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Expressões retóricas do amor no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende

Tropos e figuras
Rhetorical expressions of love in Garcia de Resende's General Songbook. Tropes and figures
Geraldo Augusto Fernandes

Resumos

Na Antiguidade, o orador pautava-se pela elocutio para fazer de seu discurso um rico ornato com a intenção de convencer seu auditório de que ele, orador, defendia uma tese justa, e que sua oratória era, antes de tudo, uma peça para deleite. Na Idade Média, os ornamentos de que se serviam os oradores antigos passam à composição poética não só como um trabalho do léxico, mas também como o modo pelo qual a poesia era estruturada. Vejam-se as rimas, o ritmo, a métrica, mesmo que estas duas fossem já parte da criação retórico-poética dos antigos. A rima e a estrofe são, então, partes do ornamento juntamente com as figuras e os tropos, antes usados na eloquência oratória. Os humanistas medievais, no seu culto à civilização antiga, transpõem para o ato de poetar os mesmos elementos e preocupações característicos dos oradores passados. Os recursos de que se servem os poetas seriam, através da revalorização da poesia, a harmonia e a musicalidade, pelas quais se expressavam os conteúdos mais diversos da indagação humana, o que revela as preocupações antigas que os poetas medievais emularam. A poética expressada no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende vale-se dessas expressões retóricas para embelezar os poemas. Neste estudo, proponho elencar essas expressões relacionadas ao tema do amor. Para tanto, faço uso de teóricos e estudiosos da Literatura como Quintiliano, Heinrich Lausberg, Maria Isabel Morán Cabanas, Massimo Marini, Pierre Le Gentil, Edmond Faral, Juan Casas Rigall, entre outros.

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Notas da redacção

Data recepção do artigo / Received for publication: 6 de Fevereiro de 2024

Data aceitação do artigo / Accepted in revised form: 17 de Setembro de 2024

Texto integral

S’a excelencia e ser / doutrem faz nam desejar, / como me podeis negar / que meu amor e querer / nam deseja descansar?

CGGR, 260, II

Vossa grande perfeiçam / m'haa forçado que vos ame / e vossas obras tais sam / que mandam que vos desame.

CGGR, 578, III

Introdução

  • 1 O estudioso parece referir-se ao Romantismo que nasce no século XVIII e se estende até o XIX europe (...)

1Não se pode dizer que a temática principal do Cancioneiro Geral de Garcia de Resende, o amor, seja aquela que marque definitivamente sua poética – o número de poemas amatórios é considerável, e isso marca, na verdade, qualquer cancioneiro medieval ou qualquer texto poético deste período. No entanto, que amor é esse? É ainda cortês, mas com elementos que prenunciam estéticas vindouras, como afirma, por exemplo, Massaud Moisés1:

  • 2 MOISÉS, Massaud – “Humanismo (1418-1527)”. In A Literatura Portuguesa. São Paulo: Cultrix, 1981, p. (...)

...num movimento psicológico que semelha prenunciar o Romantismo, os poetas quatrocentistas “descobrem” a Natureza, ainda graças a Petrarca [...] Um quê de renascentista, e, portanto, “moderno”, se mostra nessa transformação operada no âmbito das convenções lírico-amorosas: sente-se que os poetas palacianos da Corte de Avis preparam, com seus paradoxos e indagações acerca do Amor, o Camões lírico e, mesmo, o advento do Barroco.2

  • 3 RUGGIERI, Jole – Il canzoniere di Resende. Genève: Leo S. Olschki, S.A., 1931, p. 67.
  • 4 María Teresa Miaja de la Peña em artigo sobre El libro de buen amor comenta sobre Ovídio: “Sabemos (...)
  • 5 A característica principal desses poemas é mesclar, numa só composição, várias outras formas, mante (...)

2Quanto a esse prenúncio do Romantismo, a estudiosa italiana Jole Ruggieri declara que, “mentre si attardano i sogni, canteranno romances; come un preanuncio dei poeti romantici e preromantici, già sul cadere del secolo XV e all’inizio del secolo XVI...”3. Mantém esse amor cortês, então, a mesma essência daquele que foi exaltado pela poesia trovadoresca provençal e galego-portuguesa; no entanto, ele avança e, tomando por base o que cantaram Dante e Petrarca, e antes, Ovídio4, dá os primeiros sinais da sensualidade que iria ser mais largamente explorada no Renascimento. Nos fins do século XV, em Portugal, os poetas palacianos deixam-se arrebatar ainda por essa temática, mas também, num novo modelo, arrastando-se, inclusive, pelo erotismo evidentemente libidinoso (muitos), tal como o relacionamento contra naturam entre mulheres (poema misto nº 586) e ainda em que fala de um relacionamento incestuoso (nº 604), além de um tratamento satírico do tema em composições tais como os poemas de formas mistas5s 573, 574, 621, 625, 803, 814 e 816.

  • 6 LE GENTIL, Pierre – La poésie lyrique espagnole et portugaise à la fin du Moyen âge : les thèmes, l (...)
  • 7 Passo a usar esta abreviatura quando me refiro ao Cancioneiro Geral de Garcia de Resende.
  • 8 Para um profundo estudo sobre o Amor e a Retórica, conf. FRAZÃO; João Amaral – Entre trovar e turva (...)

3Nota-se, também, que a casuística amorosa adquiriu, no fim da Idade Média, um tom mais melancólico, próprio da alma portuguesa, o que já se sentia nas antigas cantigas de amor e de amigo, e que se depurou pelas sutilezas e pelo requinte formal. Para Pierre Le Gentil, a expressão amorosa apresenta-se, no Cancioneiro de Resende, como “formes de expression plus musicales”, em comparação com seus vizinhos castelhanos, e essa musicalidade vem renovada “plus ou moins consciemment” do lirismo galego, reproduzindo um romantismo “douloureux et nostalgique”6, o que caracteriza o espírito melancólico português. Isso está, de certa forma, presente nos dominantes retirados do cancioneiro individual de Duarte de Brito, em que as expressões remetem a um amor que mata. Agregam, também, os poetas palacianos a uma forma inovadora elementos de individualidade, sinceridade e espiritualidade, pois a língua, agora, permite-lhes expandir sua sentimentalidade, aliada ao novo exercício que adquire o poietes, que se vale de muitos dos artifícios retóricos. Também uma característica desse canto no CGGR7 é o uso de termos apoéticos numa peça como a do “Cuidar e sospirar”8, ou ainda, como no exemplo de uma cantiga seguida de trovas nº 570, em que uma dama se coloca no lugar do poeta e compõe sua coita de amor, vindo alguns colegas ajudar na temática – relembrando tal recurso as cantigas de amigo galego-portuguesas, mas agora não é o poeta que se põe no lugar da dama, é ela que se faz passar por um trovador apaixonado.

4Com a revalorização do homem no século XV, María Luisa Castro Rodríguez diz que o ato de se enamorar é ação da vontade e não mais de fatores externos ou circunstanciais:

  • 9 CASTRO RODRÍGUEZ, María Luisa – “Las potencias animadas son de su poder quitadas”. In Avatares y pe (...)

Dentro de la tradición de los tópicos amorosos, la voluntad del poeta no suele ser tomada en cuenta al momento de decidir enamorarse, pues se plantea como una inevitabilidad que, al objeto amoroso – la dama –, amor se introduzca en el poeta y éste comience a experimentar sus efectos. En el siglo XV, sin embargo, con la revalorización humanista del hombre como centro del universo y su conceptualización consecuente como artífice de su destino, se presenta la posibilidad de que el acto de enamorarse sea acción de la voluntad y no efecto de factores externos o circunstanciales.9

  • 10 “... en contraste con lo que puede observarse en la lírica provenzal y francesa, en las cuales pred (...)

5Se na poesia trovadoresca, o trovador fosse, talvez, impedido, devido ao sistema feudal e ao código do amor cortês, de divulgar quem era o seu objeto de devoção, quase sempre não correspondido10, nas peças compiladas no CGGR observa-se uma inversão de prioridade: ao trovador, agora denominado poeta, interessa fazer saber a quem “serve”. Mais do que isso, ao novo trovador não cabe apenas explorar seu estado de espírito quanto ao amor – correspondido ou não; esse novo trovador deseja compartilhar seus sentimentos – daí que, ao se referir à dama, não o faz através do senhal, recurso que usavam os provençais e galego-portugueses, mas dá a saber de quem é servidor, como nos poemas mistos que se estendem do nº 579 até o 582, incluindo os de nºs 316 e 584.

  • 11 OBRAS de Álvaro de Brito. Edição, introdução e notas por Isabel Almeida. Lisboa: Comissão Nacional (...)
  • 12 HAUSER, Arnold – Maneirismo: a crise da Renascença e o surgimento da Arte Moderna. 2 ed. Trad. J. G (...)

6Entretanto, se formalmente o poeta segue os preceitos comuns, e no conteúdo pontua um termo que é “nuclear na poesia de temática amorosa”11 – o bem e/ou o mal, há de se verificar no CGGR um ponto de vista já conceptista, reforçado, geralmente, por estas antíteses. Esses contrários, na designação de Arnold Hauser, são “um reflexo direto da divisão dentro do indivíduo e sua alienação do mundo”12. E, valendo-me dessa “divisão” a que alude Hauser, note-se que essa expressão, agora, traz um novo sentimento: o do “eu dividido” e o do “eu perdido”, em função da coita do amor. O “eu perdido” revelado pelo poeta palaciano é aquele que, perdendo seu objeto de paixão ou por ele desprezado, não se encontra consigo mesmo, como enfatiza o Coudel-mor na defesa do suspirar do processo amoroso que abre o CGGR:

“Ha tanto que sam metido / naquesta triste demanda, que me vejo destroido, / perdido mais que perdido / com meu mal que nam s'abranda”; ou Henrique de Sá, no vilancete seguido de trovas nº 441, cujo mote diz: “No sé porque Dios me dio / los ojos con que os vi, / pues con elhos me perdi”, e na pergunta retórica do Conde do Vimioso, no poema 571, “Que posso dizer de mi / que chegue ao que sento, / pois por ver-vos me perdi / e depois que vos nam vi, / vi dobrado perdimento?”

7Na cantiga seguida de uma trova, nº 771, Aires Telez diz que a fez “um dia que todo se desaveo”. Nesta composição, o sentido de “desavir” é “indispor-se; pôr em desavença”; em outras palavras, é estar perdido como revela no mote: “Desejando sempre vida, / foi gram dita nam na ter / pola agora nam perder.”; depois de desenvolver o tema, vem-lhe em ajuda o Conde do Vimioso, que intensifica o sentido da perdição por sua antítese, armando um silogismo bem ao gosto da argumentação:

Quando vida desejei

nam entendia viver

qu'era cousa de perder

o qu'em perder me guanhei.

5 Mas agora que o sei,

a vida que hei-de ter,

tê-la-ei sem na querer. (Grifos meus)

8Registre-se, ainda, que o “eu perdido” não se revela apenas nos poemas de cunho amoroso, surge também em inúmeras composições cuja temática central é o desconcerto do mundo, que faz o poeta balançar entre o passado concreto e o futuro incerto. Um exemplo disso encontra-se na estrofe que segue, do poema misto nº 795, de Henrique da Mota, em que o próprio poeta glosa outro seu vilancete, ambos de cunho existencial: “Quem cuidar nesta mudança / qu'este triste mundo faz, / achará que nele jaz / a maior desconfiança. / E pois nunca dá bonança, / sem temor de se perder, / gram trabalho é viver.” Nos poemas aqui citados e analisados, comentou-se do “eu dividido”, ou desavindo, para usar a terminologia que os próprios poetas empregavam. Recordem-se a antológica cantiga de Sá de Miranda, “Comigo me desavim” (nº 415), a esparsa 539 de Duarte da Gama, a cantiga 817 de Manuel de Goios e, dele também, o poema misto 816 em que, numa das estrofes, desabafa, no mesmo tom da cantiga de Miranda:

Mas ter a morte perdida

nam me tira de perigo,

pois quem é de si imigo

mais se recea da vida.

