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Dossier

Ressignificações em torno dos círculos de cultura freireanos no espaço-tempo on-line no (con)texto da Covid-19: reflexões para a formação política dos sujeitos sociais

Re-significations autour des cercles culturels freiriens dans l’espace-temps en ligne en (con)texte de Covid-19 : réflexions pour la formation politique des sujets sociaux
Re-significations around Freirean culture circles in online spacetime in the (con)text of Covid-19: reflections for the political formation of social subjects
André Gustavo Ferreira da Silva e Allan Diêgo Rodrigues Figueiredo

Resumos

Este artigo tem como objetivo refletir sobre a releitura dos círculos de cultura freireanos a partir da experiência dos círculos de cultura on-line do curso “Paulo Freire, o educador do povo”, em vista da formação política dos sujeitos sociais. A vivência dos círculos de cultura on-line foi promovida pelo Centro de Formação Paulo Freire (CFPF) do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em parceria com o Centro Paulo Freire – Estudos e Pesquisas, que, no contexto da pandemia da Covid-19, decidiu recorrer aos círculos de cultura, recriando a experiência freireana original, por meio da ocupação do ambiente virtual, no marco das comemorações do centenário de nascimento de Paulo Freire, patrono da educação brasileira.

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Primeiras palavras

1A proposta deste artigo nasceu no contexto da pandemia da Covid-19 no Brasil, que atingiu a toda a população – mas com consequências mais graves para as classes mais vulneráveis – num momento em que o país era governado por líderes com perfil autoritário: inimigos do saber, do conhecimento, da pesquisa, da cultura, da liberdade de pensamento – inimigos da democracia. Esse tempo foi caracterizado por “[...] ataques às liberdades de criação e expressão, retorno da censura, agressões aos criadores culturais e asfixia deliberada da cultura, das artes, das ciências, de educação e das universidades públicas” (Rubim & Tavares 2021: 8), num contexto de negação da ciência, de deslegitimação dos esforços dos pesquisadores, de sonegação de recursos públicos para a educação e para políticas sociais de inclusão. Este tempo foi especialmente difícil para os movimentos sociais, entre os quais se situa o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) – “um movimento socioterritorial que reúne em sua base diferentes categorias de camponeses pobres [...] e também diversos lutadores sociais para desenvolver as lutas pela terra, pela Reforma Agrária e por mudanças na agricultura brasileira” (Fernandes 2021: 498) – que, fundado em 21 de janeiro de 1984, há décadas vem promovendo uma educação humana e libertadora, com uma potente inspiração freireana, consolidando e fortalecendo a educação popular, a formação política dos sujeitos sociais. Pode-se citar, por exemplo, o trabalho do Centro de Formação Paulo Freire (CFPF), no assentamento de Normandia, em Caruaru, no estado de Pernambuco, que vem promovendo atividades educativas e pedagógicas, visando à formação de professores do campo, além de investir na produção de alimentos orgânicos, desenvolvendo estudos na área da agroecologia. Esse sujeito coletivo tornou-se um dos atores centrais no pensar-fazer na presente experiência de círculos de cultura on-line.

2O presente artigo tem como objetivo refletir sobre a releitura dos círculos de cultura freireanos a partir da experiência dos círculos de cultura on-line do curso “Paulo Freire, o educador do povo”, em vista da formação política dos sujeitos sociais. Esta vivência dos círculos de cultura on-line foi promovida pelo CFPF, em parceria com o Centro Paulo Freire – Estudos e Pesquisas. No contexto da pandemia da Covid-19, o MST decidiu recorrer aos círculos de cultura, recriando a experiência freireana original vivenciada na cidade de Angicos e nos Centros Populares de Cultura (CPC) dos anos 1960, por meio da ocupação do ambiente virtual, no marco das comemorações do centenário de nascimento de Paulo Freire, patrono da educação brasileira. Antes da experiência desenvolvida em Angicos, “as primeiras experiências dos círculos de cultura e do processo que então se denominava Método Paulo Freire foram desenvolvidas no Centro de Cultura D. Olegarinha, no bairro de Casa Forte, no Recife” (Silva & Figueiredo 2021a: 167), onde, junto com jovens estudantes universitários do Movimento de Cultura Popular, Freire promoveu a alfabetização de moradores, numa ação organizada pela paróquia.

3Esse artigo procura entender quais foram as contribuições da releitura dos círculos de cultura freireanos, a partir da experiência dos círculos de cultura on-line do curso “Paulo Freire, o educador do povo”, em vista da formação política dos sujeitos sociais. A partir dessa problematização, a curiosidade epistêmica provocou a necessidade de pensar como viabilizar, pelas plataformas virtuais, uma educação que não seja bancária, mas, pelo contrário, que mantenha as suas características de uma educação libertadora. Como ocupar o ambiente on-line como espaço-tempo para a formação humana numa perspectiva da emancipação dos sujeitos? Seria possível pensar a realização da experiência de círculos de cultura no ambiente virtual? O artigo organiza-se em três partes: os círculos de cultura – aspectos históricos e metodológicos nas vivências freireanas; (des)locamentos dos círculos de cultura – reinventando Angicos e acampando no ambiente virtual; e os Círculos de cultura on-line como um espaço-tempo de formação humana e política.

4O itinerário metodológico foi o da pesquisa-ação – um tipo de pesquisa social que tem base empírica e “é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e os participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo “ (Thiollent 1986: 14) – constituído pela observação participante. Considerou-se o envolvimento dos pesquisadores no objeto da investigação, uma vez que participaram nas discussões da Coordenação Político-Pedagógica (CPP) para o planejamento e execução do curso, bem como na animação de um círculo de cultura e na formação dos mediadores. A construção de dados foi realizada por meio de conversações junto aos participantes da coordenação e mediadores dos círculos de cultura, convivência, observação e anotações do caderno de campo. Recorreu-se, também, à interpretação e compreensão das fontes – os relatórios dos círculos de cultura e as cartas pedagógicas escritas pelos participantes em 2021 – na perspectiva da hermenêutica metodológica e filosófica (Rohden 2003).

Círculos de cultura: aspectos históricos e metodológicos nas vivências freireanas

5A experiência dos círculos de cultura está na origem da pedagogia freireana. Pensados como contraponto à educação bancária (Freire 2020) – o educador define assim o processo pedagógico que desconsidera a pessoa do educando como sujeito, reduzindo-o a mero receptor de conhecimentos elaborados pelos professores que detêm o monopólio do saber –, os círculos de cultura nasceram como proposta de uma educação libertadora, a serviço da emancipação dos sujeitos da classe trabalhadora da época em relação ao sistema social que os mantinha submissos e explorados, visando, assim, à sua humanização, por meio da formação para a participação política e cidadã.

