1Esteve patente no Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA), entre 29 de novembro de 2019 e 15 de março de 2020, a notável exposição “Alvaro Pirez D’Évora. Um pintor português em Itália nas vésperas do Renascimento”, organizada por este museu em colaboração com o Polo Museale della Toscana (Itália). Comissariada por Lorenzo Sbaraglio e Joaquim Oliveira Caetano, contou com o patrocínio da Fundação La Caixa/BPI, parceiro do MNAA e o apoio de várias outras entidades. As obras expostas foram emprestadas por privados e por museus europeus de renome, como a Gallerie degli Uffizi (Florença), a Pinacoteca Nazionale di Siena, o Museo Nazionale di San Matteo (Pisa), o Museo di San Marco (Florença), a Galleria d’ Arte Moderna (Milão), a Gemaldegalerie de Berlim, o Musée du Petit Palais (Avignon), o Szépmuvészeti Múzeum de Budapeste, entre outros. De Portugal, os painéis selecionados provieram das coleções do Museu de Évora e do MNAA.
2Álvaro Pirez nasceu em Évora (c. 1370/80), mas desenvolveu a sua formação e produção artística em Itália, documentada entre 1410 e 1434. É referido pelo pintor, arquiteto e biógrafo Giorgio Vasari como “Alvaro di Piero di Portogallo”. O principal objetivo da mostra foi a apresentação do percurso de trabalho do pintor, dando a conhecer o enquadramento cultural em que decorreu e as influências que teve. A maior parte da sua produção centrou-se na Toscana – Volterra, Lucca, Pisa e Prato –, considerando-se que foi em Pisa que teve lugar o período de maior maturidade da sua produção e o mais duradouro, embora tivesse realizado obra mais abundante para as igrejas de Volterra. Trabalhou também noutras partes de Itália, como Cagliari (Sardenha) e Nola (Nápoles). É considerado um pintor do tardo-gótico, seguidor da tradição de Trezentos mas com clara influência de mestres florentinos como Gherardo Starnina, Lorenzo Ghiberti, Lorenzo Monaco e, mais tarde, de Gentile da Fabriano.
3A exposição foi organizada em sete núcleos. O primeiro, dedicado aos “Grandes Mestres”, expôs “A Anunciação”, requintada e preciosa obra que pertenceu ao chanceler Konrad Adenauer e foi atribuída a Álvaro Pirez pelo professor Frederico Zeri. Recentemente adquirida pelo MNAA, foi a escolhida para imagem de cartaz. Nesta sala de abertura mostraram-se obras de outros pintores que terão feito parte da formação de Álvaro Pirez e contribuído para a definição do seu estilo. De entre as obras expostas destaquem-se duas de Fra Angelico e a “Virgem da Humildade”, de Gentile da Fabriano.
4O segundo núcleo, “Mediterrâneo”, foi concebido para evocar a circulação artística no espaço mediterrânico e particularmente as relações entre a Península Ibérica e a Itália, lembrando as passagens de Starnina e Veneziano por Toledo e o seu contributo para a renovação tardo-gótica florentina. Aqui se expôs o magnífico “Cristo Ressuscitado Abençoando”, de Álvaro Pirez (c. 1430-1435).
5O terceiro centrou-se em “Portugal”, para relacionar os novos ambientes da dinastia de Avis com o gótico pujante e internacionalizado dos estaleiros da Batalha, as encomendas pictóricas e escultóricas da corte. O núcleo destacou o Retrato de D. João I e uma interessante seleção de esculturas.
6Os núcleos seguintes (4 a 7) correspondiam às escolas pictóricas das cidades onde o pintor mais trabalhou – Lucca, Pisa, Volterra e Prato. Na sala de “Lucca” (4) foram evidenciados os pintores Spinello Aretino, Angelo Puccinelli, Battista di Gerio e Gherardo di Starnina, e a influência de Álvaro Pirez na formação de pintores da geração seguinte, como Priamo della Quercia e Borghese di Piero, mostrando-se, deste último, uma grande cruz que dominava a parede frontal da sala. Este núcleo incluiu também a reconstrução parcial de um políptico de Pirez (c. 1424).
7Na sala dedicada a “Pisa” (5), evocaram-se artistas de Siena que aqui trabalharam, em inícios do séc. XV, como Taddeo di Bartolo e Martino di Bartolomeo, nomeadamente na pintura de bandeiras das confrarias, de que se puderam admirar três, de di Bartolo, que é reconhecido como o mestre de Álvaro Pirez. A peça nuclear da sala foi a belíssima “Virgem com o Menino e Anjos”, que Pirez pintou para a Igreja de Santa Croce in Fossabanda e que exibe a inscrição em português: ALVARO PIREZ D’EVORA PINTOV.
8O núcleo 6, “Volterra”, organizou-se apenas com obras de Álvaro Pirez, entre as quais a tábua “A Virgem com o Menino e Dois Anjos” (c. 1425-1430) e a reconstituição do “Políptico de Santa Catarina”.
9A participação de Pirez com pintores florentinos, em 1411, no programa de frescos (que não subsistiram) do Palácio Dattini, da cidade de Prato, motivou, no núcleo 7, “Prato”, a apresentação cenográfica de um conjunto de desenhos preparatórios desses frescos. Desta última sala destaque-se ainda, de Niccolò di Pietro Gerini, o “Cristo em Piedade com os Símbolos da Paixão” (c. 1400-1405).
10A exposição mereceu elogiosas apreciações nacionais e internacionais, de historiadores e críticos de arte, nomeadamente de Geoffrey Nuttal (Courtland Institute of Art, Universidade de Londres).
11O catálogo faz jus à excelência da exposição, com artigos de especialistas que convidam o leitor a um aprofundamento do percurso e da leitura artística das obras de Álvaro Pirez e de outros grandes nomes do quattrocento italiano, representados nesta mostra.
Fig. 1 - Cartaz da exposição.
© MNAA.
Fig. 2 - Aspeto do núcleo 4 da exposição, dedicado a “Lucca”
© MNAA.
Fig. 3 - Aspeto do núcleo 7 da exposição, dedicado a “Prato”.
© MNAA.
Fig. 4 - Gentile di Niccolò di Giovanni di Massio, dito Gentile da Fabriano, Virgem da Humildade, final da segunda década do século XV, têmpera e ouro sobre madeira. Pisa, Museo Nazionale di San Matteo, inv. 4909.
© Su concessione del Ministero per i beni e le attività culturali – Polo Museale della Toscana – Firenze. Foto: Nicola Gronchi, Pisa, Italy.
Fig. 5 - Álvaro Pirez d’Évora, Santa Luzia, 1430, têmpera e ouro sobre madeira. Nola, Convento dei Cappuccini.
© Diocesi di Nola, Ufficio Beni Culturali.
Fig. 6 - Álvaro Pirez d’Évora, Cristo Ressuscitado Abençoando, c. 1430-1435, têmpera e ouro sobre painel de freixo. Budapeste, Szépművészeti Múzeum, inv. 51.801.
© Szépművészeti Múzeum - Museum of Fine Arts Budapest, 2019.
Fig. 7 - Álvaro Pirez d’Évora, Virgem com o Menino e Anjos, c. 1425-1430, têmpera e ouro sobre madeira. Pisa, Igreja de Santa Croce in Fossabanda.
© Chiesa di Santa Croce in Fossabanda. Foto: Nicola Gronchi, Pisa, Italy.