1Na segunda semana do mês de Abril de 2006 chegou ao meu conhecimento através da Internet, a existência de uma recentemente criada Associação de Amizade Galiza-Portugal, que tem entre as suas primeiras reclamações a possibilidade de sintonizar com total normalidade canles de rádio e televisão portuguesas na Galiza. Esta demanda chegou a ter mesmo certa ressonância nos meios de comunicação social portugueses (reportagens nas emissoras RTP e SIC o 10 de Abril de 2006), o qual dá testemunho de um aprezável nível de interesse em torno a este tema em Portugal.
2A questão não deveria ter por que suscitar grandes controvérsias, dado que a reclamação mencionada vem apoiada e avalada por directivas e resoluções da União Europeia, promulgadas no sentido de fazer mais transparentes e normais as relações entre os Estados da União, com especial destaque para as acções que favoreçam contactos culturais entre países vizinhos. Além disso, é preciso colocar no debate o facto de estarmos a viver numa sociedade (a galega e a portuguesa) que já começa a reconhecer-se como pertencente a uma mesma área política, económica e cultural, a europeia, onde fluxos materiais e informacionais de todo o tipo e com as origens e destinos mais diversos, cruçam territórios e fronteiras sem maiores problemas. Porém, ainda que na sociedade globalizada alguns teóricos classificam a informação junto ao comércio, como espaços abertos a fluxos de livre acesso, a realidade mostra a existência de limitações, taxas e imposições que partem sempre dos mais fortes, dos países dominantes e, no interior destes, das suas elites económico-político-intelectuais. Neste contexto, apesar de decisões administrativas pontuais, as fronteiras persistem, fortalecem-se e reinventam-se.
3Parece justificado, pois, tentar explicar-se a incongruência que supõe a existência de fronteiras ainda rígidas no que toca à captação livre de sinais audio-visuais hertzianos (gratuitos) provenientes de Além-Minho. Parece justificado, sobre todo, tendo em conta a existência de « lobbies » ou comunidades que chamaremos virtuais (a própria Associação de Amizade Galiza-Portugal é um exemplo) com interesses e demandas de claro carácter transfronteiriço ou interestatal. Estas comunidades caracterizam-se por utilizar com grande habilidade os novos instrumentos de informação e comunicação (nomeadamente Internet), convertendo-os em martelos virtuais com os que rachar as barreiras políticas herdadas da Modernidade. Ora bem, é preciso pontualizar que a « Rede » contribui, de igual jeito, a criar novas identidades e adesões, talvez mais fluidas e abertas graças ao contacto continuado e constante com ideias diversas, provenientes dos mais recónditos quadrantes sociais e geográficos.
4Neste artigo colocarei, em primeiro lugar, umas breves considerações sobre as oportunidades oferecidas pela União Europeia à apertura fronteiriça, mas prestando uma atenção especial ao caso do mercado televisivo como exemplo e demonstração das eivas e insuficiências detectáveis em diversos âmbitos. A seguir, reflexionamos sobre os novos territórios « virtuais », em oposição aos territórios políticos, representados pelos Estados. Trata-se de territórios imaginados principalmente graças à existência de um novo espaço englobante : o ciber-espaço. As novas territorialidades respondem a vontades de afirmação identitária de grupos sociais coesos e por isso é interessante precisar os seus fundamentos, aplicáveis à reclamação de um espaço audiovisual comum galego-português. A continuação evaluamos desde uma perspectiva crítica as principais razões apontadas para a permanência da actual situação de facto, na que as televisões e rádios portuguesas não podem ser sintonizadas em aberto no território galego. Por último, conclui-se com uma breve reflexão na que se reflecte o interesse que acho deve ter este debate para as ciências sociais, tanto teóricas como aplicadas. A atenção da geografia, em concreto, tem o seu fundamento na denúncia da falta de correspondência entre as territorialidades fortes do sistema moderno de Estados e as territorialidades brandas ou difusas da sociedade da informação.
5Para começar, é preciso apontar que o sector do audiovisual não é apenas o único com claras deficiências de harmonização de políticas entre os Estados membros da União Europeia. São ainda modestos os avances para favorecer os contactos de todo o tipo entre as sociedades a ambos lados das fronteiras e dar lugar, a termo, ao que poderiamos chamar « estilo de vida transfronteiriço ».
6O Conselho da Europa mantém como un princípio básico para uma cooperação transfronteiriça exitosa a existência de actividades culturais conjuntas, para que possa conformar-se uma « consciência transfronteiriça » (Conselho da Europa 1996). Uma das áreas nas que se aconselha trabalhar às colectividades fronteiriças é a dos meios de comunicação : cooperação entre meios locais (televisão, imprensa, rádio), elaboração de programas e publicações conjuntos com conteúdos interessantes para os habitantes do espaço transfronteiriço.
