Just as the rooms in a building are connected by corridors or passageways so the blank spaces are interconnecting openings between the texts, having concrete and metaphorical significance: leaving a given house means entering another locational or spatial domain. The outside of one construction could be part of the inside of another spatial unit; [...].
Leaving a building might also mean entering a larger structure or understanding that the interior space is always subsumed by a surrounding space or opens into an exterior space. (Wischmann 2020, 173)
1Ao contrário do que sucede com outras tipologias, a arquitectura de museus encontra-se, desde a sua origem, intrinsecamente associada à configuração de espaços de passagem. A transformação simbólica e funcional dos corredores dos palácios renascentistas, convertidos em galerias de exposição através da instalação de obras de arte, constituiu um momento decisivo para a materialização do conceito de museu. Essa superação do carácter utilitário das áreas de circulação, de modo a criar zonas privilegiadas de passeio e fruição artística (Rico 1999, 45), marcou a génese e a evolução da arquitectura de museus, abrindo caminho para a sua independência tipológica.
2Nos séculos seguintes, designadamente, a partir das experiências oitocentistas de conceptualização arquitectónica do museu como edifício autónomo, é conferida uma acrescida importância a áreas de transição entre interior e exterior ou entre diferentes espaços expositivos. Embora, ao longo do século XX, o radicalismo do “cubo branco” tenha preconizado um isolamento quase total das salas de exposição relativamente à sua envolvente natural ou construída, a diversidade da arquitectura moderna deixou um legado extremamente rico de edifícios museológicos que valorizam a continuidade entre espaços e a comunicação com a paisagem circundante.
3No caso do Museu Louisiana de Arte Moderna, em Humlebæk, perto de Copenhaga, a ideia de transição torna-se particularmente evidente. Para além de a sua localização, num parque marítimo em pleno estreito de Øresund, convocar, desde logo, um diálogo com a paisagem, o facto de o museu ter sido construído de forma faseada acentuou a relevância dos espaços de transição e do seu desenho.
4O primeiro núcleo corresponde à casa existente no local, desde meados do século XIX: a Villa Louisiana, que deu nome à própria instituição, criada em 1955. O seu fundador, Knud Jensen (1916-2000), definiu várias premissas para o projecto de arquitectura dos novos edifícios, confiado aos arquitectos Jørgen Bo (1919-1999) e Wilhelm Wohlert (1920-2007). Recusando tanto a monumentalidade classicista dos museus-palácio como a abstracção asséptica do cubo branco, Jensen pretendia que o conjunto preservasse a escala humana da casa original, tirando o máximo partido da topografia do terreno e da comunicação com a envolvente natural (Louisiana 2012). O projecto deveria, assim, proporcionar «espaços de pausa […] e espaços de passagem onde os visitantes pudessem percorrer a paisagem» (Tøjner 2015, 18). A par do programa funcional do museu, a proposta de arquitectura procurou promover uma relação variável e personalizada entre os visitantes e o lugar, mediada pelos edifícios e pelas obras de arte. Para potenciar esse encontro, os espaços de transição foram assumidos como um elemento central do projecto (Tzortzi 2015, 205).
5Nesse sentido, Jørgen Bo e Wilhelm Wohlert conceberam volumes com características e dimensões diversas, dispostos no terreno como pequenos pavilhões de exposição, articulados por percursos exteriores e passagens cobertas. A primeira fase de construção ocupou o topo norte do terreno e foi concluída em 1958, quando o museu abriu ao público. A sala dedicada a Alberto Giacometti, integrada na ala norte, enunciava já, de forma eloquente, um dos princípios essenciais do museu: a transparência entre interior e exterior como dispositivo arquitectónico e curatorial.
6Seguiram-se outras quatro fases (1966-1977, 1982, 1991 e 1994-1998), que ampliaram e diversificaram as áreas expositivas, adicionando ainda novas componentes programáticas, como a loja e o auditório. Nas últimas décadas (2003-2006 e 2018), foram realizadas obras de conservação e requalificação, coordenadas pelo arquitecto Claus Wohlert (Louisiana s/d), que permitiram responder a novos requisitos funcionais e ambientais. Paralelamente, a colecção foi também actualizada e outras obras de arte foram sendo inseridas nos edifícios e no parque, criando assim novos percursos e experiências alternativas de transição. Mais do que elementos de ligação entre diferentes áreas funcionais, os percursos e os frequentes momentos de transparência garantem a continuidade entre o espaço construído e a natureza; uma continuidade que é, simultaneamente, espacial e temporal.
7Ao longo de mais de meio século de construção, foi possível aprofundar, expandir e actualizar o conceito inicial sem comprometer a unidade do conjunto. Esta coerência foi certamente favorecida pelo factor tempo, um tempo alargado que permitiu que o projecto consolidasse progressivamente as suas raízes no lugar. Um tempo que contrasta com o ritmo acelerado que condiciona actualmente a concepção e a construção da maioria dos museus de arte, um pouco por todo o mundo. Como nota Jean Nouvel, no seu Manifesto Louisiana, a especificidade e a temporalidade deste museu contrastam com o carácter genérico e imediatista de uma produção arquitectónica globalizada (Nouvel 2005) e nisso reside, em grande medida, a sua singularidade.
8Ao percorrer os espaços do Museu Louisiana, é evidente uma dupla dimensão temporal, marcada pelo contraponto entre mudança e permanência. Esse tempo cíclico, que sintoniza os visitantes com a natureza, caracteriza não apenas os espaços de passagem mas também as áreas expositivas, dentro e fora dos edifícios. A fluidez dos volumes e a sua abertura relativamente ao exterior assegura a comunicação visual com o parque e, simultaneamente, permite a variabilidade da luz natural, ao longo do dia e das estações. A transparência, tantas vezes recusada por museólogos e curadores, encontra aqui um sentido amplo, que começa nas circunstâncias naturais do lugar e na especificidade da arquitectura, para se prolongar nas intervenções artísticas contemporâneas e na ambivalente liberdade de encontro ou evasão que é generosamente concedida aos visitantes.
9Assumindo essa liberdade, a sequência fotográfica que se segue descreve um percurso não-linear, em que se misturam imagens captadas pela autora, em duas visitas ao museu, em Dezembro de 2015 e em Abril de 2016. Em alternativa ao percurso sugerido pelas exposições, explora-se uma experiência de visita focada nos espaços de transição, através um itinerário simultaneamente real e ficcionado entre os edifícios, as obras de arte, o parque e o mar.
Louisiana Museum #01 (2016)
Louisiana Museum #02 (2015)
Louisiana Museum #03 (2016)
Louisiana Museum #04 (2016)
Louisiana Museum #05 (2016)
Louisiana Museum #06 (2016)
Louisiana Museum #07 (2015)
Louisiana Museum #08 (2015)
Louisiana Museum #09 (2015)
Louisiana Museum #10 (2016)
Todas as fotografias são da autoria de Helena Barranha