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La recherche : Lusomondialisation ? L’économie politique du Brésil de Lula

O início do segundo mandato de Lula e o plano de aceleração do crescimento

The start of Lula's second term of office and the plan for the acceleration of growth
Le début du second mandat de Lula et le plan d'accélération de la croissance
Paulo Kliass
p. 157-168

Résumés

Quelques semaines seulement après le début de son second mandat, Lula a annoncé un ensemble de mesures qui a reçu le nom de Plan d'accélération de la croissance – PAC. De telles décisions peuvent s’interpréter comme étant un changement de direction par rapport à la politique économique plutôt orthodoxe adoptée tout au long de ses quatre premières années de gouvernement. Selon toute indication, le Président s'est convaincu de la nécessité de retrouver le chemin de la croissance économique et pas seulement de se satisfaire des ajustements d'empreinte néolibérale, toujours basés sur un maintien de taux d'intérêts élevés, sur une réduction accrue des dépenses publiques et sur l'obtention d'excédents primaires destinés au service de la dette publique. Pour avoir choisi une telle option en 2003, les indices de croissance du PIB brésilien se sont révélés insuffisants et ont été parmi les plus bas du monde.
Parmi les principales mesures du Plan figurent : a) une nouvelle méthodologie de calcul de l'excédent primaire (pour libérer des dépenses d'investissement) ; b) une stimulation des partenariats public-privé pour viabiliser d’importants projets d’infrastructure ; c) des propositions de réduction des charges tributaires dans des secteurs considérés comme stratégiques pour le redressement de l'activité économique générale. Malgré sa faiblesse au plan de la politique monétaire d'intérêts élevés, le PAC peut se transformer en instrument de reprise de la croissance et il permet de mettre en évidence l'aspect fondamental des politiques publiques comme élément de réduction des inégalités et de promotion du développement.

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Texte intégral

1Em janeiro de 2007, apenas três semanas após o início de seu segundo mandato como Presidente da República no Brasil, Lula anunciou um conjunto de decisões e de projetos que recebeu o nome de Plano de Aceleração do Crescimento, o PAC.

2Todas as análises parecem concordar sobre o fato de que o novo Plano poderia significar uma mudança de orientação do Presidente, no que se refere a alguns elementos da política econômica. Ou seja, uma nova direção em relação àquela que havia sido adotada ao longo dos primeiros quatro anos de seu governo, período em que Antonio Palocci havia ocupado o cargo de Ministro da Fazenda.

O contexto do anúncio da decisão

3Ao que tudo indica, parece não haver dúvidas quanto às razões que levaram o governo a anunciar esse Plano. Após haver passado quatro anos sem ter apresentado nenhuma decisão efetivamente significativa em termos de busca do caminho do crescimento, eis que o tom do discurso muda de maneira bastante expressiva.

4Desde a chegada ao poder em janeiro de 2003, Lula havia sido diversas vezes questionado a respeito dos fundamentos da política econômica de seu governo. Na verdade, o que se assistia era a uma profunda mudança em relação àquilo que a maioria do país esperava de uma equipe dirigida pelo Partido dos Trabalhadores. No entanto, ao se fazer uma análise mais ampla do fenômeno, pode-se verificar que os resultados de tal alteração de rumo, às vezes consideradas como inesperadas, estavam já preparados, antes mesmo do fim das eleições de outubro de 2002.

5No mês de junho daquele ano, a coordenação da campanha presidencial torna pública uma carta assinada pelo então candidato Lula, em que era anunciado um novo enfoque da questão econômica. Os movimentos especulativos no mercado eram bastante fortes e os meios de comunicação contribuíam para criar um clima de profunda incerteza. De forma generalizada, a imprensa divulgava que, caso Lula ganhasse as eleições, o país corria o risco de « quebrar », pois o PT seria contra o pagamento da dívida externa e gostaria de rediscutir as privatizações efetuadas pelo governo de Fernando Henrique Cardoso. Assim, estava-se frente ao risco iminente da fuga de capitais.

