“Votar é gastar tempo em Angola”, jovem anónimo.
“Votar é um dever do cidadão”, jovem anónimo.
“É importante votar, para os que comem”, jovem anónimo.
1O objetivo deste estudo é contribuir para aumentar o corpo de conhecimento sobre as dinâmicas de participação democrática, cívica e política de jovens angolanas e angolanos e analisar algumas facetas da eficácia política, mais especificamente nas eleições de 2022. A eficácia política é um conceito contestado, desenvolvido e aprimorado desde que foi proposto nos anos 1950 (Campbell et al. 1954, Craig & Maggiotto 1982, Scotto et al. 2021) e, na altura, definido como o “sentimento de que a mudança política e social é possível e que o cidadão individual pode desempenhar um papel na concretização dessa mudança” (Campbell et al. 1954: 187). Expor a participação democrática, cívica e política sob o prisma da eficácia política nos permite dar enfoque à perceção, ou seja, à autoavaliação da juventude angolana sobre a capacidade que possuem para a sua participação política e, concomitantemente, à avaliação que fazem sobre a responsividade do próprio sistema político. Embora o conceito tenha sido adotado predominantemente em análises quantitativas, o presente estudo expõe a eficácia política para uma abordagem mais qualitativa, que serve para um melhor entendimento das dinâmicas da participação democrática, cívica e política no contexto angolano. O estudo baseia-se em monitoria de canais de comunicação, escrutínio dos programas políticos e um inquérito. Por via de uma análise discursiva (Fairclough 2014) e temática, e sob o prisma da eficácia política, frisamos as preocupações identificadas, as demandas articuladas e as preocupações expressas nos discursos da juventude benguelense que participou neste estudo, ao longo da campanha eleitoral em 2022 e, sobretudo, no inquérito realizado na véspera das eleições deste mesmo ano.
2Importa salientar que esse foco permite analisar a(s) dinâmica(s) entre o processo eleitoral e a participação democrática num sentido mais amplo (Seligson & Booth 1995, Verde 2021, Nhamirre 2022, Nhamirre & Abreu 2022, Bye et al. 2023), assim como explorar as perspetivas existentes, quer do ponto de vista teórico, quer do ponto de vista empírico, sobre a participação democrática, cívica e política juvenil ao nível global, no continente africano e em Angola (Abbink & van Kessel 2005) por um lado, e a perceção das pessoas jovens que participaram no âmbito do presente estudo do(s) espaço(s) democrático(s) (Roque 2021, Troco 2019, Oliveira 2015), por outro. Ao adotar uma perspetiva “de baixo para cima” e ao trazer ao cerne do debate as vozes e as perspetivas da juventude angolana residente fora da cidade capital de Luanda, visamos oferecer perspetivas distintas e contribuir para um melhor entendimento das dinâmicas da participação democrática, cívica e política deste grupo e, explorar com mais atenção a pluralidade dessa participação.
3Os estudos no âmbito de outros contextos e regiões ao nível global mostram que as disparidades económicas, desigualdades num sentido mais geral, e taxas altas de desemprego juvenil são fatores que influenciam a participação política. Por um lado, a juventude representa o futuro, mas, por outro, a sociedade enfrenta o desafio da inserção de um grande número de jovens na ordem socioeconómica e política. A falta de conciliação desses dois fatores pode levar a uma perceção de ineficácia da participação política ou a uma alienação política (e social), tal como foi referida por Frantz Fanon (Fanon 1952, Reite & Prémat 2018), que descreveu três dimensões de alienação entrelaçados: a subjetiva, a cultural e a política, sublinhando a prevalência das condições de colonialidade em tempos pós-coloniais.
4Fanon é considerado um pioneiro entre os pensadores categorizados como pós-colonialistas e o primeiro teórico que defendia a necessidade de romper por completo com o sistema colonial. No seu texto Les damnés de la terre (Os condenados da Terra) (1961), discute o perigo da perpetuação de condições de colonialidade em tempos pós-coloniais e o perigo de uma colisão entre a elite do sistema colonial com a nova elite (Reite 2019: 37). Essa análise torna-o relevante para o contexto angolano atual. No entanto, a noção tem sido desenvolvida e continua a ser amplamente adotada em estudos mais recentes (Finifter 1970, Schwartz 2017, Igiebor 2022, Mavee 2019).
5O pano de fundo deste estudo é, primeiramente, atestar que tanto no contexto angolano, como noutros ao nível do continente africano, há uma população crescente de jovens, instruídos, ou não, que enfrenta, em graus diferentes, a falta de oportunidades, a mobilidade social bloqueada e o desespero quanto ao futuro. Em outros contextos, observa-se que novas dinâmicas políticas surgem, muitas vezes, fora do âmbito da política institucionalizada ou partidária, desencadeando ativismo e outras manifestações da atividade política, incluindo a da violência (Abbink & van Kessel 2005, Van Gyampo & Anyidoho 2019). Assim, pretende-se estudar as dinâmicas de participação política no contexto angolano onde até o momento esses fenómenos estão pouco estudados. É de realçar que a taxa de abstenção eleitoral em Angola está cada vez maior. Com uma população votante cada vez mais jovem, torna-se fundamental melhor entender as dinâmicas referidas.
6Em linha com muitos outros países na região, Angola é um país com uma população extremamente jovem e, em termos sociodemográficos, está a se tornar cada vez mais jovem. Com uma população de cerca de 33 milhões de habitantes, e uma taxa de crescimento de 3,1%, a população do país duplicará em 20 anos (INE 2016). Nas primeiras eleições, em 1992, a participação esteve em torno dos 92%; este percentual foi reduzindo em cada pleito eleitoral, tendo chegado aos 55% nas últimas eleições de 2022 (Monteiro 2023), a taxa mais baixa observada em Angola.
7Em segundo, Angola é um país com disparidades sociais e económicas significativas, o que também é atestado pelo índice de Gini de 51,3% (2018, Banco Mundial). Dados oficiais do Instituto Nacional de Estatística (INE 2020) afirmam que Benguela, ao lado de outras quatro províncias, incluindo Luanda e a Huíla, apresenta o índice de Gini significativamente alto, acima do nacional (0,60-0,67). A incidência de pobreza no país é de 32% a nível nacional, 18% nas áreas urbanas e 54% nas áreas rurais (Inquérito Sobre Despesas, Receitas e Emprego em Angola – IDREA 2018-2019, INE 2020). Em Luanda, a capital, menos de 10% da população vive numa situação definida como abaixo da linha da pobreza, enquanto as províncias do Cunene (54%), Moxico (52%) e Kwanza Sul (50%) apresentam uma prevalência de pobreza muito mais elevada.
