-se a vantagem de acondicionar os frontais de altar sem qualquer dobra.

Fotografia do Museu de Aveiro

48O móvel-bancada de trabalho é formado por um corpo de 2 m x 2 m sobre o qual assenta um tampo de 3 m x 2 m. Toda a estrutura é em contraplacado engradado de madeira com 3 cm de espessura folheado a madeira de faia. O móvel apresenta duas frentes diametralmente opostas, nas quais dois duplos batentes encerram dois conjuntos de cinco tabuleiros (fig. 3). Nas faces laterais, o tampo da bancada ultrapassa o corpo do móvel em 40 cm permitindo a acomodação das pernas em situação de trabalho.

Fig. 3 – Desenho do interior do móvel-bancada. Prateleiras de deslizamento leve são forradas, no fundo e dos lados, a placas de acrílico.

Imagem do Museu de Aveiro

49À semelhança do móvel anterior, toda a estrutura é construída em contraplacado engradado de madeira com 3 cm de espessura folheado a madeira de faia. Os tabuleiros interiores, no mesmo material, são reforçados no interior por barras de aço. A parte superior dos tabuleiros é forrada com placas de acrílico transparente com 0,5 cm de espessura. Mais uma vez, os tabuleiros são amovíveis, funcionando com um sistema de calhas metálicas. Todo o acabamento interior e exterior do móvel é feito à cor natural da faia com verniz celuloso mate e, à semelhança do anterior armário, todas as portas apresentam um trinco interior e uma fechadura exterior com chave.

  • 16 Leia-se a este propósito as recomendação do Canadian Conservation Institute (2008b, 1), segundo as (...)

50No que respeita ao seu conteúdo, neste armário optou-se por acondicionar alfaias de menor dimensão, como véus de cálice e bolsas de corporal, mas sobretudo algumas cortinas, que embora estivessem destinadas a ser acondicionadas nos rolos de paredes, não puderam ocupar o seu lugar, pela fragilidade do estado de conservação em que se encontravam (fig. 4). É de referir ainda, que durante o período de preparação da reserva, e estando estas alfaias extremamente sujas, o Museu encetou esforços no sentido de assegurar a limpeza das mesmas, tendo surgido a oportunidade de as enviar para o Museu Francisco Tavares Proença Júnior, em Castelo Branco, onde foram cuidadosamente lavadas. No caso das cortinas, optou-se por acondicionar as peças em pequenos rolos de papel acidfree tendo em seguida sido colocadas nas prateleiras.16

Fig. 4 – Acondicionamento das alfaias no móvel-bancada. De realçar que em cada porta se encontra afixada uma lista com todas as peças desse módulo e respectiva localização.

Fotografia do Museu de Aveiro

51Finalmente, e para completar o equipamento da reserva, foram executados 34 rolos amovíveis, de diferentes tamanhos: um com 1,5 m, 12 com 2,5 m e um com 3,20 m. Os rolos são constituídos por um cilindro de aço inoxidável revestido por um tubo de polietileno ref. Baquelite listileno (NP EN 12201) que por sua vez é revestido por tecido (cf. Muñoz-Campos 2004, 78) (fig. 5). Destina-se este equipamento a acondicionar tapetes, panos de armar, reposteiros e cortinas.

Fig. 5 – Pormenor do sistema de encaixe dos rolos que os torna amovíveis para eventual transporte das peças.

Fotografia do Museu de Aveiro

Utilização e testagem do equipamento

52Após a conclusão da montagem do equipamento, ambos os armários permaneceram aproximadamente um mês com as portas abertas, de modo a que a circulação de ar no seu interior pudesse eliminar os vapores da madeira. Durante esse período, os materiais foram sendo vigiados a fim de detetar qualquer deformação.

53De facto, após duas semanas verificou-se que o acrílico que forrava as prateleiras tinha deformado e criado grandes “barrigas”, situação que ocorreu em ambos os armários. A equipa da empresa foi então chamada, tendo optado por retirar e cortar todos os acrílicos fazendo-os novamente assentar, aconselhando a aguardar mais um tempo para certificação de que tal situação não voltaria a repetir-se. Ao contrário do expectável, verificou-se uma nova dilatação dos materiais, obrigando à repetição do mesmo procedimento, agora já em menor número de prateleiras e, desta vez, deixando uma pequena folga dos lados para permitir uma nova reação do material.