A quem com ela ficou,

quando da morte gostar,

se pode bem preguntar

qual delas mais o matou. (Grifos meus)

9Essa nova casuística também vem eivada de egocentrismo, particularidade que não se relega apenas a essa fase da Literatura, é óbvio, mas que nela se exacerba, chegando, muitas das vezes, ao fingimento de sua coita, como se vê no poema de Diogo Brandão nº 361, cuja didascália traz justamente a expressão “fingimento de amores”, além de, numa estrofe do poema 577, Francisco da Silveira declarar que, “quem quiser / d'amores querer alguem, / fengido lhe queira bem”, reproduzindo ambos o que pregava Juan Alfonso de Baena em seu prólogo: “que sea amador, e que siempre se preçie e se finja de ser enamorado” (Grifos meus).

  • 13 Michel Lauwers comenta que a lógica da acumulação de ritos relacionados à morte, nos séculos XIV e (...)

10Se o tema do amor assinala no cancioneiro resendiano uma pervivência e uma evolução, surgem alguns outros temas próprios do novo contexto dos fins de Quatrocentos e início de Quinhentos geralmente relacionados às Conquistas. Um deles, o desconcerto do mundo, principalmente, que provoca uma divisão e/ou perdição do “eu”, perplexo ante um mundo em descoberta e saudoso de uma época de moralismo idealizado, quando se obedeciam às regras da sobriedade e da solidariedade, pelo menos na visão saudosista dos poetas. Motivados por esse mundo às avessas, no poema 58, o poeta sente a vida como um cativeiro, no 92, faz uma crítica política e social, no 384, canta a tristeza, no 583, critica a soberba, no 646, exalta a liberdade, a vontade e o prazer e nos poemas 771, 788 e 834 filosofa sobre a existência e ainda no 412, sobre um sentimento resultante desse novo mundo: o desespero. Elencam-se, ainda, muitos poemas com temática religiosa, o que reflete as várias alusões de Garcia de Resende em seu Prólogo – a temática é sempre de cunho cristão, e não deixa de relacionar-se à velha luta contra os infiéis – muçulmanos e, em maior número, judeus; estes sempre aviltados nos poemas em que transparecem os preconceitos de raça. O poeta de Quatrocentos/Quinhentos dedica-se, ainda, a temas mais “novos”, por assim dizer, tais como alguns ligados à questão filosófica: a espiritualidade x a materialidade, vida x esperança, ventura x desventura e a existência; chama a atenção, também, o tratamento dado à morte não só naqueles poemas elegíacos, mas naqueles em que ela passa a ser motivo de reflexão13.

11Voltando à questão amorosa, María Luisa Castro Rodríguez, ao estudá-la como potência na poesia castelhana do século XV, revela que a memória está ligada à vida sensitiva e, logo, ao amor:

  • 14 CASTRO RODRÍGUEZ, María Luisa – “Las potencias animadas son de su poder quitadas”. In Avatares y pe (...)

La memoria es la potencia del alma asociada con la vida sensitiva, es decir, que está asociada con la percepción sensorial, pues a través de ella percibe los estímulos que formarán los recuerdos. De acuerdo con la filosofía neoplatónica, el amor surge a partir de la contemplación de la belleza, esta belleza se imprime en el alma sensitiva formando un recuerdo, lo que Aristóteles llama “imagen mental”, la cual permite experimentar lo que no está presente a pesar de no consistir más que en una representación o copia de la realidad. El amor, además, se vale de la memoria para que el sujeto reviva la presencia de la amada, incluso en ausencia, de manera que la distancia del objeto amado no logra alterar ni disminuir el efecto del amor, sino que, por el contrario, lo refuerza, en tanto que “como un retrato, la imagen mental trae a la mente a alguien que, por definición, no está presente y su función en estas circunstancias es la de recordar o regresar a nosotros su original”(Mary Carruthers).14

Os tropos e as figuras retóricas ligadas ao amor

12Como dito supra, o amor cortês prevalece no CGGR, mas mostra, já, uma evolução neste sentimento – tanto em termos do conteúdo desenvolvido pelo poeta amante, quanto na forma inovadora que agora ele o expõe. Nesta seção, proponho elencar os recursos retóricos usados pelos poetas palacianos que se valem de elementos eruditos propostos por retores antigos e coetâneos. Além de uma breve exposição dos tropos e figuras, passo em seguida a apresentar versos e estrofes em que esses recursos são aparentes (no máximo cinco para cada um/uma, exceto nos registros em que a extensão não o permite, cujos exemplos se explicam por si sós). Note-se que tomei esses nos poemas de formas mistas, apesar de que, é muito claro, eles aparecem em toda a compilação.

  • 15 ARISTÓTELES – Retórica. Intr., trad. y notas Alberto Bernabé. Madri: Alianza, 2005 (Clásicos de Gre (...)

13A amplificatio, em toda a poesia medieval, é uma das recorrências de maior destaque, uma vez que o exagero ou atenuação parecem fazer parte da mentalidade do poeta. Já Aristóteles comentava que “de los argumentos comunes el más familiar a los discursos de exhibición es la amplificación”15. O amor que o poeta sente é o maior de todos, bem como o sofrimento extremado que lhe causa a impossibilia de possuir seu objeto, por motivos dos laços sociais, hierárquicos – quando, por exemplo, ama a senhora de seu senhor, ou ainda porque a dama o despreza –a dame sans merci, ou também por estar distante daquela que quer bem. Mas não se restringe a figura às questões amorosas – tudo é pretexto para engrandecer um objeto, um fato, um sentimento.

  • 16 QUINTILIAN Institutio Oratoria. With An English Translation. Harold Edgeworth Butler. Cambridge, Ma (...)
  • 17 QUINTILLIAN - Institutio Oratoria, VIII, VI.
  • 18 QUINTILLIAN - Institutio Oratoria, VIII, VI.

14Quintiliano deixou a hipérbole para o fim de seu Livro VIII; é para ele uma elegante forma de alterar a verdade e pode ser usada de variadas maneiras: pode-se dizer mais do que os fatos em si; pode-se exaltar o tema através de um símile ou por comparação; ou dando indicações e mesmo empregando-se uma metáfora16. Pode-se incrementá-la adicionando a ela outra; seu inverso, a atenuação, é usada da mesma maneira que o exagero.17 Adverte, no entanto, para o fato de que certa proporcionalidade deve ser observada, pois “although every hyperbole involves the incredible, it must not go too far in this direction, which provides the easiest road to extravagant affectation”, e, dessa forma, “our audience may refuse to believe”; mas pondera que a “hyperbole will often cause a laugh”18.  Complementa, dizendo que

  • 19 QUINTILLIAN - Institutio Oratoria, VIII, VI.

Hyperbole is employed even by peasants and uneducated persons, for the good reason that everybody has an innate passion for exaggeration or attenuation of actual facts, and no one is ever contented with the simple truth. But such disregard of truth is pardonable, for it does not involve the definite assertion of the thing that is not. Hyperbole is, moreover, a virtue, when the subject on which we have to speak is abnormal. For we allowed to amplify, when the magnitude of the facts passes all words, and in such circumstances our language will be more effective if it goes beyond the truth than if it falls short of it.19

  • 20 FARAL, Edmond – “La disposition". In FARAL, Edmond – Les arts poétiques du XII.e et du XIII.e XIII. (...)

15Edmond Faral comenta que o termo “amplificação” vem de longe, já era empregado pelos retores da Antiguidade, mas na Idade Média adquire uma acepção nova – desenvolver, alongar uma matéria. Em Geoffroy de Vinsauf, Évrard l’Allemand e John de Garlande afirmam que “l’amplification est la grande chose” e dela existem oito processos: interpretatio e expolitio, perífrase, comparação, apóstrofe (e seus ornamentos: exclamatio, conduplicatio, subjectio e dubitatio; e suas variedades: exclamatio, conduplicatio, subjectio, dubitatio e interpretatio, para Garlande), prosopopeia, digressão, descrição e oppositum.20

16Heinrich Lausberg comenta que a função principal da amplificação do discurso ou do pensamento é o aumento (vertical).

  • 21 LAUSBERG, Heinrich – Elementos de Retórica literária. Trad. R. M. Rosado Fernandes. Lisboa: Fundaçã (...)
  • 22 LAUSBERG, Heinrich – Elementos de Retórica literária. pp. 106-107.
  • 23 LAUSBERG, Heinrich – Elementos de Retórica literária. pp. 107-109.

17A execução deste aumento vertical pode dar como resultado um alargamento (horizontal) da expressão. Portanto, o que verticalmente se aumenta é a matéria do discurso ou de um pensamento, que serve para o seu tratamento, facto esse que geralmente acarreta um alargamento da formulação linguística; por outro lado, chama-se a amplificatio que diminui minutio, attenuatio suspicionis.21 Explica, ainda, que o mais elevado grau da vivência de valor é a sublimitas – estilo sublime que emprega palavras e expressões elevadas, enérgicas ou veementes, próprias para dar força e grandeza aos pensamentos e que, dessa forma, amplificação é “discurso pelo qual se engrandece o assunto de que se trata, ou seja, desenvolvendo-o mais, ou adicionando-lhe ornatos, argumentos etc., ou exagerando”22. No tocante à execução, Lausberg distingue quatro genera amplificationis: incrementum, comparatio, ratiocinatio, congeries,23 alguns dos quais pode-se encontrar no CGGR.

  • 24 María Rosa Lida de Malkiel dedicou boa parte de seus estudos a essa tópica; num deles comenta: “la (...)
  • 25 “El ENLACE de Dios y Natura (al cual se agrega a veces Amor, al modo provenzal [...], a veces el ar (...)
  • 26 Casas Rigall trata de todas essas hipérboles em CASAS RIGALL, JuanAgudeza y retórica en la poesí (...)

18Casas Rigall comenta sobre a superlatio a qual, além de ser uma metáfora vertical pode ser também gradual; no cancioneiro amoroso é o amor hiperbólico que raia ao paroxismo. Dá como exemplos uma hipérbole do “indizível”, quando o poeta não encontra palavras para ponderar seu estado de ânimo; o “sobrepujamento”, quando o poeta usa como comparação aquelas pessoas que superaram a outras nessa matéria ou quando a dama é comparada aos feitos dos deuses, como nos casos de um “exemplum mitológico”, quando a dama é a mulher mais bela, e ele o mais desgraçado, ou ainda quando a beleza da dama é uma obra de Deus24. O mesmo ocorre quando a dama é obra perfeita da Natureza ou ainda de Deus em conjunto com aquela25; as virtudes da dama ou os sofrimentos do amador relacionados a situações sacras denominam-se “hipérbole religiosa”, em que o poeta se vale de um exemplum para referir-se à dama. Há ainda a amplificatio numérica em que a multiplicação é a referência, além daquela que o estudioso cita como exemplo o do poeta que considera a amada uma “dame sans merci” – a tão grande beleza dela é comparada à sua também grande crueldade26. Dos exemplos no CGGR, a hipérbole numérica é a mais recorrente:

Y a quien dezir devria / halhome tan temeroso / que mil vezes en el dia / dezirle mi mal podria, / ojos tristes, y no oso. (CGGR, 140, I);

Dond'estás que no te veo, / ¿qu'es de ti, esperança mia? / A mi que verte deseo / mil anhos se me faz ũ dia. (CGGR, 192, I);

Y con esta turbacion / do mil consejos rodeo, / que te fuya mi passion / me concluye la razón… (CGGR, 192, I);

E posto qu'haja mil anos / que nom chego a vos olhar, / nom creais que ham-d'acabar / sem a vida meus enganos. (CGGR, 462, II);

Per ventura com mudança, / como mil vezes se ordena, / prazer se troca por pena / ou outra maior s' alcança. (CGGR, 462, II).

19Há muitas recorrências à amplificatio ligada ao tempo (horas, dias, anos), como nos exemplos:

- ¿Do está la mi senhora? / No biviree sola un'hora, / cierto es que moriree. (CGGR, 141, I);

No reposo noche e dia, / em todo lo despoblado / no puedo caber coitado. (CGGR, 395, II);

Mas é tamanho o mal meu, / ũ ano e meio ha agora, / que sam sandeu / por ũa minha senhora, / que nunca me quis por seu. (CGGR, 573, III).

20Nesse poema, em especial, a hipérbole se dá em grande medida com palavras relacionadas ao tempo;

Saiba-se que digo [eu] / cada dia e cada hora / que nam sam meu, / mas sam todo da senhora / Dona Felipa d'Abreu. (CGGR, 573, III);

Será primeiro o meu, / que ja nunca tem ũ hora / de descanso polo seu / daquesta nossa senhora / Dona Felipa d'Abreu. (CGGR, 573, III).