8O terceiro aspeto, é a situação de empregabilidade e acesso ao emprego. O Inquérito ao Emprego em Angola – IEA (INE 2022) traz uma taxa de atividade mais alta nas zonas rurais do que nas áreas urbanas e revela diferenças significativas entre os grupos etários. A taxa de desemprego no grupo das pessoas mais jovens, entre os 15-24 anos de idade, é alta, situada entre os 57,7% em 2021 e 63,5% no primeiro trimestre de 2024 (INE 2022, 2024). Em comparação, a taxa de emprego das/os jovens com 15-24 anos é de 30 % (INE 2024). A taxa de crescimento da população torna-a cada vez mais jovem, conforme dados do índice de rejuvenescimento da população ativa. Esse índice relaciona a população com 20-29 anos de idade com aquela entre os 55-64 anos.
9Em 2014, este índice era de 457, o que significa que, potencialmente, por cada 100 pessoas que saem do mercado de trabalho, entram 457, isto é, o número de pessoas a entrar no mercado de trabalho é significativamente superior ao número de pessoas que saem. Tal como em muitos outros países, a juventude nas zonas urbanas enfrenta os maiores desafios no mercado laboral. Olhando as tendências no período 2014-2020, a taxa de desemprego ao nível nacional tende a crescer de 24,2% em 2014 a 30,6% em 2021 (UCAN 2021). Os dados mais recentes mostram que a situação de desemprego juvenil na província de Benguela não se distingue substancialmente do nível nacional (INE 2022).
- 1 Movimento Popular de Libertação de Angola.
- 2 União Nacional para a Independência Total de Angola.
10Portanto, com base neste cenário, o nosso foco em estudar a juventude e a participação política em Angola desde uma perspetiva provincial não é uma escolha aleatória. Muito pelo contrário: optamos por abordar esta temática, ao longo da campanha eleitoral em 2022 entre jovens na província de Benguela, pela sua importância em termos económicos e políticos, mas, sobretudo, porque em termos populacionais é a terceira maior província de Angola e cuja participação eleitoral ficou abaixo da média nacional (49%). Igualmente, é de realçar que o MPLA1 perdeu um mandato parlamentar à UNITA2 nessa província nas eleições em 2022.
11Uma questão-chave no âmbito da nossa pesquisa é, primeiro, saber quais são as demandas, isto é, as preocupações e as prioridades expressas pela juventude angolana. Em segundo lugar, saber quais são as perceções desta juventude sobre a eficácia da sua participação política, isto é, a perceção sobre a capacidade que possuem para a sua participação política e, concomitantemente, a avaliação que fazem sobre a responsividade do próprio sistema político. Em seguida, pretendemos entender até que ponto existe uma congruência entre a agenda política expressa pela população jovem da província de Benguela, as prioridades nos programas dos partidos políticos e a pauta da média angolana e a importância que essa congruência tem para a perceção da eficácia política.
12O estudo visa responder a essas questões e, ao mesmo tempo, relacionar os resultados das análises com as dinâmicas de participação política da juventude em outros contextos, com realce para a realidade de outros países da África subsaariana.
13O texto está estruturado em duas secções. Depois da introdução, na primeira secção apresenta-se uma síntese do contexto eleitoral angolano. A seguir, expõem-se as demandas da juventude verificadas nos discursos expressas no inquérito, junto com uma análise da congruência temática entre essas demandas e as prioridades nos programas políticos do MPLA e da UNITA e no debate público mediático. Por fim, apresenta-se, sob o prisma principal da eficácia política, as considerações finais.
14Em Agosto de 2022, Angola realizou o seu quarto pleito eleitoral multipartidário, desde que se assumiu constitucionalmente como Estado Democrático e de Direito (Lei Constitucional: Angola 1991). Segundo a Comissão Nacional Eleitoral (CNE), o MPLA, partido no poder desde a independência do país, em 1975, ganhou estas eleições com 51,17% dos votos exprimidos. Contudo, o contexto eleitoral angolano não se pode separar da economia política de libertação e da descolonização e dos interesses e posicionamentos de diferentes atores, quer nacionais quer internacionais, nos processos de luta anticolonial e na criação do Estado-nação angolano.
15Os dois maiores movimentos de libertação e atores na luta anticolonial foram inicialmente a FNLA e o MPLA e, a partir de 1974, a UNITA tornou-se o maior ator e o principal adversário do MPLA. O conflito armado entre a UNITA e o MPLA eclodiu logo após a proclamação da independência em 1975. Na altura, os dois adversários já foram reconhecidos como partidos políticos. Essa guerra civil foi no cerne dos interesses geopolíticos dos adversários na Guerra Fria e o envolvimento militar estrangeiro foi alto dos dois lados. Depois de dezassete anos de conflito, e com a mediação das Nações Unidas, os dois partidos assinaram o acordo de Bicesse em 1991, que deu lugar às primeiras eleições diretas e abertas a todo o povo que aconteceram em 1992.
16Nesta eleição, dois dos principais movimentos de libertação nacional (UNITA e MPLA) obtiveram votos para uma segunda volta que nunca aconteceu, pois, após a divulgação dos resultados da votação, a UNITA terá recusado a aceitar os resultados da primeira volta que davam vantagem percentual ao MPLA. No entanto, a percepção dos eventos é contestada e Roque (2021) aponta para uma estratégia de violência iniciada pelo MPLA que impulsionou os adversários a mergulhar de novo na guerra civil que durou até 2002, o ano da morte de Jonas Savimbi, o líder da UNITA. Segundo a pesquisadora, essa transição foi um momento crucial na morfose do Estado angolano para uma entidade “securizada”, que adota estratégias de securitização para apoiar a sobrevivência do regime (2021). Roque aponta para várias táticas de coerção e controlo através da revigoração do papel dos líderes tradicionais, e do empoderamento das instituições religiosas. Outros estudos apontam para as políticas de autonomia local e autarquias que reapareceram durante as últimas campanhas eleitorais.