54Mesmo depois de concluída a estabilização do equipamento, não quisemos deixar de perceber a origem do problema ocorrido, procurando saber junto de especialistas quais as reais características desta madeira, e se o aconselhamento técnico inicial que tínhamos procurado teria sido o mais correto. Consultado um especialista em engenharia de materiais da Universidade de Aveiro, foi-nos referido que o coeficiente de dilatação da faia é de 0,00431, resultando assim que, para uma peça de 2,5 m, e para uma diferença de 4% de humidade, a capacidade de retração e expansão é de 3 cm. Por outro lado, a madeira de faia apresenta uma particular sensibilidade a fungos cromogéneos (que produzem cor) lentrívoros, incluindo bolores. Perante tais evidências, parece-nos, hoje, ser esta madeira pouco indicada para utilizar em equipamento de reserva.

Organização da reserva: acondicionamento das peças e sistema de identificação

55Para o acondicionamento das peças foram utilizados materiais livres de ácido, nomeadamente papel de seda com pH neutro e tecido de algodão cru (cf. Muñoz-Campos 2004, 75; Canadian Conservation Institute 2008b, 2).

56Todas as prateleiras foram protegidas, sobre o acrílico, com folhas acid-free, sendo este material igualmente utilizado, quer para separar as peças sobrepostas, quer para a proteção de bordados e criação de enchumaços de proteção às dobras das peças (cf. Espinoza e Grüzmacher 2002, 39). É de realçar ainda, que o tamanho do papel foi escolhido de acordo com a dimensão das prateleiras, numa medida de rentabilização de gastos, mas também de destreza no manuseamento das peças. Assim, uma única folha cobre a totalidade das prateleiras do armário-bancada, enquanto duas folhas dispostas a par uma da outra cobrem a totalidade das prateleiras do armário dos paramentos.

  • 17 Quer a construção dos rolos, quer a forma de armazenamento, seguiram as especificações referidas em (...)

57No caso do acondicionamento das cortinas nos rolos de parede, as peças foram protegidas com uma capa de pano-cru, que impede a acumulação de pó na superfície dos rolos e facilita a sua lavagem periódica (fig. 6).17

Fig. 6 – Cobertura das cortinas suspensas nos rolos com pano-cru preso, em ambas as extremidades, com fita de nastro.

Fotografia do Museu de Aveiro

58A par do acondicionamento do acervo no respetivo equipamento procedeu-se à elaboração de um sistema simples e eficaz de identificação da localização das peças. Deste modo, a procura de qualquer peça pode ser feita pelo número de inventário recorrendo à ficha manual de inventário do Museu ou ao inventário informático no programa Matriz, nos quais existe um campo específico para a localização da peça, com referência à sala, ao armário e à prateleira. Por outro lado, os dois armários apresentam no interior de cada batente uma listagem das peças aí acomodadas por prateleira. No caso dos rolos, estes estão identificados com etiquetas plastificadas com o número de inventário das peças acondicionadas.

59A localização de qualquer peça sem o conhecimento do correspondente número de inventário pressupõe a consulta do programa Matriz por tipologia e a identificação da peça por fotografia, operação que permite aceder à ficha do objeto.

Manutenção da reserva

60Referimos até agora a questão da opção da montagem e da arrumação da reserva, mas igualmente relevante é a sua manutenção. Todas as reservas devem ter um plano de rotinas que assegure a vigilância das coleções, plano esse que deverá prever, antes de mais, a monitorização periódica das condições ambientais, sobretudo da temperatura e da humidade relativa. Sabemos que grande parte dos museus portugueses não possui condições para assegurar o funcionamento do sistema de ar condicionado, e o Museu de Aveiro não constitui uma exceção, sendo a verificação semanal de valores ambientais feita através da utilização de termohigrómetros. Sempre que nas leituras se verificam valores inadequados à conservação das peças, desde logo são feitas as devidas correções através da utilização de desumidificadores, aquecedores ou mesmo da utilização de recipientes com água para humidificar o ar (Thomson 1986).