21Um exemplo de amplificação por incrementum, verifica-se em:

Triste ¿que seraa de mi? / que miree tu gran beldad, / que temo desque te vi / no pierda la libertad. (CGGR, 139, I).

22Algumas dessas figuras usam a gradação para amplificar o estado de espírito do poeta; aproxima-se da congeries comentada por Lausberg:

Siempre mi pena empeora, / siempre crece mi cuidado, / pues sin vos desventurado / no biviree sola un'hora. (CGGR, 141, I);

E mui cubertas de luto / mostrareis, senhoras todas, / gram sentido, / chorareis por mi mui muito, / oulhai bem pera que vodas / vos convido. (CGGR, 216, II);

No reposo noche y dia, / momento, punto ni hora, / ni bivo como queria, / porque la ventura mia / sempre mi mal empiora. (CGGR, 395, II).

23O poeta ainda amplifica seus sentimentos em relação ao espaço físico ou por extensão deste:

No puedo caber coitado / en todas estas montanhas, / todo ando afortunado, / muy ardido y debrasado / del fuego de mis entranhas. (CGGR, 395, II);

Por nam cair em certeza, / nam falo na fermosura, / em manhas nem gentileza, / pois daqui atee Veneza / nam naceo tal criatura! (CGGR, 574, III).

24O exemplo também se liga à questão do sobrepujamento;

Todos meus dias perdi / em buscá-la, / Castela, França corri, / outras mil terras que vi, / sem achá-la. (CGGR, 575, III).

25Além de espaço, liga-se a figura à numeração e à gradação, aproximando-se da congeries.

26O amor provoca no poeta uma total desalienação que o faz perder a razão ou a si mesmo:

Y ando loco sin seso, / deseoso sin ventura, / de mil passiones aceso / todo mi plazer despeso. (CGGR, 192, I).

27Neste exemplo, a hipérbole numérica é resultado de um amor que deixa o poeta louco, tanto que aumenta o sentido de loucura pela sinonímia “sin seso”;

Mis cuidados som crecidos / desd'el dia que os vi, / pues en veros me perdi. (CGGR, 441, II);

Meu mal remedio nam tem, / a dor disto é desigual, / mas em mim nam ha mais bem / que esperança de seu mal. (CGGR, 574, III).

28Não é incomum o exagero estar ligado à morte:

Eu vivo tam enleado / com tam mortais desfavores, / que ando maravilhado, / e pasmado, / porque me mato d'amores. (CGGR, 573, III);

Se ja nam fora tomado / d'amor mortal que me tem, / segundo pareceis bem, / cos vossos fora contado. (CGGR, 573, III).

29São exemplos de hipérboles por sobrepujamento:

Esta tem mais perfeiçam / de quantas no mundo sento, / polo qual, que de paixam / é sofrida com rezam / por seu gram merecimento. (CGGR, 573, III);

Est'ee o cabo dos louvores / que a dama se podem dar: / minha senhora a louvar, / sendo a maior das maiores. / Oo que primor de primores / ũa dama tam fermosa / louvar a gram Perigosa! (CGGR, 574, III);

Ũa me parece bem, / nam sei se dizeis por ela, / que se bem quiserdes vê-la, / nam vos lembraraa ninguem. / Tanta jentileza tem, / tam fermosa é, quando quer, / qu'ee muito mais que molher. (CGGR, 582, III).

30Em sendo muito mais do que mulher, a dama é comparada a uma deusa.

31Hipérboles em que a dama é uma obra prima feita por Deus:

A vós soo quis Deos fazer / desigual em fermosura, / por nos dar a nós tristura / e [a] nossos olhos prazer. (CGGR, 436, II);

Fermosura tam sobeja / lhe deu Deos qu'antre nós / que nam sei quem na bem veja / que nam diga como vós. (CGGR, 573, III);

Novos modos de dizer / se deviam de buscar, / pois que Deos pera a fazer / trabalhou polos achar. (CGGR, 574, III);

Porque quem em vós falar / pode muito bem dizer, / sem errar, / que soo Deos tem o poder, / senhora, de vos louvar. (CGGR, 580, III).

32Observe-se o poder que tem também a dama, pois só Deus a pode louvar;

S'esta senhora vos veio / mostrar seu parecer, / [f]oi porque houve Deos receo / de O ela preceder / e a lá quisesse ter. (CGGR, 580, III).

33A audácia – parodiando Quintiliano ao definir figura – do poeta revela-se no receio divino em relação à dama.

34Exemplo em que a dama é uma obra prima feita pela Natureza:

Que saber que sabe nada / conhecer-se sem poder / i isto tanto saber / ca ind'estaa por nacer / pessoa tam acabada. (CGGR, 580, III).

35Hipérbole da “dame sans merci”:

Como saarará meu mal / quem folgou de mo fazer / e folga de me perder, / cuidando que pode ser, / devendo de cuidar al? / E por mais certo sinal, / enquanto vida tiver, / nom verei outra molher. (CGGR, 582, III).

  • 27 LAUSBERG, Heinrich – Elementos de Retórica literária. p. 106. Difere-se da ratiocinatio discriminad (...)

36Quando se refere à amplificatio, Lausberg diz que, enquanto uma sucessão de acontecimentos ainda não está terminada, os afetos “esperança e medo” (spes et metus), que têm um grau reduzido de violência, pertencem ao pathos (na tragédia, na comédia, na narração).27 No exemplo que segue, parece-me uma amplificação como a descrita pelo estudioso:

O temor demasiado / do mal que por mim s'espera / me faz que ja o quisera / ter passado. / E faz-me que minha vida / nom descansa nem repousa, / com desvairos d'ũa cousa. (CGGR, 578, III).

37Nesta breve mostra da amplificatio, superlatio ou simplesmente hipérbole – quando se intensifica um sentimento, principalmente na matéria aqui apresentada – a da temática amorosa, percebe-se que os palacianos não mediram esforços para intensificar seu sofrimento. Raramente este sentir é de regozijo, alegria. Se se pensar que a expressão se dá em relação a qualquer parte do eu poético, externa ou interna, a figura tende a manifestar um ser completo que sofre. Ora através dos olhos e ouvidos, ora através da mente que o leva à sandice, à desalienação ou ao desejo de morrer. Essas expressões pontuadas com exagero pelo poeta aparecem de forma linear ou gradativa, esta, parece, incrementa a dor. Em qualquer espaço físico, essa dor se manifesta, o que lhe faz um ser estranho – pelo menos para si mesmo – que, logo, se sente perdido. Também de uso frequente, é a da prosopografia de sua dama: ora uma obra prima de Deus, ora da Natureza, que, talvez a transforme numa dame sans merci, logo, provoca o sofrimento do eu lírico. É óbvio que, em se tratando do amor cancioneiril, o resultado da coita é a morte ou o desejo de morrer, o que leva a se relacionar este desejo àquele cantado nas cantigas de amor trovadorescas. Enfim, como diz Quintiliano, todos temos uma paixão inata pelo exagero – e pela atenuação – pois ninguém está contente com a simples verdade.

  • 28 CASAS RIGALL, Juan – Agudeza y retórica en la poesía amorosa de cancionero, pp. 67-68.

38Casas Rigall comenta que a metáfora, “transferencia trópica por analogía", pertence ao âmbito dos verba singula e é constituída por uma palavra isolada ou, valendo-se de Lausberg, por uma construção perifrástica; diz ainda que “cuando el proceso trópico-analógico sea sostenido a través de dos o más asociaciones de idéntico dominio semántico se hablará de alegoría o permutatio28. O estudioso elenca cerca de vinte espécies dessas metáforas, uma vez que sua pesquisa se centra nos cancioneiros de amor, muitas das quais podem ser encontradas no CGGR e serão elencadas em seguida.

  • 29 João Adolfo Hansen diz que “na poesia da agudeza, uma coisa ou tópica da invenção pode ser signific (...)

39Metáforas relacionadas aos olhos29:

Culpa bienaventurada, / senhora, devo lhamar / a la que em os mirar / tiene mi vista turbada... (CGGR, 441, II). A vista é turvada pelas lágrimas do poeta amante;

Ainda que s'isto faça / pera m'a mim soo matar, / quem nam ha-de perdoar / olhos de garça? (CGGR, 572, III).

40Estudos sobre a ação dos olhos no conceito de amor na Idade Média são muitos. Faço uso de interessante artigo (2021) de María Teresa Miaja de la Peña em que diz sobre os sentidos emanados pelos olhos (e ouvidos, como se verá):

  • 30 Massimo Marini diz que “el amor hereos es un tópico cuyo origen se puede rastrear en la literatura (...)
  • 31 MIAJA DE LA PEÑA, María Teresa – “’Trayes los omnes çiegos, que oyen tus loores’. La función de los (...)

el acto visual cumple una primordial función en la que se planta la semilla del deseo, de la elección y, a través del oído, germina la aceptación y la entrega. De ahí que se haya llegado a destacar la presencia de referencias a la visión y a la mirada, y al oído y al peligro de escuchar en la literatura medieval. Procesos descritos como enamoramiento ex visu en el que la atracción nace al ver una imagen, un retrato de la dama o ella misma, tópico frecuente en este tipo de obras y en otras que tratan del amor hereos30. Deseo y pasión incontenibles que entran por los ojos antes que por cualquier otro sentido, en tanto el amor entra al alma del amado por los ojos31.

41Metáfora relacionada ao coração:

- O coraçam se me faz / em pedaços! / E canta mui entoada / esta letra que no coos / traz cosida: Da morte sam lastimada, / porque sempre contra vós / fui na vida! (CGGR, 216, II).

42Metáforas carcerárias:

Triste ¿que seraa de mi? / que miree tu gran beldad, / que temo desque te vi / no pierda la libertad. (CGGR, 139, I);

Y con esta turbacion / do mil consejos rodeo, / que te fuya mi passion / me concluye la razon, / mas al fim cativo creo, / segum el luengo cimiento / del gran amor, que me guía… (CGGR, 192, II);

Que nam vos fez Deos fermosa / pera matar nem mateis, / mas quanto mais poderosa / deveis ser mais piadosa / cos cativos que prendeis. (CGGR, 564, III);

Bem vejo o risco que corro / naqueste meu cativeiro, / mas sam seu tam verdadeiro, / qu'inda que me dêm dinheiro / nam quero dele ser forro. (CGGR, 582, III).

43O poeta expressa certo masoquismo, pois, pela metáfora, quer ficar preso no amor.

44Metáforas relacionadas à morte:

Leixeis-nos toda trestura / levais-nos toda alegria, / ditosa foi a ventura / de quem vio a sepultura / primeiro que tam mao dia. (CGGR, 171, I);

Por isso ũu saimento / me façam, pois que fez fim / meu conforto, / ataude e moimento, / os sinos dobrem por mim, / que sam morto. (CGGR, 216, II);

É rezam que vos lembreis, / pois ver-vos nam nos deixais, / senhoras, que perdereis / as vidas que nos tirais. (CGGR, 571, III);

As vidas seram perdidas, / nós seremos os guanhados, / pois que sendo vós servidas / nos livramos dos cuidados. [...] / Oo, nam nos desempareis, / oo senhoras, nam percais / todo bem que nos fazeis / p[o]is que vendo nos matais! (CGGR, 571, III).

Esse poema todo é calcado nas metáforas colocadas nos últimos versos de cada estrofe e do mote;

Grande mercê quis fazer / só a quem quis descobrir / a groria que é perder / a vida por vos servir. (CGGR, 579, III).

45Neste exemplo, há também metáfora feudal realizada pelo verbo “servir”.

46Metáforas relacionadas ao fogo, em poema amoroso:

Nom me es tu, coraçam, / no seo menos que brasa, / buscas minha perdiçam / e es-me nisso um ladram / que sab’os cantos da casa. (CGGR, 179, I);

Sam por ela tam perdido / e por seu gram merecer, / que, a meu ver, / da chaga que sam ferido / jaa nom posso guarecer. (CGGR, 573, III).

47Metáforas bélicas:

Comigo mismo guerreo, / si desamar te podria, / mas al fim cativo creo / quedar de tu senhoria. (CGGR, 192, II);

Em tudo nova maneira / tomou meu bem d'acabar, / em levantando a bandeira, / comprio logo de baixar. (CGGR, 576, III).