17Nas eleições de 1992, a Lei Constitucional estabelecia a votação direta para titulares dos órgãos de soberania, tanto para o poder legislativo como o executivo (Presidente da República). Em 2008, seis anos depois dos acordos de paz de Luena, assinados em 2002, foi realizado o segundo pleito eleitoral, nos mesmos termos constitucionais de 1992, com a vitória do partido MPLA, seguido pela UNITA. O posicionamento de facto do MPLA como “governo” em fusão com o “estado”, consolidado durante todo o conflito armado pós-independência em 1975, semeava o que posteriormente refortaleceu e estabeleceu uma concentração e justaposição dos poderes políticos e do controlo direto dos recursos económicos cada vez maior (Oliveira 2015, Roque 2021, Verde 2021), além de oferecer oportunidades de enriquecimento pessoal, o que Verde descreve como cleptocracia.
18O perfil sociodemográfico dos afiliados, simpatizantes, votantes do MPLA foi, inicialmente, distinto ao perfil da UNITA. Enquanto o MPLA recebeu o seu apoio nas zonas urbanas, em particular nas cidades costais de Luanda, Benguela e no Lobito, a UNITA recebeu o seu apoio nas zonas rurais.
19O ano de 2010 marcou a história política do país. Foi aprovado um novo texto constitucional que alterou o regime político e de votação, determinando que o Presidente da República e deputadas/os passariam a ser eleitos num único boletim de voto – eleições gerais. Vários estudos relacionam essa alteração do sistema eleitoral como um facto que apoiou o autoritarismo eleitoral (Troco 2019), e mais especificamente montado para fazer face à queda na popularidade do então presidente angolano (Roque 2021). As novas regras passaram a valer nas terceiras eleições, em 2012, também vencidas pelo MPLA, com a UNITA em segundo lugar. Igual cenário ocorreu em 2017, no quarto pleito, assim como no último, em 2022. As demandas para um sistema de eleição presidencial direto foram expressas pela oposição durante a campanha eleitoral 2022.
- 3 Actividades de activismo ou participação política através de performances artísticas e expressivida (...)
20A hegemonia do partido MPLA e a concentração do poder na figura do presidente da república têm sido evidentes desde 1992. A arena político-partidária foi representada, principalmente, por dois partidos no período. Porém, dez meses antes das eleições de 2022, a UNITA conseguiu organizar uma frente de oposição mais ampla, a Frente Patriótica Unida (FPU), na tentativa de maximizar a possibilidade de uma mudança política. A FPU incluiu a UNITA, o Bloco Democrático (BD), o Projeto político Pra-Já Servir Angola (Pra-Já), além de membros da Sociedade Civil Angolana (académicos, jovens activistas da sociedade civil ligados ao Street3 e ao ativismo virtual e a alguns empresários).
21Essa inovação, sem precedentes para o contexto angolano, congregou diferentes personalidades e maneiras de fazer política; com origens étnicas relativamente diversas, esperava-se que unidos aumentariam a capacidade de mobilizar e atrair votos de diferentes estratos sociais. Tendo em conta a personificação do palco político, essa modificação da tática da UNITA foi possibilitada por causa do novo presidente do partido e por uma nova direção que rompeu com todas as tradições da UNITA em várias dimensões. O presidente passou a ser civil em vez de militar, um mestiço (em vez de negro), católico (em vez de congregacionalista), oriundo da região de Luanda (e não das regiões que historicamente apoiaram a UNITA).
- 4 A Convergência Ampla de Salvação de Angola – Coligação Eleitoral, geralmente designada apenas pela (...)
22Diferente da CASA-CE4, uma coligação eleitoral criada em 2012, a FPU foi estabelecida como uma plataforma eleitoral simples. Uma coligação eleitoral exigiria um registo obrigatório no Tribunal Constitucional, que facilmente poderia ser rejeitado. Consequentemente, a FPU não apresentou a sua própria lista para as eleições e os membros não unidirecionais foram adicionados como candidatos na lista da UNITA, dando a este partido uma vantagem comparativa óbvia na aliança. Aparentemente, esse modelo foi escolhido como um reflexo de decisões anteriores do Tribunal Constitucional, em desqualificar ou rejeitar coligações partidárias lideradas por políticos que haviam quebrado com partidos estabelecidos. Ao longo da campanha eleitoral havia muitas expectativas sobre uma possível alternância (Bye et al. 2023).
23A FPU mudou a economia política, quebrando o até recentemente domínio do MPLA. Além da FPU, existem outros actores que também pleiteiam neste espaço, como as associações e organizações não governamentais, e mais recentemente, as plataformas e “placas” de mobilização e ativismo, criadas sobretudo por jovens, como o “movimento revolucionário”, Projecto Agir, Movimento Cívico Mudei, etc.
24Outrossim, nas eleições de 2022, os partidos trouxeram e apresentaram as suas propostas de governo para o país. Neste cenário de descrição do contexto eleitoral, urge compreender até que ponto as prioridades, os temas e os discursos foram de encontro (ou não) às demandas reais da população, especialmente da juventude benguelense.
25Escolhemos a província de Benguela e a cidade capital, Benguela, por ter sido uma província de importância estratégica em termos políticos e económicos ao longo da história angolana e o corredor de Lobito, um porto natural de alta importância que, junto com a linha férrea, representa um nó de comunicação e transporte chave, cujo desenvolvimento continua sendo uma das prioridades nas estratégias de dos projetos de investimento público, ou seja, de parceria público-privado que se encaixa na estratégia de desenvolvimento e diversificação da economia. Até as eleições de 2022, o MPLA sempre deteve uma posição forte, exemplificada pelos eventos da chamada “guerra de 55 dias” em 1992, logo após as eleições, onde a UNITA tentou tomar posse da cidade de Benguela, e a «resistência da “República Socialista de Benguela” conseguiu manter, sob controlo do MPLA, o porto do Lobito, ponto de escoamento do Caminho de Ferro de Benguela. A cidade de Benguela é um espaço cujo domínio historicamente tem sido disputado.
- 5 Para a coleta de dados, a presente pesquisa empregou, entre outras técnicas, um questionário padron (...)