6O clima se tornava cada vez mais tenso, com o recurso a uma espécie de chantagem eleitoral realizado por uma parcela significativa das elites do país. A taxa de câmbio se desvalorizava em ritmo acelerado, sem nenhum fundamento econômico para justificar tal movimento. As avaliações de risco-país publicadas por determinadas instituições do mercado financeiro colocavam, desde então, o Brasil entre as alternativas de investimento de risco mais elevado em todo o mundo.

7Frente a essa situação, Lula apresenta a sua « Carta aos brasileiros », em que ele se dispõe a acalmar os ânimos do mercado, reafirmando seu compromisso com o pagamento dos serviços da dívida pública, com um engajamento em não reabrir nenhum processo a respeito das privatizações realizadas no passado e, sobretudo, com a manutenção do essencial da política econômica do governo que ele pretendia substituir. A maior parte dos analistas recebeu tal notícia como uma inteligente manobra de estratégia eleitoral, pois se avaliava que Lula seria incapaz de tal mudança de orientação, tão significativa para sua história de sindicalista e político. Ainda mais porque havia por trás dele o PT, com a presença forte de suas propostas, seus intelectuais e seus economistas.

8Mas a situação evolui em outra direção. Lula nomeia Palocci para o cargo de Ministro da Fazenda e Henrique Meirelles para a presidência do Banco central. O primeiro já era bastante conhecido por sua conduta, bastante polêmica, como prefeito de uma importante cidade do Estado de São Paulo (Ribeirão Preto), onde ele implementou uma política em oposição à orientação geral do PT, privatizando empresas públicas e adotando um procedimento bastante rígido sobre as finanças municipais. O segundo personagem era, até a véspera da nomeação, o presidente internacional do Bank of Boston (uma das maiores instituições financeiras credoras da dívida brasileira) e havia sido eleito deputado federal pelo PSDB, partido do Presidente que deixava o poder após oito anos.

9Lula adotou uma escolha política estratégica : conceder autonomia completa à dupla Paloci-Meirelles para a condução da política econômica. O novo Ministro compôs sua equipe com técnicos e especialistas bastante vinculados às instituições do sistema financeiro. Além disso, à política monetária, sob a responsabilidade do Banco central, foi assegurado um status de intocável. O resultado desse conjunto de decisões foi a adoção de uma política econômica ainda mais ortodoxa do que o governo anterior. Baseada em taxas de juros bastante elevadas e uma forte rigidez fiscal, ela impediu Lula de cumprir diversas promessas da campanha eleitoral, como o aumento de 100 % no poder de compra do salário mínimo ao longo de quatro anos e a criação de dez milhões de novos empregos durante o mesmo período.

10A mudança de rumo se revelava efetivamente surpreendente. Apenas um mês depois do início de seu governo, Lula demonstrava sua boa vontade face ao Fundo monetário internacional e anunciava, sem que houvesse nenhuma exigência pública por parte daquela instituição, sua decisão unilateral de aumentar o superávit primário de 3,75 % para 4,25 % do PIB. Estava claro que para atingir tal objetivo seria necessário reduzir as despesas públicas, especialmente nas áreas sociais e do investimento público.

11Dentre as conseqüências mais graves de tal política conservadora, emerge a extrema debilidade dos números relativos ao crescimento da atividade econômica. Entre 2003 e 2006, o crescimento médio do PIB foi de 2,6 %. Caso se considere a dinâmica demográfica, o PIB anual se elevou apenas de 1 % durante o período. Para além das dificuldades específicas relativas a tal ritmo, a situação ficaria ainda mais tensa quando comparada à performance observada em países similares.

12O crescimento anual da atividade econômica na Argentina havia sido de 8,5 % em média desde 2003, ano da chegada ao poder do presidente Kirchner. Na Venezuela, os números mostram um crescimento do PIB ligeiramente superior a 9 %. Na Ásia, os dados seguem na mesma direção, especialmente na China, com taxas próximas a 10 %. Mesmo na América latina, o Brasil estava colocado em penúltimo lugar, com um crescimento um pouco superior ao do Haiti. É claro que os resultados de cada um destes países têm sua própria explicação, resultado de contextos específicos. No entanto, o fato de que o Brasil esteja tão distante da performance por eles apresentada deixa evidente que o governo havia deixado passar uma excelente oportunidade para fazer o país crescer.