61Também uma abertura periódica dos armários garante a sua ventilação, bem como a verificação do estado das peças, sobretudo no que respeita à ocorrência de bolores e de outras patologias e à presença de colónias de insetos. No caso da reserva do Museu, esse arejamento é feito com uma periodicidade mensal. A deteção de qualquer anomalia é imediatamente reportada à técnica de conservação e restauro que aplica as medidas corretivas possíveis, sendo que, nos casos mais graves, a situação é comunicada através de informação interna à direção do Museu, para que possa ser solicitada a ajuda de técnicos externos especializados no restauro de têxteis.

62De referir, ainda, a necessidade de limpezas periódicas às reservas como forma de evitar a acumulação de pó, recomendando-se a troca cíclica dos panos e dos papéis de proteção (cf. Espinoza e Grüzmacher 2002, 38). No caso do Museu, embora a limpeza do espaço da reserva seja feita quinzenalmente, a situação de fragilidade de grande parte das peças, não aconselha que a troca de papéis de proteção seja feita com a regularidade desejável, pelo que esta é realizada aproximadamente de três em três anos.

63Finalmente, é de mencionar o facto de, no período subsequente à finalização da montagem deste espaço, ter sido colocado em prática um inquérito/diagnóstico sobre as condições de funcionamento da reserva, utilizando para tal um documento produzido pelo ICCROM (Instituto Internacional para o Estudo da Preservação e Restauro de Bens Culturais), intitulado Self-evaluation Tool for Museum Storage (2011). Management, Building & Space, Collection e Furniture & Small Equipment, foram as quatro áreas contempladas sobre as quais incidiram um significativo número de questões. Face aos resultados deste inquérito, três dos grupos avaliados aconselharam a realização de pequenos melhoramentos, contudo, no grupo Management a avaliação foi no sentido de recomendar uma reorganização do projeto. Esta avaliação negativa deveu-se sobretudo a dois pontos descurados nesta organização: primeiro, a ausência de documentos escritos onde constassem as responsabilidades do responsável pela reserva e os vários procedimentos inerentes ao funcionamento e gestão da mesma; segundo, a inexistência de formação do pessoal auxiliar que pode ser chamado a colaborar nas ações de conservação preventiva e de movimentação da coleção.

Conclusão

64A montagem da reserva de têxteis do Museu de Aveiro constituiu uma experiência desafiante, nem sempre possível de concretizar nos museus. Embora condicionada desde o início pela necessidade de adaptação a um espaço inadequado e por restrições orçamentais, estas com reflexo direto na escolha do equipamento, todo o processo de montagem foi conduzido de forma a respeitar as etapas indispensáveis a um correto acondicionamento do acervo e à sua preservação nas melhores condições possíveis.

65Na fase de planeamento, o levantamento do acervo, nomeadamente das várias tipologias de peças, morfologias, materiais intervenientes e respetivas necessidades de conservação, permitiu-nos fazer uma avaliação correta das necessidades e requisitos do equipamento.

66O projeto de conceção e desenvolvimento do mobiliário resultou de um frutífero trabalho de equipa entre os conservadores do Museu e a equipa da empresa a quem foi adjudicada a sua execução, tendo as necessidades do Museu sido sempre ouvidas e avaliadas e as soluções sido encontradas em conjunto.

67Como resultado, o equipamento adquirido contempla as exigências essenciais de uma coleção têxtil com a tipologia de objetos referida no decorrer deste trabalho. O acervo foi acondicionado com o mínimo de risco possível, diminuindo drasticamente a sobreposição de peças e o número de dobragens. Também todo o material de acondicionamento, que contacta diretamente com as peças, passou a responder às necessidades elementares de conservação, o que, acreditamos, irá contribuir para o aumento da esperança de vida dos objetos.

68A par da organização da reserva foi criado um conjunto de boas práticas destinado à manutenção da mesma, levando à implementação de procedimentos rotineiros de conservação preventiva neste espaço.