26Este estudo tem como base três fontes de dados, que serão apresentados um por um seguido de uma síntese das principais constatações. Começamos por apresentar os (1) resultados do inquérito realizado na véspera das eleições, dando ênfase às temáticas chaves, às áreas salientadas pelos jovens inquiridos e consideradas ausentes na campanha eleitoral. A recolha de dados foi realizada por uma brigada de inquiridores constituída por jovens voluntários naturais e/ou residentes em diversas zonas da província de Benguela. Para conseguir maior disseminação possível do inquérito, foram constituídas 9 equipas organizadas em duplas, que trabalharam em 6 municípios desta província5 e cobriram, ao todo, 33 bairros.
27No total, foram 1 311 respondentes, dos quais 77,2% têm entre os 18-35 anos, sendo que 97% eram residentes na província de Benguela. A maioria dos respondentes foi homens (62,5%) e constatou-se uma proporção substancialmente menor de mulheres dispostas a responder (37,5%) o que pode indicar uma participação política menor das mulheres.
28A seguir, apresentamos, em ordem de frequência e predominância, (2) as temáticas chaves nos manifestos dos programas políticos dos dois maiores partidos, nomeadamente o MPLA e a UNITA. Por último, serão apresentadas (3) as temáticas divulgadas nos canais de comunicação.
29Das pessoas inquiridas, 90% (1 170 respostas) afirmaram que consideraram importante participar nas eleições, e 5% (63 respostas) responderam que não. As outras categorias foram talvez (46 respostas), sou indiferente (20 respostas) e outro (4 respostas). A pergunta incluía um espaço aberto para comentários. Neste espaço, as pessoas inquiridas podiam justificar as suas opiniões. Muitos dos comentários realçaram a importância de votar e salientaram, sobretudo, que o voto é parte integrante do exercício da cidadania: “votar é um dever do cidadão” e, “é importante sim... pois é um acto democrático” onde diagnosticaram que o “cidadão escolhe livremente o seu candidato”. Os discursos refletem uma perspetiva normativa sobre a participação eleitoral como uma ação chave num sistema politico.
30Pedimos também às pessoas para indicarem a probabilidade, em termos de percentagem, da participação nas eleições e a média foi de 77% (de 1 275 respostas), uma percentagem consideravelmente maior do que a participação verificada (49% da população votante). Solicitámos comentários em forma de espaços abertos sobre as eleições e a participação por parte das pessoas inquiridas. As respostas fornecem um conhecimento melhor sobre as demandas e as preocupações da juventude, as suas perceções gerais sobre o tecido social, político e económico, incluindo o próprio processo eleitoral. Os temas que sobressaíram nos resultados são apresentados a seguir.
31Um certo grupo de comentários expressou falta de confiança no sistema político-partidário e falta de credibilidade do sistema eleitoral angolano: “O voto torna-se importante quando o partido vencedor estiver a governar bem”, “Votar é gastar tempo em Angola”, “Espero que não haja roubo no voto” e “A CNE [Comissão Nacional Eleitoral] mantém os mortos nas listas, a falta de transparência e justiça faz com que o partido no poder faça de tudo para se manter no poder. Por isso é indiferente para mim!”. Estes discursos vão no mesmo sentido das demandas mais prementes constatadas ao longo da campanha eleitoral de 2022. Basicamente, a necessidade de se criar maior imparcialidade na nomeação dos membros da CNE, realizar-se uma auditoria do registo eleitoral e assegurar maior cumprimento do quadro legal e regulativo. Troco (2019) descreve o sistema eleitoral em vários contextos africanos, e em Angola, como autoritarismo eleitoral, apontando para as fragilidades deste sistema, em que se inclui os pontos levantados.
32Esses discursos estão intrinsecamente ligados aos comentários que as pessoas participantes fizeram sobre a probabilidade de elas próprias participarem nas eleições. Várias respondentes reclamaram por não poder votar por falta de obtenção de bilhete de identidade atempadamente, por estarem registadas em localidades de voto distantes e por não possuírem dinheiro para financiar a viagem para ir votar na localidade indicada.
33A ameaça de rebentar um novo conflito armado ou uma nova guerra é um dos grandes discursos sócio-historicamente contruídos que fundamentou a hegemonia do partido político MPLA e também apoiou a securitização do Estado (Roque 2021). Alguns comentários verificados apontam para uma contínua circulação desse discurso: “Espero que tudo corra dentro de um clima de paz” e outros comentários apontam para uma alienação política geral, potencialmente ligada à possibilidade de represálias ou retaliações, como no exemplo: “não gosto falar de política” que ressoa com as letras da famosa canção Velha Chica de Waldemar Bastos: “Xê, menino, não fala política”.
34É notável que muitos dos comentários que descrevem uma alienação política são ligados à situação de pobreza e a preocupação cotidiana para os que passam fome e vivem em condições de precariedade alimentar sem acesso às condições básicas de bem-estar: “Sim, é importante votar para os que comem bem. Nós estamos a sofrer na praça” e “Não vou votar porque se não ir zungar meus filhos não vão comer”.
35Constata-se que a autoavaliação das pessoas inquiridas sobre a capacidade que possuem para a sua participação política tende a ser mais positiva do que a avaliação que as mesmas pessoas jovens fazem sobre a responsividade do próprio sistema político. Além disso, parece haver uma correlação positiva entre a alienação política, ou seja, a participação política e o nível de bem-estar: quanto mais pobre, menor a participação política ou eleitoral. Essa constatação foi feita também em estudos realizados de outros contextos (Shaub 2021).
36A seguir, apresentamos uma análise temática destacando as áreas salientadas como chave, mas que foram consideradas ausentes na campanha eleitoral. Essas temáticas agrupam-se em quatro grandes categorias. Em primeiro lugar, “Governação política, corrupção, combate a criminalidade”. É interessante notar que a categoria temática que engloba mais comentários (25,6%) trata-se de tópicos relacionados ao próprio sistema político angolano.