7No ano 2000 o Conselho da Europa publicou um estudo sobre vários exemplos europeus exitosos na promoção de meios de comunicação nos níveis regional e local (Conselho da Europa 2000). No estudo distinguem-se três tipos de actividades, en função do meio :
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Imprensa escrita : a colaboração entre os meios locais pode ir desde a troca de informação (como entre La Vie Nouvelle-L’hebdo de Savoie na França, e o Corrier de la Vallée d’Aoste, na Italia), até publicações conjuntas (por exemplo, a revista Trans Odra, do German-Polish Press Club).
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Rádio : podem existir agências de notícias especializadas na região transfronteiriça (caso da Euregio-Media, entre Alemanha, Bélgica e Holanda), ou programas comuns (Radio Euregio, Radio Pomerania).
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Televisão : como no caso da rádio, não se oferecen exemplos de estações partilhadas, mas sim de intercâmbios de informação, contactos ou programas conjuntos, como entre a fronteira alemã e dinamarquesa (Hierher), alemã-checa-polaca (Eurolok), as áreas bálticas (Baltic Media Centre), balcánicas (Balcan TV Magazine) ou alpinas (Alps-Danueb-Adriatic TV Magazine).
8Por outra banda, o mesmo Conselho da Europa, na Carta europeia das línguas regionais ou minoritárias, entre os seus objectivos e principios inclui os de :
« promoção de formas apropriadas de intercâmbios transfronteiras, nos domínios abrangidos pela presente Carta, para as línguas regionais ou minoritárias utilizadas de uma forma idêntica ou próxima em dois ou mais Estados. » (Conselho da Europa 1992 : 4)
Na mesma Carta, no Artigo 11.º, dedicado aos Meios de comunicação social, estabelece-se :
« As Partes comprometem-se a garantir a liberdade de recepção directa das emissões de rádio e de televisão dos países vizinhos numa língua utilizada de modo idêntico ou próximo de uma língua regional ou minoritária, e a não opor-se à retransmissão de emissões de rádio e de televisão dos países vizinhos numa tal língua. Comprometem-se, além do mais, a zelar por que nenhuma restrição à liberdade de expressão e à liberdade de circulação da informação numa língua utilizada de forma idêntica ou próxima de uma língua regional ou minoritária seja imposta à imprensa escrita. O exercício das liberdades acima referidas, que comportam deveres e responsabilidades, pode ser submetido a algumas formalidades, condições, restrições ou sanções previstas pela lei, que constituem medidas necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a protecção da saúde ou da moral, a protecção da reputação ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações confidenciais, ou para garantir a autoridade e a imparcialidade do poder judiciário. »
No Artigo 14.º, sobre Intercâmbios Transfronteiras, as Partes comprometem-se :
« a) A aplicar os acordos bilaterais e multilaterais existentes que as vinculam aos Estados onde a mesma língua é utilizada de modo idêntico ou próximo, ou a esforçar-se para a sua celebração, se necessário, de maneira a favorecer os contactos entre os falantes da mesma língua nos Estados em causa, nos domínios da cultura, do ensino, da informação, da formação profissional e da educação contínua ;
b) No interesse das línguas regionais ou minoritárias, a facilitar e/ou a promover a cooperação através das fronteiras, nomeadamente entre as colectividades regionais ou locais no território das quais a mesma língua é utilizada de modo idêntico ou próximo. »
9Em definitiva, a pretensão destas medidas seria alcançar um novo nível de consciência, cultura e identidade transfronteiriças, que iriam complementar a multiplicidade de identidades (regional, nacional, europeia) nas que se forja a construção da Europa. Quer dizer, estaríamos numa nova fase de construção de identidades espaciais promovida pelo próprio Conselho da Europa.
10Porém, os principais intuitos institucionais nesse senso consistem na criação de « lobbies » regionais transfronteiriços, conhecidos genericamente como « Euro-regiões ». No nosso caso, podemos constatar facilmente que apesar do grande volumem de declarações que seguem a cada reunião da Comunidade de Trabalho Galiza-Norte de Portugal ou do Eixo Atlántico, existe uma carência de conteúdos no discurso, no diálogo político, no clima político. Deste jeito, a Euro-região constitui actualmente um sistema económico num processo de integração exitoso, em clara e rápida progressão, ainda que não maduro, que contrasta com a fraqueza da actividade de comunicação social no campo das identidades.
