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Um poeta em exposição: os públicos e a expografia do museu dedicado a Augusto dos Anjos

A poet on display: the public and the expography of the museum dedicated to Augusto dos Anjos
Leonardo Gonçalves Ferreira e Letícia Julião

Resumos

O artigo analisa a institucionalização da memória do poeta Augusto dos Anjos (1884-1914) no Museu Espaço dos Anjos, localizado em Leopoldina, Minas Gerais (Brasil). Busca-se compreender a eficácia da narrativa da exposição em estabelecer um reconhecimento de Augusto dos Anjos e do próprio museu como patrimónios da cidade. Para isso realizou-se uma análise da exposição, confrontando-a com os pressupostos que categorizam os chamados casa-museu e/ou museus biográficos, constatando os limites da afinidade do Museu Espaço dos Anjos com essas tipologias de museus. Apesar de se identificarem lacunas e inconsistências narrativas, e da inexistência de um circuito expositivo coerente, construído a partir de uma conceção curatorial objetiva, foi possível, por meio de um estudo de público, observar que o museu e o poeta são referências patrimoniais para os moradores de Leopoldina. Essa constatação conduziu a inferir que a eficácia do Museu, com relação aos públicos, está ancorada no facto da instituição figurar como um museu-memória ou museu-narrativa. Além do estudo de público e da análise da exposição, recorremos à pesquisa documental e a entrevistas com atores envolvidos com o museu.

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Notas da redacção

Artigo recebido a 13.02.2023

Aprovado para publicação a 26.06.2023

Texto integral

Introdução

1Em 2012, a Prefeitura da cidade de Leopoldina, em Minas Gerais, no Brasil, inaugurou o Museu Espaço dos Anjos em homenagem ao poeta Augusto dos Anjos (1884-1914). O poeta morou apenas alguns meses em Leopoldina, antes da sua morte. No entanto, a cidade acolheu o poeta e protagonizou um movimento de apropriação do seu legado, conformando-o como um património local.

2Nascido em 1884, no engenho Pau-d’Arco, no Estado da Paraíba, Augusto dos Anjos cresceu num ambiente patriarcal e escravocrata de uma família proprietária de engenhos de açúcar. Bacharelou-se em Direito, em 1907, sendo nomeado professor de Literatura do Liceu Paraibano, no ano seguinte. Em 1910, casou-se com Esther Fialho. Nesse mesmo ano, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde lecionou em diversos colégios. No Rio de Janeiro enfrentou a morte do seu filho primogénito, e também dificuldades financeiras, recorrendo a diversos expedientes para sustentar a família. Neste contexto, procurou evitar a decadência da sua família que, como os demais latifundiários do nordeste brasileiro, sofria severamente com a crise económica da produção de açúcar. Neste cenário pouco promissor, Augusto dos Anjos aceitou o convite para dirigir um Grupo Escolar, em Leopoldina, mudando-se com a família, em 1914. Poucos meses após a sua chegada à cidade, faleceu aos 30 anos, vítima de uma pneumonia (Barbosa 1983; Almanack do Arrebol 1984; Filho e Pontes 1994).

3Augusto dos Anjos publicou um único livro, de poesia, Eu, em 1912. A obra, no entanto, não foi bem recebida pela crítica da época. Alguns estudiosos creditam essa acolhida negativa ao caráter enigmático da sua poesia, de difícil classificação, uma vez que apresenta características que vão do simbolismo ao cientificismo e ao modernismo (Rubert 2007); também se identifica que o uso de termos provenientes da ciência concorreu para a sua rejeição inicial (Nazareth 2019). Outros críticos reconhecem que a obra estava à frente de seu tempo, antecipando temas, dilemas e uma linguagem própria do modernismo (Helena 1984; Gullar 1994). A poesia de Augusto dos Anjos somente alcançou sucesso editorial em 1928, passando a gozar progressivamente do reconhecimento da crítica literária, sobretudo a partir dos anos de 1960. Por ocasião do centenário de nascimento do poeta, nos anos de 1980, a publicação de novas edições do seu livro e de estudos críticos, marcam uma mudança significativa na receção da sua obra (Reis 2019).

4A despeito da acolhida tardia da poesia de Augusto dos Anjos, no plano nacional, pode-se dizer que Leopoldina adiantou-se em reconhecer o poeta e a sua obra. Várias iniciativas de institucionalização de sua memória se seguiram na cidade após a sua morte. Em 1925 foi criado o Grêmio Lítero-Artístico Augusto dos Anjos, cuja atuação promoveu a divulgação do poeta no meio estudantil. Em 1964 foi inaugurado o seu túmulo, tornando-se um local de peregrinação e de atos solenes. Algumas décadas mais tarde, em 1992, a cidade de Leopoldina promoveu o primeiro Concurso Anual de Poesia Augusto dos Anjos, evento ainda em curso. Nos centenários de vida e de morte, respetivamente em 1984 e 2014, a cidade organizou celebrações extensas, marcando os seus vínculos com o poeta. O Museu Espaço dos Anjos foi mais uma dessas iniciativas. Antecedeu-lhe o Espaço dos Anjos, criado em 1983, pelo artista plástico local Luiz Raphael Domingues Rosa (1945-2007), na casa onde Augusto dos Anjos havia residido em Leopoldina.

