- 1 A rede de parceiros deste projeto inclui ainda a Junta de Freguesia de Santos-o-Velho, a Unidade de (...)
1O projeto Museu ao Bairro promovido pelo Museu das Comunicações (Fundação Portuguesa das Comunicações) nasceu no âmbito da comemoração do Dia internacional dos Museus de 2009, subordinado ao tema Museus e Turismo. Contando com vários parceiros institucionais, dos quais se destacam o Museu da Água, o Museu da Marioneta e a Comissão Social da Freguesia de Santos-o-Velho1, o Museu das Comunicações iniciou o projeto com a exposição temporária Do Museu ao Bairro: Histórias de Viajantes (maio-julho 2009).
2Sendo esta uma instituição recente, fundada em 1997, e arredada do circuito turístico dos museus da cidade de Lisboa, o tema Museus e Turismo foi abordado numa exposição que documentava as experiências de viagem dos moradores do Bairro da Madragoa, próximo do Museu das Comunicações. A musealização da experiência turística, valorizando a experiência pessoal dos moradores, procurou simultaneamente promover o património do bairro e estreitar relações entre os seus habitantes e o museu.
3Atendendo à subjetividade e à imaterialidade intrínsecas à experiência de viagem, a documentação foi produzida de duas formas. Primeiro, com a recolha de objetos relacionados com as viagens, cuja identificação e classificação se baseou na descrição feita pelos proprietários desses objetos e, em segundo lugar, com a realização de um documentário, que incluiu a colaboração de alunos da Escola de Tecnologias, Inovação e Criação (ETIC), no qual as experiências dos viajantes foram contadas na primeira pessoa. Estes dois elementos foram complementados por um núcleo documental de contextualização histórica, social e cultural.
4Paralelamente à exposição organizaram-se visitas encenadas ao Bairro da Madragoa no último sábado de cada mês, dirigidas ao público em geral. Optando por um modelo de visita que concilia a dimensão pedagógica com a lúdica, estas foram orientadas por técnicos dos vários museus parceiros neste projeto, enquanto a Comissão Social da Freguesia de Santos-o-Velho se encarregou de encenar as visitas, contando com a colaboração dos moradores que enriquecem o discurso da visita guiada, através da partilha das suas experiências e vivências no bairro.
5Apesar de a exposição que deu início ao projeto ter terminado em 2009, estas visitas continuam a decorrer mensalmente, entre maio e novembro, procurando estabelecer uma relação duradoura entre os vários parceiros.
6As visitas começam no Museu das Comunicações, onde se procede ao visionamento do documentário apresentado na exposição Do Museu ao Bairro: Histórias de Viajantes. Em determinadas ocasiões os visitantes são recebidos com uma breve visita à galeria de exposições temporárias do piso térreo dedicada, principalmente, a mostras de artes visuais como incentivo para uma futura visita às restantes exposições.
7O percurso das visitas Do Museu ao Bairro, assim como as temáticas abordadas, sofrem ligeiras variações de acordo com o programa definido pelo técnico que as orienta. Contudo, seguindo o objetivo de promover o património histórico e cultural do bairro, alguns espaços são tidos como incontornáveis, nomeadamente a Igreja de Santos-o-Velho, o Convento das Bernardas, o Lavadouro da Madragoa e o Chafariz da Esperança.
8As visitas são acompanhadas por animadores culturais da Comissão Social da Freguesia e moradores devidamente caracterizados com vestuário alusivo a profissões que marcaram ou ainda marcam a vida do bairro, tais como: as varinas, os estivadores, os aguadeiros ou vendedores de cautelas de lotaria.
9No percurso, destacam-se dois momentos de maior intervenção destas personagens: o início da visita, no Museu das Comunicações, onde tem lugar uma breve introdução feita pelos animadores, e no Convento das Bernardas (a meio do percurso), onde são abordados temas como o fado, a venda ambulante e as marchas populares. Neste segundo ponto, em função dos moradores que participam na atividade, os visitantes assistem a uma performance que pode incluir a partilha de histórias ou um momento musical.
10O teor da dramatizações e dos contributos dependem dos moradores que se voluntariem a participar nas atividades. Apesar de existir um grupo de cerca de cinco pessoas que tem colaborado desde o início do projeto na animação das visitas, este sofre alterações caso haja desistências ou vontade de outros moradores em participar nas atividades. Trata-se de um trabalho não remunerado gerido pela Comissão Social da Junta de Freguesia.
11Para além da encenação organizada, o envolvimento dos moradores é visível ao longo de todo o percurso, esperando pelos visitantes junto às suas casas, lojas ou locais aos quais estão ligados de forma afetiva ou profissional, mostrando disponibilidade em partilhar estórias e vivências ligadas àquele espaço.
12A visita ao Bairro da Madragoa atua como forma de promoção de um dos bairros históricos de Lisboa mais arredados do circuito turístico. Trazendo visitantes para um lugar fechado sobre si mesmo, estas atividades são geradoras de valorização de tradições e lugares que os próprios habitantes percecionavam como insignificantes.