6O potencial dos círculos de cultura a serviço de uma pedagogia emancipadora começou a evidenciar-se na experiência de Angicos, pequena cidade brasileira na região central do Rio Grande do Norte, no sertão nordestino, quando Paulo Freire propôs e realizou, junto com educadores e jovens universitários, um projeto original e inovador de alfabetização de adultos que viria a se constituir um marco na história da educação brasileira. As 40 horas de Angicos resultaram na alfabetização de 300 camponeses adultos em apenas 40 encontros (Gadotti 2013: 52), revelando um grande potencial como instrumento para a conscientização política e social dos cidadãos. O projeto foi concebido e executado em um contexto histórico marcado pelo ambiente democrático no Brasil no início dos anos 1960, quando se vivia “um clima de entusiasmo e a esperança de um tempo de liberdade e desenvolvimento, o país se industrializava e modernizava” (ibid.: 14). Eram os anos do presidente João Goulart, que, tendo pessoalmente participado da cerimônia de entrega dos certificados dos camponeses alfabetizados em Angicos, no dia 2 de abril de 1963, entusiasmado com o sucesso daquela experiência, convidou Paulo Freire para elaborar um plano nacional de alfabetização: “Desejo que centenas destes cursos se espalhem pelo território brasileiro, para que, num futuro próximo, todos os nossos patrícios [...] possam também receber este benefício mínimo, que é o direito, também, de participar e de se integrar na vida da Nação” (Goulart apud Gadotti 2013: 56). Lamentavelmente, quando já começava a ser implementado, o plano nacional de alfabetização foi interrompido pelo golpe cívico-militar que inaugurou a ditadura no Brasil, com a perseguição, prisão, tortura, morte ou o exílio de muitos cidadãos brasileiros, entre os quais o próprio Paulo Freire.

7O entusiasmo gerado pelas iniciativas de participação popular que começavam a surgir pelo Brasil no final dos anos 1950 e início dos anos 1960, levou professores universitários, estudantes e artistas, a criarem no Recife em maio de 1960 o Movimento de Cultura Popular (MCP), que, “associando a cultura popular à luta política” (Gadotti 2013: 49), promovia a conscientização das massas, por meio de círculos de cultura, impulsionados “pela utopia da integração do intelectual com o homem simples do povo brasileiro, supostamente não contaminado pela modernidade capitalista, podendo dar vida a um projeto alternativo de sociedade desenvolvida” (Ridenti 2000: 12).

8A esta iniciativa somaram-se, logo em seguida, o Movimento de Educação de Base (MEB), projeto da Igreja Católica para a alfabetização de adultos, e os Centros Populares de Cultura (CPC), da União Nacional dos Estudantes (UNE), que se espalharam por todo o país, promovendo a formação e conscientização da população marginalizada, por meio de uma ação educativa na qual se engajavam educadores, estudantes, artistas e trabalhadores. Na visão desses atores sociais, a cultura popular era entendida como “uma das possibilidades de transformação da realidade brasileira, através da arregimentação da intelectualidade e da conscientização das classes populares” (Garcia 2004: 150). Tais movimentos se constituíram como o “lugar estratégico que funda a educação popular” (Brandão 2006: 46), dos quais os círculos de cultura passaram a fazer parte. Toda esta utopia, no entanto, foi violentamente interrompida pelo golpe militar de 1964, “com a extinção dos CPCs e o incêndio da sede da UNE, que contribuíram para inibir qualquer tentativa de contato com as classes populares, sobretudo no que se refere às entidades de representação (sindicatos, associações, fábricas etc.)” (Garcia 2004: 146).

9No projeto de alfabetização desenvolvido em Angicos, Freire escolheu os círculos de cultura como prática educativa e caminho metodológico, pelo fato de compreender que esta era a opção que melhor poderia traduzir a sua concepção de educação como prática da liberdade. Assim, em dezembro de 1962, procedeu ao trabalho prévio, que consistiu no levantamento do número de analfabetos de Angicos e na pesquisa acerca do universo vocabular da comunidade, a partir do qual seriam destacados as palavras e os temas geradores. No dia 24 de janeiro do ano seguinte, deu-se início ao curso, com um primeiro encontro, já na modalidade dos círculos de cultura, como descreve Moacir Gadotti (2013: 51): “as aulas eram dadas ao mesmo tempo em que aconteciam as reuniões de formação continuada dos coordenadores dos círculos de cultura, refletindo sobre a sua prática”.

10Os círculos de cultura eram uma prática já presente nos movimentos de cultura popular da época, dinamizando, por exemplo, a ação dos Centros Populares de Cultura (CPC), criados pela União Nacional dos Estudantes (UNE), por meio da articulação de artistas, estudantes e trabalhadores (Garcia 2004), numa arte popular revolucionária, que defendia “o engajamento político do artista para superar a alienação e a consciência ingênua das massas. Para isso promovia a encenação de peças de teatro críticas em portas de fábricas, nas ruas e em sindicatos” (Gadotti 2013: 50). Freire tomou esta experiência e a ressignificou, aplicando-a como estratégia de alfabetização. Propôs, então, a substituição da sala de aula – espaço, na sua concepção, carregado de passividade – pelos círculos de cultura, experiência mais condizente com a educação emancipadora que buscava promover, instaurando uma nova dinâmica para os atores do processo formativo:

Em lugar de “professor”, com tradições fortemente doadoras, o Coordenador de Debates. Em lugar de aula discursiva, o diálogo. Em lugar de aluno, com tradições passivas, participante de grupo. Em lugar dos “pontos” e programas alienados, programação compacta, “reduzida” e “codificada” em unidades de aprendizado” (Freire 1985: 103).

11A própria disposição dos participantes no espaço onde se desenvolve a ação educativa explica, em parte, a dinâmica: os participantes posicionam-se em “círculo”, o que permite que se observem uns aos outros, enquanto falam e escutam, no exercício do diálogo, como nota Brandão (2016: 15): “no círculo somos rostos, vemos rostos e corpos inteiros e eu somente dialogo com quem me vê inteiro, sendo por inteiro visto por mim”. E chama-se círculo “de cultura” porque ali se processa “uma interação das relações do homem com a realidade, recriando-a e buscando-se a dinamização de seu espaço no mundo” (Marinho 2014: 49). É nessa dinamização, segundo Freire (1985: 103), que o ser humano faz cultura, ao dominar a realidade, humanizando-a, “acrescentando a ela algo de que ele mesmo é o fazedor”.