Fig. 1 – Fachada do Museu Espaço dos Anjos, 2021, Leopoldina, Minas Gerais, Brasil

Fotografia dos autores

5Ao considerar a breve estadia do poeta em Leopoldina, este artigo problematiza os limites e a potência do discurso patrimonial e museal na construção de identificação entre o poeta e a cidade, buscando compreender a eficácia da narrativa expositiva do museu junto aos públicos locais. Para isso foi feita uma pesquisa com os moradores de Leopoldina e um mapeamento crítico da exposição, procedimentos que, aliados à pesquisa documental e à realização de entrevistas semiestruturadas com atores envolvidos com o museu, permitiram desenvolver as análises pretendidas.

6A pesquisa documental permitiu compreender a trajetória de vida de Augusto dos Anjos, os principais marcos de sua imortalização, a apropriação do poeta pela cidade e acompanhar o debate com relação à preservação de seu acervo. Maioritariamente, as fontes documentais consultadas constituíram-se em obras memorialísticas, edições especiais de compilações comemorativas dedicadas a Augusto dos Anjos e outros documentos referentes ao poeta e à cidade de Leopoldina.

  • 1 As demais entrevistas realizaram-se com dois representantes da organização da sociedade civil de in (...)

7Foram realizadas sete entrevistas semiestruturadas com atores que tiveram relação com o Espaço dos Anjos e com o Museu Espaço dos Anjos, selecionados a partir da própria pesquisa documental e dos primeiros depoimentos. Neste trabalho serão utilizadas apenas duas entrevistas, que contemplam o processo de institucionalização do Museu Espaço dos Anjos. Um dos entrevistados é membro da prefeitura e o outro é o Promotor de Justiça Sérgio Soares da Silveira, o único entrevistado que não solicitou resguardar a sua identidade.1 As entrevistas foram realizadas remotamente por meio do Google Meet, serviço de comunicação por vídeo, e tiveram, em média, duas horas de duração. A gravação das entrevistas, contudo, foi feita por um aparelho externo que capturou apenas o áudio.

  • 2 A população estimada de Leopoldina é de 52.690 pessoas (IBGE 2021).

8A pesquisa com os moradores de Leopoldina, realizada por meio de um questionário online, buscou aferir a perceção que os participantes tinham sobre o poeta Augusto dos Anjos e sobre o Museu Espaço dos Anjos. O questionário, hospedado na plataforma online Google Forms, foi auto aplicado, anónimo e livremente compartilhável. Foi estruturado para ser respondido em menos de cinco minutos e praticamente todas as questões eram objetivas. Os participantes foram recrutados, sobretudo, na comunidade escolar do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet-MG), campus Leopoldina, além do círculo próximo de um dos autores. Observou-se apenas dois critérios para o recrutamento: serem moradores de Leopoldina, ou dos seus distritos, e terem 18 anos de idade ou mais. Os participantes foram convidados a compartilhar o questionário com parentes e/ou amigos de forma que, por meio das relações em rede, o número mínimo de 100 questionários foi alcançado. Embora não seja uma amostra estatisticamente representativa2, os dados recolhidos são significativos para compreender as representações do poeta e do museu na cidade.

O museu de Leopoldina e os públicos

9Na pesquisa de públicos foi possível apurar que o perfil dos respondentes é composto, na sua maioria, por: jovens e jovens adultos (52%) de 18 a 29 anos (34%) e de 30 a 39 anos (18%); por homens (57%); por moradores de Leopoldina, ou região, há mais de dez anos (80%); com alta escolaridade (52%) ensino superior ou mais , com até três pessoas em suas residências (52%) e que se consideram brancos (64%). É preciso ponderar que a própria escolha técnica de hospedagem e de transmissão do questionário, online e por redes de relacionamento, explica, em parte, o perfil dos participantes. Obviamente, esse perfil constitui um segmento específico da população, sendo apropriado considerá-lo nas análises de questões centrais da pesquisa.

10Quando questionados se conheciam algum património cultural de Leopoldina, 80% dos participantes responderam que sim e 20% responderam que não. Os números em questão podem estar diretamente relacionados com o tempo de moradia dos participantes na cidade. Não obstante, essa percentagem fica ainda maior quando o património se refere a Augusto dos Anjos: 91% dos participantes responderam que já haviam ouvido falar sobre o poeta enquanto apenas 9% responderam que não.

11A maior parte dos participantes, 78,1%, conheceu Augusto dos Anjos por canais que não se ligam diretamente ao museu. Ou seja, pela escola (42,9%); pela casa em que ele morou em Leopoldina (17,6%); pelo seu livro de poesias (13,2%); não se lembram (5,5%); por outra via (4,4%).

12Apenas 16,5% dos participantes conheceram o poeta ao ouvir falar do museu (8,8%) ou ao visitar o museu (7,7%). Este é um dado revelador de que o processo de imortalização e de reconhecimento de Augusto dos Anjos em Leopoldina, de alguma forma, está significativamente para além do museu. Como se pode deduzir, é possível que a escola tenha um papel decisivo no processo de divulgação do poeta na cidade.

13No entanto, quando questionados se já ouviram falar do Museu Espaço dos Anjos, 88,2% dos participantes responderam que sim e apenas 11,8% responderam que não. Por mais que o museu não seja o principal canal que tenha permitido aos moradores conhecer o poeta, é inegável a sua representatividade na cidade. Ainda que o museu seja bastante conhecido, uma parcela significativa dos participantes, 41%, afirmou não saber qual é o tema do Museu Espaço dos Anjos, ao passo que 59% responderam que sim. Este dado sugere duas hipóteses: a forma da pergunta pode ter levado os participantes à dúvida sobre o que vem a ser tema do museu, ou a narrativa expositiva é pouco eficaz do ponto de vista da sua apreensão pelo visitante.