13Ao longo do seu primeiro mandato, Lula tentou estabelecer comparações com governantes do passado. De maneira um pouco contraditória, ele ia buscar exemplos nos anos 1950 e 1960, quando as políticas econômicas eram bastante influenciadas por um projeto nacional de desenvolvimento e sofriam fortes críticas dos meios financeiros mais conservadores. Tratava-se de casos como Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek, ex-presidentes que mantêm até hoje uma lembrança bastante positiva junto ao imaginário popular. Getúlio é ainda conhecido como o « pai dos pobres » e as pessoas ainda se lembram de Juscelino por seu governo que teria permitido ao país avançar « cinqüenta anos em cinco ». Era a época de ouro do desenvolvimentismo. Ora, se deixarmos de lado o sucesso das políticas de características assistencialistas como o « Fome Zero », o primeiro mandato de Lula nada trouxe de novo em termos de recuperação do investimento nem do crescimento econômico.

14Ao que tudo indica, Lula compreendeu que era necessário realizar algo nessas áreas. Ao longo das crises políticas sucessivas do primeiro mandato, houve uma oportunidade para a mudança a partir do momento em que Palocci se viu obrigado a pedir demissão. Lula o substituiu por Mantega, ex-ministro do Planejamento, à época ocupando a Presidência do Banco nacional de desenvolvimento econômico e social (BNDES). No entanto, Lula nada fez para limitar a quase-independência de Meirelles no que se refere à política monetária e a definição da taxa de juros. Sua estratégia parecia ser a de assegurar, em um primeiro momento, sua própria reeleição em outubro de 2006, para em seguida enfrentar o novo quadro político : os novos governadores eleitos e nova correlação de forças no interior do Congresso nacional a partir de fevereiro de 2007.

15Rodeado por novos interlocutores na equipe de governo, o Presidente começa a entrar cada vez em contato com outras alternativas a respeito da condução da política econômica. Se quisesse deixar um balanço positivo de sua passagem por oito anos na Presidência da República, percebeu que ao menos os números relativos ao crescimento econômico deveriam ser mais favoráveis. Para atingir tal objetivo, era necessário aumentar os níveis de investimento. Nessa esfera, o Estado deveria estar em condições de desempenhar seu papel de assegurar os recursos, sobretudo nos projetos de infra-estrutura. Tudo parece indicar, portanto, que a decisão de lançar o PAC resulta desse movimento contraditório : um desejo de se distanciar da ortodoxia pura e dura, sem contudo efetuar uma opção clara pelo caminho da heterodoxia.

16De qualquer maneira, Lula se beneficia da conjuntura favorável de um começo da nova legislatura no Congresso, com a possibilidade de obter a maioria necessária para aprovar matérias de alteração constitucional. Isso não impede, por outro lado, que se continue a assistir ao aprofundamento das disputas políticas no interior do governo entre as correntes mais ortodoxas (Meirelles) e o novo grupo que parece contar com mais espaço e poder na composição ministerial desse início do segundo mandato (Mantega e Dilma).

Uma descrição do PAC

17O PAC é constituído de um amplo conjunto de decisões, proposições, projetos e intenções tendo como objetivo tornar os índices de crescimento do período do segundo mandato mais elevados do que os do período 2003-2006.

18Dessa forma, assiste-se a uma mudança importante de comportamento por parte do governo, pois a intenção essencial passa a ser o aumento da velocidade do crescimento econômico. Até então, o modelo adotado considerava o crescimento como o resultado possível de variáveis mais importantes, como a taxa de juros, o superávit primário e o controle da inflação.