11Seja como for, parece que a maior proximidade e comunicação conseguida nos últimos vinte anos seguem sem produzir vinculação cultural ou consciência transfronteiriça euro-regional entre as pessoas da Galiza e de Portugal. O cidadão não é o destinatário da Euro-região : com respeito às infra-estruturas de transporte, falham os transportes colectivos (trem e autocarro) ; com respeito ás infra-estruturas telemáticas, é pouco realista pensar que sejam um factor de achegamento da cidadania da Euro-região, pelo menos a curto e meio prazo.
12Mas, sobre todo, falha a dimensão de comunicação social dessas novas redes, falta um espaço de interacção capaz de juntar o espaço dos fluxos com o espaço dos lugares/identidades. Com certeza, poderiamos falar neste campo das iniciativas de colaboração transfronteiriça levadas a cabo desde meados dos anos 1990 por alguns meios de comunicação locais e regionais. Por exemplo, podemos citar as falhidas experiências de publicações periódicas transfronteiriças como Arco Atlântico, Sin fronteras/Sem fronteiras e Eco/Vida Económica, distribuídas com os principais jornais regionais : Faro de Vigo, La Voz de Galicia, Público, Jornal de Notícias, etc. Também se estabeleceram novas relações comerciais e industriais luso-galegas no âmbito da produção editorial e musical. Para explicar o fracasso da maioria de iniciativas de associação transfronteiriça na imprensa escrita, confluem um conjunto de razões de diversa natureza :
– Em primeiro lugar, dá-se por feito que existe um conhecimento prévio, ao menos superficial, da região vizinha. Deste conhecimento derivar-se-ia um natural interesse por ter informação sobre aquilo que acontece ao outro lado da Raia, o qual resultou ser uma afirmação sem base empírica, ao constatar-se o baixo nível de interesse suscitado pelos suplementos jornalísticos « euro-regionais ». Em realidade tudo parece ter respondido à assimilaçao recíproca de um discurso « politicamente correcto » no tocante às relações internacionais das regiões em causa.
– Não se pode obviar a existência de importantes diferenças entre as imprensas espanhola, formada por grandes grupos de comunicação, e portuguesa, com jornais de âmbito mais local e divididos em duas grandes regiões de comunicação (Norte e Centro-Sul). Isto resulta em diversas achegas informativas e publicitárias das empresas em cada região.
– Por outro lado, estas publicações pecavam de um certo « localismo » no enfoque, segundo o lugar de edição de cada jornal.
– O público-objetivo destes suplementos restringia-se a leitores urbanos de formação ou nível educativo meio com parecidas sensibilidades e gostos : futebol, cultura, política, comércio, turismo, lazer.
– Existia uma auto-censura de temas polémicos ou possível fonte de conflito entre as duas regiões.
– Existiam problemas económicos derivados da falta de publicidade no suplemento (resultado da baixa audiência) e a falta de ajudas públicas. Estes problemas provocaram uma escassa assignação de recursos humanos e técnicos ao projecto por parte dos jornais, com as conseguintes perda de qualidade e interesse nos conteúdos, e escassa promoção.
– Pode-se dizer que estas experiências foram « apressuradas » demais, tendo em conta o então ainda curto percorrido da cooperação e apertura fronteiriça.
13Em resumo, os jornais seguem pegados aos mercados locais e nacionais apesar da progressiva apertura de fronteiras na Europa. Esta é a resultante de modelos de regulação de marcado carácter nacionalista originados a meados do século xix. Assim, desde finais desse século, jornais e agências informativas participam na defesa da identidade nacional dos Estados. O apoio a esta causa foi incondicional, ligado ao desenvolviemnto dos grandes grupos financeiros « nacionais » e ao control informativo exercido pelas instituições do Estado. Este modelo liberal-nacionalista mantém-se, com variações, até aos nossos dias, apesar do desenvolvimento da comunicação de massas e da projecção exterior dos meios informativos impulsada pela internacionalização económica. Neste contexto, os diários lutam por manter os seus mercados locais, regionais ou estatais, persistindo muitas das barreiras lingüísticas, sócioculturais e ideológicas (valores, tradições, níveis sócio-económicos médios, etc.) que impedem a superação das fronteiras dos Estados-nação.
14Contudo, existem experiências interessantes no âmbito local como a publicação quincenal « A Peneira » (<www.apeneira.com>), editada na localidade galega de Ponteareas, muito vizinha à fronteira do Minho e à cidade de Vigo. Esta publicação conta com colaboradores estáveis em localidades portuguesas próximas à fronteira (Monção e Viana do Castelo), que se encarregam da secção titulada « Alén Minho », de 2-3 páginas escritas integramente em português padrão prestando atenção às principais notícias de todas as localidades minhotas fronteiriças, mais Viana do Castelo e Braga. Sem dúvida, esta publicação aproveita-se do enorme potencial transfronteiriço da área minhota, a 50 km da qual há tanta população como no resto da fronteira hispano-portuguesa.
