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Les chroniques
Les comptes rendus

Valeria Ribeiro Corossacz, Identité nationale et procréation au Brésil. Sexe, classe, race et stérilisation féminine

Paris, L’Harmatan, 2004, 180 p.
Marlene Tamanini
p. 249-253
Référence(s) :

Valeria Ribeiro Corossacz, Identité nationale et procréation au Brésil. Sexe, classe, race et stérilisation féminine, Paris, L’Harmatan, 2004, 180 p., ISBN 13 : 978-2747563116.

Texte intégral

1No livro intitulado Identité nationale et procréation au Brésil. Sexe, classe, race et stérilisation féminine, Valéria Ribeiro Corossacz, doutora em antropologia social, analisa as relações entre racismo e sexismo, na gestão da reprodução humana no Brasil. Seu ponto de partida é uma abordagem histórica sobre o Brasil para mostrar a intersecção entre as teorias do branqueamento e a valorização da mestiçagem. Mostra como essa engendrou práticas institucionais, sociais e relacionais eficazes no escondimento de um profundo racismo, mesmo quando ele não é objetivado pela e na linguagem. Esse, que se instaurou, sob múltiplas formas, no quadro da gestão social da reprodução, funciona como fator importante na construção e no desenvolvimento do indivíduo e da coletividade relacionada com a ideologia da identidade nacional sob o século xix estendido aos anos trinta.

2Mas, para além da análise histórica sobre o passado, a autora aborda elementos da experiência com a esterilização contemporânea, relacionada à conjugalidade e a reprodução de mulheres esterilizadas, brancas e negras, de classes populares e média, a partir do desenvolvimento de uma pesquisa junto a dois hospitais, na periferia do Rio de Janeiro. Apresenta como além de dinâmicas racistas e sexistas, interagem junto às práticas de reprodução, experiências familiares da vida dessas mulheres, no que tange a sua sexualidade e a conjugalidade. A essas experiências segundo Corossacz, juntam-se ao mesmo tempo dimensões institucionais, posturas dos profissionais da saúde, em especial, médicos, as trajetórias e as experiências reprodutivas das mulheres com quem a mesma realiza uma série de entrevistas. Desse modo, elenca em sua análise, elementos do passado e questões contemporâneas sobre as práticas institucionais e o modo como essas mulheres vivem sua experiência reprodutiva. Do ponto de vista histórico passado, mostra como as teorias raciais européias sobre degeneração social e biológica da população se adaptaram mal no Brasil, dado ao fato que a realidade hierárquica e social brasileira, não poderia ser concebida sob o modelo interpretativo da causalidade biológica, reinante à época nas ciências naturais e sociais sob pena de que o desenvolvimento da nação fosse comprometido.

3A tese do branqueamento é portanto, uma solução brasileira, capaz de engendrar o devir da nação. Faz-se com ela, um salto histórico e social importante, em direção a legitimação do processo do fazer-se nação, ao invés de tratar a mestiçagem como caminho da degeneração da raça. Esse engendramento é trabalhando pela autora de modo a mostrar como o processo articula uma ligação sólida entre as teorias raciais, a medicina, a antropologia física e o projeto político, na construção da nação e da sua formação desde o século xix até os anos 1930. Década, onde então, ocorre uma mudança radical na compreensão sobre a essencialização e a naturalização da raça, passando-se para a sua construção social histórica, o que nesse caso, faz-se pela imposição de regras sobre o fluxo migratório branco, para fins de branqueamento e atendimento à industria nascente. Nesse ponto, vários autores, assim como Corossacz, mostram como a ideologia da mestiçagem tornou-se positiva porque captada em torno das idéias sobre democracia racial. A partir do enfoque da década de 1930, Corossacz faz uma importante clivagem histórica dos autores e das principais idealizações das teorias da mestiçagem no Brasil e mostra como elas foram se separando de uma leitura e interpretação negativa sobre a naturalização da raça para ganhar as dinâmicas de um processo cultural e histórico, no curso da história de uma nação que será construída pela valorização das teorias raciais, desfocadas da degeneração, mas em direção ao branqueamento, estrategicamente montado e que valoriza sobremaneira o sangue europeu.