12O círculo de cultura é, desse modo, um espaço-tempo em que se ensina e se aprende, dialogicamente, na vivência de uma experiência que não se resume à mera transferência de conhecimento, mas, ao contrário, revela-se um lugar “de construção do saber do educando, com suas hipóteses de leitura do mundo” (Marinho 2014: 50). Trata-se da arquitetura social do diálogo, que segundo Brandão (2016: 17),

traz, crítica e criativamente, a psicologia para a pedagogia [...], pensa a educação como cultura, trabalha a cultura como política. E ‘política’ no sentido mais originalmente freireano, isto é, como uma prática solidária, cooperativa, participante e consciente de partilha de todas e todos nós, a partir do povo, na gestão plena de nossas comunidades, sociedades, vidas e destinos.

13A modalidade pedagógica funciona “numa circularidade comunicativa coletiva” (Silva & Figueiredo 2021a: 169), considerando que, segundo Freire (1989: 30), “a leitura da palavra não é apenas precedida pela leitura do mundo, mas por uma certa forma de ‘escrevê-lo’ ou de ‘reescrevê-lo’, quer dizer, de transformá-lo através de nossa prática consciente”. Desse modo, os participantes do círculo vão exercendo a sua leitura crítica do mundo coletivamente, por meio da palavra, da linguagem, da comunicação, constituindo-se como sujeitos livres e conscientes.

14Originados no contexto das atividades dos movimentos de cultura popular, na realidade de comunidades oprimidas que se organizavam com o intuito de tomar nas próprias mãos o seu destino (Lyra 1996: 21), os círculos de cultura revelam-se uma experiência de educação libertadora. A estrutura circular, que constitui a sua organicidade, baseada no respeito à igualdade na diversidade dos sujeitos, com um mediador que anima o intercâmbio de saberes, em que cada participante tem igual direito de fala e de escuta, favorece a construção coletiva de conhecimentos, constituindo um lugar da episteme e da palavra que escreve, reescreve e diz o mundo.

15A dinâmica dos círculos de cultura articula-se em torno de um tema gerador ou palavra geradora, proposto pelo coordenador de debates (ou mediador). A escolha do tema gerador / palavra geradora é um trabalho prévio do coordenador, que se encarrega de promover, junto com a comunidade, um levantamento acerca da realidade dos participantes do círculo. Na experiência de Angicos, aplicada à alfabetização de adultos, esse trabalho consistiu no mapeamento do universo vocabular daquela população, para, nesse universo, encontrar e destacar as palavras e temas geradores. Nos círculos de cultura vivenciados em contextos diferentes – não apenas dedicados à alfabetização – o levantamento da realidade dos participantes é o ponto de partida para a definição dos temas geradores e questões-problemas que irão motivar o diálogo entre os participantes. A experiência, segundo Dantas (2010) é caracterizada essencialmente pelos seguintes elementos: a disposição em círculo, o diálogo, a horizontalidade das relações, o respeito à diversidade entre as pessoas e o espaço democrático, mediado pelo coordenador de debates. O diálogo ocorre, então, em torno da realidade dos participantes, acolhidos em sua diversidade, que compartilham entre si – olhando-se uns aos outros de frente, com liberdade e espírito crítico – suas visões de mundo e suas experiências.

16Na arquitetura espaço-temporal dos círculos de cultura, Brandão (2016: 17) destaca quatro fundamentos: o primeiro é que “qualquer pessoa, quem quer que seja, é uma fonte original e irrepetível de seu próprio saber”; o segundo é que entre pessoas que mutuamente se ensinam e aprendem, existem diferenças entre saberes, mas não há, de nenhum modo, desigualdade de saberes; o terceiro é que “qualquer atividade de educação, em sua dimensão plena de formação integral da pessoa, e não de instrução do indivíduo, só pode ser realizada por meio do diálogo entre sujeitos diferentes” (Brandão 2016: 17); e o quarto fundamento é o fato de que o que vale para a individualidade de uma pessoa vale para a coletividade de uma cultura, considerando que as “culturas, quaisquer que sejam, são diversas, são diferentes, mas de modo algum desiguais” (ibid.). Tais fundamentos constituem uma experiência educativa inovadora e revolucionária, uma vez que assumem a diversidade dos seres humanos em sua singularidade e originalidade, oportunizando o seu crescimento e sua humanização na relação, no diálogo, na interação, na criação e reinvenção da cultura, na leitura e transformação do mundo, superando a concepção de uma educação que considera os educandos como indivíduos passivos, meros receptores de conhecimentos previamente elaborados (Freire 2020).

(Des)locamentos dos círculos de cultura: reinventando Angicos e acampando no ambiente virtual

17A pandemia da Covid-19 provocou mudanças contingenciais significativas em todas as estruturas e dinâmicas da vida social. No caso do Brasil, as desigualdades sociais e econômicas revelaram-se dramaticamente graves, afetando de modo particular as populações mais vulneráveis, tanto nas periferias das grandes cidades como nas comunidades rurais. Diante do cenário crítico que se apresentava, o Centro de Formação Paulo Freire, do MST, que, desde a sua fundação, oferece cursos de formação para os militantes e a base dos movimentos sociais, em variados formatos e modalidades, constatou a necessidade de buscar alternativas para viabilizar a manutenção de suas atividades e processos formativos (Figueiredo 2023). Recorreu, então, às tecnologias digitais, para vencer a barreira do distanciamento social que se impunha necessariamente como medida de combate à disseminação do vírus. Em parceria com o Centro Paulo Freire – Estudos e Pesquisas, promoveu o curso “Paulo Freire, educador do mundo”, na modalidade on-line, com aulas quinzenais veiculadas pelo canal do Centro Paulo Freire no YouTube1. Apesar das dificuldades iniciais, para encontrar o formato ideal para a proposta, o curso teve êxito, obtendo uma participação expressiva, com cursistas das várias regiões do Brasil.