14Perguntados se já visitaram o Museu Espaço dos Anjos, 73,5% dos participantes responderam que sim e 26,5% responderam que não. Para 44,1% dos participantes, a visita aconteceu depois de 2012, para 39,7% a visita aconteceu antes de 2012, e 16,2% não se lembra. O ano de 2012 foi quando a Prefeitura de Leopoldina transformou o Espaço dos Anjos em Museu Espaço dos Anjos, tornando-se responsável pela instituição. De qualquer maneira, é relativamente equilibrada a percentagem daqueles que visitaram o espaço antes e depois dessa data.

15Foi questionado aos participantes se o facto de conhecerem Augusto dos Anjos os estimulou a visitar o Museu Espaço dos Anjos. Para 76,5% dos participantes a resposta foi positiva, para 7,4% a resposta foi negativa e 16,2% afirmaram que conheceram o poeta ao visitar o museu. Também foi questionado se a visita ao museu estimulou os participantes a conhecerem a obra do poeta Augusto dos Anjos: 80,9% dos participantes responderam que sim e 19,1% responderam que não. Estas duas perguntas devem ser problematizadas. É possível que a forma como foram formuladas as perguntas possa ter induzido a resposta dos participantes. As perguntas podem ter gerado nos participantes uma expetativa em relação ao possível desejo dos pesquisadores, e as respostas tenham correspondido mais a um “dever ser” do que refletir a realidade.

16Em suma, os dados apontam que é inquestionável, entre os participantes, o reconhecimento não apenas do poeta, como também de seu museu como património da cidade mineira: 91% ouviram falar em Augusto dos Anjos, 88,2% ouviram falar do Museu Espaço dos Anjos e 73,5% já visitaram o museu. A despeito desses dados, o museu não figura como o principal divulgador do poeta em Leopoldina, o que ocorre por outros canais. Além disso, embora a maioria dos participantes tenha visitado o museu, uma parte significativa (41%) não sabe dizer qual o tema nele tratado.

17Em face desses dados, é preciso interrogar o que explica que o museu e seu personagem-tema sejam conhecidos e reconhecidos por moradores da cidade, e, ao mesmo tempo, muitos que visitaram a instituição não saibam determinar qual o seu tema. Como o museu, exclusivamente dedicado ao poeta, tem cumprido o seu papel de divulgar esse personagem e a sua obra? A busca de compreensão dessas questões requer deslocar o olhar para a própria exposição do Museu Espaço dos Anjos, a principal linguagem e conteúdo de comunicação deste museu com os públicos.

Museu Espaço dos Anjos: uma leitura da exposição

18Como já mencionado, em 1983, foi inaugurado o Espaço dos Anjos na casa onde residiu o poeta Augusto dos Anjos, em Leopoldina. Inspirado pelo significado memorial da casa, o artista plástico Luiz Raphael Domingues Rosa, além de instalar seu atelier e a sua escola de artes, passou a reunir, organizar e expor o acervo relacionado com a história da cidade, incluindo o legado de Augusto dos Anjos.

  • 3 No Brasil, tombamento é o termo utilizado para designar a proteção legal de um bem patrimonial.

19Em 2007, a OSCIP leopoldinense Felizcidade enviou um documento ao Promotor de Justiça, Sérgio Soares da Silveira, solicitando, entre outras providências, investigações a respeito de omissões e descumprimentos de atribuições do poder executivo municipal em relação ao Espaço dos Anjos, inclusive a respeito da nulidade do seu processo de tombamento3, ocorrido em 1984 (MPGM 2008).

20Em resposta à solicitação da OSCIP, e também munido de informações constantes em documentação encaminhada à Promotoria pelo próprio Luiz Raphael, o Ministério Público de Minas Gerais instaurou um procedimento administrativo para averiguar a situação da instituição e a proteção do património histórico e cultural envolvendo o poeta Augusto dos Anjos (MPGM 2008).

  • 4 Em entrevista, em julho de 2020, o Promotor, Sérgio Soares da Silveira, reiterou a sucessão desses (...)

21Luiz Raphael faleceu pouco depois do início do processo, em 2007. Imediatamente, a sua família fechou o Espaço dos Anjos, recolheu o acervo e devolveu o imóvel aos proprietários. O Procedimento Administrativo prosseguiu, sendo posteriormente transformado em Inquérito Civil, pelo Ministério Público. Resultou desse processo: o recolhimento e guarda pela Promotoria de Justiça do acervo referente ao Augusto dos Anjos, que se encontrava com a família de Luiz Raphael; a desapropriação e a emissão da posse do imóvel por parte do município; o tombamento municipal da casa; e a restauração e reabertura do espaço em 2012, que passou a ser denominado como Museu Espaço dos Anjos, sob a administração da Prefeitura. Nessa transição, o Museu tornou-se exclusivamente dedicado ao poeta Augusto dos Anjos, tendo-se perdido o acervo relacionado com a história de Leopoldina, na posse da família de Luiz Raphael.4

22O museu sempre contou com uma equipe pequena e insuficiente. Durante a pesquisa não foi possível encontrar documentos técnicos com registros dos pressupostos que orientaram a criação do museu. Tudo indica que não foi elaborado um projeto museológico ou expográfico, com delineamentos da conceção e missão da instituição, sequer a iniciativa contou com profissionais com formação na área. Isso, em parte, explica algumas inconsistências conceituais, que acabaram comprometendo a exposição, como se verá mais adiante.