69Esta experiência permitiu-nos ainda fazer uma reflexão sobre a escolha dos materiais mais adequados a equipamentos de reserva. Perante os comportamentos verificados nos materiais de construção utilizados, parece-nos hoje desaconselhável a utilização de madeira de faia neste tipo de equipamento, aconselhando-se uma análise prévia das características intrínsecas da madeira a utilizar e do seu comportamento perante as condições do ambiente.

70Importa ainda referir as profundas desvantagens que podem advir da falta de comunicação entre as equipas de arquitetos de obra e as equipas dos museus, quando se trata de intervir nos espaços museológicos. Muitos erros poderiam ser evitados, diminuindo assim os riscos de acidentes, otimizando os custos de manutenção destes espaços e tornado mais eficaz a aplicação de planos de conservação preventiva.

71Esperamos ter contribuído para a troca de experiências nesta área tão específica da montagem e organização de reservas de têxteis. Cremos que é através da divulgação dos trabalhos práticos concretizados por profissionais da área museológica que poderemos avançar e fazer melhor, acautelando a replicação de más experiências e aproveitando os sucessos de boas práticas já confirmadas.

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Notas

1 A afirmação presente em An Illustrated Guide to the Care of Costume and Textile Collections expressa claramente este conceito ao referir: «Collection care is a responsibility, but the term also defines a range of activities. Caring for collections, like caring for children, is active, not passive» (Museums & Galleries Commission 2000, 5).

2 O efeito progressivo da luz nas peças provoca perda de cor, de firmeza e de flexibilidade, danos que, quando acrescidos à falta de controlo da humidade relativa e da temperatura podem provocar danos irreversíveis (Glover 1992, 306-307).

3 Os materiais orgânicos apresentam características comuns, como uma forte presença de carbono, grande sensibilidade à acão da luz, elevada higroscopicidade e suscetibilidade ao ataque biológico, sendo por isso particularmente instáveis (cf. Muñoz-Campos [2003], 5).

4 Não nos referimos aos índices de luminosidade, uma vez que, como já referido anteriormente, se aconselha o escurecimento total das reservas, salvo em situação de trabalho.

5 Regra geral, em contexto de sala de exposição, a temperatura e HR são os fatores mais facilmente controláveis. Contudo, a luz (UV) e o modo como as peças têm de ser dispostas nas vitrines são menos inócuos. A luz, mesmo em condições controladas, não deixa de contribuir de forma cumulativa para a fragilização das fibras têxteis e dos pigmentos usados no seu tingimento. Da mesma forma, a disposição das peças implica muitas vezes situações de alguma tensão, ainda que ligeiras, que não devem prolongar-se no tempo. A respeito do tempo aconselhável de exposição, pode ler-se National Parks Service (2002, 27).

6 O Museu de Aveiro encontra-se instalado no edifício do extinto Convento de Jesus, casa dominicana feminina fundada no séc. XV, à qual ficou para sempre ligada a figura da Princesa Santa Joana, filha do rei D. Afonso V, que aí viveu até à sua morte em 1490.

7 Uma parte significativa do acervo é constituída por paramentos bordados a sedas e metais nobres, características que irão ter um reflexo direto na forma de armazenamento, como mais tarde aprofundaremos. Veja-se a este propósito Espinoza e Grüzmacher (2002, 43).

8 De realçar que algumas peças da coleção tiveram uma evidente notoriedade, bem patente na sua participação em exposições de grande relevância, nas quais ombrearam com o que de melhor existia noutros museus e na posse de particulares. Foi o caso da Exposição Retrospetiva de Arte Ornamental Portuguesa e Espanhola (1882), da Exposição de Arte Portuguesa em Londres (1955-56), da XVII Exposição Europeia de Arte, Ciência e Cultura (1983), da Europália (1991) e Os Construtores do Oriente Português (1998), só para referir alguns exemplos.

9 O equipamento foi adquirido através de uma candidatura ao QREN (Quadro de Referência Estratégica Nacional), em 2009, e executado no decorrer do ano 2010-2011.

10 Contraplacado de madeira: espessuras de 18 mm e 35 mm. Folha de madeira faia, 8 mm de espessura; placas de suporte do folheado de fibra com 6 e 8 mm de espessura; grade interior constituída por favo em madeira de pinheiro-silvestre (casquinha); adesivo utilizado: cola a quente composta por catalisador UR, farinha tipo 70 e resina UR 330; na ficha técnica do contraplacado refere ainda temperatura e hidrometria constantes.