4O esforço da autora em sistematizar as bases históricas e estruturais das práticas de mestiçagem cresce no tempo cronológico e na medida em que ela se aproxima da contemporaneidade para mostrar como racismo e reprodução se concentra no Brasil ao redor de alguns temas : a interferência do racismo nas condições de saúde das mulheres afro-descendentes ; as doenças ditas raciais, como a anemia falciforme ; as doenças advindas da pressão arterial, certos tipos de fibromas, que atingiam as mulheres africanas ; o impacto das políticas de esterilização sobre as mulheres afro-descendentes. Destaca a título de informação como muitos estudos têm demonstrado situações de racismo no meio hospitalar, por meio do tratamento e do comportamento diferenciado para pessoas afro-descendentes, mesmo quando essas pertencem a mesma classe social e possuem o mesmo nível de instrução. Nesse aspecto, busca compreender o que é no Brasil a mestiçagem e o racismo, como duas faces de uma mesma moeda. Esforça-se por mostrar como o racismo enquanto um sistema de idéias e práticas de exclusão, interfere nas dimensões nacional e individual da reprodução e como esta ocupa uma dimensão central na construção da identidade nacional já que é impossível pensar a mestiçagem, sem analisar o modelo de reprodução sobre o qual se pautam também os modelos de relações sociais. Ao apresentar como os fatos biológicos da vida humana estão investidos por uma dimensão nacional e coletiva, social e cultural, a partir do momento em que o Estado intervém na reprodução e no nascimento dos seus próprios cidadãos e sobre as mulheres como reprodutoras, a autora inscreve a reprodução humana na ordem social. Privilegia para esse fim, a modalidade específica que é a da esterilização feminina, um método contraceptivo definitivo, e um campo discursivo sobre o destino da nação e sobre a definição das condições da reprodução. Mostra como a gestão social da reprodução e da sexualidade, ocupa um espaço discursivo de poder, de identidade social, de prazer e sofrimento, além de diferentes espaços discursivos, onde homens e mulheres não estão em posições iguais e simétricas. Em sua análise faz ver como no Brasil a ligação entre reprodução humana e reprodução da cultura está representada pela articulação entre nação e raça. E de outra parte, como a contracepção vêm sendo tratada no interior de temas mais amplos, sejam os que dizem respeito as dificuldades do casal com o uso de contraceptivos, ao papel atribuído as mulheres, a exigência e o desejo de procriar, as diferentes possibilidades ou não, de partilhar com seu companheiro a responsabilidade contraceptiva, a ilegalidade do aborto, as razões de saúde, ligadas ao quadro de problemas e complicações durante o parto e a gravidez, a história de vida reprodutiva.

5Nesse sentido, ganha especial destaque como a esterilização se constitui entre as mulheres brasileiras em um instrumento do qual elas se apropriam e que responde às suas novas necessidades, diferentes daquelas que haviam sido utilizadas, para justificar sua introdução no mercado. Insere-se portanto, no bojo das discussões sobre saúde reprodutiva tomada como a principal esfera pública da gestão social da reprodução, que não pode estar focada apenas na situação sócio-econômica, mas que atinge as mulheres de todas as classes, e que portanto, precisa ser compreendida na dinâmica da relação entre os sexos, não apenas no seio do casal, mas no contexto maior da família e da comunidade.

6Ao posicionar-se assim, contudo, a autora não descuida do que diz respeito as questões que marcaram o posicionamento do movimento negro sobre a esterilização e o lugar do racismo na gestão social da reprodução e da vida reprodutiva das mulheres afro-descendentes. Embora essa questão, se torne visível somente quando cruzada com o perfil da população, já que as práticas de esterilização ocorrem com maior predominância entre as camadas populares, e é lá que se encontram também os segmentos populacionais negros em maior quantidade. A necessidade de estabelecer a correlação entre modelos reprodutivos reais ou imaginários, e a cor no Brasil, não é facilitada, e raramente verbalizada, portanto, o desafio é refletir sobre esse silêncio em relação a cor das pessoas, situação encontrada durante seu trabalho de campo, o que faz perceber como a cor é um valor indicativo de posição social, mas só é verbalizada em situação de conflito.