18Na avaliação desta primeira experiência, a Coordenação Político-Pedagógica (CPP) – constituída por representantes do coletivo de educação estadual do MST, professores e pesquisadores do Centro Paulo Freire e campesinos que fazem parte do assentamento –, constatou a necessidade de introduzir uma mudança na metodologia do curso, para evitar que a proposta incorresse nos vícios da educação bancária, tão criticada por Freire (2020). Era necessário que o curso não se resumisse aos momentos de aulas expositivas na plataforma, com pouca interação dos cursistas, cuja participação teria ficado resumida às perguntas deixadas no chat, às quais, na maioria das vezes, o professor não teria tido tempo suficiente para responder. Dessa forma, teria faltado o diálogo, um elemento fundamental no processo educativo freireano.

19Na busca de superar essa dificuldade, pensou-se na ideia de recorrer aos círculos de cultura. Muitos questionamentos, no entanto, foram levantados a respeito da possibilidade da realização dos círculos de cultura no ambiente virtual: como garantir uma experiência que tivesse por base o diálogo na perspectiva freireana sem o contato físico, sem a vivência comunitária das atividades de modo presencial, sem o abraço, o olhar, a troca de experiências que se dá no diálogo face a face, corpo a corpo? Como formar as subjetividades em vista da emancipação dos sujeitos, no contexto virtual, tão desfavorável aos que são excluídos?

20Nessa perspectiva, os círculos de cultura on-line apareceram como uma contribuição dos movimentos sociais para a educação popular no ambiente virtual, favorecendo práticas educativas críticas e emancipatórias nas plataformas e redes sociais. O espaço digital pode ser considerado como dominado por propostas ideologicamente identificadas com a direita neoliberal e mercantilista, no qual youtubers e influenciadores digitais – baseados numa visão de mundo fechada e paralisante, inimiga do pensar – entregam conteúdos já mastigados e digeridos, disseminando notícias falsas (fake news) e visões distorcidas da realidade. Nesse mundo da cultura cibernética, em que as pessoas estão expostas a todo tipo de influência e manipulação – mormente os jovens e adolescentes, os nativos digitais –, faz-se necessário, de fato, estabelecer espaços de formação reflexiva e crítica, capaz de romper com o círculo de reprodução de informações superficiais, inconsistentes, sem base na realidade.

21Movidos por essa preocupação e inspirados no pensamento pedagógico freireano, os educadores da CPP, após um período de problematização da proposta, decidiram introduzir no curso a organização de círculos de cultura, que pudessem retomar os temas abordados nas aulas ministradas na plataforma, visando o aprofundamento das questões. O curso foi, então, formatado com a alternância semanal entre as aulas apresentadas pelo Youtube e os círculos de cultura on-line organizados na plataforma Google Meet. Em vista desta organização, a CPP passou a contar com a colaboração de alguns participantes do curso, que, voluntariamente, se disponibilizaram para animar os círculos, assumindo o papel de mediadores. Os temas apresentados nas aulas – como, por exemplo, “educação popular e organização social”, “educação como ato político”, “o papel da educação na transformação social”, “a conjuntura educacional em tempos de bolsonarismo”, “educação e Ciência na transformação da sociedade” – eram retomados nos círculos na semana seguinte, a partir de uma pergunta geradora, e assim sucessivamente. Para assegurar a dinamização do processo, foram criados grupos no aplicativo de mensagens WhatsApp, para a comunicação entre os mediadores/as, os cursistas e a coordenação.

22Na modalidade dos círculos de cultura on-line, foram realizados dois módulos do curso “Paulo Freire, o educador do povo”: o primeiro, no segundo semestre de 2020, com a participação de 2 963 inscritos; e o segundo, no primeiro semestre de 2021, com 8 598 cursistas inscritos, provenientes de todas as regiões do Brasil e da América Latina (Caderno de Campo 2020-2021). Em ambas as experiências, contando com os que efetivamente participaram dos cursos, foram formados círculos de cultura, com cerca de 20 participantes em cada um deles. No segundo módulo, no ano da celebração do centenário de Paulo Freire, foram criados aproximadamente 50 círculos de cultura on-line, com a colaboração de 57 mediadores. A configuração dos círculos era bastante heterogênea, um mosaico composto por uma expressiva pluralidade de origem, de geração, de classe social e de formação. Nos círculos havia professores universitários e estudantes de várias áreas do conhecimento; alunos do ensino médio e adultos com pouca escolarização; idosos, adolescentes e jovens; lideranças campesinas; militantes de movimentos sociais; e, também, pessoas que estavam tendo o primeiro contato com o pensamento freireano. Tal diversidade tornava o diálogo no círculo de cultura mais dinâmico, mais rico, porque cada cursista chegava com seu olhar, sua experiência cultural e existencial, suas vivências e aprendizagens, sua perspectiva geracional ou de lugar social.

23A dinâmica dos círculos de cultura on-line se desenvolvia seguindo basicamente a metodologia original, com algumas diferenças peculiares relativas ao fato de acontecerem no ambiente virtual. O mediador enviava ao grupo o link do encontro, que começava quando todos estavam conectados. O início de cada encontro era marcado pela vivência de uma mística inspirada na temática que seria abordada, preparada previamente pelo/a mediador/a ou um/a dos/as participantes do círculo, escolhido/a coletiva e democraticamente. A mística, “uma das práticas educativas que mobiliza a vida coletiva do MST, tendo sua expressão nos percursos individuais e coletivos do povo político do Movimento” (Silva & Figueiredo 2021b: 11), consiste numa experiência mobilizadora dos sentidos, evocando memórias, sensações, percepção da situação pessoal e coletiva, por meio de um poema, uma canção, um vídeo ou outra manifestação artística. Após a vivência da mística, o mediador lembrava, então, a pergunta geradora levantada no final da aula da semana anterior no YouTube.

24A pergunta geradora mobilizava o diálogo, eixo central da experiência do círculo de cultura, “que se desenvolve pela valorização da palavra e da escuta dos participantes do processo, numa acolhida mútua, livre de preconceitos e pré-julgamentos” (Silva & Figueiredo 2021a: 172). Nesse espaço-tempo democrático, cada participante se colocava, posicionando-se desde o seu ponto de vista, sua realidade, seu lugar de vida e de fala. O mediador, no diálogo, assumia a postura de mais um membro do círculo, sem direcionar ou influir no ritmo das discussões. Anotava as interlocuções, as falas que percebia mais relevantes, os pontos e contrapontos que iam sendo tecidos entre os participantes, no exercício do seu direito de dizer a palavra (Freire 2020), e no silêncio atento da escuta ativa que acolhe o outro (ibid.), na dinâmica de construção coletiva de conhecimentos e saberes.

