Navegação – Mapa do site

InícioNúmeros18EnsaioEspaços de transição – um percurs...

Ensaio

Espaços de transição – um percurso entre edifícios, no Museu Louisiana

Transition Spaces – A Journey between Buildings at the Louisiana Museum
Helena Barranha

Resumos

Tema fundamental na história da arquitectura de museus, os espaços de transição são particularmente relevantes no Museu Louisiana de Arte Moderna, em Humlebæk, Dinamarca. Para além de articularem edifícios construídos em diferentes épocas, as áreas de circulação e a comunicação entre interior e exterior fazem parte da identidade do museu. Projectado pelos arquitectos dinamarqueses Jørgen Bo (1919-1999) e Wilhelm Wohlert (1920-2007), o conjunto foi construído de forma faseada, entre os anos 1950 e o final do século XX. Ao longo desse tempo, e também nas posteriores obras de renovação, a relação com a paisagem envolvente foi sendo expandida, diversificando-se as possibilidades de fruição da arte moderna e contemporânea, dentro e fora das salas de exposição. Conjugando um breve texto e uma sequência visual, este ensaio procura dar visibilidade a percursos de visita alternativos, orientados para os momentos de transparência e transição entre a arquitectura, a arte e a paisagem.

Topo da página

Notas da redacção

Proposta recebida a 13.08.2024

Aprovada para publicação a 2.09.2024

Texto integral

Just as the rooms in a building are connected by corridors or passageways so the blank spaces are interconnecting openings between the texts, having concrete and metaphorical significance: leaving a given house means entering another locational or spatial domain. The outside of one construction could be part of the inside of another spatial unit; [...].

Leaving a building might also mean entering a larger structure or understanding that the interior space is always subsumed by a surrounding space or opens into an exterior space. (Wischmann 2020, 173)

1Ao contrário do que sucede com outras tipologias, a arquitectura de museus encontra-se, desde a sua origem, intrinsecamente associada à configuração de espaços de passagem. A transformação simbólica e funcional dos corredores dos palácios renascentistas, convertidos em galerias de exposição através da instalação de obras de arte, constituiu um momento decisivo para a materialização do conceito de museu. Essa superação do carácter utilitário das áreas de circulação, de modo a criar zonas privilegiadas de passeio e fruição artística (Rico 1999, 45), marcou a génese e a evolução da arquitectura de museus, abrindo caminho para a sua independência tipológica.

2Nos séculos seguintes, designadamente, a partir das experiências oitocentistas de conceptualização arquitectónica do museu como edifício autónomo, é conferida uma acrescida importância a áreas de transição entre interior e exterior ou entre diferentes espaços expositivos. Embora, ao longo do século XX, o radicalismo do “cubo branco” tenha preconizado um isolamento quase total das salas de exposição relativamente à sua envolvente natural ou construída, a diversidade da arquitectura moderna deixou um legado extremamente rico de edifícios museológicos que valorizam a continuidade entre espaços e a comunicação com a paisagem circundante.

3No caso do Museu Louisiana de Arte Moderna, em Humlebæk, perto de Copenhaga, a ideia de transição torna-se particularmente evidente. Para além de a sua localização, num parque marítimo em pleno estreito de Øresund, convocar, desde logo, um diálogo com a paisagem, o facto de o museu ter sido construído de forma faseada acentuou a relevância dos espaços de transição e do seu desenho.

4O primeiro núcleo corresponde à casa existente no local, desde meados do século XIX: a Villa Louisiana, que deu nome à própria instituição, criada em 1955. O seu fundador, Knud Jensen (1916-2000), definiu várias premissas para o projecto de arquitectura dos novos edifícios, confiado aos arquitectos Jørgen Bo (1919-1999) e Wilhelm Wohlert (1920-2007). Recusando tanto a monumentalidade classicista dos museus-palácio como a abstracção asséptica do cubo branco, Jensen pretendia que o conjunto preservasse a escala humana da casa original, tirando o máximo partido da topografia do terreno e da comunicação com a envolvente natural (Louisiana 2012). O projecto deveria, assim, proporcionar «espaços de pausa […] e espaços de passagem onde os visitantes pudessem percorrer a paisagem» (Tøjner 2015, 18). A par do programa funcional do museu, a proposta de arquitectura procurou promover uma relação variável e personalizada entre os visitantes e o lugar, mediada pelos edifícios e pelas obras de arte. Para potenciar esse encontro, os espaços de transição foram assumidos como um elemento central do projecto (Tzortzi 2015, 205).