37A categoria (1) “Governação política, corrupção, combate a criminalidade”, foi criada com base nos comentários escritos nos inquéritos, no espaço para comentários, e capta reivindicações e prioridades avaliadas como temática chave, porém consideradas ausentes na campanha eleitoral. Esta categoria incluía comentários como: “Criminalidade”, que foi o tema mais frequente, e em ordem de repetição decrescente: “Promessa não cumprida”; “Cidadania”, “Descentralização Administrativa”; “Aproximação dos serviços públicos aos cidadãos”; “Apresentação do orçamento geral do estado”; “mudança”, “alternância” e “combate à corrupção”.
38A segunda categoria (2) “Pobreza”, com peso ligeiramente menor do que a primeira categoria (25,1%), “Governação”, capta os comentários sobre o impacto para as cidadãs/ os cidadãos da política económica, incluindo a falta de mecanismos de redistribuição. “Pobreza”, capta comentários que incluem, em ordem de frequência decrescente: “o aumento no custo da cesta básica”; “a fome”; “a grande desigualdade”; “acesso à água (potável)”; “salários baixos”; “melhoramento da vida dos angolanos”; “Não olhão (olham) pela população mais carente”; “Programas de melhoria da qualidade de vida”; “luz” e “energia”.
39Demandas como “Emprego, sobretudo aos jovens e a dinâmica económica” constituiu a terceira (3) categoria de prioridades que foram consideradas ausentes na campanha eleitoral. Um total de 20% das respostas encontra-se nessa categoria. Em ordem de frequência e sequência decrescente figuram comentários sobre: “emprego”; “trabalho”; “desemprego”; “empregabilidade”; “emprego juventude”; “desenvolvimento”; “diversificação económica” e “indústria. A demanda de emprego sobressai como a demanda específica número um no inquérito realizado.
40Em quarto (4) e último lugar encontram-se os comentários agrupados na categoria “Melhoria nos serviços públicos básicos” que representa 19% das respostas. Nessa categoria, as temáticas chaves mais ausentes durante a campanha eleitoral incluíram, em ordem de frequência e sequência decrescente: “melhoria ou acesso a saneamento básico”, “saúde”; “educação” e incluem também comentários como “Inclusão escolar, no verdadeiro sentido”, uma demanda que aponta para uma falta de inclusão real por causa das propinas ou mensalidades, demandas de pagamentos aos professores, falta de acesso às escolas de qualidade e a uma distância que permite aos alunos frequentar a escola. E outros obstáculos que diminuem o acesso real, “alfabetização” e “Salvaguardar a sanidade mental da Sociedade”, assim como algumas preocupações mais específicas no que se refere ao transporte.
41As quatro categorias agrupadas acima incorporam um total de 89% dos comentários sobre as temáticas importantes indicadas pelos jovens participantes, mas consideradas ausentes durante a campanha eleitoral. É de salientar que as respostas incluíram, também, comentários que apontam para uma alienação e um afastamento político considerável, tais como: “Não consigo explicar tenho muita raiva”, “Tá tudo bem pelas promessas”. O primeiro manifesta desespero e raiva e o segundo expressa uma resignação causada pela falta de confiança no sistema político-partidário e no sistema eleitoral, elementos que fazem parte do conceito de eficácia política.
42A seguir, apresenta-se uma análise temática dos programas dos dois principais partidos políticos para avaliar até que ponto as temáticas consideradas chave – mas, ausentes na campanha eleitoral segundo as pessoas jovens que participaram no inquérito – aparecem nos programas dos dois principais partidos políticos.
43A UNITA visava posicionar-se como o partido da juventude no seu programa político e os principais temas direcionados à juventude angolana previam:
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inclusão das expectativas das camadas mais jovens na formulação de políticas;
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reforçar as acções de divulgação, participação e formação da população jovem com vista a uma execução eficaz de uma presença cívica mais activa;
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valorizar as iniciativas associativas e cooperativistas como forma de participação comunitária;
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dar instrumentos aos jovens para que possam ter impacto adicional na sociedade;
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legislar no sentido de adaptar os programas electivos para jovens com mais de 10 anos por forma a lhes serem ministrados conteúdos orientados ao empreendedorismo;
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criar feiras e concursos nacionais e regionais de empreendedorismo com prémios e acesso a financiamento bancário para os mais relevantes;
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fomentar na juventude iniciativas inovadoras e potenciadoras de participação na actividade económico-empresarial;
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alocar uma linha de crédito especial para enquadramento de iniciativas da juventude;
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criar mecanismos de induzir a banca comercial no apoio aos empreendedores jovens de elevado potencial; e
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promover a despartidarização do conselho nacional da juventude.
44Contudo, para o partido, “[...] os jovens são o futuro de Angola, e é a juventude que vai liderar o pensamento tecnológico do futuro, que começou agora” (UNITA 2022a: 37). O partido se compromete a reforçar a participação de jovens nas decisões políticas e na política, quer seja pela aposta na formação cívica como na (re)constituição de espaços específicos para abordar questões da, pela e para a juventude.
45Igualmente, promete investir mais na área económica, especificamente, no estímulo à participação da juventude na agricultura, silvicultura, aquicultura e pecuária; qualificação de jovens e adultos ao nível do secundário”; (UNITA 2022a: 43); acesso ao emprego, promover a redução das desigualdades de oportunidades entre jovens e adultos (UNITA 2022a: 65). Por último, a UNITA assume o compromisso de adoptar programas de saúde de protecção especial para “as mães jovens” (UNITA 2022b: 11).