  • 32 DIAS, Aida Fernanda – Cancioneiro Geral de Garcia de Resende Dicionário (Comum, Onomástico e Topo (...)

48O termo “levantar bandeira” significa “tomar partido”, “mover guerra”; em sentido figurado significa “vencer, conseguir o seu intento, como quem vai escalar praça murada”32. Percebe-se nestes versos uma alegoria, neste caso “breve”;

Que perder a liberdade / que tinha quem a mim tem / nam sei como nem por quem / a tantos faz crueldade. / É guerra grande, inteira, / qu'a mim haa-de guerrear, / pois fui levantar bandeira, / que comprio logo abaixar. (CGGR, 576, III).

49Quanto à primeira metáfora, liga-se à “carcerária”; quanto à segunda, veja-se o exemplo anterior.

50Metáfora pictórica:

Toda fermosa nacida / ha-de morrer de tristeza, / pois toda arte de lindeza / soo de vós é possoida. (CGGR, 436, II).

51Metáforas gastronômicas:

Quant'eu goosto de vos ver, / a face vo-lo diraa / e no talho se veraa / o que engordo com prazer. / Nem assado, nem cozido, / nem manjar que me fizera / ser mais ancho que comprido, / se vos eu nam conhecera. (CGGR, 568, III);

Sam tam altas d'entender / as duçuras qu'em vós jazem, / que se nom podem dizer / em quantas trovas se fazem. (CGGR, 569, III).

52A metáfora, neste exemplo, é sinestésica.

53Metáforas ligadas às enfermidades provocadas pelo amor:

Meus olhos sam agravados / da vida que têm tomada / e nam podem ser curados / senam com agua rosada, / o que nam lh'aproveita nada, / porque sam de tal feiçam / que me dá muita paixam. (CGGR, 572, III);

O remedio dos vencidos / é a causa de seu mal, / sendo com'esta qu'ee tal / qual nunca viram nacidos. (CGGR, 574, III).

54Metáforas feudais, geralmente centradas no verbo “servir” e suas flexões ou derivações:

Si el que más te servir / com fee, amor y lealtad, / mayor pena ha de sofrir, / por mi mal puedo dizer / que miree tu gran beldad. (CGGR, 139, I);

De quantos vossa crueza / tem lançados a perder / e vidas fazeis sofrer / tristes mais que a tristeza, / por se mais vingar de vós / quem mais servida vos tem, / que milagre faria Dios / se penasseis por alguem. (CGGR, 180, I);

Ansi qu'esta mi tristura, / ansi que los mis pecados, / ansi que mi desventura, / ansi que tu desmesura, / ansi que los olvidados / tus prometimientos vanos / y falsos y desleales / ma haran morir a tus manos, / pues juzgas por tan livianos / mis servicios desiguales. (CGGR, 414, II);

Pois isto que Deos vos deu / nos podeis tirar nũ hora, / é sandeu / quem vos nam serve, senhora / Dona Felipa d'Abreu. (CGGR, 573, III);

Quem bem tiver na memoria / toda sua gentileza, / é cousa muito notória / haver por grande vitoria / sofrer por ela tristeza. / Polo qual m'afirmo eu / que qualquer que se namora / é sandeu, / se nam serve a senhora / Dona Felipa d'Abreu. (CGGR, 573, III).

  • 33 LAUSBERG, Heinrich – Elementos de Retórica literária, p. 247.
  • 34 CASAS RIGALL, Juan – Agudeza y retórica en la poesía amorosa de cancionero, p. 79.
  • 35 PAIVA, Dulce de Faria – História da Língua Portuguesa. II. Século XV e meados do século XVI. São Pa (...)

55Metáforas relacionadas às navegações; conforme Lausberg, este tipo de metáfora é alegórica e é comum da consuetudo escrita e/ou oral33; Casas Rigall usa a expressão “metáfora marítima”34, para designar esse tipo de metáfora. Segundo Dulce Faria Paiva, há no CGGR emprego bem variado de recursos estilísticos, notando-se, em algumas composições, muitas metáforas de origem náutica, talvez por influência do ambiente histórico, pleno de notícias relacionadas às conquistas ultramarinas.35”.

El qual es seguro puerto / de lembrança tan sentida, / galardam, descanso cierto, / que tarda por no ser muerto. (CGGR, 282, II);

Como quem naveg'aa toa / contra vento vai d'espaço, / assi vai minha pessoa / na vossa pondo a proa, / temendo dar no adarço. (CGGR, 535, III);

Cuidar em dar-vos louvores / é lançar agua no mar, / sem jamais nunca chegar / a vossos grandes primores. / Mas sei que quem bem sentir / fará o qu'hei-de fazer, / qu'ee morrer por vos servir / e sem isso nam viver. (CGGR, 579, III);

56Além da metáfora ligada às navegações, observe-se a metáfora da beleza feminina e a da morte;

Mas porem nam na quis dar / tam barato qu'escusasse / de passar, quem na buscasse, / grandes tormentos d'amar / antes qu'a porto chegasse. (CGGR, 579, III).

57Metáfora arquitetônica:

Senhora graciosa, discreta, eicelente, [...] perfeita bondade, inteiro enxempro, sogeita à verdade, verdadeiro tempro virtude vos acha consigo costante. (CGGR, 45, I).

58Neste poema todo, um labirinto em forma de esparsa de palavras, o coudel-mor Fernão da Silveira vale-se da metáfora da beleza e da crueldade da dama e, nos últimos versos, compara as virtudes dela a um templo.

  • 36 COHEN, Jean – Estrutura da linguagem poética. 2. ed. Trad. José V. Aragão. Lisboa: Publicações Dom (...)
  • 37 CASAS RIGALL, Juan – Agudeza y retórica en la poesía amorosa de cancionero, p. 80.

59Para Jean Cohen, “o recurso fundamental de qualquer poesia, o tropo dos tropos, é a metáfora sinestésica, ou semelhança afectiva”36. A sinestesia é, de acordo com Casas Rigall, uma “suerte de metáfora que radica en una transposición sensorial”37, valendo-se dos estudos de L. Schrader – consiste, em outras palavras, na fusão de dois ou mais sentidos numa elocução. O estudioso constata que seu uso nos cancioneiros amorosos é restrito e isso se verifica, também, no de Garcia de Resende, como se pode ver:

Neste canto dolorido / desta ausencia que poseo, / con este negro d'olvido, / es gran cuidado venido / a mi que verte deseo. (CGGR, 192, II);

Nam seria muito mal, / se nam levasseis burel, / ũ chouriço por firmal, / qu'em Portugal / nam ha tam doce joel. (CGGR, 589, III).

60“Joel” significa joia, logo fundem-se o visual e o gustativo;

Levareis por almofada / ũ mui grande camareiro, / em que vades assentada, / perfumada, / pera vós de lindo cheiro. (CGGR, 589, III);

Quem havia lá, senhor, / d'enventar essa frieza, / senam quem de natureza / era frio e sem sabor. (CGGR, 597, III);

Nessa vossa fremosura / quem acharaa que dizer, / pois soes doce para ver / e todo al é pintura. (CGGR, 865. IV).

  • 38 CASAS RIGALL, Juan – Agudeza y retórica en la poesía amorosa de cancionero, p. 157.
  • 39 CASAS RIGALL, Juan – Agudeza y retórica en la poesía amorosa de cancionero, p. 156.

61Casas Rigall ainda comenta que o exemplum literário não é muito frequente nos cancioneiros que ele analisou – “las tradiciones que, en este sentido, más ilustraciones brindan son el romancero y la narrativa de ficción”38. Cita ainda que há exempla em que Macias, o arquétipo do amador desafortunado, é o centro das analogias39, como se pode constatar também no CGGR:

Narciso, Mancias morrerão / de soo cuidados vencidos! / Oh, quantos ensandecerão / mui sesudos, que perderão / com cuidados seus sentidos! (CGGR, 1, I);

62Além de Macias, alude o poeta à personagem mitológica de Narciso;

Se o dissesse Oriana, / e Iseu alegar posso, / diriam quem se engana, / que sospiros sam oufana, cuidado, quebranto nosso. (CGGR, 1, I);

Bem posso eu com razam, / por ser dos orfãaos juiz, / aceitar a tal auçam, / o direito assi o diz / nas Sergas d'Esprandiam. / E também por nam cuidar / nos meus beens, que se me perdem, / pois ando tam devagar / quero, Senhora, ordenar / qu'esta orfãa nam deserdem. (CGGR, 803, IV).

  • 40 DIAS, Aida Fernanda – Cancioneiro Geral de Garcia de Resende Dicionário (Comum, Onomástico e Topo (...)

63Alusão ao 5º Livro de O Amadis de Montalvo, cuja primeira edição com as Sergas é de 1508. Sergas significa “feito grandioso”; Esprandiam é o filho de Amadis40.

64Outra alusão muito usada é aquela em que se compara um sentimento, geralmente o amoroso, às navegações:

Como quem naveg'aa toa / contra vento vai d'espaço, / assi vai minha pessoa / na vossa pondo a proa, / temendo dar no adarço. (CGGR, 535, III).

65A metáfora parece ser a figura mais presente na criação literário, pelo menos. Desde a divinização da palavra e do conceito por Aristóteles, sua recorrência é tão frequente que não se iguala. Seu uso não se restringe ao feito pelo vulgar, pelo contrário, é venerada pelos poetas. Foi significativa a amostragem dela no CCGR, apesar de se ter restringida apenas nos poemas de formas mistas. A transferência de um nome para outro – especificamente aqui o sentimento – a metáfora torna-se parte de um discurso poético de enriquecimento da linguagem, propósito primeiro da elocução retórica. Assim como na amplificatio, a metáfora se apresenta em vários campos da poética do Cancioneiro: ela esconde as lágrimas do poeta amante; destaca-se na visão, no olhar e no ouvido, escondendo o desejo e a paixão incontidos; entra pelos olhos que recebem a alma do amor. Parece claro, então, que essa entrada implica uma reação no coração do amante que, impossibilitado de possuir seu objeto de amor, sofre, assim como sofriam os trovadores antigos. Na questão desse amor expresso pelo poeta, o sentimento torna-se masoquista, pois, metaforicamente, quer ficar preso ao amor. Também a morte e o fogo, como visto em alguns exemplos, são recorrentes no sentimento amoroso. E é através da metáfora feudal que o poeta amante se rende à beleza da dama que o faz servi-la, tendo-a como imagem pictórica do amor.

  • 41 A esse tipo de alegoria, Casas Rigall denomina “alegoria legal.” CASAS RIGALL, Juan – Agudeza y ret (...)

66Também a alegoria, assim como muitos outros tropos e figuras, aparece de forma recorrente e em número razoável no cancioneiro resendiano. A mais frequente – não o poderia deixar de ser, uma vez que é a temática preponderante no CGGR – é relacionada ao amor. O processo do “Cuidar e sospirar” prima por ser a composição em que os ornamentos retóricos são usados em profusão e em agudeza – o próprio gênero, a disputatio, e seu discurso especificamente judiciário fazem dele o repositório de grande parte desses artifícios, mais ainda os engenhosos. Estando intimamente ligados, o cuidar e o suspirar, esses sentimentos têm por base a questão amatória. Eivado de exempla, conselhos e entimemas, as alegorias desse sentimento são a base de todo o processo, como se pode ver nos exemplos que seguem. Devido à sua característica, a alegoria será exemplificada pela estrofe em sua totalidade; há casos em que é necessária a amostra de mais de uma estrofe, para que se tenha ideia da alegoria, como no caso em que Deus do Amor é conclamado a dar seu o juízo a favor ou contra o cuidar e o suspirar; a sequência das trovas que aludem ao Deus do Amor resume sua longa participação no processo41:

Deos d'Amor em sa cadeira / cos de seu conselho estando, / vendo Jorge da Silveira / andar com Nuno Pereira / em seus males altrecando, / sabendo qu'esta perfia / ante vós s'aderençava, / quis dar forma todavia / como vossa senhoria / visse o que determinava.

67O pronome “vossa” refere-se a Dona Leonor da Silva, juíza do processo; após cientificar-se da “perfia” entre os partidários do cuidar e os do suspirar, seguem-se várias trovas, cantigas e vilancetes, as quais culminam na fala e na sentença do Deus do Amor, em que seu caráter alegórico é realçado. Na estrofe que segue, Nuno Gonçalves, secretário do deus, narra o mal que um homem sofre por amor.