7Além disso, há outras importantes dinâmicas e que influenciam no modo como as brasileiras lidam com a esterilização. Quando o benefício da prática é visualizado conta importante, e isso está vinculado, ao modo como as brasileiras vêem o seu corpo e como o deixam manipular, refazer e construir. O corpo é percebido como um lugar no qual se pode intervir para transformá-lo, o que muda o paradigma sobre seu caráter natural e estático, e permite pensar que esse benefício deve ser oferecido à todas as mulheres, mesmo se elas não podem pagar. Nesse aspecto, a autora faz um importante apanhado para mostrar que não se pode separar reprodução de seu controle e que a capacidade de decidir e gerar no próprio corpo, bem como o seu controle diante da contracepção moderna não está em contradição com o processo de canalização das expressões sexuais em direção as condutas procriativas.

8Em relação à utilização dos outros métodos, a dificuldade não se deve ao acesso ou a falta de informação, e sim, ao percurso bibliográfico, marcado por determinações sociais de relações com o companheiro e por determinações sociais e culturais, definindo os papéis sexuais de mulheres e homens. Dentre eles a autora aponta o papel procriativo confiado a mulher como elemento central de sua identidade social, e a experiência de uma sexualidade submissa a reprodução, o desejo de maternidade que uma mulher pode ter e a relação desses três aspectos no seio de uma relação de casal, o que constitui o terreno sobre o qual, se alimenta a decisão em favor da esterilização. Considere-se outros elementos, também relativamente explorados pela autora, como o fato de que a utilização de outros métodos contraceptivos prevê uma continuidade de relação entre o médico e a instituição médica, mas sobretudo, uma continuidade da relação que essas mulheres tem consigo mesmas, e com seu corpo, quanto a possibilidade de ter ou não ter filhos, experimentada em cada relação sexual.

9Essa questão pode significar uma reatualização do objetivo dessas mulheres no seio da relação do casal com conseqüências para a contracepção e para a filiação. Ou essa relação é caracterizada pela impossibilidade de partilhar com o companheiro a responsabilidade reprodutiva, ou pela resistência de contracepção de um companheiro que busca a reprodução na relação sexual. Nesse estudo a filiação é a dimensão principal a partir da qual alguém se posiciona no interior do modelo de identidade feminina e do modelo de identidade masculina. Desse ponto de vista, as principais causas da queda das taxas de fecundidade no Brasil não estão no interior de uma política antinatalista do Estado, mas no interior das transformações sócio-econômicas e culturais que atravessaram a sociedade. Do ponto de vista histórico, a autora apresenta rico material para se pensar como no Brasil, racismo e antiracismo, coabitam no seio de um equilíbrio construído por uma história que tomou a forma, não somente, no interior da dinâmica das relações sociais, mas também na formulação e na difusão de idéias e categorias para pensar a coletividade : raça, nação, mestiçagem, democracia racial. A reprodução portanto, está ancorada, em um terreno fortemente marcado em termos nacionais, um espaço onde o Estado investiu para construir novas gerações e com o objetivo de definir novos modelos de maternidade.

10Contudo, elementos ligados à regulação social e a preocupação com as práticas de saúde e relações de gênero referidas a sexualidade poderiam ser agregados à análise de modo a fazer perceber que as intervenções sobre a população também significaram intervenções sobre corpos e compromissos com a modernização dos comportamentos relativos à autonomia e a liberdade no campo dos direitos sexuais e reprodutivos.

11Août 2007

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Pour citer cet article

Référence papier

Marlene Tamanini, « Valeria Ribeiro Corossacz, Identité nationale et procréation au Brésil. Sexe, classe, race et stérilisation féminine »Lusotopie, XV(2) | 2008, 249-253.

Référence électronique

Marlene Tamanini, « Valeria Ribeiro Corossacz, Identité nationale et procréation au Brésil. Sexe, classe, race et stérilisation féminine »Lusotopie [En ligne], XV(2) | 2008, mis en ligne le 01 février 2016, consulté le 14 janvier 2025. URL : http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/lusotopie/670 ; DOI : https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.1163/17683084-01502015

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