1Inaugurado a 1 de outubro de 2013, o Museu do Centro Hospitalar do Porto (MCHP) é um museu de história das ciências da saúde e de memória institucional. Tem como missão «celebrar e promover a memória e as raízes institucionais, bem como preservar e valorizar o seu património cultural, material e imaterial».2 Assumindo-se como um espaço de aprendizagem, o MCHP visa contribuir para o conhecimento e a literacia em torno dos temas da saúde, promovendo uma cidadania ativa junto da comunidade profissional e académica, assim como do público em geral.
2A génese do projeto de museu remonta a janeiro 2007, quando foi desenvolvido um levantamento exaustivo do património cultural e científico existente no Hospital de Santo António. Em setembro de 2007 o seu acervo foi aumentado pelas coleções provenientes de outras unidades médicas: Hospital Maria Pia e Maternidade Júlio Dinis; em março de 2011 pelo espólio do Hospital Joaquim Urbano; e em maio de 2013 acresceram os bens culturais do Centro de Genética Médica Doutor Jacinto Magalhães.
3Abrangendo cerca de 8 000 objetos, o acervo é constituído em grande parte por instrumentos de caráter médico-cirúrgico, laboratorial, de imagem, de farmácia, incluindo diversos utensílios de apoio hospitalar. Contempla ainda coleções de pintura, mobiliário, escultura, fotografia e medalhística. Um acervo tão diversificado permite refletir sobre períodos importantes da história da medicina, da memória e da identidade da Instituição, testemunhando técnicas médicas e a sua utilização ao longo do tempo. Estas coleções permitem ainda dar a conhecer o progresso das ciências da saúde, em termos científicos e tecnológicos, assim como de outras ciências correlacionadas (como a Química, a Física, a Botânica, a Fisiologia, a Biologia, a Bioquímica, entre outras) que permitiram essa evolução (Correia 2000).
4A exposição permanente do MCHP foi instalada no local da primitiva Farmácia do Hospital de Santo António, tendo sido reconstituídos e musealizados os ambientes originais da Botica oitocentista do Hospital e da Farmácia de Oficina do Hospital Joaquim Urbano, antiga unidade de doenças infeciosas. Este espaço congrega, assim, a imponência da fachada neoclássica com a memorabilia associada pelos portuenses à sua função original, evocando a memória das práticas e técnicas de âmbito farmacêutico das ciências de saúde nos séculos XIX e XX (Faria e Queiroz 2016).
5Umas das singularidades do MCHP prende-se com o facto de muitas das áreas expositivas se situarem em ambiente hospitalar no Edifício Dr. Luís de Carvalho, através de vitrinas dedicadas ao exercício da medicina, com carácter semipermanente. Contudo, no contexto de controlo devido à COVID-19 a entrada no interior do edifício foi condicionada, pelo que os visitantes se depararam, durante mais de dois anos, com a impossibilidade de acesso a grande parte das coleções do museu.
6A necessidade de disponibilizar mais informação acerca das coleções da exposição permanente e assegurar uma maior acessibilidade às coleções localizadas nas áreas hospitalares levou à criação de um novo projeto de mediação digital – o “Hospital de Santo António 360°: Conhecer os 250 anos de História e Património”3. O projeto contou com o financiamento do Programa de Apoio a Museus da Rede Portuguesa de Museus (ProMuseus) na categoria de “transformação digital”.4
- 5 O projeto foi distinguido em 2022 pelos prémios APOM (Associação Portuguesa de Museologia) com uma (...)
7O projeto “Hospital de Santo António 360°: Conhecer os 250 anos de História e Património” foi desenvolvido durante o ano de 2020 e adotou o formato de uma visita virtual interativa a 360°, acessível a partir do website do MCHP, desde março de 2021.5
- 6 A plataforma digital Omnia é da responsabilidade da empresa Ez-Team, com sede em Coimbra.
8Pretendeu-se com esta visita virtual enriquecer a experiência no acesso às coleções e aos espaços museológicos, assim como expandir esse acesso a um maior número de visitantes ou utilizadores, através de uma plataforma que garantisse dinamismo e que fosse adaptável à evolução dos projetos institucionais. Atendendo aos objetivos identificados e após uma consulta de mercado, a escolha recaiu sobre o formato de visita virtual com recurso à plataforma digital Omnia.6
9De forma a que este projeto pudesse alcançar um maior número de visitantes, nomeadamente de outras geografias, deu-se primazia à diversidade linguística, com criação de conteúdos em quatro idiomas: português, espanhol, francês e inglês.
10A visita virtual foi concebida de forma a proporcionar várias vistas a 360°, imagens em alta resolução (12 k), conteúdos multimédia, representações tridimensionais (fig. 1), vídeos ilustrativos e cerca de 70 objetos em destaque (fig. 2). Por outro lado, foi pensada desde logo com uma vertente interativa, proporcionando ao utilizador formas de interação ao longo da visita virtual (ex. quizzes, livros interativos).