23A despeito da ausência de um plano conceitual, a entrevista realizada em junho de 2022 com um membro da equipe envolvido na montagem do museu permite inferir quais foram as intenções que determinaram a organização do acervo do poeta e a expografia do museu. A proposta inicial, segundo o entrevistado, era constituir um circuito expositivo referente à vida de Augusto dos Anjos, no qual os visitantes fossem conduzidos por um guia.

[...] três salinhas que tem no espaço ali, elas estão ordenadas pensando o momento da ordem da obra do Augusto, linha do tempo, então você vai vendo em cada etapa, se for devidamente apresentado por um guia competente, vai ficar claro essa montagem do espaço. (entrevistado 3, 2022, s/p).

24A necessidade de um “guia competente”, para ficar “clara a montagem do espaço”, é uma condição vulnerável do Museu. Fica evidente que a exposição, por si só, poderá não cumprir o seu papel de informar e de estabelecer um discurso compreensível para os visitantes. Por outro lado, também se constata que Museu não oferece, e possivelmente nunca ofereceu, um serviço de mediação aos públicos.

25Com relação ao acervo, o mesmo entrevistado destaca alguns itens como uma compilação de reportagens e de matérias jornalísticas feita pela viúva do poeta, Esther dos Anjos; alguns manuscritos originais de Augusto dos Anjos; o atestado de óbito do poeta; o documento assinado pelos filhos proibindo a trasladação de seus restos mortais de Leopoldina para a Paraíba; objetos de pertence pessoal, como uns óculos. E afirma que o Museu Espaço dos Anjos é um “museu documental”, facto que se justifica pelo acervo compor-se, em quase a sua totalidade, por documentos.

26O predomínio de documentos textuais no acervo do museu em exposição talvez se explique pelas circunstâncias da morte do poeta, pela mudança, ainda que não imediata, da sua família da cidade e pelo reconhecimento tardio da importância de Augusto dos Anjos. Luiz Raphael, em entrevista cedida em 2003, faz uma conjetura a respeito do destino dos objetos pessoais de poeta:

Como eu sabia que do Augusto existia pouca coisa no país porque como ele morreu de tuberculose, [...], a voz do povo diz que foi tuberculose, mas o atestado de óbito diz que foi pneumonia. Quer dizer, a gente tem que acreditar no atestado de óbito que é oficial, né? Bom, de uma forma ou de outra, eles devem ter queimado roupas e móveis com medo de contágio. (cit. por Rosa 2003, s/p)

27A opção pela exposição de documentos parece ter resultado mais do acervo disponível do que de uma deliberação. Mas nem por isso se justifica a imprecisão concetual do entrevistado, ao caracterizar o Museu Espaço dos Anjos como um museu documental. Afinal, todos os museus exercem uma função documental. O termo documento, diferentemente do senso comum, designa um universo amplo de registos e de testemunhos em distintos suportes, não se limitando apenas aos documentos textuais predominantes no museu como supõe o entrevistado.

28Desde a sua inauguração, em 2012, a exposição foi globalmente mantida, ainda que com algumas mudanças:

Até depois foi plotado na parede ali, uma espécie de linha do tempo de percurso do Augusto, então... só que essas salas mudaram. Então a sala documental, de facto, não ficou sendo aquela primeira sala. (entrevistado 3, 2022)

29A exposição ocupa as principais áreas da casa: sala, antessala, alcova e quarto. A biblioteca situa-se num outro quarto e as demais divisões da casa foram transformadas em espaços administrativos do museu. O acervo relaciona-se direta ou indiretamente com Augusto dos Anjos e é composto por livros, fotografias, publicações diversas (ex., convites, catálogos, panfletos, diploma, entrevista), recortes de jornais antigos, cópias e manuscritos originais de Augusto dos Anjos, cópias e originais de documentos e alguns objetos. Cabe destacar que não foi possível distinguir, entre os manuscritos e documentos, quais eram os originais e quais eram as cópias, uma vez que o museu não disponibiliza essa informação aos visitantes. Além disso, não foi possível nem mesmo identificar quais os manuscritos que eram da autoria de Augusto dos Anjos.

30A ausência de informação na exposição é assinalável, sendo que faltam legendas na maioria dos itens expostos, assim como textos explicativos sobre os módulos e/ou salas do circuito expositivo. Soma-se a isso, algumas deficiências em termos da iluminação, em pelo menos duas salas, o que dificulta a leitura dos documentos expostos.

31Espacialmente, o acervo distribui-se como se descreve de seguida. No primeiro espaço da casa a sala (fig. 2), numa estante fechada em vidro, estão expostas diferentes edições do único livro de Augusto dos Anjos, Eu, fotografias antigas, catálogos e livros de diversas autorias sobre o poeta.

Fig. 2 – Vista da sala, Museu Espaço dos Anjos, 2022

Fotografia dos autores

32No segundo espaço da casa a antessala (fig. 3), numa vitrine central de vidro, encontra-se em destaque um exemplar da primeira edição de Eu, de 1912; num módulo de chão tamponado com vidro, há recortes de jornais antigos plastificados com matérias referentes a Augusto dos Anjos.