Estando estoutro dia, / deos d'Amor desembargando, / veo ũu homem que gemia / bradando e se carpia, / dos olhos muito chorando, / dizendo: - Ouve, senhor, / ouve ũu tam grande mal, / ouve ũu tam grande error, / que se faz contra Amor / no reino de Portugal;

Fala deos d'Amor.

Deos d'Amor muito espantado / respondeo nesta maneira: / - Fala, fala, mais pausado, / conta-m'o feito passado, / todo bem pela carreira. / Se trazes enformaçam / ou trazes o mesmo feito, / forma nisso petiçam / e descanse teu coraçam, que logo haveras dereito;

Fala o autor.

E o qual como descreto, / avisado cortesam, / tornando a cor despeto, / acodio logo desperto / co propeo feito na mão. Dixe-lhe: - Senhor, verás / aqui ũu feito muito feo, / dentro nele acharás / cousas bem per que farás / grandes justiças arreo.

  • 42 Conforme Aida Fernanda Dias, o termo entende-se por “publicação. Acto de publicar ou efeito de publ (...)
  • 43 “Tençam” é sinônimo de exemplum para os poetas do CGGR.

68Após algumas trovas de “provicaçam”42 e de “tençam”43, o secretário recorre a Macias, Tarquínio, Juan de Mena e João Rodriguez de la Camara em defesa do cuidar. As intervenções são longas, feitas por trovas e cantigas. Somente como exemplo, tomem-se a “tenção” de Macias e sua “comparaçam”; isto é necessário pois, no CGGR, o sinônimo para “comparação” é alegoria ou símile, como se veem nos diversos exemplos do cancioneiro e nas trovas a seguir; o mesmo recurso é usado pelos outros três poetas a que recorreu o secretário:

Põe Mancias sua tençam.

Sospiros e sospirar, / messajeens d'atrebulado, / o meu mal podem mostrar, / mas nam me podem matar / como me mata cuidado. / Cuidar é ũa negrura / que nam tem consolaçam, / sospiros ũa folgura / qu'aliva minha paixam;

Sospirar nunca sessega, / vai e vem como sezam, / cuidado, despois que pega, / chupando no coraçam, / chupando todo prazer, / tira-lhe toda folgança, / fá-lo todo emnegrecer, fá-lo secar e morrer, / quando tem desesperança;

Comparaçam.

Vejo ũa grande fervura, / fervura d'agua viva, / se a panela bafura, / lança fora da quentura, / é certo que logo aviva. / A meu coraçam impiro, / que anda todo em fogo, / que al tem senam sospiro, / que al tem senam respiro, / porque nam se fina logo?

69Depois de várias “petições”, “deferenças” e alegações, Deus do Amor dá sua sentença a favor do cuidado e

Aqui assina deos d'Amor / a sua sentença.

Dez mil chagas, dez mil dores, / ũu soo bem com muito mal, / bravos fogos, mil ardores, / mil cuidados matadores / isto trago por sinal;

  • 44 Assim comenta Jole Ruggieri sobre o selo do coração do Deus Amor: “Visto su di uno sfondo che molto (...)

Selo do coraçam de deos / d’Amor, com que mostra / que sam amores44;

Ũu fogo que nunca cansa, / ũu amor de meu sentido, ũu fogo que nam s’amansa / ũu mal que nunca descansa, / de secreta dor ferido. / Mil agravos, mil despreços, / mil tristezas, mil cuidados, / mil achaques, mil começos, / mil antojos, mil empeços, / mil tormentos mui dobrados;

No milhor muitos embates, / abrolhos d’agudos pregos, / mil ceumes, mil rebates, / muitas raivas, mil combates, / e os olhos ambos cegos. / Mil desmaios, muitos medos, / esforços desconfiados, / desfavores d’olhos quedos, / muito mais bastos que dedos, / desconfortos magoados;

Mil desdenhos, mil quebrantos, / mil robores, mil vergonças, / mil beocos, mil espantos; / de gemidos sabês quantos? / mil quintaes e dez mil onças! / Mas o lindo namorado / Que lealmente guerrea / tem o grao mais esforçado, / mais limpo, mais esmerado / que comprido a Garrotea;

E despois de acabado / este negro encantamento, / vem ũu bem tam apurado, / ũu prazer tam graduado / em que mil ganha por cento. / Sua dama descaída / com amor mui aficado, / mea morta, esmorecida, / se outorga por vencida / em Galardam do passado;

Em que cobra toda grorea, / toda bem aventurança, / que milhor grorea, que vitorea, / que leixar grande memorea / de tal amor, tal folgança! / Que tam sabido prazer / e tam grande galardam! / Que digo que o entender / destas cinco copras sam / meu selo, meu coraçam.

70Nestas cinco “copras” – trovas – expressa o deus sua sentença a favor do cuidar, todas elas representativas da alegoria do amor. Observe-se que a alegoria é também formada por várias metáforas, o que acontece nessas estrofes; todo o desespero do amante está expresso também pela amplificatio, centrada em “mil” descrições.

71Como comentado insistentemente, o tema amatório percorre todo o CGGR, e creio ser interessante uma pequena amostra de outras alegorias relacionadas ao tema; elas podem ser denominadas “alegorias breves”, como registra Lausberg:

Coraçon desventurado, / tu que siempre me acompanhas, / bivirás desconsolado / vida con las alimanhas. / Las yervas siempre comiendo / mis lagrimas beveree, / mis males siempre gemiendo / tal consuelo me daree. (CGGR, 141, I).

72O poeta evoca o coração e prediz o sofrimento por que passará. Note-se que o “coração desventurado” é perífrase e personificação do próprio poeta;

Amor é conformidade / em toda cousa igual, / ũa gostosa amizade, / amor é ũa vontade / que nam pode querer al. / Amor nam sabe o que quer, / como pode desejar? / Amor nam pode querer / outra cousa senam ser / e em si mesmo estar. / / Desejo é ũu sintir / daquilo que pode ser, / sintir o qu'estaa por vir, / que obriga a servir / esperando merecer. / Como pode esperar / prazer quem por vós padece, / que, se bem nisso cuidar, / nam se pode desejar / cousa que se nam merece. (CGCGR, 260, II).

Nestas duas estrofes, o amor e o desejo, ambos em estrita relação, são definidos de forma alegórica pelo Conde do Vimioso;

73observe-se também o uso da definitio para indicar o que é amor;

Amorio m'haa robado / mi fuerça com su poder, / hame descanso quitado, / hame todo apartado / de lo que causa plazer. / Hame dado tanta pena / su fuerça y esquevidad / qu'a la muerte me condena / otra voluntad agena / que sierve mi voluntad. (CGGR, 395, II).

  • 45 DIAS, Aida Fernanda – Cancioneiro Geral de Garcia de Resende Dicionário, vol. VI, p. 746.

74Nesta estrofe – uma das dez de uma trova em décimas –, João Rodrigues de Castel Branco glosa o vilancete-mote de composição alheia, intercalando em cada uma um verso do vilancete; neste exemplo explicita-se a força do poder que o sentimento exerce nos servidores. Ele está personificado nas palavras “amorío”, enamoramento, amor45;

Alvaro Fernandez / d'Almeida.

O coraçam, quando tem / cuidado sem outro mal, / parece rezam igual / perguntar donde lhe vem. / Mas o meu, qu'ee sempre triste / e tam mal afortunado, / tem por descanso cuidado. (CGGR, 585, III).

75O poema é um vilancete-mote de Garcia de Resende, em que 13 poetas glosam o “propósito” lançado no mote do vilancete: “Coraçam, coraçam triste, / triste coraçam, coitado, quem vos deu tanto cuidado?” No exemplo, o poeta demonstra a conformação por ter em seu coração o mal do amor, tema em que o coração é a causa de todo cuidado;

Dom Pedro de Sousa.

Dama de tal perfeiçam / quem seraa o que nam quisesse, / por penas qu'ela lhe desse, / servi-la de coraçam? / E pois certo é sem par, / hei por cego quem nam assela / que se deve desejar / perder por ela. (CGGR, 608, III);

Jorge da Silveira.

Dama que todos aqueixe / se algũ nam traz contente, / desta quero em que me leixe / ser seu sempre firmemente. / Ca mais é pera folgar / de perder por tal donzela / do que é de recear / serviço dela. (CGGR, 608, III).

76Nestes dois exemplos, duas das 30 trovas que seguem uma cantiga em que Francisco da Silveira pede uma resposta ao seu mote: “Faz-se muito recear / de servir ũa donzela, / ver muita gente queixar / sempre dela.”, os dois poetas recorrem à alegoria do amor pela perfeição da dama e pelo serviço dela. As respostas começam por 13 damas, que são seguidas por 16 cortesãos, Silveira incluindo; o poeta Dom Carlos responde em duas trovas;

Reposta do Conde do Vimioso.

Quem diz qu'o meu coraçam / é de metal, / anda lonje de seu mal. / / Se metal quereis que seja, / lavra-se com gram fadiga, / funde-se de dor sobeja, / sam seus males sua liga. / Queira Deos qu'alguem persiga / este mal, / que o tem d'outro metal. (CGGR, 625, III).

77Este exemplo é um vilancete em que o Conde do Vimioso responde a Luís da Silveira, o qual comentava sobre o barrete com um coração de ouro que o Conde trazia; o coração de metal é pretexto para três contendores discorrerem sobre o mal do amor.

78Como visto nessas alegorias breves o discurso é o da definitio. Aviva Garribba escreve interessante artigo sobre essa figura retórica tirada do Ms. Corsini 625 que, apesar de pertencer ao século XVII, traz um poema de matiz medieval do século XV. Sobre o conceito de amor no manuscrito, escreve a estudiosa:

  • 46 Obviamente, isso se estende às definições de amor encontradas na literatura portuguesa da época, um (...)
  • 47 GARRIBBA, Aviva – “Una definición de amor en el Ms. Corsini 625”. In Avatares y perspectivas del me (...)

Como se sabe, los poemas que pertenecen al subgénero temático de la definición de amor se caracterizan por su propósito explícito de describir de forma detallada el sentimiento amoroso y sus efectos sobre quienes lo experimentan. Los poetas cancioneriles ven en la figura retórica de la definitio, constituida por “una suma de perífrasis o metáforas”, que constituyen un “instrumento muy apropiado para extraer nuevos matices de viejos conceptos” y la aplican ante todo el Amor y a su casuística, extendiendo a veces esta figura a lo largo del poema entero. La definición de amor, llevada a cabo de forma minuciosa, por un lado aprovechaba las doctrinas sobre la naturaleza del amor como el de Andreas Capellanus, por obras literarias como el Roman de la Rose y por la tradición poética provenzal e italiana. Así, pues, todas las definiciones de amor en la poesía castellana46 del s. XV manifiestan huellas más o menos marcadas de la teoría naturalista del amor que se estudiaba en las aulas universitarias, aunque, en general, sus autores se muestran más preocupados por el virtuosismo formal que por armazón teórico subyacente47.

  • 48 CASAS RIGALL, Juan – Agudeza y retórica en la poesía amorosa de cancionero, p. 81.

79Casas Rigall comenta sobre um tipo de alegoria em que o poeta faz um balanço dos gastos que teve com a empresa amorosa, e a denomina de alegoria econômica.48 O poema de formas mistas nº 803, outro processo judicial presente no CGGR, é representativo desta alegoria. Vasco Abul, ao ver uma “bailadeira” dançar, apaixona-se por ela e dá-lhe de presente uma “cadea d’ouro”, isto é, uma corrente de ouro. No entanto, a moça não quis devolver-lhe o presente. Abre-se, então, um processo em que se julga se o querelante agiu por avareza ou por amor. Sobre esse tipo de alegoria, Maria Isabel Morán Cabanas comenta que

  • 49 MORÁN CABANAS, Maria Isabel – Traje, Gentileza e Poesía, p. 457. A estudiosa cita, além do poema em (...)

no lado oposto a toda a beleza da galantaria, ao prestígio que supõe a morte por amor e a todo um código [...] de procedimentos cavalheirescos de origem cortês, por vezes deixa-se entrever nos textos satíricos do ‘Cancioneiro’ português o poder dos interesses e o carácter meramente prático e realista de certos comportamentos, aparecendo assim os presumíveis amadores fazer contas dos gastos acarretados pelo princípio de liberalidade estabelecendo entre as leis que devem reger no coração apaixonado49.