Fig. 1 – Exemplo de objetos 3D, em cima vê-se um microscópio ótico monocular e em baixo o busto de Esculápio (https://hospitalsantoantonio360.pt/poi/63c9682a8dbde)
© Museu do Centro Hospitalar do Porto
Fig. 2 – Ponto de interesse interativo: seringa de clister, na Botica do Hospital de Santo António (https://hospitalsantoantonio360.pt/poi/6222239906067)
© Museu do Centro Hospitalar do Porto
11É de realçar que todos os conteúdos visuais, designadamente as captações de imagens a 360° e 3D, vídeos 360°, objetos 3D, assim como o som 360° e os conteúdos de narração, são compatíveis com vários dispositivos: computador, tablet, smartphone, smart TV e óculos de realidade virtual. Essa flexibilidade permite ao visitante ou utilizador aceder aos espaços museológicos e explorar as coleções do MCHP, a partir de qualquer parte do mundo e de qualquer dispositivo.
Fig. 3 –Vista aérea 360° do Museu do Centro Hospitalar do Porto
© Museu do Centro Hospitalar do Porto
12Um dos objetivos da visita virtual consistiu em valorizar conteúdos relativos ao edifício do MCHP, classificado como Monumento Nacional (desde 1910) pelo seu valor histórico e patrimonial. Projetado no séc. XVIII pelo arquiteto inglês John Carr, é considerado um dos exemplos da arquitetura neopalladiana realizada fora de Inglaterra e o primeiro edifício neoclássico da cidade do Porto. Nesse sentido, privilegiaram-se não só as imagens aéreas e panorâmicas do edifício neoclássico (fig. 3), assim como a criação de 15 mapas personalizados interativos. Estes mapas de localização permitiram projetar os diversos espaços físicos na virtualidade, propiciando ao visitante uma dinâmica movimentação dentro das interfaces e o rápido acesso a conteúdos adicionais.
13Além disso, a visita virtual incorpora a captação de imagens 360° de áreas emblemáticas no interior do edifício do MCHP, nomeadamente o Salão Nobre, as Galerias de Benfeitores, o Jardim (antigo horto farmacêutico), os átrios com lápides evocativas e comemorativas, a Capela do Sr. dos Aflitos, entre outros pontos arquitetónicos. Globalmente, os conteúdos produzidos visam potenciar a construção de um imaginário em torno deste lugar de memória da cidade do Porto e da medicina nacional portuguesa.
14A plataforma que está na base na visita virtual é versátil e tem um perfil modular, reunindo um conjunto variado de funcionalidades inovadoras, entre as quais se destaca o sistema de partilha inteligente. Este sistema de partilha inteligente permite ao utilizador partilhar nas redes sociais, ou por e-mail ou Código QR, qualquer ponto de interesse acedido, ou partilhar diretamente um objeto, e não apenas o link da página consultada.
15Outra funcionalidade da visita virtual consiste na possibilidade de navegabilidade aumentada com sistema de pesquisa integrado. Ou seja, esta ferramenta permite a pesquisa de todos os conteúdos da visita virtual, desde locais, objetos e respetivas fichas técnicas.
16A visita virtual proporciona, ainda, a criação de marcadores de favoritos e registo do histórico, o que significa que o utilizador visualiza a qualquer momento o progresso da visita, tendo acesso aos lugares visitados ou pontos de interesse já consultados.
17A plataforma carateriza-se por ser um sistema responsivo, em que as interfaces e as funcionalidades adaptam-se a qualquer dispositivo usado pelo utilizador, não sendo necessária a instalação de app ou plug-in.
18Uma outra caraterística da visita virtual consiste na sonorização 360°e a introdução de efeitos animados com o objetivo de maior imersão, ou seja, tornar a visita mais sensorial. Os vários efeitos de animação enriquecem as vistas 360°, procurando aumentar o realismo de cada cena. De entre as possibilidades técnicas distinguem-se quatro esferas sonoras: fundo musical; efeitos sonoros 360°, como por exemplo o relógio oitocentista da botica com as badaladas em tempo real; som ambiente 360°, que consoante o local poderá incluir desde o ruído de viaturas, o grasnar das gaivotas, o barulho de pessoas, entre outros; e a locução.
19Esta plataforma foi ainda complementada com recursos de acessibilidade, ao abrigo do Programa “Garantir Cultura | ProMuseus 2021”. Estes recursos permitem o acesso a pessoas com deficiência, visando a diversidade de públicos e promover a inclusão, seguindo as orientações internacionais de acessibilidade na internet7. Entre esses recursos, destaca-se a possibilidade de audiodescrição – através da síntese vocal para áudio concretizada nos quatro idiomas (português, espanhol, francês e inglês), permitindo que pessoas com deficiência visual, cegas ou com baixa visão, usufruam de forma autónoma (Henriques 2015) do acesso a todos os conteúdos8.
20Com a criação desta visita virtual foi possível disponibilizar informação mais detalhada sobre um conjunto de objetos e temas selecionados. Neste âmbito refira-se a criação de painéis expositivos e folhas de sala com interações 3D (fig. 4), que, por sua vez, através de um clique permitem o acesso, por exemplo, a documentários relativos à memória institucional do museu, assim como a fotografias e a documentação histórica associada ao tema apresentado no respetivo painel interativo.