Fig. 3 – Vista da antessala, Museu Espaço dos Anjos, 2022

Fotografia dos autores

33No terceiro espaço a alcova (fig. 4) encontra-se uma vitrine central de vidro que expõe uma compilação, feita pela viúva do poeta, de reportagens e matérias jornalísticas, além de fotografias antigas. Há também dois módulos de parede fechados em vidro contendo manuscritos, cópias de manuscritos, documentos, cópias de documentos e material gráfico diverso.

Fig. 4 – Vista da alcova, Museu Espaço dos Anjos, 2022

Fotografia dos autores

34O quarto espaço o quarto (fig. 5) apresenta três módulos de parede, também fechados em vidro, que inclui recortes de jornais antigos plastificados, manuscritos e cópias de manuscritos, fotografias antigas, documentos, publicações impressas diversas e alguns objetos (ex. caderno, capa de óculos, óculos, colher e medalha).

Fig. 5 – Vista do quarto, Museu Espaço dos Anjos, 2022

Fotografia dos autores

35Por fim, na biblioteca, encontra-se um módulo de chão, com tampo de vidro, contendo mais recortes de jornais antigos plastificados.

36Não foi possível identificar qual a narrativa da exposição. O acervo está distribuído pelas salas, sem um critério temático e/ou cronológico aparente. O quantitativo do acervo, pequeno aliás, não permite dar conta da vida e da obra de Augusto dos Anjos. Os recursos expográficos que poderiam suprir lacunas do acervo, são muito reduzidos. Por outro lado, também não se faz menção à casa, que poderia ser valorizada tanto como exemplar importante da arquitetura local, como residência do poeta, a exemplo do que comumente fazem as casas-museu mais tradicionais, dedicadas a personalidades e artistas de várias áreas.

37A inexistência de um circuito expositivo coerente, concebido por uma proposta curatorial, é indicativa de um processo de musealização no Museu Espaço dos Anjos, que se considera incompleto. Isso porque as operações que asseguram o estatuto museal aos objetos não foram exploradas de modo a cumprir uma cadeia de procedimentos, que envolve a preservação do acervo, a aquisição, a gestão e a conservação; as atividades de pesquisa, que ressignificam permanentemente o testemunho da realidade colecionado, e a comunicação, que estabelece, principalmente por meio de exposição, uma mediação entre o testemunho musealizado e os públicos (Mairesse 2011). Segundo Brulon (2016), a musealização não apenas elege artefactos que serão destituídos de sua função original, mas altera, de maneira sensível, a realidade das coisas ao transformar presenças em significados. Todos os objetos que perderem a sua função original, são ressocializados nas coleções e nos museus, tornando-se objetos de uma “função” singular, a de serem expostos ao olhar (Brulon 2016, 40).

38O acervo adquiriu um novo significado ao ser introduzido e exposto no Museu Espaço dos Anjos, mas a sua musealização prescindiu da perspetiva investigativa, fundamental para construção de um discurso cognoscível em torno do acervo. Ou seja, o museu não se alinha à ideia de funcionar como lugar de produção de conhecimento, que não se limita a apresentar «apenas belos objetos, mas convida, sobretudo, à compreensão de seus sentidos» (Mairesse 2011, 252, tradução dos autores).

Museu Espaço dos Anjos: uma casa-museu, um museu biográfico?

39A princípio o Museu Espaço dos Anjos poderia enquadrar-se no rol de casas-museu. Essa é uma tipologia de museu que tem origem numa prática, já antiga da cultura ocidental, de abertura pública de residências de pessoas ilustres, especialmente de artistas e escritores, e que ganhou novos contornos, expandindo-se nos últimos dois séculos (Folin e Preti 2019). De acordo com Hendrix (2019), tal fenómeno teve início na era moderna, quando as viagens começaram a transformar-se em práticas turísticas. A princípio as visitas atendiam a uma lógica ligada à dimensão íntima da experiência de estar na residência de um personagem ilustre. No século XIX, a prática experimentou uma transição do espaço privado para um espaço museológico, organizando-se a partir de moldes profissionais.

40Não se pode afirmar que o Museu Espaço dos Anjos corresponda à tipologia de casas-museu, à semelhança das residências históricas musealizadas. É certo que o Museu Espaço dos Anjos, pelas características construtivas da casa, enquadra-se, de acordo com Cayer e Sheiner (2021), na categoria de casa histórica, ou seja, casas que apresentam valores e/ou significados associados à sua arquitetura. Em geral, são lugares relacionados com algum personagem de importância nacional, regional ou local, e podem estar abertos ou não ao público. Por sua vez, as casas-museu distinguem-se, segundo alguns autores, por envolverem um trabalho e uma função museológica, em favor da preservação do seu caráter de casa, ou seja, de espaço doméstico. Entre os autores que propõem categorizar as casas-museu, Pérez (apud Cayer e Sheiner, 2021) destaca três tipologias: a casa-museu de personalidade que expõe características da vida privada do seu titular; a de território, que apresenta estilos de vida, em geral correspondentes a sociedades pré-industriais; e a de período histórico, correspondente a momentos históricos ou a estilos culturais.

41Embora comporte uma função museológica e tenha servido de moradia a uma personalidade, o Museu Espaço dos Anjos não atende ao critério basilar de expor o universo material da vida privada do poeta, de modo a revelar a intimidade do personagem. Não há acervo ou informações que permitam ao visitante observar os espaços, os objetos e as disposições do universo doméstico e familiar de Augusto dos Anjos, muito menos do ambiente que o cercava no processo de criação. Nem mesmo a edificação, um exemplar da arquitetura residencial na cidade, recebeu tratamento museológico.