46Relativamente ao MPLA, partido no poder desde 1975, o seu programa político e eleitoral para 2022 definiu como um dos seus sub-eixos prioritários a “Juventude” e incluem no seu programa algumas ações pontuais para a juventude. As medidas incluíram:
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desenvolver uma força de trabalho competitiva, capaz de responder às necessidades do mercado e que forneça ao país as capacidades e os recursos necessários para alcançar as metas de progresso económico e social ambicionadas;
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melhorar a qualidade de vida dos jovens mediante a promoção do bem-estar, proporcionando-lhes acesso aos serviços essenciais e ajudando-os a enfrentar os desafios sociais;
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expandir a educação para os jovens, incentivando as gerações futuras a obter qualificações profissionais, construir carreira e alcançar independência e liberdade financeira;
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desenvolver programas e projetos que contribuam para a educação para a cidadania, consciente e responsável;
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promover a integração económica dos jovens, criando oportunidades e emprego, fomentando o empreendedorismo, com prioridade para a agricultura, a pecuária e a indústria transformadora, e reduzindo o número de jovens que não estudam, não trabalham e nem estão em formação;
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incentivar a criação de cooperativas de jovens empreendedores para resolver problemas sociais que os afetam, particularmente os ligados à habitação e ao aumento do rendimento;
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criar oportunidades para o envolvimento dos jovens na vida social, política e cívica, estabelecendo um amplo quadro de parcerias, à escala nacional e internacional;
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alterar o Regime Jurídico das Associações Juvenis e Estudantis;
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continuar a aplicar a Estratégia de Implementação da Política Nacional da Juventude;
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aumentar de modo significativo as infraestruturas básicas para a juventude (Casas e Centros Comunitários da Juventude e Centros Integrados de Apoio à Juventude);
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fomentar a criação de start-ups juvenis e micro incubadoras de negócios em funcionamento, bem como o surgimento de novas cooperativas rurais juvenis no ramo do agronegócio;
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promover e apoiar o desenvolvimento de um amplo movimento associativo juvenil e estudantil com pendor para o voluntariado; e
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apoiar os jovens no acesso ao crédito bonificado, com vista ao reforço da classe empresarial jovem.
47À semelhança do programa da UNITA, e especialmente para as jovens mulheres, o MPLA dá importância a inclusão das camadas mais jovens e propõe-se a “evoluir para um modelo de sociedade” que as valoriza e apoia as suas escolhas, bem como que garanta a sua participação plena “no processo de desenvolvimento social e económico de Angola” (MPLA 2022b: 47). Finalmente, este partido promete aumentar o “acesso gratuito a materiais e produtos de higiene íntima feminina e a meios contracetivos, garantindo assim, que uma boa parte das jovens mulheres em idade reprodutiva tenham acesso a serviços de saúde sexual e reprodutiva” (MPLA 2022b: 35). Em síntese, ambas as propostas podem ser agrupadas em duas categorias. A primeira, de natureza económica, muito recorrente, sendo reiteradamente mencionada ao longo do Programa de governo e do manifesto eleitoral. Portanto, percebe-se que esta constitui a principal demanda da juventude angolana, na perspetiva dos partidos políticos. A segunda categoria é de carácter social, sem chegar perto do protagonismo reservado a dimensão económica, quer seja em termos de menção nos dois documentos institucionais (programa de governo e manifesto), como de desdobramentos ou explicação em ações específicas.
48Portanto, constata-se que os dois partidos tiveram estratégias de abordagem muito semelhantes neste sentido, sobretudo pelo destaque dado aos tópicos de natureza económica, como acesso ao financiamento bancário, empreendedorismo, cooperativas, indústrias, empresas e start-ups. Outros tópicos como a participação política, a educação para a cidadania, associativismo, aparecem pontualmente nos documentos analisados.
49Fora das medidas direcionadas à juventude, os dois programas distinguem-se em relação aos modelos de Estado (Bye et al. 2023) e os discursos em relação à situação política e económica atual. O MPLA propaga o discurso do partido que visa manter-se no poder destacando a necessidade de consolidar a paz e a governação democrática, aprimorar os resultados alcançados numa situação económica adversa e sublinha que a recessão económica vivida, principalmente, depois de 2014 foi causada por fatores exógenos tal como uma conjuntura desfavorável, a pandemia, a queda nos preços de produtos petrolíferos, aumento nos preços de produtos de importação, etc.
50Por sua vez, a UNITA oferece uma rutura com o Estado capturado pelo MPLA e um punhado de famílias e promete empreender uma luta verdadeira contra a corrupção. Em termos ideológicos, os dois partidos baseiam-se numa base económica liberal de mercado. Não se faz menção a securitização ou a necessidade de demolir os laços e a opacidade entre as instituições de segurança, inteligência, vigilância, defesa, polícia e o executivo. No entanto, a UNITA sublinha a necessidade de se efetivar a separação entre poderes e aumentar a autonomia do judiciário, enfatizando o combate à corrupção.
51Em geral, se compararmos as temáticas nos programas dos dois partidos políticos, verificamos que existe uma congruência temática entre o que foi mencionado pelas pessoas inquiridas neste estudo e aquelas divulgadas pela UNITA, especialmente em relação à categoria “Governação política, corrupção, combate a criminalidade” e em relação ao “combate da corrupção” e “a alternância”.
52Se compararmos as temáticas direcionadas especificamente à juventude nos programas políticos com aquelas consideradas chave, mas ausentes na campanha eleitoral, podemos constatar uma congruência temática em uma das seis áreas do domínio económico, nomeadamente em relação ao emprego. No domínio social, as áreas temáticas de bem-estar e educação pela cidadania foram destacadas como importantes, mas ausentes na campanha eleitoral. Não se verificou nenhuma demanda, prioridade nem resposta no âmbito do inquérito, nem um comentário sobre o desporto, o associativismo, o cooperativismo nem o empreendedorismo, o que indica uma incongruência temática muito grande. O discurso dos programas políticos parece direcionar-se às pessoas jovens privilegiadas ou pelo menos que já possuem um nível de bem-estar económico básico relativamente sólido, o que não é representativo da pessoa jovem angolana, ou benguelense, que faz parte da maioria que vive em condições de pobreza e muitas vezes em precariedade.
53Para melhor entender essa observação em relação à incongruência temática, recorremos a duas fontes: a primeira é a reflexão mediática nos canais de comunicação. A segunda, são os resultados do inquérito sobre o vínculo entre a população votante juvenil, os programas eleitorais e os canais de comunicação mais importantes. Estes tópicos estão em duas perguntas específicas do inquérito, nomeadamente: “Já teve conhecimento de/contacto com algum programa eleitoral?” Neste caso, 56% dos inquiridos responderam que não e 42% disseram que sim, já tiveram conhecimento/contacto com os programas.
54Comparando os canais de comunicação a que os jovens recorrem para aceder às informações e as temáticas da campanha eleitoral, a segunda pergunta, buscou saber: “Em que canal/canais tem acesso às informações e as temáticas da campanha eleitoral?”. Aqui, a televisão posiciona-se como o mais predominante (49%), onde metade dos inquiridos vai buscar informação, seguido pelos canais de rádio (19%) e, em terceiro, lugar as redes sociais (16%). Os inquiridos podiam selecionar mais de que um canal.