25Após a vivência de cada círculo de cultura, os participantes eram incentivados a expressar, por meio da escrita de uma carta pedagógica, as ressonâncias das experiências vivenciadas no interior do círculo. A carta poderia ser redigida no gênero textual à escolha de cada participante: carta, poema, ensaio, texto dissertativo, composição visual, desenho ou fotografia. Vale ressaltar que, nessas duas experiências dos círculos de cultura on-line do curso “Paulo Freire, o educador do povo”, a vivência da mística e a escrita das cartas pedagógicas foram introduzidas como práticas educativas novas, que não faziam parte da metodologia original dos círculos de cultura em Angicos. Foram vivências que favoreceram para os participantes, no ambiente virtual, o aprofundamento da experiência de dizer o mundo e a palavra, de reafirmar a consciência de sua própria identidade e do seu contexto vital e, também, de construir coletivamente conhecimentos e saberes.

26Após o encontro, o mediador elaborava um relatório, que enviava por e-mail à coordenação. O relatório era elaborado a partir de um roteiro colocado à disposição dos mediadores, com os seguintes pontos: informações gerais e quantitativas, relatos das experiências, comentários e encaminhamentos. Os relatórios foram reunidos em dois conjuntos: REL20 (referentes aos círculos de cultura de 2020) e REL21 (referentes aos círculos de cultura de 2021). Na leitura dos relatórios, foram verificadas algumas dificuldades para a realização dos círculos de cultura on-line, como problemas com o sinal da internet, equipamentos dos participantes com defeito ou falta de habilidade no uso das plataformas digitais: “Tivemos problemas de sinal de conexão de uma colega, que não conseguiu participar como gostaria; o equipamento da mediadora não reproduz som, necessita enviar arquivo para os colegas do grupo reproduzirem” (REL21: 16); “Impossibilidade de gravação do encontro para consulta posterior; o Google Meet apresenta limitação de tempo” (REL21: 23). Tais dificuldades, no entanto, não impediram que a experiência dos círculos de cultura realizados no ambiente virtual se tornasse uma ferramenta de conscientização e empoderamento, por meio da escuta ativa, do diálogo, como se pode ler nos dois seguintes trechos dos relatórios: “Exercitar a escuta é importante, mas a fala também. Eu não me achava no direito de participar de debates, expor minhas opiniões, eu era tímida, mas hoje entendo que essa timidez era fruto da opressão” (REL21: 12); “O que me tocou é isso: como sensibilizar para a escuta, porque a escuta é uma grande ferramenta para essa transformação, para essa consciência transitiva e crítica” (REL21: 15). Assim, torna-se evidente que a sensibilização para a escuta ativa e a abertura ao diálogo como atitude diante da vida é, sem dúvida, um dos mais importantes resultados desta experiência.

  • 2 “A ONU considera o corte ao acesso à internet, independentemente da justificativa e incluindo viola (...)
  • 3 Lei 12.965/14 (Marco Civil da Internet), que dispõe sobre Direito de Acesso à internet, sendo o ace (...)

27Desse modo, é possível observar que, por meio da realização dos círculos de cultura on-line, a educação popular praticada pelo MST promoveu a ocupação do ambiente virtual, acampando nesse espaço presumivelmente reservado aos que têm mais recursos financeiros e mais poder, considerando as dificuldades de acesso às Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) por parte das classes populares. De fato, apesar da ONU já ter declarado que o acesso à internet é um direito humano do século XXI2, já assegurado no Marco Civil da Internet3, a situação no Brasil nesta área permanece crítica, uma vez que as classes pobres não têm condições para adquirir equipamentos. Faltam políticas públicas visando à inclusão digital dos moradores das periferias e dos povos campesinos do país, que continuam à margem do acesso à informação, ao conhecimento ou à educação. A educação popular, ocupando o ambiente virtual, fortaleceu neste sentido o pensamento dessas desigualdades sociais, tanto nas plataformas como nas redes sociais. Exemplos desta ocupação digital são os cursos e atividades de formação em diversos formatos disponíveis nas redes sociais, alguns em parceria com universidades e institutos de pesquisa, como os cursos “Formação política de base”, organizado em 2020 pelo MST em cooperação com a Fundação Perseu Abramo, e “Questão agrária” e “Questão fundiária urbana”, ambos promovidos em 2021 pelo Centro de Formação Paulo Freire, em parceria com a Universidade Federal do Agreste de Pernambuco (UFAPE), o MST e a Via Campesina.

Os círculos de cultura on-line: um espaço-tempo de formação humana e política

28Serão apresentados a seguir trechos de cartas pedagógicas escritas por participantes do curso “Paulo Freire, educador do povo”, que se encontram no e-book publicado pelo Centro Paulo Freire – Estudos e Pesquisas (Silva & Figueiredo 2023) e constituem fontes importantes para essa reflexão. A escrita das cartas teve um lugar especial na experiência dos círculos de cultura em questão, uma vez que refletem a partir de uma construção coletiva, a expressão do lugar de vida e de fala de cada participante. Assim, as cartas são frutos do território existencial coletivo e individual. Apresentam conteúdos que nascem no diálogo, no interior dos círculos, se tornam mensagens que anunciam e denunciam a realidade – apontam situações-limite, mas, também, acenam com esperança a possibilidade de construção coletiva de inéditos viáveis. Desse modo, as cartas pedagógicas tornaram-se sínteses das vivências dos círculos de cultura on-line. São manifestações de uma educação libertadora que sinalizam os espaços-tempo do ambiente virtual desta experiência como potência para a formação política dos participantes, considerando as demandas da Covid-19.

29As cartas têm sido, ao longo dos séculos, um modo de aproximar as pessoas, um canal de comunicação para trocar vivências, notícias e diminuir a saudade entre familiares, amigos e pessoas que se amam. Nas últimas décadas, com as novas tecnologias de comunicação e o ritmo acelerado que marca as nossas vidas na sociedade contemporânea, as cartas foram sendo substituídas por mensagens mais breves, transmitidas pelos meios virtuais, como nos lembra Camini (2021: 3): “no mundo líquido moderno, a comunicação é virtual, remota, realizada a um sopro, seguida por informações, brevemente esquecidas, sem formação humana alguma”. As cartas, todavia, continuam sendo uma escolha adequada para o diálogo e a reflexão, quando se busca expressar a experiência humana com profundidade e densidade.