19A partir do PAC, a taxa de crescimento passa a ser uma meta a ser atingida pelo governo, em termos de política econômica. Trata-se de uma forma de compromisso de Lula, para que o conjunto de decisões de sua equipe sejam tomadas tendo em vista esse novo dado. Ou seja, buscar um crescimento de 4,5 % do PIB em 2007 e de 5 % nos anos seguintes.

20Dentre as dificuldades colocadas pelo Plano, é necessário ressaltar aquelas de ordem política e institucional. O PAC contém uma série de detalhes, que se diferenciam uns dos outros, sobretudo em termos das possibilidades de colocá-los em ação imediatamente. Alguns aspectos do Plano já estavam prontos há um certo tempo. O que faltava era simplesmente a vontade política por parte do governo para colocá-los em movimento. Outros aspectos dependem de aprovação de leis pelo Congresso, mas o governo pôde anunciá-los de forma imediata graças ao instrumento da « Medida Provisória ». Por fim, há outras propostas que dependem de mudança constitucional. Nesse último caso, a tramitação política poderá ser mais demorada, uma vez que se faz necessária a obtenção de uma maioria de 60 % de votos favoráveis em cada uma das Casas do Congresso.

21Caso tentemos classificar o conjunto dos pontos espalhados do Plano em alguns grupos para facilitar a sua descrição e análise, pode-se chegar ao seguinte quadro :
– uma nova fórmula de cálculo do superávit primário ;
– novos limites e critérios de controle das despesas sociais e de gastos com salários dos servidores públicos ;
– um apelo ao setor privado para participar nos investimentos, ao lado do Estado, no sistema conhecido como PPP, ou seja, « parceria público privada » ;
– um conjunto de decisões visando a redução de impostos e propiciando novos incentivos a empresas atuando em setores considerados como os mais importantes para o crescimento ;
– um conjunto de decisões, que já haviam sido tomadas, mas que não haviam sido utilizadas pelo governo até à véspera do anúncio do Plano.

A nova fórmula de cálculo do superávit primário

22O conceito de superávit primário se espalhou um pouco por todo o mundo, em especial a partir das políticas de ajuste estrutural propostas pelo FMI para os países em desenvolvimento. Na verdade, trata-se simplesmente de uma nova etiqueta para uma velha receita ortodoxa : obter o excedente orçamentário às custas de restrições aplicadas às despesas e direcionar o resultado para o pagamento dos serviços da dívida pública.

23O conceito passou a ser definido de maneira mais explícita, pois uma parcela considerável dos países mudava de opinião num segundo momento, ou seja, após a realização do esforço fiscal. Nesses casos, em função de pressões de natureza social ou política exercidas sobre os governos, os mesmos passavam a utilizar os recursos poupados para outras finalidades que não o pagamento dos serviços da dívida. Assim, com a nova noção de superávit primário, tal compromisso é definido de forma antecipada. Nos acordos com os organismos internacionais, os governos se comprometem com o direcionamento da poupança pública para o pagamento dos serviços financeiros do orçamento.

24No caso específico do PAC, trata-se tão somente de um retorno à situação herdada por Lula em 2003. À época, o compromisso existente frente ao FMI era com a obtenção de um superávit de 3,75 % do PIB e o governo de Lula decidiu elevá-lo por conta própria a 4,25 %. A partir de 2005, porém, o Fundo começa a aceitar os argumentos apresentados há muito tempo por funcionários públicos e técnicos brasileiros na matéria. De acordo com os mesmos, não deveriam ser contabilizados os investimentos (em especial os efetuados por empresas estatais) na metodologia de cálculo do superávit. Isso porque tais itens apresentariam uma natureza econômica completamente diferente, por exemplo, das despesas com salários ou com outras despesas correntes.

25Assim, mesmo que desde 2006 o Brasil não tenha mais nenhum compromisso oficial junto ao FMI, o governo optou por manter a meta de superávit primário dentre seus objetivos centrais. Como o nível de investimentos previstos no Plano plurianual de investimentos (PPI) é de 0,5 % para 2007, a meta de superávit a ser atingido passa a ser reduzida de 4,25 % para 3,75 %.