5Nesse sentido, Jørgen Bo e Wilhelm Wohlert conceberam volumes com características e dimensões diversas, dispostos no terreno como pequenos pavilhões de exposição, articulados por percursos exteriores e passagens cobertas. A primeira fase de construção ocupou o topo norte do terreno e foi concluída em 1958, quando o museu abriu ao público. A sala dedicada a Alberto Giacometti, integrada na ala norte, enunciava já, de forma eloquente, um dos princípios essenciais do museu: a transparência entre interior e exterior como dispositivo arquitectónico e curatorial.

6Seguiram-se outras quatro fases (1966-1977, 1982, 1991 e 1994-1998), que ampliaram e diversificaram as áreas expositivas, adicionando ainda novas componentes programáticas, como a loja e o auditório. Nas últimas décadas (2003-2006 e 2018), foram realizadas obras de conservação e requalificação, coordenadas pelo arquitecto Claus Wohlert (Louisiana s/d), que permitiram responder a novos requisitos funcionais e ambientais. Paralelamente, a colecção foi também actualizada e outras obras de arte foram sendo inseridas nos edifícios e no parque, criando assim novos percursos e experiências alternativas de transição. Mais do que elementos de ligação entre diferentes áreas funcionais, os percursos e os frequentes momentos de transparência garantem a continuidade entre o espaço construído e a natureza; uma continuidade que é, simultaneamente, espacial e temporal.

7Ao longo de mais de meio século de construção, foi possível aprofundar, expandir e actualizar o conceito inicial sem comprometer a unidade do conjunto. Esta coerência foi certamente favorecida pelo factor tempo, um tempo alargado que permitiu que o projecto consolidasse progressivamente as suas raízes no lugar. Um tempo que contrasta com o ritmo acelerado que condiciona actualmente a concepção e a construção da maioria dos museus de arte, um pouco por todo o mundo. Como nota Jean Nouvel, no seu Manifesto Louisiana, a especificidade e a temporalidade deste museu contrastam com o carácter genérico e imediatista de uma produção arquitectónica globalizada (Nouvel 2005) e nisso reside, em grande medida, a sua singularidade.

8Ao percorrer os espaços do Museu Louisiana, é evidente uma dupla dimensão temporal, marcada pelo contraponto entre mudança e permanência. Esse tempo cíclico, que sintoniza os visitantes com a natureza, caracteriza não apenas os espaços de passagem mas também as áreas expositivas, dentro e fora dos edifícios. A fluidez dos volumes e a sua abertura relativamente ao exterior assegura a comunicação visual com o parque e, simultaneamente, permite a variabilidade da luz natural, ao longo do dia e das estações. A transparência, tantas vezes recusada por museólogos e curadores, encontra aqui um sentido amplo, que começa nas circunstâncias naturais do lugar e na especificidade da arquitectura, para se prolongar nas intervenções artísticas contemporâneas e na ambivalente liberdade de encontro ou evasão que é generosamente concedida aos visitantes.

9Assumindo essa liberdade, a sequência fotográfica que se segue descreve um percurso não-linear, em que se misturam imagens captadas pela autora, em duas visitas ao museu, em Dezembro de 2015 e em Abril de 2016. Em alternativa ao percurso sugerido pelas exposições, explora-se uma experiência de visita focada nos espaços de transição, através um itinerário simultaneamente real e ficcionado entre os edifícios, as obras de arte, o parque e o mar.

Louisiana Museum #01 (2016)

Louisiana Museum #01 (2016)

Louisiana Museum #02 (2015)

Louisiana Museum #02 (2015)

Louisiana Museum #03 (2016)

Louisiana Museum #03 (2016)

Louisiana Museum #04 (2016)

Louisiana Museum #04 (2016)

Louisiana Museum #05 (2016)

Louisiana Museum #05 (2016)

Louisiana Museum #06 (2016)

Louisiana Museum #06 (2016)

Louisiana Museum #07 (2015)

Louisiana Museum #07 (2015)

Louisiana Museum #08 (2015)

Louisiana Museum #08 (2015)

Louisiana Museum #09 (2015)

Louisiana Museum #09 (2015)

Louisiana Museum #10 (2016)

Louisiana Museum #10 (2016)

Todas as fotografias são da autoria de Helena Barranha

Topo da página

Bibliografia

Louisiana. 2012. “Louisiana as a Place: A Museum and More.” Consultado em 8 Julho 2024. https://www.kunsteder.dk/en/themes/louisiana-as-a-place#title5

Louisiana. s/d. “Architecture & History.” Consultado em 8 Julho 2024. https://louisiana.dk/museet/arkitektur-og-historie/

Nouvel, Jean. 2008. Louisiana Manifesto. Humlebaek: Louisiana Museum of Modern Art (versão original 2005).