11 A eliminação de fontes de luz, quer natural quer artificial, sobre as peças foi sempre um dos requisitos considerados, de modo a evitar quaisquer danos causados pela absorção de radiação ultravioleta. (cf. Muñoz-Campos 2004 ,76).

12 Ver a este respeito as orientações do Canadian Conservation Institute (2008b, 2).

13 Aço inoxidável: norma europeia EN 10088 Código 1.4301 Designação X5CrNi18-10 Aisi 304.

14 Conhecendo desde o início os perigos da escolha de madeira para o equipamento de reserva, houve a preocupação de selar a madeira com acrílico, material neutro e lavável. Ver a propósito Canadian Conservation Institute (2008b, 1).

15 Sobre a importância do processo de facilitação no manuseamento das peças veja-se Muñoz-Campos (2004, 74) e Canadian Conservation Institute (2008b, 2).

16 Leia-se a este propósito as recomendação do Canadian Conservation Institute (2008b, 1), segundo as quais as peças devem, sempre que possível, ser sujeitas a limpeza (por lavagem, escovagem suave ou por vácuo), antes de darem entrada na reserva.

17 Quer a construção dos rolos, quer a forma de armazenamento, seguiram as especificações referidas em Espinoza e Grüzmacher (2002, 43-44).

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Índice das ilustrações

Legenda Fig. 1 - Desenho do interior do armário de paramentos. Na parte superior dois pares de batentes encerram prateleiras de iguais dimensões. Na zona inferior, os dois batentes esquerdos dão acesso às prateleiras de maior dimensão e o direito, às prateleiras mais estreitas.
Créditos Imagem do Museu de Aveiro
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Legenda Fig. 2 – Arrumação dos paramentos e alfaias no armário de paramentos. Pode verificar-se a vantagem de acondicionar os frontais de altar sem qualquer dobra.
Créditos Fotografia do Museu de Aveiro
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Ficheiro image/jpeg, 280k
Legenda Fig. 3 – Desenho do interior do móvel-bancada. Prateleiras de deslizamento leve são forradas, no fundo e dos lados, a placas de acrílico.
Créditos Imagem do Museu de Aveiro
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Legenda Fig. 4 – Acondicionamento das alfaias no móvel-bancada. De realçar que em cada porta se encontra afixada uma lista com todas as peças desse módulo e respectiva localização.
Créditos Fotografia do Museu de Aveiro
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Ficheiro image/jpeg, 332k
Legenda Fig. 5 – Pormenor do sistema de encaixe dos rolos que os torna amovíveis para eventual transporte das peças.
Créditos Fotografia do Museu de Aveiro
URL http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/midas/docannexe/image/820/img-5.jpg
Ficheiro image/jpeg, 316k
Legenda Fig. 6 – Cobertura das cortinas suspensas nos rolos com pano-cru preso, em ambas as extremidades, com fita de nastro.
Créditos Fotografia do Museu de Aveiro
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Ficheiro image/jpeg, 474k
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Para citar este artigo

Referência eletrónica

Maria João Mota, «Uma experiência na área das reservas de têxteis»MIDAS [Online], 5 | 2015, posto online no dia 02 dezembro 2015, consultado o 09 outubro 2024. URL: http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/midas/820; DOI: https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/midas.820

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Autor

Maria João Mota

Licenciada em História pela Faculdade de Letras da Universidade Coimbra (1988), mestre em Museologia pela Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias de Lisboa com a dissertação Museu de Aveiro. Da Coleção à Musealização: Têxteis. Paramentos e Alfaias da Festa da Princesa Santa Joana (2002). Conservadora no Museu de Aveiro desde 1988, é responsável pela coleção de têxteis. Autora do projeto multimédia destinado à sala de exposição de têxteis (prémio APOM 2012), e responsável pela conceção, montagem e organização da nova reserva de têxteis do Museu (2010-2011). Tem vários trabalhos publicados sobre coleções têxteis. mjmota65@hotmail.com

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