26Tal decisão permite ao governo dispor de um pouco mais de flexibilidade na gestão orçamentária, com o objetivo de alocar os valores necessários aos investimentos do conjunto do país.

Critérios mais rígidos de controle das despesas sociais e do pagamento de funcionários

27Na direção contrária do ponto anterior, este conjunto de procedimentos pretende mostrar o desejo do governo de reforçar o controle sobre determinadas rubricas de despesas orçamentárias.

28De um lado, ele propõe a prorrogação e o aumento dos níveis da DRU (Desvinculação das receitas da União), tendo como objetivo manter e ampliar as margens de manobra para a execução do orçamento ao longo do ano fiscal. Esta nova possibilidade foi introduzida já há alguns anos, de maneira a permitir ao governo federal escapar das determinações constituições de destinar percentagens fixas do orçamento a setores específicos, tais como educação, saúde e previdência social.

29Por outro lado, o Plano tem o objetivo de limitar as despesas, ao precisar os volumes totais de determinadas rubricas. As mais importantes são as seguintes : i) o aumento real das despesas relacionadas aos benefícios dos servidores públicos da esfera federal não pode ultrapassar a taxa anual de 1,5 % ; ii) o salário mínimo não poderá sofrer um aumento real superior à taxa de crescimento do PIB dos dois últimos anos.

Um apelo ao setor privado a participar do aumento dos investimentos

30O PAC prevê valores elevados para o volume de investimentos a serem realizados no país para o período 2007-2010. Mesmo que ele inove, ao apresentar no Plano de natureza governamental os valores totais relativos aos setores público e privado, o montante de investimentos se aproxima de R$ 500 bilhões, a maior parte de origem estatal.

31Os setores econômicos mais visados são aqueles vinculados à infra-estrutura, um conjunto que necessita muito de investimentos em praticamente todos as áreas como rodovias, portos, aeroportos, geração e distribuição de energia, saneamento urbano, ente outros. Em razão da política orçamentária dos anos anteriores, as necessidades financeiras são ainda mais elevadas hoje em dia. É urgente a realização de investimento, caso contrário corre o risco de sofrer novamente os problemas de falta de energia e as dificuldades nos sistemas de transportes internos e de apoio ao comércio internacional.

32As necessidades estão associadas tanto à recuperação e à manutenção dos sistemas já existentes, assim como à construção de novas estruturas.

33A proposta apresentada pelo governo Lula nessa área é a mesma do governo de Fernando Henrique Cardoso. Trata-se do sistema de associação de recursos públicos e privados por meio do PPP (parceria público privada). Apesar do estímulo do governo, o modelo ainda mantém algumas incertezas e os investidores privados não parecem dispostos a se envolver sem que lhes sejam apresentadas garantias. As questões mais difíceis de resolver são, como sempre, aquelas associadas ao risco da gestão futura dos projetos e aquelas vinculadas às rendas geradas pelos empreendimentos. Em resumo, os investidores privados querem que o Estado assuma para si todos os riscos e lhes garanta a mais ampla liberdade quanto á definição das tarifas dos serviços.

34Como se trata, na maior parte dos casos, de projetos relativos a bens e serviços públicos, permanece sempre um aspecto de regulamentação por parte do Estado. Esta regulação pode ser feita diretamente pelos organismos da administração pública ou por intermédio de agências reguladoras, elas também de caráter público, mas contando com um certo grau de autonomia política e administrativa.

Um conjunto de decisões visando a redução de impostos e propiciando novos incentivos a empresas em setores considerados como os mais importantes para o crescimento

35No interior desse conjunto de propostas, pode-se constatar a preocupação do governo para com dois setores considerados como estratégicos. Aparentemente, eles se complementam, uma vez que um é portador de alta tecnologia e o outro se caracteriza por um baixo nível tecnológico. Um é mais concentrado em termos de capital, o outro é mais dependente de mão-de-obra.