Rico, Juan Carlos. 1999. Museos, Arquitectura, Arte. Los Espacios Expositivos. Madrid: Sílex.

Tøjner, Poul Erik. 2015. Louisiana Museum of Modern Art. A Guide to the Museum. Humlebæk: Louisiana Museum of Modern Art.

Tzortzi, Kali. 2017. Museum Space. Where Architecture Meets Museology. Oxon: Routledge.

Wischmann, Antje. 2020. “The Poetics of Blank Spaces and Intervals in Selected Works of Elisabeth Rynell.” In Contemporary Nordic Literature and Spatiality, ed. by Kristina Malmio and Kaisa Kurikka, 169-183. Cham, Switzerland: Palgrave Macmillan.

Nota: A autora não segue o Acordo Ortográfico de 1990.

Topo da página

Índice das ilustrações

Título Louisiana Museum #01 (2016)
URL http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/midas/docannexe/image/5700/img-1.jpg
Ficheiro image/jpeg, 707k
Título Louisiana Museum #02 (2015)
URL http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/midas/docannexe/image/5700/img-2.jpg
Ficheiro image/jpeg, 560k
Título Louisiana Museum #03 (2016)
URL http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/midas/docannexe/image/5700/img-3.jpg
Ficheiro image/jpeg, 483k
Título Louisiana Museum #04 (2016)
URL http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/midas/docannexe/image/5700/img-4.jpg
Ficheiro image/jpeg, 547k
Título Louisiana Museum #05 (2016)
URL http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/midas/docannexe/image/5700/img-5.jpg
Ficheiro image/jpeg, 739k
Título Louisiana Museum #06 (2016)
URL http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/midas/docannexe/image/5700/img-6.jpg
Ficheiro image/jpeg, 367k
Título Louisiana Museum #07 (2015)
URL http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/midas/docannexe/image/5700/img-7.jpg
Ficheiro image/jpeg, 463k
Título Louisiana Museum #08 (2015)
URL http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/midas/docannexe/image/5700/img-8.jpg
Ficheiro image/jpeg, 640k
Título Louisiana Museum #09 (2015)
URL http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/midas/docannexe/image/5700/img-9.jpg
Ficheiro image/jpeg, 683k
Título Louisiana Museum #10 (2016)
Legenda Todas as fotografias são da autoria de Helena Barranha
URL http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/midas/docannexe/image/5700/img-10.jpg
Ficheiro image/jpeg, 304k
Topo da página

Para citar este artigo

Referência eletrónica

Helena Barranha, «Espaços de transição – um percurso entre edifícios, no Museu Louisiana»MIDAS [Online], 18 | 2024, posto online no dia 01 outubro 2024, consultado o 08 dezembro 2024. URL: http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/midas/5700; DOI: https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/12ej3

Topo da página

Autor

Helena Barranha

É Professora no Instituto Superior Técnico, Universidade de Lisboa e Investigadora no Instituto de História da Arte da Universidade NOVA de Lisboa (IHA-NOVA FCSH / IN2PAST), onde integra o Grupo de Museum Studies e coordena o Cluster de Arte, Museus e Culturas Digitais. Tem Mestrado em Gestão do Património Cultural (Universidade do Algarve - UAlg, 2001) e Doutoramento em Arquitectura (Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto - FAUP, 2008), com tese sobre arquitectura de museus de arte moderna e contemporânea em Portugal. As suas actividades de investigação centram-se no património cultural, na arquitectura de museus de arte contemporânea e nas culturas digitais, temas sobre os quais tem realizado várias conferências e publicações, tanto em Portugal como noutros países.

Instituto Superior Técnico – DECivil, Av. Rovisco Pais, 1049-001 Lisboa, Portugal, helenabarranha[at]tecnico.ulisboa.pt, https://orcid.org/0000-0003-0250-1020

Artigos do mesmo autor

Topo da página

Direitos de autor

CC-BY-NC-SA-4.0

Apenas o texto pode ser utilizado sob licença CC BY-NC-SA 4.0. Outros elementos (ilustrações, anexos importados) são "Todos os direitos reservados", à exceção de indicação em contrário.

Topo da página
Pesquisar OpenEdition Search

Você sera redirecionado para OpenEdition Search