  • 50 Além do citado nas notas anteriores, Maria Isabel Morán Cabanas faz outro estudo pormenorizado dess (...)

80Vejam-se nas estrofes a seguir, como Vasco Abul narra suas despesas pela paixão a que se deixou levar; o processo todo é eivado de diálogos50, exempla e conselhos:

Fui lá muito na maa hora / nesta era! / Em hora que nam devera / vi bailar ũa senhora. / - Sei que foram isso brigas... / - Mas cuido que sam pecados! / Bem mereço eu mil figas / e fadigas, / pois que perco meus cruzados!;

Ũa gentil bailadeira / d'Alanquer, / fremosa, gentil molher, / me chofrou desta maneira: / por me nam parecer fea, / vendo-a bailar ũ dia, / lhe mandei por boa estrea / ũa cadea, / qu'eu no pescoço trazia;

Alexandre foi louvado, / porque foi mui liberal / e vós, se fizerdes al, / podereis ser mui tachado. / E pois ja o tendes dado, / dai ò demo este colar, / nam vos deve de lembrar.

81Começa o poeta com uma alusão a Alexandre, o Grande, quem considera “liberal”;

E porqu'isto se navegue / por ũ caminho mui santo, / a cadea se entregue / a est'orfãa entretanto / e o seu nom se lhe negue. / E pera maior firmeza / nomeamos a fiança, / se o manda Voss'Alteza: / o tesouro de Veneza / qu'ee açaz em abastança.

82Observe-se a recorrência a outra alegoria breve – a da navegação – nos dois primeiros versos;

O principio do cimento / assegura a fortaleza, / se o cume tem fraqueza / gerou-se no fundamento. / É errada a qualidade / deste caso na primeira, / vem a tanta variedade, / que na fim e na metade / tem os pés por cabeceira.

83Gil Vicente, um dos participantes do processo, vale-se de um exemplum em favor de Vasco Abul, que teria agido por amor.

  • 51 Edmond Faral, ao tratar da destinação das descrições, espécie de amplificação, comenta: “La beauté (...)

84Outra alegoria recorrente nos cancioneiros amorosos é a da beleza da dama, sempre perfeita, ora como obra de Deus ora como obra da natureza, cujos exemplos pôde-se verificar nas metáforas51. Como alegoria, tome-se a estrofe do poema 569, em que D. Manuel de Meneses canta a beleza da dama que é uma obra de Deus:

Mostrou Deos este poder / por nos dar dobrada fee, / e em vos assi fazer / nos deu bem a entender / seu poder camanho ee. / E pois se quis esmerar / em vós com todo sentido, / nam deve nenhũ nacido / presumir de vos louvar.

85Na mesma linha, cantam os poetas palacianos a crueldade da dama (dame sans merci). Espécie de hipérbole, a dama é apresentada como causa da perdição do poeta; na cantiga que segue, evoca o poeta Deus, que não quer seja a dama uma homicida, mas permitiu a ele, poeta, perder-se por ela:

Senhora, no quiere Dios / que seais vos homecida / em ser elh'alma perdida / de quien se perdió por vos. / / Ordenó vuestra crueza / qu'este triste se matasse / en dexarvos y negasse / vuestra fee qu'es su firmeza. / Mas ha permetido Dios / que por mi fuesse valida / su alma y que su vida / se torn'a perder por vos. (CGGR, 300, II).

86No segundo exemplo, uma ajuda, nova recorrência a Deus. Desta feita, Henrique d’Almeida glosa o mote alheio “que milagre faria Dios” e é ajudado pelo Coudel-mor Fernão da Silveira. A crueldade da dama é realçada tanto na cantiga quanto na ajuda pelas antíteses bem/mal, quanto pelo raciocínio silogístico, marcado pela conjunção “pois” usada três vezes. Cria-se uma circularidade que prende o mal ao bem que é servir uma dama cruel que só faz viver do mal:

De quantos penam por vós / a que nunca fazeis bem, / que milagre faria Dios / se penasses por alguem. / / De quantos vossa crueza / tem lançados a perder / e vidas fazeis sofrer / tristes mais que a tristeza, / por se mais vingar de vós / quem mais servida vos tem, / que milagre faria Dios / se penasseis por alguem.

Ajuda do Coudel-moor.

Pois pena tam desigual / me fazeis sempre sentir, / pois nam presta nem me val / amar-vos nem bem servir, / pois que tam certo de vós / é dar mal e nunca bem, / que milagre faria Dios / se penasseis por alguem. (CGGR, 180, I).

  • 52 CASAS RIGALL, Juan – Agudeza y retórica en la poesía amorosa de cancionero, p. 89.

87Outra alegoria a que se refere o estudioso galego Juan Casas Rigall é a da morte do amor: “La ‘muerte de amor’ constituía una translatio muy desgastada: cuando una metáfora está cercana a la lexicalización, su desarrollo alegórico tampoco resulta poéticamente funcional”.52 Veja-se este exemplo do processo do “Cuidar e sospirar”, poema misto que abre o CGGR:

Mas posto, nam outorgado, / que com cuidar s'esmoreça, / vejamos: nam jaz folgado / quem nam sente seu cuidado / nem dor grande que padeça? / Pois quando lhe vem a vea / que se torna sensetivo, / sospirar, com que descrea, / lhe dá tanta maa estrea, / qu'é milhor morto que vivo. / / Qu'assi daqui concrudo / que sospirar tem o cume, / e qu'amores tenham tudo, / sospirar pelo meudo / de paixões faz moor velume. / Nam dá vida, mas dá morte, / nem folgar, mas dá tristezas, / sem azar nunca faz sorte, / faz o mal brando mui forte, / todo seu bem são cruezas.

88Como dizia Quintiliano, a alegoria é uma metáfora alongada que mostra algo pelas palavras e outro pelas ideias, pelos conceitos, pelos sentidos. Tem afinidade com a parábola e a fábula; no entanto não tem necessariamente uma finalidade didática. As alegorias presentes no cancioneiro resendiano podem compor-se de metáforas ampliadas eivadas de exempla, conselhos e entimemas, quando figura prolongada; há as breves que aparecem em textos sucintos, às vezes compondo uma só cantiga. Também como a hipérbole e a própria metáfora, a alegoria amorosa se reveste de elementos identificadores dessa figura, como a definitio, a econômica em que tal significado material sobrepuja o abstrato do amor; a alegoria da beleza da dama, sempre perfeita, ora como obra de Deus ora como obra da natureza, cujos exemplos pôde-se verificar nas metáforas também, assim como a da dame sans merci. Espécie de hipérbole, a dama é apresentada como causa da perdição do poeta, e aparece nas alegorias já desgastadas como a morte do amor, como entende Juan Casas Rigall.

  • 53 “O período (periodus, ambitus, circuitus, períodos; port. período), como ‘construção frásica cíclic (...)
  • 54 CASAS RIGALL, Juan – Agudeza y retórica en la poesía amorosa de cancionero, p. 210.
  • 55 CASAS RIGALL, Juan – Agudeza y retórica en la poesía amorosa de cancionero, p. 211.

89Ao analisar o período, Lausberg refere-se à prótase e apódose, em dois ou mais colos – sequência vocabular, constituída por mais de três palavras53. Casas Rigall comenta que a compositio periódica é a conformação sintática dos constituintes menores do discurso; nela a antítese é considerada sob a noção de período. As duas partes ou cola constituintes de um período são a prótase e apódose, que mantêm uma relação de tensão-distensão, cuja base é a antítese54. Numa perspectiva gramatical, há dois tipos de periodus – o enumerativo e o de membros sintaticamente interordenados; como há vínculos entre as partes, um depende do outro; seriam as coordenadas adversativas e as subordinadas adverbial, concessiva, condicional, causal e consecutiva55.

  • 56 CASAS RIGALL, Juan – Agudeza y retórica en la poesía amorosa de cancionero, p. 214.

90Todos esses elementos fazem parte da argumentatio – premissas e conclusões, argumentos e contra-argumentos56. É reiterante o uso desses artifícios argumentativos no CGGR, portanto creio bastar dois exemplos representativos, o primeiro composto por um dos dois vilancetes que encerram as TROVAS QUE MANDARAM O CONDE DO / VIMIOSO E AIRES TELEZ À SENHORA / DONA MARGARIDA DE SOUSA, SO- / BRE ŨA PERFIA QUE TIVERAM / PERANTE ELA, EM QUE DEZIA / AIRES TELEZ QUE NAM SE / PODIA QUERER GRANDE / BEM SEM DESEJAR, / E O CONDE DEZIA / O CONTRAIRO. Pela didascália, já se percebe o clima da disputatio revelado na palavra “perfia” e remete ao que Aristóteles e Quintiliano comentam sobre os entimemas compostos pelos contrários. Leia-se o vilancete que encerra o poema de formas mistas nº 260:

Meu amor, tanto vos quero

que deseja o coraçam

mil cousas contra rezam. [PRÓTASE]

Porque se vos nam quisesse, [APÓDOSE]

como poderia ter

desejo que me viesse

do que nunca pode ser?

Mas com quanto desespero

é em mim tanta afeiçam

que deseja o coraçam.

91O poeta começa o vilancete com uma apóstrofe a coisas abstratas, e os contrários se revelam pela antítese “coração/razão” e pela amplificatio quantitativa. Quanto à compositio periódica, o mote é, então, a prótase. Segue-se a apódose, com suas características: o período argumentativo inicia-se pela conjunção “porque” e inclui, ainda, para que o argumento seja sutil, uma pergunta retórica (immutatio syntatica); a conclusio é ainda mais aguda: começa por uma adversativa, e a immutatio syntatica se revela na exclamatio em que o poeta revela – também pelo processo da ratiocinatio – quão desesperado se encontra pelos desejos do coração.

92O segundo exemplo é tirado do poema de formas mistas nº 564, DE JOAM RODRIGUES DE LUCENA / AA SENHORA DONA JOANA DE / MENDOÇA, PORQUE LHE / MANDOU A RAINHA / QUE NAM SAISSE / ŨS DIAS DA / POUSADA. O poema é composto por uma cantiga, uma balada e quatro trovas e seu gênero é “glosa”, uma vez que o poeta faz a cantiga e a glosa; por cabo deste poema, João Rodrigues de Lucena apensa uma trova dirigida à senhora, explicando o motivo – seria em louvor da dama servida.

Senhora, vivei contente,

nam vos dê nada paixão, [PRÓTASE]

porque nam é sem razão [APÓDOSE]

que quem prende tanta gente

saiba que cous'ee prisão.

Porque sabendo a certeza [APÓDOSE DO MOTE]

do mal qu'a tantos fazeis,

nam creo que querereis

usar de tanta crueza

cos cativos que prendeis.

Mas cuido que diferente

sois desta minha tenção

e que sendo solta então

prendereis muita mais gente

e em mais esquiva prisão.

  • 57 Tanto neste exemplo quanto no anterior (nº 260), vale o comentário de Yara Frateschi Vieira quanto (...)

93Valendo-se da apóstrofe, no mote, o poeta dirige-se à dama e dá-lhe um conselho, fechando a prótase; no terceiro verso, uma apódose, D. João argumenta por que ela deve viver contente – devido à sua crueldade não só prende os servidores, mas isso a faz também sentir-se prisioneira. A força do versus cum auctoritate que fecha o mote dá, não só erudição, mas força argumentativa ao poeta. A apódose da glosa inicia-se pela conjunção “porque”, e é reforço da ideia que o poeta lançou no mote quanto à crueldade da dama, o que a faz sentir-se também em prisão – nas entrelinhas, pede a ela que amenize a crueldade dela. Conclui o pensamento com uma conjunção adversativa, que vai contra o que pede e, mais ainda, contra a eficácia de seu pedido à dama – se a dama se soltar da própria prisão potencializará sua maldade e prenderá muito mais servidores – e de maneira pior: “em mais esquiva prisão”57.

Considerações finais

94Nesse levantamento das figuras usadas pelos poetas palacianos, cuja temática é o amor – aquele expresso na poética dos séculos XV/XVI – principalmente reunidas no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende, pode-se perceber quanto eles se valeram dos artifícios poéticos determinados pela Retórica. Apesar de muitas referências e muitos exemplos, a amostra não foi exaustiva, devido ao fato de o cancioneiro ser bastante volumoso e variado, sendo por isso praticamente impossível elencarem-se todos os recursos e processos. No entanto, o que se apurou neste breve parecer serve de base para se estabelecer uma poética.