36O primeiro grupo é composto dos setores de informática, de televisão digital e de material eletrônico mais moderno. Tendo por objetivo o estímulo à criação de novas empresas e o aumento na produção de bens, o Plano prevê a redução de impostos diretos e indiretos incidentes sobre toda a cadeia, de modo a permitir a expansão das atividades e a redução dos preços ao consumidor, para viabilizar o incremento da demanda.

37O segundo grupo é o da indústria da construção civil em geral, e do setor da construção residencial em especial. A exemplo do caso anterior, as propostas (algumas já votadas anteriormente pelo Congresso ainda no ano passado) visam a redução de impostos diretos e indiretos existentes em tais atividades. Assim, podem-se beneficiar de tais decisões as próprias empresas do setor, bem como aquelas que desejem investir ou modernizar suas próprias plantas ou instalações.

38Para assegurar as condições de êxito para esse mercado, cujas necessidades de capital são bastante elevadas, o Plano estabelece mecanismos de ampliação das fontes de financiamento da construção e compra de imóveis residenciais destinados à população de baixa renda. Isso torna-se possível graças à utilização de recursos do Fundo de garantia por tempo de serviço (FGTS), para o qual contribuem os trabalhadores e as empresas.

39Uma das funções de tal fundo de gestão pública era justamente o financiamento das atividades do setor da construção civil. Além disso, o PAC prevê o aumento do volume de recursos da mais importante instituição financeira que se dedica à construção civil no país, a « Caixa Econômica Federal » – o segundo maior banco do governo federal. Finalmente, o Plano aumenta os valores disponíveis para o setor privado graças à redução dos impostos que incidem atualmente sobre as determinadas operações financeiras relativas à construção civil, bem como graças à redução das taxas de juros praticadas pelo BNDES nos empréstimos ao setor.

Um conjunto de decisões, que já haviam sido tomadas, mas que não haviam sido utilizadas pelo governo até à véspera do anúncio do Plano, bem como intenções mais gerais e sem impacto imediato sobre o PAC

40Por último, o governo acrescentou ao Plano um conjunto de decisões que já haviam sido validadas anteriormente, mas que permaneciam ainda pouco conhecidas. Ao se apropriar das mesmas, o governo tentava, de alguma forma, recuperar sua memória social a respeito do assunto.

41Os aspectos mais importantes são os seguintes :
– a Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas, votada ainda em 2006 pelo Congresso depois de mais de dez anos de debate ;
– leis a respeito da recriação das agências para o desenvolvimento regional do Nordeste e do Norte (Sudene e Sudam, extintas pelo governo anterior), que estavam em tramitação no Congresso desde 2003 e só foram aprovadas em 2006 ;
– lei que abole o monopólio público sobre o mercado de resseguros, abrindo a possibilidade de entrada de grupos privados internacionais.

Os diferentes enfoques dos analistas

42Quando se leva em consideração as diferentes reações face ao anúncio do PAC, pode-se reagrupar as posições dos economistas e dos especialistas em três grandes blocos. É evidente que tal exercício não permite que se leve em conta todos os detalhes de cada setor afetado ou as queixas dos empresários que não viram seus pleitos atendidos em sua totalidade. Da mesma forma, não se leva em consideração as reações de grupos de interesse regional ou de governadores de Estado que não viram respostas às suas demandas nas proposições apresentadas pelo governo.

43Trata-se apenas de mostrar como o PAC foi percebido como uma possibilidade de retomada do caminho do crescimento, assim como de estudar as observações feitas por pesquisadores e profissionais do ramo.

As críticas que consideram que o Plano significa um retrocesso em termos da consolidação de uma orientação liberal mais pura

44Um primeiro grupo de observadores elabora seu raciocínio a partir de um enfoque bastante ortodoxo e conservador da situação econômica brasileira. Em geral, trata-se de profissionais bastante vinculados aos interesses das organizações e instituições financeiras.