55Verificou-se ainda que os inquiridos que têm acesso à televisão tendem a ter acesso às redes sociais e à rádio, o que significa que mais da metade (51%) dos jovens inquiridos tem acesso muito limitado aos canais de comunicação. Essa constatação foi corroborada com os comentários por parte de um número considerável de inquiridos, atestando que, por não terem acesso à energia em casa, ou por não terem o poder de compra, não têm acesso à televisão, nem ao smartphone e, consequentemente, têm acesso limitado às redes sociais. Essa constatação impulsionou uma análise mais aprofundada das perceções da juventude sobre as temáticas chave nos debates no âmbito da campanha eleitoral e menor na própria reflexão mediática nos canais de comunicação.
- 6 Os canais (e órgãos) de comunicação incluíram televisão, rádio, websites de iniciativas da sociedad (...)
56O último ponto, das três perspetivas propostas neste estudo, é a análise das temáticas predominantes ao longo da campanha eleitoral 2022, com base na monitoria dos discursos em vinte e quatro canais de comunicação internacional, nacional e local6 (Benguela). Em termos de contextualização, é de salientar que o controlo da imprensa e dos canais de comunicação é considerado alto no contexto angolano e não se verificou uma grande diferença entre os canais de comunicação nacional e local. Um estudo recente mostra que o governo e o partido no poder dominam o discurso na paisagem mediática angolana (Mudei 2024).
57A monitoria realizada no âmbito deste estudo constatou que, apesar da diversidade e amplitude dos canais, as temáticas mais predominantes, especialmente de modo transversal, foram: “a eleição direta do Presidente” e “a corrupção”, ambas temáticas que se enquadram na categoria “Governação política, corrupção, combate a criminalidade” e relacionam-se com o próprio sistema político. Além destas, foram anotadas: o acesso aos serviços públicos básicos de saúde e de educação; emprego; agricultura; a justiça e a participação política de mulheres, tidas como as temáticas mais predominantes em termos de frequência e espaço temporal no âmbito dos canais de comunicação.
58Portanto, retiramos a posição de recorrer-se mais às perceções da juventude relativamente as temáticas chave nos debates no âmbito da campanha eleitoral. Nesse sentido, um terceiro de todas as respostas (1 311) salientou, em ordem da frequência decrescente, os seguintes temas: “alternância”, “mudança”, “as mudanças na Constituição”, “estabilidade e paz”, seguidos por “decentralização do poder” e “autarquias”. É interessante salientar que as temáticas predominantes, tais como “alternância”, “mudança”, “as mudanças na Constituição” são mais associadas aos partidos políticos na oposição do que ao partido no poder e indicam um apoio substancial ao(s) partido(s) de oposição, pelo menos entre a juventude benguelense que participou do inquérito.
59Essa constatação foi triangulada com outros dados, incluindo os discursos nos espaços abertos no âmbito do inquérito, dos quais destacamos alguns como: “a UNITA vai governar bem o nosso país, nós precisamos de alternância”; “Haverá alternância porque a oposição tem um bom programa, os candidatos são competitivos”; “Espero que o novo partido faça diferente e deve cumprir com as suas promessas”; “Há uma forte possibilidade de vitórias do maior partido da oposição por causa do visível desgaste por parte da população relativamente ao partido no poder”. Juntou-se uma pergunta sobre a probabilidade de haver outro partido no poder em Angola em 2023, e a média foi de 58% (1 250 respostas).
60O emprego foi atestado como o segundo tema mais frequente, sendo reportado por 26% das respostas sobre as temáticas chave que figuram no debate público, verificadas ao longo da campanha eleitoral; portanto, uma constatação que é consistente com os temas identificados nos programas políticos.
61A categoria “Melhoria nos serviços públicos básicos” foi atestada como a terceira mais frequente, com 21% das respostas, relativamente às temáticas chave que figuram no debate público verificadas ao longo da campanha eleitoral de 2022. Em ordem de frequência e sequência decrescente, o tema “educação” representou 88% das respostas nessa categoria, e os demais 12% incluíram preocupações relativamente ao acesso aos serviços de saúde.
62“O combate à pobreza” situa-se no quarto lugar das respostas sobre as temáticas chave que figuram no debate público verificado ao longo da campanha eleitoral (19%).
63O estudo expõe as demandas da juventude benguelense e em segundo lugar, procura saber quais são as perceções desta juventude sobre a eficácia da sua participação política. Em seguida, analisa até que ponto existe uma congruência entre a agenda política expressa pela população jovem da província de Benguela, as prioridades nos programas dos partidos políticos e a pauta da média angolana e, por fim, a importância que essa congruência tem para a perceção da eficácia política. Começamos essa parte com algumas constatações gerais antes de responder às perguntas da pesquisa.
64É notável que os participantes deste estudo indicaram uma probabilidade de participação nas eleições realizadas em 2022 substancialmente mais alta do que a taxa de participação eleitoral alcançada em Benguela. Essa constatação indica um alto grau de estímulo de participação eleitoral das pessoas, no âmbito deste estudo, um resultado que ressoa com as constatações de estudos de outros contextos que apontam para a realização de eleições como um fator dinamizador, incluindo estudos do contexto angolano que apontam para uma perceção generalizada de que uma alternância seria alcançável nas eleições de 2022 (Verde 2021, Bye et al. 2023). Acredita-se que essa esperança por si só impulsionou uma participação política. Julga-se que a Frente Patriótica Unida (FPU) instigou um novo estímulo à participação política durante a campanha eleitoral 2022 por oferecer uma terceira via e uma plataforma que unia vários atores.
65As vozes mais críticas nos discursos das pessoas jovens que participaram no inquérito consideram que o espaço democrático é restrito e, de forma implícita, indicam uma ineficácia política que, no seu conjunto, está relacionada com as várias táticas de coerção e controlo através de políticas de securitização, expressando a falta de confiança no sistema político-partidário e a falta de credibilidade do sistema eleitoral angolano. É de salientar que na implementação do inquérito, a brigada de inquiridores passou por momentos de ameaça por parte de algumas pessoas, que mostraram receio e se recusaram a responder, reflexo de um ambiente de medo e reticências de participação. Os discursos da juventude benguelense e as experiências vividas pela brigada de inquiridores apoiam as constatações feitas por Roque (2021), Verde (2021), Troco (2019), entre outros.