30Para Freire (2000), as cartas são uma prática de escrita para existir no (com o) mundo, possibilitando a interface entre política e educação libertadora que se volte para a transformação da sociedade. Desse modo, as cartas passam a fazer parte de sua reflexão pedagógica, sugerindo-a como opção de escrita para expressar o lugar de quem escreve, sua realidade, suas inquietações e convicções, explicitando os anúncios e as denúncias na luta por um mundo mais igualitário e democrático. Freire (2000: 20) reflete que “não importa o tema que se discute nestas cartas, elas devem se achar ‘ensopadas’ de fortes convicções, ora explícitas, ora sugeridas”. Com isso, salienta que a escrita de uma carta pode revelar-se como instrumento de suma importância para construir um mundo menos cruel, buscando esperançosamente a boniteza humana e social. Mas, afinal, como caracterizar uma carta? E como afirmar a sua potência pedagógica? Segundo Camini (2021: 35),

[...] uma carta só terá cunho pedagógico se seu conteúdo conseguir interagir com o ser humano, comunicar o humano de si para o humano do outro, provocando este diálogo pedagógico. Sendo um pouco mais incisivo nesta reflexão, diríamos que uma Carta Pedagógica, necessariamente, precisa estar grávida de pedagogia. Portar sangue, carne e osso pedagógicos.

31As cartas evidenciam os círculos de cultura on-line como um espaço-tempo no qual os sujeitos exercitam o direito de dizer a palavra (Freire 2011). A experiência de escrever a carta é reconhecida pelo participante do círculo como oportunidade de reflexão sobre a realidade e os conflitos do seu contexto, sobre “as dores e raivas do tempo presente” (Autor 1), que, apesar do sofrimento, tornam-se elementos de fortalecimento e de motivação para a luta. A atitude crítica vivenciada na experiência despertou no participante o sentimento de solidariedade, ao reconhecer a importância dos movimentos sociais, desmistificando os rótulos com os quais a mídia hegemônica criminaliza as iniciativas populares.

32Na partilha da palavra, que nomeia a experiência vivenciada pelas telas dos computadores, tablets e celulares em sua “boniteza e afetividade”, os sujeitos se fortaleceram e encontraram alento, abrindo-se para a experiência de aprender uns com os outros, celebrando entre si as alegrias e conquistas e construindo novos conhecimentos, como na carta endereçada a Freire:

Querido Paulo Freire, Patrono da Educação Brasileira! Nossos encontros do Círculo de Cultura são um espaço em que podemos dizer sobre nossas reflexões, sobre as dores e raivas do tempo presente, que nos mobilizam e, assim, nos fortalecemos na boniteza e na afetividade necessárias para continuarmos nossas batalhas. Pelas telas, encontramos alento e podemos aprender como ser amigo dos movimentos sociais; celebrar a alegria de uma mãe, que já quase na melhor idade, é encorajada, por seu filho, a aprender as letras; sensibilizamo-nos ao saber que o Bolsa Família fez a diferença na vida de uma de nossas colegas. (Autor 1, Sorocaba, SP, 9 de agosto de 2021)

33Nos círculos de cultura on-line, aprende-se a conjugar o verbo esperançar, inventado por Freire (2008: 10), para quem a esperança não era “pura teimosia”, mas um “imperativo existencial e histórico”. Na concepção do educador, a esperança não significa cruzar os braços e esperar, mas mover-se na esperança, lutar com esperança: “[...] movo-me na esperança enquanto luto e, se luto com esperança, espero” (Freire 2020: 114). Nos círculos, os participantes sentem-se impulsionados nesse movimento de não se deixar abater, não desesperar, mas, pelo contrário, “se reconstruir, se refazer, se ressignificar” (Autora 1). O diálogo, no círculo de cultura, é o lugar da construção e do fortalecimento da experiência democrática, que não existe sem o respeito às diferenças e a participação de todos. É necessário, pois, esperançar, para seguir sonhando e lutando. Diante da ameaça do possível “colapso das democracias”, faz-se necessário lembrar que “só a democracia, o seu aprofundamento, o seu aperfeiçoamento, que implicam a superação de inúmeras injustiças sociais, poderá, exigindo de nós mais esperança, demonstrar o quanto valeu a esperança com que lutamos” (Freire 2015: 107). Por essa razão, é preciso reafirmar a esperança crítica e ativa, transformando-a em “alimento diário na luta”, como afirma uma professora:

Ao mestre, com carinho! Esperançar, inicio o diálogo com essa palavra tão necessitada nos últimos tempos pelo mundo, mais atual que nunca em nossos dias, por estarmos vivenciando um período pandêmico e do rumor do possível colapso das democracias. Verbo este, dito por ti, com o intuito de ir avante, não se deixar abater, se reconstruir, se refazer, se ressignificar, ser resiliente perante o caos e, assim sendo, este, passou a ser nosso alimento diário na luta. (Autora 1, Parnamirim, RN, 13 agosto de 2021)

34Algumas cartas pedagógicas têm como destinatários os companheiros e companheiras do círculo de cultura do qual o autor participa, como é o caso da Autora 2, que compartilha com os demais a descoberta de sua paixão pela educação. No trecho que destacamos, a educadora chama a atenção para a amorosidade que experimentou na vida como marca do processo pedagógico freireano, elemento fundamental para uma educação libertadora. De fato, a amorosidade é um princípio que perpassa toda a vida de Freire e sua obra, a ponto de fazê-lo questionar: “como ser educador, se não desenvolvo em mim a indispensável amorosidade aos educandos com quem me comprometo e ao próprio processo formador de que sou parte?” (Freire 2021: 66). A diversidade é outra categoria freireana fundamental para compreender a dinâmica dialógica do círculo de cultura, marcada pelo respeito e pela acolhida de uns pelos outros, no universo singular e original de suas diferenças, “sem preconceito e sem distinção”, como se pode ler na carta:

Estou muito feliz por estar compartilhando com vocês um pouco da minha vida, e o desejo de um dia poder ensinar algo que faça mudar a vida daquela pessoa, assim como alguém mudou a minha, com o mesmo amor e carinho com que Paulo Freire tinha por onde passava, ensinado sem preconceito, sem distinção, mas com amorosidade para com o próximo. [...] Desde já quero deixar meu agradecimento a todos que fazem parte da equipe do Curso Paulo Freire, com certeza levarei todos os ensinamentos para minha vida acadêmica que quero seguir, e futuramente serei uma professora de Matemática. (Autora 2, São Paulo do Potengi, RN, 8 de maio de 2021)