45De acordo com tal perspectiva, a questão mais essencial da política econômica deve continuar sendo evitar o retorno da inflação aos níveis das décadas passadas. Assim, defendem que a manutenção de uma política econômica baseada nas metas de inflação é o instrumento mais seguro e que toda tentativa de se distanciar desse objetivo pode se revelar muito perigoso para o chamado equilíbrio macro-econômico. Dessa forma, manter taxas de juros elevadas seria o custo a pagar, caso a sociedade quisesse mesmo se precaver contra a alta dos preços.

46Os economistas que defendem tal visão da realidade não são, portanto, em nada favoráveis à idéia de definir, previamente, um objetivo de taxa de crescimento para o conjunto das atividades econômicas do país. Em regra geral, eles acreditam no fenômeno do crescimento endógeno, ou seja, que este é apenas uma conseqüência do modelo e nunca uma variável sobre a qual o governo possa fixar um valor a ser atingido. De acordo com determinadas previsões de modelos econométricos, o crescimento do PIB a 5 % como previsto para 2008 no PAC só poderia ser atingido em 2017. Em caso contrário, o país estaria destinado a se defrontar com graves problemas de desequilíbrio macro-econômico.

Para evitar tal situação, as receitas de política econômica são aquelas que já têm sido colocadas em prática há muito tempo. Ou seja, instaurar um controle rígido sobre as contas orçamentárias, de maneira a assegurar o pagamento dos serviços da dívida pública, bem como a implementação de medidas para redução ao máximo tudo o que ainda resta da presença do Estado em termos de atividade econômica.

47Ora, se o ponto de partida é esse conjunto de hipóteses, não se pode esperar realmente outro tipo de avaliação do PAC, que não esta crítica severa. Na realidade, o Plano estabelece os níveis de crescimento econômico que se pretende atingir até 2010. Em seguida, ele estimula o Estado a intervir para favorecer o aumento da taxa de investimento na economia. O Plano reduz o nível de superávit primário e prevê um aumento nas despesas públicas, além daquelas dirigidas ao pagamento dos serviços da dívida. O Plano prevê a concessão de redução de impostos em alguns setores, tendo como eventual corolário a redução de receitas orçamentárias.

48Em síntese, esse conjunto de posições considera o PAC como mais uma aventura demagógica e populista, que coloca em perigo a estabilidade econômica obtida após o Plano Real de 1994 e, sobretudo, depois da adoção da política de câmbio baseada na livre flutuação implantada em 1998.

As análises daqueles que são favoráveis ao PAC por uma questão de princípio, em função de sua prioridade de aumentar o crescimento econômico

49Esse grupo de analistas tende a apoiar o PAC praticamente sem restrições. É claro que dentre eles se encontram especialistas com um discurso bastante politizado, no sentido que procuram defender as políticas do governo a qualquer custo. Esse argumento vê-se ainda mais reforçado pelo fato de se tratar de uma primeira experiência de Lula, na condição de presidente da República, de fazer uma tentativa no campo da heterodoxia econômica, não obstante suas proporções bastante reduzidas.

50Ainda de acordo com essa lógica, se um dos objetivos a se buscar era a redução da força e da presença dos elementos conservadores no interior do governo e dos meios de comunicação, tratava-se de aproveitar ao máximo dessa situação política favorável criada pelo anúncio do PAC. Era a oportunidade de mostrar de forma ampla que havia uma outra possibilidade de encarar os fatores econômicos sem cair na crise ou no caos como sempre fora anunciada até então.

51Como todos estavam de acordo sobre o fato de que o crescimento é a condição necessária para qualquer tipo de projeto de futuro para o país, todos reafirmaram seu apoio político ao Plano e buscaram a mobilização da opinião pública na mesma direção. Para eles, o Plano em si já representaria uma ruptura com a hegemonia da equipe anterior, dirigida por Palocci. E, além disso, a posição de Meirelles parece cada vez mais fragilizada no interior do governo. Assim, não lhes parece um problema o fato do Plano não se preocupar com outros aspectos, tais como a dimensão social do crescimento, a questão do desenvolvimento ou a questão do excesso de autonomia concedida na condução da política monetária.