42Poderá considerar-se o Museu Espaço dos Anjos um museu dedicado à narrativa biográfica? Parece prudente examinar o que vem a ser uma narrativa biográfica. De acordo com Loriga (2011), o termo “biografia” estabeleceu-se no século XVII para designar uma obra que fosse considerada verídica e que estivesse fundada numa descrição pretensamente realista. Contudo, desde a Antiguidade, a biografia apresenta-se como um género híbrido e compósito, equilibrando-se sempre entre a verdade histórica e a verdade literária (Loriga 2011, 19). Esse caráter híbrido, que faz concessões à imaginação criativa, segundo Dosse (2009), dificultou a sua classificação numa disciplina organizada e fizeram da biografia um subgénero desprezado pela intelectualidade, o que perdurou na maior parte do século XX (Dosse 2009, 16). No final do século XX, ocorreu uma mudança significativa na receção do género, facto do qual os museus biográficos têm beneficiado. De acordo com Dosse (2009), as ciências humanas redescobriram as virtudes da biografia; o caráter inclassificável do género biográfico, que antes o desqualificava, passou a ser o seu trunfo.

43Nathalie Reinich (apud Dosse, 2009), na sua análise sobre o processo de construção do enaltecimento do génio de Van Gogh (1853-1890), identifica duas formas, antagónicas entre si, que asseguram o reconhecimento da grandeza artística. Na forma que privilegia a leitura de elementos biográficos, o ato criativo é atribuído à trajetória do autor. A sua criatividade está encerrada nos limites de uma sensibilidade comum, inserida numa linhagem de celebridades. Na leitura “operacionalista”, ensejada por uma abordagem estética, o ato criativo encontra-se isolado de seu criador, e adquire um caráter extraordinário, de genialidade fora dos parâmetros normais (Nathalie Heinich apud Dosse 2009).

  • 5 O termo sugestivo “biografia material” aparece no artigo de Maciel (2013, 19-20): «Esse legado mate (...)

44Analisado sob as duas perspetivas propostas por Reinich, o Museu Espaço dos Anjos está longe de corresponder à narrativa que associa biografia e ato criativo, pelo menos de modo consistente e inteligível, que permitiria ao visitante associar a obra de Augusto dos Anjos à trajetória de sua personalidade no tempo, em consonância com uma sensibilidade social. Por outro lado, nem sequer é construída uma possível persona do poeta, por meio das suas características aparentes ou subterrâneas. De resto, como já mencionado, os documentos tal como estão expostos dificilmente seriam reconhecidos como uma biografia material5 do poeta.

45Estaria, então, a leitura operacionalista contemplada no museu? O modo de exibição dos documentos estaria em conformidade com a ideia do génio criador extraordinário e descolado de qualquer injunção biográfica? Ora, neste artigo defende-se que a obra poética de Augusto dos Anjos, tanto quanto a sua vida, também se encontra invisibilizada no circuito expositivo.

  • 6 Ainda que um dos espaços do Museu apresente, impressos na parede, dois textos críticos sobre August (...)

46É certo que o museu não iniciou o processo de imortalização de Augusto dos Anjos, já em curso há quase 100 anos, mas reafirma o processo de sua consagração. No entanto, a apresentação pouco criteriosa e assistemática da exposição parece confirmar que se perdeu uma oportunidade. Neste ponto, argumenta-se que aspetos como a formação de Augusto dos Anjos, a sua vida intelectual, as suas relações com Leopoldina e a fortuna crítica de sua obra6 poderiam ser explorados, firmando o compromisso do museu em informar os públicos.

47Tal como estão expostos no Museu, os documentos dificilmente seriam reconhecidos como uma biografia material do poeta. Com efeito, eles estão conformados como uma mostra de documentos-relíquias do ilustre poeta. Mais do que criar uma narrativa que articula conexões entre os itens do acervo, para oferecer informações e conhecimento ao visitante, o museu apenas valora cada documento, isoladamente, seja porque tenha pertencido a Augusto dos Anjos, seja porque tenha tido contato com o seu universo criativo e intelectual. Para o conhecedor da vida e da obra do poeta, o percurso no museu dá-se ao sabor do seu interesse pessoal. Ao público em geral, a visita consiste na experiência sensível do contato com os “preciosos pertences” de Augusto dos Anjos, que sobreviveram ao tempo, atestando a veracidade do personagem.

Conclusão: o museu-memória

48Como se demonstrou, o Museu Espaço dos Anjos não responde plenamente aos requisitos das chamadas casas-museu e/ou museus biográficos, embora se identifiquem algumas afinidades com ambos os modelos. Para além de uma possível categorização, estará o Museu Espaço dos Anjos no rol de tantos museus, em geral localizados em pequenas cidades, que são expressões legítimas do desejo de preservar determinados acervos, de dotar a comunidade de uma memória e identidade, mas desprovidos de um trabalho fundado em práticas museológicas?

49A pesquisa de públicos realizada junto dos moradores de Leopoldina, demonstrou que muitos dos respondentes que estiveram no museu, precisamente 41%, não sabem definir qual o tema abordado na sua exposição. Esta situação é compreensível, uma vez que o Museu Espaço dos Anjos não tematiza a vida e a obra do poeta, muito menos as imbricações da sua biografia com a casa onde residiu e onde está instalado o Museu. Além disso, também não apresenta uma narrativa e um circuito expositivo articulado ou coerente.