35O diálogo é o principal fundamento na configuração do círculo de cultura on-line. É o movimento que “fenomeniza e historiciza a essencial intersubjetividade humana” (Fiori 2020: 22), considerando que os seres humanos, na relação entre uns e outros, dialogam, dizem e fazem o mundo e a si mesmos. Segundo Freire (2020: 108), “não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão”; e dizer a palavra não é privilégio de alguns seres humanos, mas um direito de todos e de todas. O diálogo é, portanto, o encontro dos seres humanos, “mediatizados pelo mundo, para pronunciá-lo”, e não se esgota na relação eu-tu. Nesse sentido, no círculo de cultura on-line, os participantes exercitam, em igualdade de condições, o direito de dizer a palavra, a possibilidade de perguntar e de responder, de elaborar uma reflexão, “como seres que pensam” e são capazes de transformar o mundo e a si mesmos, na busca ontológica do ser mais:

Mas eu acredito sim na capacidade do ser humano por ser um ser que pensa. E tendo esse requisito pode se informar e tomar consciência dessa situação de exploração, através do diálogo, da reflexão, para a transformação de uma sociedade igualitária! (Autora 3, Ponto dos Volantes, MG, 18 de março, 2021)

36O contexto da pandemia de Covid-19 e, principalmente, a situação política do Brasil, marcam expressivamente as vivências dos círculos de cultura on-line e a escrita das cartas pedagógicas, como se pode ver no trecho a seguir. Nessa carta percebe-se a dimensão política da experiência, expressa na denúncia da situação do “contexto político de tanta desesperança” e, ao mesmo tempo, no anúncio da luta do povo, “que não cessa”, considerando que, como ensina Freire (2008: 47), “não há utopia verdadeira fora da tensão entre a denúncia de um presente tornando-se cada vez mais intolerável e o anúncio de um futuro a ser criado, construído, política, estética e eticamente, por nós, mulheres e homens”. Em sua carta, a Autora 4 aponta “caminhos de resistência e reexistência” nas palavras e ensinamentos tão atuais de Freire:

Oi, Paulo Freire, como está? Estamos aqui no ano de 2021 comemorando o seu centenário. Cem anos refletindo, persistindo e esperançando em seus pensamentos. Quem diria, que neste ano comemorativo, estaríamos vivendo um contexto político com tanta desesperança? Mas vejo que, apesar disso, existe uma circularidade da vida. Ela nos lembra, por meio de seus escritos, que, em um ano tão conturbado e sofrido como este, ainda é possível encontrar caminhos de resistência e reexistência, então, nada melhor que lembrar de suas palavras no aqui e no agora do ano de 2021. [...] Os dias estão difíceis, Freire. Mas a luta do povo não cessa. E nessa práxis cotidiana, vamos reinventando as ferramentas de luta a partir do diálogo e da escuta. (Autora 4, Niterói, RJ,10 de maio de 2021)

37A dimensão política da prática educativa que constitui a experiência dos círculos de cultura on-line está expressa nas palavras do Autor 2, ao afirmar a necessidade de resistir e enfrentar as “forças crescentes” de uma educação baseada em “ideais meramente tecnicistas”. Para enfrentar essa situação, propõe uma educação que forme “sujeitos que transformem o mundo”, questionando-o diariamente, uma educação libertadora, que ajude os sujeitos a transitar para a consciência crítica:

Assim, acredito que não devemos ceder a essas forças crescentes, mostrar nossas forças, formando sujeitos contrários a esses ideais meramente tecnicistas, formar sujeitos que transformem o mundo e questionem o mesmo diariamente, precisamos de política para uma educação libertadora, para sair de uma curiosidade ingênua para uma curiosidade crítica. (Autor 2, Fortaleza, CE, 22 de abril de 2021)

38O último trecho, apresentado a seguir, traz uma denúncia contundente acerca da conjuntura política do país nos anos do governo Bolsonaro, no qual predominou uma visão de sociedade e de poder de extrema-direita, chegando ao ponto de postular que fosse retirado de Paulo Freire o título de patrono da educação brasileira. Por essa razão, torna-se ainda mais necessário e urgente o resgate do pensamento freireano e sua proposta de uma educação como prática da liberdade, uma educação dialógica e problematizadora, que promova a emancipação e a autonomia dos sujeitos, reacendendo a esperança e a utopia, na luta por uma sociedade justa e democrática:

Estimado educador Paulo Freire! Traço essas poucas linhas pra relatar e mesmo denunciar a você o que vem acontecendo em nosso país nos últimos 4 anos, no que diz respeito às tentativas de conservadores, reacionários e atualmente nazifascistas (seguidores de Bolsonaro, os “bolsominions”), querendo expurgar suas ideias, seu legado, sua história, sua luta em defesa de uma educação libertadora, problematizadora, conscientizadora e por isso nunca neutra, porque educar é sempre um ato político, pro bem ou pro mal. Ao mesmo tempo, mostro também que há importantes iniciativas em curso em função do seu centenário de nascimento, numa demonstração de que seus seguidores, admiradores e divulgadores do seu legado são numericamente e qualitativamente superiores aos que tentam diminuir sua importância pro Brasil e pro mundo. (Autor 3, Parnaíba, PI, 27 de abril de 2021)

39Ao constatar a força das palavras cheias de afeto, emoção e indignação que compõem as cartas aqui apresentadas, faz-se necessário recordar que o curso Paulo Freire, educador do povo, foi proposto no marco das celebrações do centenário do seu nascimento. Nesse sentido, a intenção dos responsáveis pelo curso, ao propor aos participantes que escrevessem cartas pedagógicas ao fim da vivência de cada círculo de cultura, era que pudessem traduzir as suas experiências ao entrar em contato com o pensamento freireano, articulando-o com sua própria realidade existencial. Como não poderia ser diferente, o contexto da pandemia da Covid-19, com suas trágicas consequências, sob os desmandos do governo Bolsonaro, esteve presente nas reflexões e partilhas de todos os círculos, o que deu origem a textos fortemente marcados pela indignação e denúncia das situações-limite, ao mesmo tempo em que ressaltam a força emancipadora da educação proposta por Freire.

40Nas cartas percebe-se uma espécie de “vínculo afetivo”, quase “familiar” entre os autores das cartas e o próprio Freire. O tom das cartas revela uma identificação imediata entre os participantes dos círculos e as propostas freireanas, que iam se revelando, a cada aula, a cada vivência, a cada discussão nos círculos, como instrumentos eficazes e potentes de enfrentamento daquela situação-limite – a pandemia – que desafiava a esperança e abria caminhos de superação. As cartas revelam a potência da linguagem emancipadora que permeia todo o pensamento pedagógico freireano.