52Outros raciocinam de forma semelhante, mas sem tanta elaboração estratégica. Eles apenas consideram que o Plano é suficiente da forma como ele foi concebido e que não é necessário avançar mais. É o caso, por exemplo, dos setores que representam os interesses dos industriais, que se contentam com o crescimento da economia em geral e com a baixa dos impostos. É evidente que eles propõem também a redução da taxa de juros, mas apenas numa segunda fase, a qual não deveria demorar muito. Para eles, o caminho já estaria assegurado nesta direção.

As avaliações daqueles que consideram as decisões do PAC como importantes para avançar rumo a um novo modelo de desenvolvimento, mas com críticas e observações para aperfeiçoá-lo e deixá-lo menos tímido

53No interior deste último grupo, encontram-se aqueles que encaram o PAC como um primeiro passo à frente, mas ainda sem estarem plenamente convencidos a respeito das decisões do governo. A maior parte dos analistas critica a ausência de medidas para enfrentar os problemas mais graves da crise social e econômica do país.

54Suas declarações vão no sentido de assinalar os elementos positivos do Plano, sem esquecer no entanto de apontar as faltas. Reconhecem que a primeira coisa é realmente retomar a atividade econômica e atingir taxas de crescimento do PIB mais elevadas. Mas o crescimento econômico, observam por outro lado, não é neutro. Assim, poder-se-ia assistir, como aconteceu no passado, a períodos de aumentos anuais do PIB sem que seja alcançada uma melhoria na distribuição da renda no interior da sociedade.

55Eles acentuam que o governo deveria ter apresentado, paralelamente ao Plano, medidas complementares com o objetivo de resolver os problemas das enormes desigualdades que caracterizam a sociedade brasileira. Ou seja, formular propostas para se distanciar da célebre frase de Delfim Netto, à época do milagre econômico dos anos 1970, sob a ditadura militar, que dizia que era « necessário primeiro esperar o bolo crescer para depois então dividi-lo ».

56Aparentemente, a lógica do Plano não é muito diferente de tal raciocínio, uma vez que ele prevê justamente a limitação de medidas para recuperação e aumento do poder de compra do salário mínimo e dos benefícios da previdência social – o que constitui um obstáculo ao aumento do poder de compra das camadas mais desprotegidas da população. Esta contradição torna-se ainda mais evidente quando se percebe que o Plano não se preocupa com as enormes transferências de renda orçamentária em direção do setor financeiro, uma vez que é mantido o compromisso com o superávit primário, ainda que com a baixa de 0,5 % em relação à média dos anos anteriores.

57Por outro lado, reforça-se a crítica quanto à ausência de propostas relativas à política monetária e a taxa de juros. Tal dimensão é bastante importante, principalmente quando o governo espera que os investidores privados participem com seus recursos para reforçar os projetos previstos no Plano. No caso em que a definição da política monetária continue independente dos objetivos de crescimento econômico, parece evidente que os capitais não se deslocarão tão facilmente da esfera do financeiro para investir na produção de bens e serviços, ou seja, no setor real da economia.

58Tal tensão era bastante visível já no dia seguinte ao anúncio do Plano, quando a reunião do comitê encarregado da definição da política monetária anunciou sua decisão de desacelerar o ritmo de redução das taxas de juros – um sinal bastante negativo para o início de um Plano que busca a aceleração do crescimento.

Fevereiro 2007

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Pour citer cet article

Référence papier

Paulo Kliass, « O início do segundo mandato de Lula e o plano de aceleração do crescimento »Lusotopie, XIV(2) | 2007, 157-168.

Référence électronique

Paulo Kliass, « O início do segundo mandato de Lula e o plano de aceleração do crescimento »Lusotopie [En ligne], XIV(2) | 2007, mis en ligne le 25 mars 2016, consulté le 23 janvier 2025. URL : http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/lusotopie/986 ; DOI : https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.1163/17683084-01402011

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Auteur

Paulo Kliass

Université Paris 13. Ministério do Planejamento (Brasília)

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Le texte et les autres éléments (illustrations, fichiers annexes importés), sont « Tous droits réservés », sauf mention contraire.

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