50Mas a despeito das lacunas identificadas, o Museu é uma referência para os moradores de Leopoldina. Retornando aos dados da pesquisa de público, a grande maioria dos respondentes conhece Augusto dos Anjos e o museu, assim como identificam o museu como património cultural de Leopoldina. A hipótese que se levanta é que as reverberações do museu na comunidade local devam ser compreendidas a partir da ideia do museu-memória, como proposto por Myrian Sepúlveda dos Santos (2006), ou mesmo do museu-narrativa, tal como argumenta José Reginaldo Santos Gonçalves (2007).

51O museu-memória (Santos 2006) é aquele onde prevalece o caráter afetivo e mágico da memória, em detrimento da história como reconstrução intelectual. É deixado aos objetos o poder de evocar a memória; não há preocupação com uma compreensão crítica dos factos ou com uma ordenação temporal; o tempo é descontínuo, pontual. Ao analisar o Museu Histórico Nacional, à época da direção de Gustavo Barroso, Santos descreve a superabundância de objetos expostos, como forma de lhes conferir valor:

Esta profusão simbolizava a capacidade que tinham estes objetos de testemunhar sobre a realidade. Mas estas relíquias do passado eram mostradas ao público obedecendo a uma lógica que lhes pertencia. (...) Quem entrasse em uma sala jamais poderia pensar ter captado todo sentido nela embutido. Não havia uma única mensagem por parte do Museu, mas milhares. (Santos 2006, 52)

52Numa perspetiva semelhante, Gonçalves (2007) distingue dois modelos conceituais de museus, considerando a sua relação com os públicos “museu-narrativa” e “museu-informação”. Um e outro museu que se situam num continuum entre dois polos delimitados pelas figuras benjaminianas do flâneur e do homem da multidão. No museu-narrativa, diferentemente do museu-informação, não há explicações; é o visitante quem o interpreta. Tal como Santos (2006), Gonçalves (2007) descreve a grande quantidade de objetos expostos no museu-narrativa:

Os objetos se impõem à atenção dos visitantes, exercendo seu poder evocativo. Moedas, móveis, espadas, medalhas, louça, quadros, vestuário, um conjunto heteróclito de objetos ocupa amplamente os espaços dedicados à exposição. Esses objetos também estão ligados à experiência, pelo menos à experiência de determinados grupos e categorias sociais, por exemplo às famílias de elite. Eles desencadeiam a fantasia dos visitantes, uma vez que não estão amarrados a qualquer informação definida. Configuram um espaço propício à flânerie. (Gonçalves 2007, 70)

  • 7 A respeito de relíquias de pertencimento ver Maciel (2013). A autora comenta sobre a mecha de cabel (...)

53Nesse sentido, argumenta-se que o Museu Espaço dos Anjos se aproxima de um museu-memória e/ou museu-narrativa. Os documentos expostos ganharam estatuto de relíquias; precisamente relíquias de pertencimento7 que dão provas da existência de Augusto dos Anjos. Expostas como “preciosidades” não requerem explicações. Não há um sentido lógico na exposição; cada documento exposto se impõe por si, tem a sua própria lógica, tem os seus próprios sentidos. No conjunto formam um percurso que está no plano do devaneio, onde à maneira do museu-narrativa, a fruição «(...) supõe da parte do visitante um estado de distensão psicológica (...)» (Gonçalves 2007, 66).

54Visto por esse ângulo, talvez se possa entender o papel desempenhado pelo Museu Espaço dos Anjos e o seu reconhecimento pelos públicos. Embora não se enquadre nas tipologias convencionais de museus, e tenha sido criado sem a expertise da museologia, ele é um espaço propício à flânerie museal, onde o visitante “segue sua inspiração”.

55A despeito da ainda hoje estranha e enigmática poesia de Augusto dos Anjos e dos poucos meses que ele viveu em Leopoldina, o museu e seu personagem figuram como patrimónios emblemáticos da cidade. Possivelmente, para isso contribuiu o facto da viúva e dos filhos do poeta terem permanecido em Leopoldina algum tempo depois da sua morte. Todavia, a resposta para essa inusitada patrimonialização talvez esteja na própria imagem que a cidade construiu de si. Leopoldina foi um dos centros da cafeicultura mais prósperos de Minas Gerais na segunda metade do século XIX. A cidade manteve a sua relevância, a despeito do processo de decadência da sua economia, a partir do final do século XIX. Concorreu para isso a criação de uma rede de escolas particulares de excelência, nas primeiras décadas do século XX, razão pela qual a cidade passou a ser conhecida como a “Atenas Mineira” (Nogueira 2011). Ora, o poeta enterrado em Leopoldina, consagrado ainda que tardiamente pela crítica literária, constituiu-se num elemento poderoso para ativar o imaginário urbano da “Atenas Mineira”. Mesmo com todas as incongruências museológicas, a casa musealizada de Augusto dos Anjos cumpre o papel de manter-se como uma força vinculativa do poeta ao ambiente de Leopoldina.