41A experiência da realização dos círculos de cultura no ambiente virtual revelou-se, assim, uma demonstração da importância do legado de Paulo Freire para a pedagogia e para a história da educação. Esta iniciativa se reveste de maior relevância pelo fato de ter nascido por iniciativa de um dos movimentos sociais que mais cresceram nas últimas décadas, o MST, revelando que a educação popular, crítica, problematizadora, consciente da incidência política que tem na configuração da sociedade, é uma realidade que se reinventa e se recria, ocupando todos os espaços de produção de conhecimento, de saber, ao serviço da formação humana dos sujeitos sociais partícipes do curso, numa evidente constatação de que o pensamento pedagógico freireano não morre, mas permanece como inspiração e fonte de toda e qualquer iniciativa que pretenda estar a serviço de uma educação libertadora.

Considerações para novos começos

42Após traçar um percurso reflexivo a partir da experiência dos círculos de cultura on-line do curso “Paulo Freire, o educador do povo”, em vista da formação política dos sujeitos sociais, constatou-se que estas vivências, no marco do centenário de Paulo Freire, possibilitaram um estudo mais acurado sobre o seu pensamento. A experiência on-line, fortalecida pela experiência coletiva do MST e do Centro Paulo Freire – Estudos e Pesquisas, acrescentou duas práticas educativas que não estavam presentes nos círculos de cultura em Angicos: a vivência da mística, no início de cada encontro, e a síntese elaborada por meio da escrita de uma carta pedagógica, no final.

43A partir desta experiência, é possível reconhecer que as cartas pedagógicas são movimentos escriturísticos engravidados pelo ato de esperançar, inspirador para reexistências. Escritas a partir da presente experiência, demonstram que esses espaços-tempo foram marcados por encontros de sujeitos de origens e contextos diversos, dinamizados pela sensibilidade diante do sofrimento, das dores impostas pela pandemia da Covid-19. As cartas eram escritas, encontro após encontro, gerando uma comunhão de conhecimentos e partilhas de vida. Tecidas na dinâmica da dialogicidade entre os sujeitos, as cartas apontam também para a dimensão política da realidade, despertando nos sujeitos a consciência e o desejo de agir e de lutar por uma sociedade democrática e justa. Desse modo, o universo virtual proporcionou um movimento de ressignificação dos círculos de cultura, como lugar de dizer a palavra autêntica, com amorosidade, compromisso e esperança.

44O êxito da experiência no ambiente virtual possibilitou uma ressignificação da vivência de Angicos, levando em consideração a rede mundial de computadores, a cultura digital e os avanços das TIC e não apenas com a intenção de alfabetizar, mas de possibilitar uma educação libertadora e emancipatória, que questione o lugar do sujeito na escrita da sua história no mundo. Mesmo contando com os dilemas apresentados pela demanda da Covid-19 e os desafios sociais, como o desigual acesso aos recursos digitais, percebe-se que a dinâmica dialógica favoreceu um processo crítico de expressão e leitura do mundo, frente a movimentos conservadores e de pretensa defesa da afirmação da neutralidade da prática educativa.

45A educação praticada pelo MST se desenvolve na perspectiva da educação popular, que tem a sua origem nos movimentos sociais e que, por essa razão, assume explicitamente a sua dimensão política, expressa em ações coletivas que forjam saberes e práticas educativas libertadoras.

46Faz-se necessário destacar que a proposta da ocupação do ambiente virtual pelo Movimento, por meio desta experiência dos círculos de cultura on-line, distanciou-se da simples concepção de Educação à Distância (EAD) em seu sentido corrente, aplicada à educação formal. A proposta se inseriu na perspectiva da formação humana e política dos sujeitos sociais, caracterizando-se como uma educação participativa, coletiva, crítica, problematizadora e emancipadora, buscando suscitar reflexões para construir democraticamente esse espaço-tempo.

47Os círculos de cultura on-line respondem, assim, a esse imperativo da própria essência do pensamento freireano, que é a reinvenção criativa das práticas pedagógicas que buscam encontrar os inéditos viáveis para a superação das situações-limite. Considerando a experiência dos círculos de cultura em Angicos não apenas como um símbolo da luta contra o analfabetismo no Brasil, mas como “um marco em favor da universalização da educação em todos os graus, superando a visão elitista” (Gadotti 2013: 48), a ocupação das plataformas digitais representa um passo importante para a expansão da educação popular, aumentando o seu alcance ao serviço da formação humana e da política dos sujeitos sociais.

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Notas

1 https://www.youtube.com/c/CentrodeFormaçãoPauloFreire

2 “A ONU considera o corte ao acesso à internet, independentemente da justificativa e incluindo violação de direitos de propriedade intelectuais como motivo, ‘uma violação artigo 19’. O acesso a informação na Internet facilita inúmeras oportunidades e facilidades, principalmente no desenvolvimento social, como a educação acessível e inclusiva, entre outros pontos, bem como que o acesso à Internet não deve ser interrompido por poderes acessível e inclusiva, entre outros pontos, bem como que o acesso à Internet não deve ser interrompido por poderes Estatais”. https://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/11461/O-acesso-a-internet-e-um-direito-fundamental [acesso em 25.09.2022].

3 Lei 12.965/14 (Marco Civil da Internet), que dispõe sobre Direito de Acesso à internet, sendo o acesso à internet um direito de todos e essencial ao exercício da cidadania, bem como define a internet e outros termos técnico muito usuais na vida atual de uma pessoa conectada à rede. https://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/11461/O-acesso-a-internet-e-um-direito-fundamental [acesso em 25.09.2022].

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Para citar este artigo

Referência eletrónica

André Gustavo Ferreira da Silva e Allan Diêgo Rodrigues Figueiredo, «Ressignificações em torno dos círculos de cultura freireanos no espaço-tempo on-line no (con)texto da Covid-19: reflexões para a formação política dos sujeitos sociais»Lusotopie [Online], XXII(1) | 2023, posto online no dia 01 outubro 2023, consultado o 05 dezembro 2024. URL: http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/lusotopie/7148; DOI: https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/lusotopie.7148

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Autores

André Gustavo Ferreira da Silva

Universidade Federal de Pernambuco, Brasil
andreferreiraufpe[at]gmail.com

Allan Diêgo Rodrigues Figueiredo

Universidade Federal de Pernambuco, Brasil
allanfigueiredo.prof[at]gmail.com

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