© Museu do Centro Hospitalar do Porto
21Em termos de interatividade, um outro exemplo refere-se à criação de livros interativos 3D (fig. 5). Estes livros interativos 3D contemplam na íntegra a digitalização de todas as obras de referência da farmacêutica e botânica em exposição na Botica Oitocentista do Hospital de Santo António, permitindo ao utilizador explorar cada livro ao seu ritmo.
© Museu do Centro Hospitalar do Porto
22Entre os recursos educativos e lúdicos disponibilizados pela visita virtual, merece destaque a criação de vídeos didáticos constituídos por quizzes que permitem ao utilizador interagir (fig. 6). Destinados a um público infantil (dos 8 aos 12 anos), estes testes visam promover a aprendizagem e consolidar conhecimentos à medida que se exploram as várias temáticas ligadas à saúde, de um modo desafiante e divertido.
© Museu do Centro Hospitalar do Porto
23O MCHP não ignora as transformações sociais, económicas, políticas e culturais da sociedade, assim como as expectativas crescentes dos públicos (presenciais e virtuais). A ocorrência da pandemia covid-19 e a subsequente crise veio tornar mais evidente o potencial das tecnologias digitais na aproximação do museu aos públicos. Esse é também o contexto que desencadeia a criação, em 2020, da proposta de mediação digital: “Hospital de Santo António 360°: Conhecer os 250 anos de História e Património”.
24A visita virtual “Hospital de Santo António 360°: Conhecer os 250 anos de História e Património” foi concebida para ser uma experiência inovadora, interativa e sensorial. Constatamos que este projeto trouxe vários contributos positivos ao MCHP. Um dos contributos consistiu no cumprimento da missão do museu ao fortalecer, por via desta visita virtual, a sua identidade institucional e uma visão assente na abertura e na interação com as comunidades e com os públicos.
25Este projeto de mediação digital tem permitido ao MCHP alcançar um papel diferenciador na reflexão e sobretudo na partilha de conhecimento sobre a cultura material associada às ciências da saúde, consolidando, por outro lado, um percurso de destaque no âmbito da educação para a saúde. Nesse sentido, este projeto ampliou a oferta cultural disponível e reforçou a estratégia de comunicação, interna e externa, do museu. Além disso, consolidou o programa educativo, desenvolvendo novas ferramentas didáticas, através da mediação digital.
26Este projeto permitiu também ao MCHP implementar novos recursos de acessibilidade, ampliando o acesso a pessoas com deficiência, reforçando uma estratégia comprometida com a igualdade no acesso, com a inclusão social e com a democratização da oferta cultural no espaço digital.
27Globalmente, este projeto tem cumprido as expectativas previstas, observando-se um número significativo de utilizadores. Do ponto de vista quantitativo, entre março de 2021 e dezembro de 2022 identificam-se cerca de 125 000 utilizadores e 345 000 visualizações. Do ponto de vista da proveniência desses utilizadores, no último ano, destaca-se a França (29,3%), os EUA (18,9%), Singapura (18,6%), Portugal (12,6%) e Holanda (7,7%), o que é revelador de alguma diversidade e é sintomático do investimento realizado na tradução dos conteúdos para outras línguas, para além da língua portuguesa. Para além destes resultados, não se ignora a necessidade de se realizarem outras análises, com um perfil mais qualitativo, de modo a aferir a eficácia do projeto e avaliar a experiência dos utilizadores.
- 9 A equipa nuclear (permanente) do MCHP é constituída por quatro pessoas, acrescendo duas pessoas com (...)
28O projeto da visita virtual surge também no contexto de uma aposta na transformação digital do MCHP. Neste contexto, é de sublinhar o investimento que tem sido feito nos últimos anos na capacitação da equipa do MCHP9, nomeadamente no desenvolvimento de competências digitais, ao nível da edição de imagens, da produção de vídeos e da transmissão streaming. Além disso, destacam-se esforços no sentido de uma maior capacitação na área de acessibilidade, o que se revela essencial na criação e implementação de novos recursos, seja em contexto físico ou digital.
29Para além da capacitação dos profissionais, este projeto implicou o investimento em equipamento digital de alta qualidade, a atualização de software e uma revisão das soluções de rede de que o museu dispunha, de modo a poder suportar as ferramentas digitais usadas neste projeto. Outros desafios tiveram a ver com a componente técnica e de edição, nomeadamente a resolução de problemas de contraste e de iluminação nas capturas de 360º e nas limitações no tamanho dos ficheiros relativos aos objetos de museu fotografados em 3D.
30Para o MCHP a preservação e a divulgação do património ligado às ciências da saúde é fundamental, sendo que este projeto de mediação digital constitui um marco referencial neste percurso. Perspetiva-se, neste sentido, uma aposta continuada no desenvolvimento de novos ciclos ou propostas de mediação digital e na consolidação de competências, assim como o compromisso do MCHP na criação de experiências significativas, em formato presencial e digital.