95Para os filósofos e retores antigos, é na elocutio que o orador deve centrar-se para convencer e comover seu auditório. Devem, então, valer-se de artifícios que embelezem seus discursos e, para isso, discriminam uma infinidade de recursos retóricos em que a palavra é de primordial importância. Da elocução oratória, na Idade Média em especial, serviram-se as artes poéticas – e obviamente os poetas – para, aliada à rima, à métrica e ao ritmo, ornamentar suas composições.

  • 58 MENDES, Margarida Vieira – O Cuidar e Sospirar (1483). Fixação do texto, introdução e notas de Marg (...)

96Sabe-se que os estudos da Retórica não eram desconhecidos em Portugal, tendo sido promovidos por monarcas e encontrados nos mosteiros, os quais recorriam aos textos antigos para a divulgação do pensamento clássico, a partir do século XII, resplendendo nos séculos XV/XVI. A ciência do bem falar, segundo Quintiliano, serve-se das figuras – em que se alteram a forma e a linguagem – e dos tropos – em que a alteração destas se dá no nível denotativo e/ou conotativo da expressão, fazendo do discurso poético um locus da agudeza e da sutileza, quando, ainda de acordo com os retores e tratadistas antigos e medievais, usados com tenuidade e elegância. Especificamente quanto à forma, para Margarida Vieira Mendes, as ideias conceptistas se apresentam estruturadas de modo intrincado no CGGR, cheias de metáforas, analogias, antíteses e hipérboles. Ainda de acordo com a estudiosa, “muitas são as figuras da elocução poética desse conceptismo amatório cancioneiril, fundadas no carácter abstracto do vocabulário referente a estados emocionais ou potências da alma e no carácter enigmático e epigramático das sentenças.58

97Como se pôde ver, a dicção está na ênfase aos tropos e às figuras, assim, a análise destes resume muito do que os poetas medievais emularam, fazendo da Retórica mais do que uma ciência do bem falar – ela é uma virtude que seguiram com afinco os poetas do Cancioneiro Geral de Garcia de Resende, como se procurou mostrar neste conciso estudo.

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Bibliografia

Fontes

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Estudos

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Notas

1 O estudioso parece referir-se ao Romantismo que nasce no século XVIII e se estende até o XIX europeu e que cultivou entre outras características os traços da época medieval, criadoras de uma atmosfera poética, que convida ao sonho e ao devaneio. É claro que o que mais marca este retorno/prenúncio é o Amor, principalmente na sua versão cortês.

2 MOISÉS, Massaud – “Humanismo (1418-1527)”. In A Literatura Portuguesa. São Paulo: Cultrix, 1981, p. 49.

3 RUGGIERI, Jole – Il canzoniere di Resende. Genève: Leo S. Olschki, S.A., 1931, p. 67.

4 María Teresa Miaja de la Peña em artigo sobre El libro de buen amor comenta sobre Ovídio: “Sabemos que todo cortejo amoroso depende siempre de los sentidos y que estos dos [olhos e ouvidos] marcan el inicio de lo que habrá de devenir entre los amantes. La vista constituye el primer contacto entre los amantes, como bien queda establecido en El arte de amar de Ovidio y en el Pamphilus de amore, antecedentes directos del ars amandi en el Libro de buen amor y, éste de La Celestina. MIAJA DE LA PEÑA, María Teresa – “’Trayes los omnes çiegos, que oyen tus loores’. La función de los sentidos en el cortejo amoroso en el Libro de buen amor”. In SIMÓ I TORRES, Meritxell (coord) - "Prenga xascú ço qui millor li ès de mon dit": creació, recepció i representació de la literatura medieval. San Milán de la Cogolla: CILENGUA, 2021, (pp. 605-618), p. 606.

5 A característica principal desses poemas é mesclar, numa só composição, várias outras formas, mantendo, no entanto, o mesmo tema. Próprios para a expressão de vários contendores, o que se destaca é a engenhosidade dos poetas na montagem dessa peça sofisticada, que já prenuncia o conceptismo e o cultismo barrocos. Em sua maioria, esses poemas são compostos por vários poetas, mas há casos de composições versificadas por um só poeta.

6 LE GENTIL, Pierre – La poésie lyrique espagnole et portugaise à la fin du Moyen âge : les thèmes, les genres et les formes. 2 v. Rennes: Plihon, 1952, p. 471.

7 Passo a usar esta abreviatura quando me refiro ao Cancioneiro Geral de Garcia de Resende.

8 Para um profundo estudo sobre o Amor e a Retórica, conf. FRAZÃO; João Amaral – Entre trovar e turvar. A encenação da escrita e do amor no Cancioneiro Geral. Lisboa: Bertrand Livreiros, 2011; MENDES, Margarida Vieira – O Cuidar e Sospirar (1483). Fixação do texto, introdução e notas de Margarida Vieira Mendes. Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1997 (Colecção Outras Margens, Série Poesia do Tempo dos Descobrimentos); MORÁN CABANAS, Maria Isabel – "O modelo de poeta-amante no Cancioneiro Geral: a presença de Macias em debates e comparações". In BREA, Mercedes; CORRAL DÍAZ, Esther; POUSADA CRUZ, Miguel (coords) Parodia y Debates metaliterarios en la Edad Media. Alessandria: Edizioni dell'Orso, 2013, pp. 469-482; MORÁN CABANAS, Maria Isabel – O exemplum na lírica amorosa medieval Galego-Portuguesa e do Cancioneiro Geral. In Retórica, Política e Ideología desde la Antegüedad hasta nuestros días. Retórica Clásica y Edad Media. (Actas del II Congreso Internacional). Salamanca: Logo, 1997, vol. I, pp. 355-362; MORÁN CABANAS, Maria Isabel – Sobre o debate entre Cuidar e Sospirar e a visualização poética do Deus de Amor. Revista Camoniana, 3a série, 13 (2003), pp. 77-98; TOMASSETTI, Isabella – Cantaré según veredes: intertextualidad y construcción poética en el siglo XV.  Madri: Iberoamericana; Frankfurt am Main: Vervuert, 2017.

9 CASTRO RODRÍGUEZ, María Luisa – “Las potencias animadas son de su poder quitadas”. In Avatares y perspectivas del medievalismo ibérico. San Milán de Cogolla: CELENGUA, 2019, (pp. 1039-1054), p. 1045.

10 “... en contraste con lo que puede observarse en la lírica provenzal y francesa, en las cuales predomina el reproche tierno del poeta, siempre sumiso [...], la imprecación a la amada forma en la poesía de los Cancioneros un verdadero subgénero...” LIDA DE MALKIEL, María Rosa – Estudios sobre la Literatura Española del siglo XV. Madri: Ed. José Porrúa Turanzas, 1977, p. 97.

11 OBRAS de Álvaro de Brito. Edição, introdução e notas por Isabel Almeida. Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1997, p. 33.

12 HAUSER, Arnold – Maneirismo: a crise da Renascença e o surgimento da Arte Moderna. 2 ed. Trad. J. Guinsburg e M. França. São Paulo: Perspectiva, 1993, p. 395. Baltasar Gracián recorre ao mesmo conceito quando diz: “Protágoras decía que en las cosas no había bien ni mal, pesar ni gusto, sino en la imaginación y en el modo de concebir cada uno. Más verdadera y más provechosa fue la de San Juan Crisóstomo, que: Nemo laeditur nisi a seipso: que de nadie podemos recibir daño, sino de nosotros mismos.” GRACIÁN, Baltasar – Agudeza y Arte de Ingenio. Ed. Evaristo C. Calderón. Madri: Clásicos Castalia, 1988, Discurso XXIII, p. 233.

13 Michel Lauwers comenta que a lógica da acumulação de ritos relacionados à morte, nos séculos XIV e XV, “está presente na profusão de imagens figurativas de cenas de funerais e de sepultura que invadiram os livros de devoção pessoal. Os temas macabros, representações de corpos em decomposição e estátuas jacentes desencarnadas, destinadas a provocar medo, a incitar o arrependimento (como o faziam as numerosas ‘artes de morrer’, amplamente difundidas a partir de meados do século XV), mostram também um novo pavor diante da perda da individualidade. Talvez representasse o protesto de uma sociedade diante da solidão e do abandono”. Para o autor, a chegada da Reforma Protestante marcou um rompimento com os ritos católicos, “mas, paradoxalmente, em certo sentido ela completou as lentas transformações em marcha nos últimos séculos da Idade Média: a partir de então, os vivos e os defuntos pertenciam a mundos distintos, separados.” LAUWERS, Michel – “Morte e mortos”. Trad. Eliana Magnani. In DICIONÁRIO Temático do Ocidente Medieval. Bauru/São Paulo: EDUSC, 2003, Vol. II, pp. 258-259.

14 CASTRO RODRÍGUEZ, María Luisa – “Las potencias animadas son de su poder quitadas”. In Avatares y perspectivas del medievalismo ibérico. San Milán de Cogolla: CELENGUA, 2019, (pp. 1039-1054), p. 1041-1042.

15 ARISTÓTELES – Retórica. Intr., trad. y notas Alberto Bernabé. Madri: Alianza, 2005 (Clásicos de Grecia y Roma), Livro II, 18, p. 190. Maria do Amparo Tavares Maleval aponta a amplificação como recurso maior do discurso epidítico. MALEVAL, Maria do Amparo Tavares – “Da Retórica medieval”. In MASSINI-CAGLIARI, Gladis (Org.) et aliiSérie Estudos Medievais 1: Metodologias. Rio de Janeiro: Grupo de Trabalho Estudos Medievais da ANPOLL, 2008, p. 4.

16 QUINTILIAN Institutio Oratoria. With An English Translation. Harold Edgeworth Butler. Cambridge, Mass: Harvard University Press; London: William Heinemann, Ltd. 1922, VIII, VI, online.

17 QUINTILLIAN - Institutio Oratoria, VIII, VI.

18 QUINTILLIAN - Institutio Oratoria, VIII, VI.

19 QUINTILLIAN - Institutio Oratoria, VIII, VI.

20 FARAL, Edmond – “La disposition". In FARAL, Edmond – Les arts poétiques du XII.e et du XIII.e XIII.e siècle. Recherches et documents sur la technique littéraire du Moyen Âge. 1. ed. Paris: Skalatine/Campion, 1982, pp. 61-62. O estudioso trata especificamente da amplificatio medieval no capítulo II, páginas 61-85.

21 LAUSBERG, Heinrich – Elementos de Retórica literária. Trad. R. M. Rosado Fernandes. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1966, p. 106.

22 LAUSBERG, Heinrich – Elementos de Retórica literária. pp. 106-107.

23 LAUSBERG, Heinrich – Elementos de Retórica literária. pp. 107-109.

24 María Rosa Lida de Malkiel dedicou boa parte de seus estudos a essa tópica; num deles comenta: “la Creación elude la condena ascética al ser admirada como obra de Dios; su belleza, lógicamente no suscita en elogio directo, sino la bendición de su Creador. Tal actitud, estrictamente fiel a la tradición, implica un delicado equilibrio que, en contexto amoroso, es fácil romper a favor de la criatura – afirmando, por ejemplo, que la hermosa está hecha con las manos mismas de Dios, o es su obra maestra, que no podría repetir, etc.” LIDA DE MALKIEL, María Rosa – Estudios sobre la Literatura Española del siglo XV. Madri: Ed. José Porrúa Turanzas, 1977, p. 206.

25 “El ENLACE de Dios y Natura (al cual se agrega a veces Amor, al modo provenzal [...], a veces el arte o ingenio) es un concepto favorito de Petrarca, por ejemplo, en la Canción LXXIII: ‘Poi che Dios e Natura et Amor volse / locar compitament ogni virtute / in quei be’ lumi ond’io giocoso vivo’; en los Sonetos CXCIII, que acaba: ‘Allora insieme in men d’un palmo appare / visibilmente quanto in questa vita / arte, ingegno, Natura e’l ciel po fare’”. LIDA DE MALKIEL, María Rosa – Estudios sobre la Literatura Española del siglo XV. Madri: Ed. José Porrúa Turanzas, 1977, p. 220.

26 Casas Rigall trata de todas essas hipérboles em CASAS RIGALL, JuanAgudeza y retórica en la poesía amorosa de cancionero. Santiago de Compostela: Universidade, Servicio de Publicacións e Intercambio Científico, 1995, pp. 114-119.