13Tendo o Museu das Comunicações como missão primordial a investigação e a difusão da história das comunicações, a comunicação é neste projeto assumida num sentido mais lato que compreende uma dimensão social e identitária do espaço, segundo o seu «caráter eminentemente transversal, que se relaciona com o que de mais profundo está inerente ao ser humano: a necessidade de contactar o próximo» (Pina 2010, 20).
14A exposição de objetos pessoais dos moradores foi o primeiro passo para a dessacralização do espaço expositivo que se abre a experiências pessoais e biográficas de anónimos, encetando uma relação museu-bairro continuada pelas visitas encenadas que conciliam a abordagem histórica feita por técnicos especializados e a encenação com a participação dos moradores do bairro. Estas experiências são impulsionadoras de várias relações: moradores-museu, visitantes-bairro e visitantes-museu.
15Em 2010, a Fundação Portuguesa das Comunicações editou Do Museu ao Bairro: Histórias de Viajantes, com o objetivo de promover a reflexão das várias instituições envolvidas no projeto. Nesta publicação, Weber (2010), diretora do Museu das Comunicações, fez uma análise que confronta dois tipos de avaliação: quantitativa e qualitativa. Segundo a análise quantitativa de Weber, e em comparação com a participação nas outras exposições, as visitas ao Bairro da Madragoa apresentam números muito inferiores. Contudo, será de destacar que as estatísticas dos visitantes do museu são fortemente engrossados pelas visitas de grupos escolares, não contemplados na programação destas visitas ao bairro. Qualitativamente, os valores afetivos e de fomento da valorização social e económica do bairro, objetivos definidos desde o início, são apontados como bastante positivos. Esta avaliação baseia-se somente nos números de participantes nas visitas ao bairro e nas relações criadas entre parceiros, não existindo um estudo que procure apurar a opinião da comunidade e dos visitantes com o objetivo de avaliar o impacto deste projeto.
- 2 Deverá também destacar-se que o museu se encontra encerrado ao sábado de manhã, período em que deco (...)
16Neste contexto, apesar de a comunicação poder ser analisada num sentido mais abrangente, não podemos deixar de ter em conta a função primordial do museu: expor e divulgar o património das comunicações. Mesmo não tendo dados provenientes de um estudo mais aprofundado, devemos apontar duas formas de retorno para o museu com este projeto e junto de dois grupos distintos: o público em geral e os moradores. Relativamente ao primeiro grupo destacamos o papel dinamizador destas visitas que mobilizam visitantes para um contacto que poderá ser desenvolvido posteriormente.2 Assim, a principal mais-valia destas visitas, na promoção do património junto do público geral será a divulgação de outras atividades e exposições que o Museu das Comunicações oferece. Quanto ao segundo grupo, deverá assumir-se que atuar junto da comunidade de um bairro apresenta-se como um empreendimento ambicioso. Não é todo o bairro que se envolve neste projeto, sendo circunscrito, por questões de disponibilidade de várias ordens, a um grupo caracterizado pela sua idade avançada e de baixa escolaridade. Este grupo faz parte de uma comunidade dentro da comunidade do bairro, que mesmo tendo participando em atividades que enaltecem a sua identidade, essa colaboração poderá não ser suficiente para encetar uma relação efetiva com o património e as temáticas das tecnologias das comunicações que o museu estuda e divulga.
17Atendendo ao objetivo do museu em estreitar relações com os vizinhos, enquanto potenciais frequentadores deste espaço, deixamos as seguintes questões para a avaliação do projeto: Quantos moradores do bairro são frequentadores do museu nos seus tempos livres e autonomamente? Quantas destas pessoas assistem aos eventos que decorrem no museu? Quantos inscrevem os seus filhos nas oficinas de férias?
18O projeto Do Museu ao Bairro, iniciado com uma exposição direcionada não apenas para os moradores do Bairro da Madragoa, mas com a sua colaboração, e que prossegue com a programação regular de visitas que seguem a mesma lógica, afirma-se como um esforço de promoção e valorização de um património que extrapola o domínio a que este museu se dedica.
19Neste projeto o Museu das Comunicações abre as portas a colaborações externas, iniciando relações que dificilmente se estabeleceriam sem um empenhado esforço que inclui os habitantes do Bairro da Madragoa, que colaboram ativamente nestas atividades, mas também com outros parceiros vizinhos: instituições congéneres, escolas e parceiros sociais.
20Com esta ação o museu inicia uma campanha de valorização de património que vai para além das coleções já existentes. Gentes, saberes e lugares do território envolvente são valorizados e dados a conhecer, estimulando o seu desenvolvimento social e económico.
21Mesmo que aparentemente o projeto se afaste da missão primordial de expor, estudar e divulgar a história e o património ligado às comunicações, a colaboração com entidades e pessoas que partilham o mesmo território vem transmitir uma mensagem assente na preocupação em conhecer os que lhe estão mais próximos, sejam pessoas ou lugares, afirmando-se como um museu colaborativo e em ligação com a realidade do território que ocupa.