56O fenómeno de apropriação de Augusto dos Anjos por Leopoldina é um caso que merece novas investigações, sendo que este artigo não pretende esgotar todas as perguntas que motivaram a pesquisa. As limitações das fontes documentais referentes à formação do acervo e sobre o processo de constituição do museu evidenciam lacunas que podem ser enfrentadas no futuro. Acima de tudo, é certo que a pesquisa de públicos poderá ampliar-se com dados quantitativos mais representativos e em outros formatos, sobretudo, presenciais. Seria oportuno apurar, por exemplo, em que medida a obra poética de Augusto dos Anjos é apropriada pela comunidade local. Ao problematizar as relações entre a narrativa expositiva do museu, os públicos e a apropriação patrimonial do seu personagem, a expetativa é que este estudo possa inspirar pesquisas sobre tantos outros museus locais, dedicados a personalidades, buscando compreender a potência identitária encerrada nas relações entre as cidades e os seus políticos, escritores, músicos e poetas.

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Notas

1 As demais entrevistas realizaram-se com dois representantes da organização da sociedade civil de interesse público (OSCIP), Felizcidade de Leopoldina: um representante a mais da Prefeitura Municipal de Leopoldina e dois amigos próximos de Luiz Raphael.

2 A população estimada de Leopoldina é de 52.690 pessoas (IBGE 2021).

3 No Brasil, tombamento é o termo utilizado para designar a proteção legal de um bem patrimonial.

4 Em entrevista, em julho de 2020, o Promotor, Sérgio Soares da Silveira, reiterou a sucessão desses três momentos-chave que antecedem a criação do Museu Espaço dos Anjos: a instauração de um Inquérito Civil em 2008; o asseguramento, após a morte do fundador do Espaço dos Anjos, Luiz Raphael, da preservação do acervo de Augusto dos Anjos por meio da sua custódia na Promotoria de Justiça, com a justificativa de não se perder; e a desapropriação do imóvel onde residira Augusto dos Anjos pela Prefeitura de Leopoldina.

5 O termo sugestivo “biografia material” aparece no artigo de Maciel (2013, 19-20): «Esse legado material corrobora vidas e seus feitos vencendo a efemeridade biológica de seus detentores, resultando numa espécie de “biografia material”».

6 Ainda que um dos espaços do Museu apresente, impressos na parede, dois textos críticos sobre Augusto dos Anjos e da sua obra: um de Alexei Bueno (1963-) e o outro de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987).

7 A respeito de relíquias de pertencimento ver Maciel (2013). A autora comenta sobre a mecha de cabelo de Napoleão (1769-1821), exibida no Musée des Beaux-Arts de Montréal: «Em meio a jóias, louças e demais valiosos bens materiais, o estatuto de preciosidade adquirido pela mecha reside precisamente na prova de que ela foi de Napoleão, e justamente por esse motivo é que elas são apreendidas como as mais preciosas relíquias». Mais adiante, Maciel afirma: «A presença de tais imagens no espaço museal transcende a relíquia do pertencimento, afinal são produzidas como ficção, num suporte etéreo. Não são objetos materiais, palpáveis. Mas dialogam com o olhar, esse sentido imprescindível para a análise histórica» (Maciel 2013, 26-27).

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Índice das ilustrações

Legenda Fig. 1 – Fachada do Museu Espaço dos Anjos, 2021, Leopoldina, Minas Gerais, Brasil
Créditos Fotografia dos autores
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Legenda Fig. 2 – Vista da sala, Museu Espaço dos Anjos, 2022
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Ficheiro image/jpeg, 283k
Legenda Fig. 3 – Vista da antessala, Museu Espaço dos Anjos, 2022
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Ficheiro image/jpeg, 210k
Legenda Fig. 4 – Vista da alcova, Museu Espaço dos Anjos, 2022
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Ficheiro image/jpeg, 231k
Legenda Fig. 5 – Vista do quarto, Museu Espaço dos Anjos, 2022
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Ficheiro image/jpeg, 318k
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Para citar este artigo

Referência eletrónica

Leonardo Gonçalves Ferreira e Letícia Julião, «Um poeta em exposição: os públicos e a expografia do museu dedicado a Augusto dos Anjos»MIDAS [Online], 17 | 2023, posto online no dia 15 novembro 2023, consultado o 29 abril 2025. URL: http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/midas/4904; DOI: https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/midas.4904

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Autores

Leonardo Gonçalves Ferreira

Doutor em Ciências Sociais (2017) pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas, Brasil), com período sanduíche na Universiteit van Amsterdam. Atualmente é professor substituto da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), atuando no curso de graduação de Turismo/Faculdade Interdisciplinar em Humanidades (FIH). Desenvolve pesquisas na área da sociologia urbana: identidades, modos de vida, memória e património.

Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, Rodovia MGT 367 – Km 583, nº 5000, Alto da Jacuba, Diamantina/MG, CEP 39100-000, Brasil, ferreira.leonardo@ufvjm.edu.br, https://orcid.org/0000-0001-6843-1841

Letícia Julião

Doutora em História (2008) pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com período sanduíche na Université Paris 1 Pantheon-Sorbonne. Professora associada da Universidade Federal de Minas Gerais, atuando no curso de graduação de Museologia/Escola de Ciência da Informação (ECI) e nos Programas de Pós-Graduação em Ciência da Informação/UFMG, Promestre/UFMG e Museologia e Patrimônio/Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Desenvolve pesquisas sobre museus e história, património cultural e musealização, museus e coleções universitárias.

Universidade Federal de Minas Gerais, Av. Antônio Carlos, 6627, Pampulha, Belo Horizonte, MG, CEP 31270-901, Brasil, juliao.leticia@gmail.com

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