27 LAUSBERG, Heinrich – Elementos de Retórica literária. p. 106. Difere-se da ratiocinatio discriminada na Retórica a Herênio, o “razonamiento interrogativo” – a figura que nos faz perguntar a razão de tudo o que dizemos e com a qual nos pedimos constantemente uma explicação de cada uma de nossas afirmações. CÍCERO – Retórica a Herênio. Introd. Trad. e Notas de Salvador Núñez. Madri: Ed. Gredos, 1997 (Biblioteca Clásica Gredos, 244), p. 248.

28 CASAS RIGALL, Juan – Agudeza y retórica en la poesía amorosa de cancionero, pp. 67-68.

29 João Adolfo Hansen diz que “na poesia da agudeza, uma coisa ou tópica da invenção pode ser significada por meio de três espécies de signo e relações: 1ª. por mera convenção; 2ª. pela relação de inclusão ou sinédoque entre a coisa significada e a significante; 3ª. pela semelhança entre elas.” A metáfora dos olhos entraria na espécie de relação por mera convenção, pois “propõe-se a relação arbitrária de signos que inicialmente não tem relação.” O estudioso dá como exemplo o cristal, “que pode significar qualquer coisa lisa, transparente, úmida, fria ou líquida”; entre estas coisas estão os olhos. HANSEN, João Adolfo – “Retórica da Agudeza”. Letras Clássicas. São Paulo, , 4 (2000), pp. 317-342, p. 300.

30 Massimo Marini diz que “el amor hereos es un tópico cuyo origen se puede rastrear en la literatura de la Grecia clásica. Aristóteles fue el primero que, con su sistema de filosofía natural, dio forma científica a la doctrina de la enfermedad de amor. Al considerarlo una dolencia que afecta tanto al cuerpo y al alma, Aristóteles aborda la cuestión de la pasión amorosa desde un punto de vista físico y mental. El deseo sensible médico-filosófica fue retomada por Galeno y por médicos bizantinos como Oribasio y Pablo de Egina, llegando después a los sirios y a los árabes, los cuales a su vez influyeron en escritores médicos de las escuelas de Salerno, Montpellier y Bolonia. Al lado de esta tradición científica se desarrolla una tradición paralela de carácter literario, que empieza a compenetrarse con las nociones médicas, especialmente durante la Edad Media. En la íntima conexión entre cuerpo y espíritu típica de la época -que asimismo se debe en buena medida al aristotelismo- se basaba la justificación científica de este doble efecto psico-fisiológico de la aegritudo amoris como patología.” MARINI, Massimo – “Los tópicos del mal de amor y de la codicia femenina en dos poemas del Ms. Corsini 525”. In Avatares y perspectivas del medievalismo ibérico. San Milán de Cogolla: CELENGUA, 2019, (pp. 1153-1166), pp. 1161-1162.

31 MIAJA DE LA PEÑA, María Teresa – “’Trayes los omnes çiegos, que oyen tus loores’. La función de los sentidos en el cortejo amoroso en el Libro de buen amor”, p. 607.

32 DIAS, Aida Fernanda – Cancioneiro Geral de Garcia de Resende Dicionário (Comum, Onomástico e Toponímico). Maia: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 2003. Volume VI, p. 110.

33 LAUSBERG, Heinrich – Elementos de Retórica literária, p. 247.

34 CASAS RIGALL, Juan – Agudeza y retórica en la poesía amorosa de cancionero, p. 79.

35 PAIVA, Dulce de Faria – História da Língua Portuguesa. II. Século XV e meados do século XVI. São Paulo: Editora Ática, 1988, p. 31.

36 COHEN, Jean – Estrutura da linguagem poética. 2. ed. Trad. José V. Aragão. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1976, p. 186.

37 CASAS RIGALL, Juan – Agudeza y retórica en la poesía amorosa de cancionero, p. 80.

38 CASAS RIGALL, Juan – Agudeza y retórica en la poesía amorosa de cancionero, p. 157.

39 CASAS RIGALL, Juan – Agudeza y retórica en la poesía amorosa de cancionero, p. 156.

40 DIAS, Aida Fernanda – Cancioneiro Geral de Garcia de Resende Dicionário (Comum, Onomástico e Toponímico). vol. VI, p. 636.

41 A esse tipo de alegoria, Casas Rigall denomina “alegoria legal.” CASAS RIGALL, Juan – Agudeza y retórica en la poesía amorosa de cancionero, p. 85. Maria Isabel Morán Cabanas fez um longo estudo sobre a participação da personagem do Deus do Amor no processo do “Cuidar e sospirar”, a qual estaria ligada ao próprio D. João II e o recebimento da ordem da Jarreteira obtido por este do monarca inglês Henrique VII em 1489. MORÁN CABANAS, Maria Isabel – Traje, Gentileza e Poesia. Moda e Vestimenta no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende. Lisboa: Ed. Estampa, 2001, pp. 537-541. Jole Ruggieri diz que a corte do Deus Amor “era un’invenzione che i poeti del Portogallo avevano certamente portato dalla Spagna, ove il marchese di Santillana conservava nella sua biblioteca il Roman de la Rose e non pochi altri testi francesi, Isabella la Cattolica tre canzoni francesi, ed il Connestabile cento ballate e l’opera di Christine de Pisan. Tradizione francese che già un tempo era stata conosciuta in Portogallo al tempo di Giovanni I, che disse di una canzione di caccia: ‘Guilhelm de Machado (Machault) nom fez tam fermosa concordança de melodia.’” RUGGIERI, Jole – Il canzoniere di Resende. Genève: Leo S. Olschki, S.A., 1931, p. 42). Quanto à ligação da personagem ao amor cortês, a figura do Deus do Amor é uma recorrência na literatura medieval, como constata Danielle Régnier-Bohler: “A alegoria do deus Amor serve para revelar a submissão ao sentimento que, doravante, é a única razão de viver do poeta.” REGNIER-BOHLER, Danielle – “Amor cortês”. Trad. Lênia Márcia Mongelli. In Dicionário Temático do Ocidente Medieval. Bauru/São Paulo: EDUSC, 2003, Volume I, p. 49.

42 Conforme Aida Fernanda Dias, o termo entende-se por “publicação. Acto de publicar ou efeito de publicar, de fazer vir a público, de divulgar.” DIAS, Aida Fernanda – Cancioneiro Geral de Garcia de Resende Dicionário, vol. VI, p. 571. Note-se, então, que é termo ligado ao discurso judiciário, assim como muitos recorrentes do processo do “Cuidar e sospirar.”

43 “Tençam” é sinônimo de exemplum para os poetas do CGGR.

44 Assim comenta Jole Ruggieri sobre o selo do coração do Deus Amor: “Visto su di uno sfondo che molto risente di quello dei numerosi Inferni di innamorati, di cui si compiaceva la romantica sensibilità dei Castigliani, il Dio Amore è proprio quello che nel poema francese De Venus, la déese d’Amour, dava all’amante una lettera sigillata con il suo sigillo affinchè la recasse alla dama, che dopo averla letta prometteva di amarlo fedelmente. Lo stesso particolare del sigillo, che nel canzoniere di Resende è ispiratore di parecchi versi, è comune all’altro poemeto francese intitolato Jugement d’Amour.” RUGGIERI, Jole – Il canzoniere di Resende, pp. 42-43.

45 DIAS, Aida Fernanda – Cancioneiro Geral de Garcia de Resende Dicionário, vol. VI, p. 746.

46 Obviamente, isso se estende às definições de amor encontradas na literatura portuguesa da época, uma vez que a troca cultural era intensa entre Portugal e Castela. Isso vale, então, para os poemas do Cancioneiro de Resende.

47 GARRIBBA, Aviva – “Una definición de amor en el Ms. Corsini 625”. In Avatares y perspectivas del medievalismo ibérico. San Milán de Cogolla: CELENGUA, 2019, (pp. 1109-1120), p. 1110.

48 CASAS RIGALL, Juan – Agudeza y retórica en la poesía amorosa de cancionero, p. 81.

49 MORÁN CABANAS, Maria Isabel – Traje, Gentileza e Poesía, p. 457. A estudiosa cita, além do poema em que Vasco Abul é protagonista, os poemas de números 40, 322, 323, 519 e 618, como composições em que se encontram alegorias econômicas, todos analisados no subcapítulo “As dõas e/ou ‘invenções de gastadores’”; nenhum deles pertence aos poemas de formas mistas.

50 Além do citado nas notas anteriores, Maria Isabel Morán Cabanas faz outro estudo pormenorizado desse poema, classificado por ela como um subgênero denominado “diálogo dramático” (cf. MORÁN CABANAS, Maria Isabel – Festa, teatralidade e escrita. Esboços teatrais no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende. A Coruña: Universidade da Coruña, 2003).

51 Edmond Faral, ao tratar da destinação das descrições, espécie de amplificação, comenta: “La beauté constituant le principal objet des descriptions, ce sont surtout les femmes qu’il conviendra de décrire : c’est la règle que pose Matthieu de Vendôme ; c’est la règle que les auteurs ont observée" ; mais adiante, ao comentar as características das pessoas e os lugares da inventio, escreve que, para Vendôme a caracterização que se deve atribuir “à une femme, c’est la beauté, c’est-à-dire l’élégance des formes unie à l’agrément du teint ; ou, si l’on veut louer son honêteté, c’est son sérieux, son éloignement de la frivolité, sa crainte de la légèreté et de la faiblesse des sens." Ao comentar sobre a ordem e o plano das descrições de pessoas, Faral diz que as poéticas medievais estudadas por ele pregavam que “un portrait complet comprend deux parties et traite successivement du physique et du moral [...] Souvent précédée d’un éloge du soin donné par Dieu ou par Nature à la confection de sa créature, elle porte d’abord sur la physionomie, puis sur le corps, puis sur le vêtement; et dans chacune de ces parties, chaque trait a sa place prévue." FARAL, Edmond – “La disposition". In FARAL, Edmond – Les arts poétiques du XII.e et XIII.e siècle, pp. 77-80.

52 CASAS RIGALL, Juan – Agudeza y retórica en la poesía amorosa de cancionero, p. 89.

53 “O período (periodus, ambitus, circuitus, períodos; port. período), como ‘construção frásica cíclica (circular)’ (oratio uincta atque contexta, connexa series, katestrammênê lexis), consiste na união de vários pensamentos (res) numa frase, de tal modo que seguidamente a um elemento (protasis; port. prótase), que cria tensão (pendens oratio), vem um elemento (apodosis; port. apódose), que dissolve a tensão (sententiae clausula).” LAUSBERG, Heinrich – Elementos de Retórica literária. Trad. R. M. Rosado Fernandes. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1966, pp. 258-266.

54 CASAS RIGALL, Juan – Agudeza y retórica en la poesía amorosa de cancionero, p. 210.

55 CASAS RIGALL, Juan – Agudeza y retórica en la poesía amorosa de cancionero, p. 211.

56 CASAS RIGALL, Juan – Agudeza y retórica en la poesía amorosa de cancionero, p. 214.

57 Tanto neste exemplo quanto no anterior (nº 260), vale o comentário de Yara Frateschi Vieira quanto à linguagem da coita amorosa nas cantigas de amor, em que a argumentação persuasiva é parte fundamental. Segundo a estudiosa, a coita de amor “se expressa através de sintaxe complexa, com muita subordinação, abundância de conjunções causais, temporais, conclusivas, adversativas.” VIEIRA, Yara Frateschi – Poesia medieval. São Paulo: Global, 1987, p. 16.

58 MENDES, Margarida Vieira – O Cuidar e Sospirar (1483). Fixação do texto, introdução e notas de Margarida Vieira Mendes. Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1997 (Colecção Outras Margens, Série Poesia do Tempo dos Descobrimentos), p. 37.

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Para citar este artigo

Referência eletrónica

Geraldo Augusto Fernandes, «Expressões retóricas do amor no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende»Medievalista [Online], 37 | 2025, posto online no dia 01 janeiro 2025, consultado o 19 fevereiro 2025. URL: http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/medievalista/9237; DOI: https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/134bb

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Geraldo Augusto Fernandes

Universidade Federal do Ceará, Departamento de Literatura, 60.130-170 Fortaleza, Brasil. geraldoaugust@uol.com.br. https://orcid.org/0000-0003-0526-3953

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