66Constatamos, com base nas análises dos dados, incongruências entre a prioridade dos participantes do inquérito, representantes da população votante e os discursos dos atores partidários, no âmbito dos seus programas e manifestos políticos. No entanto, nota-se maior congruência entre as prioridades expressas pela UNITA e as mencionadas pelas pessoas jovens inquiridas. Com base nas temáticas mais predominantes indicadas pelas pessoas inquiridas, como a “alternância”, “mudança”, “as mudanças na Constituição”, verificamos que há maior ressonância entre as temáticas associadas ao(s) partido(s) político(s) na oposição, sendo que essa constatação indica um apoio substancial a este(s) partido(s), entre as pessoas jovens benguelenses inquiridas neste estudo. É importante salientar que as pessoas inquiridas, na sua maioria, por barreiras económicas e outros motivos, não têm acesso ou não acompanham de forma sistemática o debate publico mediático.
67A incongruência temática verificada no âmbito dos debates e na reflexão mediática e a inacessibilidade aos canais de comunicação, acentua a ineficácia da participação da juventude angolana nos processos políticos do país, e neste estudo de caso, nas eleições de 2022. Com base nas análises dos discursos, concretamente, os comentários das pessoas jovens inquiridas e os enunciados dos canais de comunicação “de baixo”, da sociedade civil, que oferecem os discursos da juventude fora do aparelho partidário e governamental, constatamos que há uma perceção de incongruência entre a realidade vivida pela juventude angolana e o(s) discurso(s) político(s) no âmbito da campanha eleitoral 2022. A jovem que disse: “Gostaria que falassem o que nós iríamos gostar” expressa uma utopia sonhada, um discurso político relevante para a vida dela. Uma outra pessoa inquirida diz: “Esperava que eles atenderem a preocupação da juventude”. A juventude inquirida, nesses casos, considera que nem o debate público, nem a política institucionalizada ou partidária levantam questões relevantes para resolverem os problemas que enfrentam no seu cotidiano. A realidade refletida nos debates é distinta da(s) sua(s) realidade(s) vividas. Esses discursos expõem uma perceção de falta de responsividade do sistema político, expressa também em outras facetas a seguir.
68Além da incongruência e da perceção de irrelevância das muitas temáticas no debate público mediático e no âmbito dos programas políticos, os discursos “de baixo” da juventude benguelense inquirida mostram uma falta de confiança nos representantes dos partidos políticos: “Tá tudo bem pelas promessas” revela uma desconfiança com base numa experiência vivida de promessas sem cumprimento. Entre o número substancial de comentários, temos mais alguns exemplos que afirmam essa perceção: “Queremos Garantias do cumprimento efetivo das promessas eleitorais”, “Eles falam mas não cumprem” e “Igualmente entre o partido no poder e outros”. O último comentário assinala uma perceção de uma concorrência desigual que favorece o partido no poder, na campanha eleitoral. Esse discurso ressoa com outros estudos do contexto angolano (Nhamirre 2022, Roque 2021, Verde 2021).
69Até ao nível das suas subjetividades, alguns jovens inquiridos descreveram o discurso político da forma seguinte: “Fiquei triste pelo PR dizer burro aos cidadãos principalmente em Benguela: “O PR disse que devemos viver com as diferenças “desigualdades”, “Nada que me convenceu porque é propaganda”. Nota-se uma tensão/antagonismo entre a cidade capital de Luanda, enquanto centro de decisão política, e as demais províncias, tidas como “a periferia” ou colocadas no segundo plano. Essa perceção leva a uma alienação social e política do sujeito tal como foi descrita por Frantz Fanon (Fanon 1952, Reite & Premat 2018), que sublinha as interconexões entre as dimensões psicológica, social e política de alienação em condições de colonialidade em tempos coloniais e pós-coloniais.
70As demandas da juventude benguelense expõem que a mudança no sistema político foi uma das grandes demandas nas eleições de 2022, além de emprego. Havia na altura uma perceção de importância e relevância de participação eleitoral. No entanto, concomitantemente, os discursos revelam uma falta de credibilidade no sistema político-partidário, como nos exemplos: “Eles falam mais não cumprem” e “Tem que ser verdadeiros com o povo”. Constatamos que a juventude em análise faz uma avaliação da capacidade que possuem para a sua participação política que, embora problematizada, tende a ser mais positiva do que a avaliação que fazem sobre a responsividade do próprio sistema político. Quanto à responsividade do sistema político, verifica-se uma perceção explicitamente expressa de ineficácia política.
71As constatações e resultados do presente estudo mostram que a juventude benguelense, embora constitua uma maioria numérica, sente-se em grande parte excluída do sistema político e alienada do poder. É marginalizada do ponto de vista político, social e socioeconómico e frustrada nas suas ambições. Além das barreiras económicas e sociais, tais como, a falta de energia em casa, a falta de poder de compra para ter uma televisão, um smartphone, dificuldades de acesso aos canais de comunicação como a rádio ou TV pública, a preocupação diária de sobrevivência e a falta de emprego, no meio de uma conjuntura económica desfavorável onde o custo de vida e a cesta básica são cada vez mais caros, são todos fatores que agravam a alienação subjetiva, cultural e política. É de salientar que os discursos apontam para uma correlação entre a perceção de relevância de participação política e o nível de bem-estar: quanto mais pobre, menor a perceção de relevância de participação política ou eleitoral. A juventude benguelense sente que o debate público é restrito e o discurso dominado pelo partido no poder. As pessoas inquiridas sentem que as temáticas se direcionam às camadas mais privilegiadas e não às angolanas e aos angolanos jovens que vivem em condições de pobreza e precariedade. Em relação à sua participação politica e ao debate público mediático, um jovem expressa: “Não consigo explicar tenho muita raiva”, que revela um antagonismo num contexto de ineficácia política. Os discursos da juventude benguelense chamam atenção à importância de tomar em consideração as interconexões que continuam a existir, hoje em dia, entre as dimensões psicológica, social e política de alienação, vivida por um número considerável das pessoas jovens de Benguela.