15Também é preciso sinalar que um jornal galego em língua castelhana como o Faro de Vigo, dispunha em janeiro de 1999 duns 250 pontos de venda no Norte de Portugal (Maneiro Vila 2000 : 153). Este jornal contém uma média de uma informação relativa a Portugal por dia. Nestas informações dominam os conteúdos de tipo social, como o turismo, as informações económicas (sobre a cooperação entre empresários e a mobilidade de trabalhadores), e também a informação sobre sinistros e temas políticos.
16No audiovisual, é preciso salientar a relação privilegiada da TVG (televisão da autonomia galega) com as suas congéneres portuguesas (nomeadamente a RTP), chegando a realizar coproduções como o programa « Sem fronteiras » em 1997, com índices de audência relevantes na Galiza, ou o muito recente programa especial de homenagem a Zeca Afonso com motivo da celebração do 25 de abril de 2007. De facto, a colaboração entre TVG e RTP sustenta-se em acordos assinados já a começos dos anos 1990, certificados em 1997 atravês de um acordo de colaboração e troca de produções, programas de interesse histórico e cultural, musicais e informativos. Desde 1994 levaram-se a cabo projectos de adaptação das infra-estruturas emissoras e re-emissoras situadas em municípios fronteiriços para permitir a cobertura das respectivas televisões em Portugal e na Galiza, projectos de dotação de equipamentos para a instalação de televisões comarcais transfronteiriças e a finalização da conexão por redes de fibra óptica entre Tui e Valença do Minho para possibilitar emissões e inter-conexões televisivas transfronteiriças.
17O objectivo seria o de encher de conteúdo a construção europeia, evitando a ignorância mútua, os preconceitos e ressentimentos. Não obstante, toda esta boa vontade materializada em acordos de colaboração, teve como resultado, por agora, escassas realizações práticas. A razão principal pode buscar-se na precariedade das dotações humanas dedicadas à colaboração transfronteiriça, junto da dependência dos níveis centrais de decisão de cada Estado e dos imperativos de rentabilidade económica. Em concreto, o audiovisual é um sector cuja competência é reservada, no âmbito da Uniao Europeia, aos Estados. Deste jeito, os sistemas de concesão, autorização administrativa, taxação, financiamento e conteúdo dos programas são prerrogativas estatais no intuito de garantir a « independência das evoluções culturais dos Estados e a diversidade cultural da Comunidade » (Campos 2000 : 89). Aliás, a comunicação entre a Galiza e o Norte de Portugal está marcada por ignorâncias clamorosas, ficando Portugal praticamente ausente nos média espanhóis e galegos e nos conteúdos ensinados nas escolas.
18A comunicação euro-regional atravês da internet não é mais esperançadora. Atendendo ao interesse por conteúdos portugueses na Galiza e vice-versa a existência social da Euro-região é duvidosa. A comunidade parece mais teórica do que real.
19A consecução de um novo espaço de comunicação, de vocação universalista, implicaria uma espécie de re-territorialização das culturas, orientadas a um modelo de convivência plurinacional, pluricultural e plurilingüístico, necéssario dado o empobrecimento relacional característico da sociedade actual (Álvarez 1999 : 19). Esta eiva é comum a todo o modelo de integração europeia e manifesta-se na falta de recursos institucionais para fortalecer o que o Programa de Actuação Conjunta Galiza-Norte de Portugal 2000-2006 sinala como uma das fortalezas da Euro-região : a « identidade cultural entre ambos espaços regionais ». Esta fortaleza, bem utilizada, seria a clave para conseguir um objectivo declarado : « a finalidade é transcender a cooperação administrativa e conseguir uma progressiva integração de ambas as duas sociedades civis » (Programa de Acção Exterior da Xunta de Galicia 2000-2004, na referência à « Euro-região Galiza-Norte de Portugal »).
20Tampouco se deveria depositar excessiva confiança em resoluções jurídicas e políticas como a proposição aprobada pelo Parlamento galego em novembro de 1982, na que se pedia um Tratado com Portugal no sentido de estabelecer relações culturais transfronteiriças, e que permanece retida num trámite processual trás ser aprobada por unanimidade (Pérez González et al. 1985). Ora bem, se lembramos que o Estatuto de Autonomia da Galiza estabelece, no seu artigo 35.3, que a Galiza pode solicitar do Governo de Espanha que celebre tratados ou convénios que permitam estabelecer relações culturais com os Estados com os que mantenha particulares vínculos culturais ou lingüísticos, só podemos pensar que essa é a via ajeitada para criar esse espaço de relação galego-português-lusófono enunciado pela Comunidade de Trabalho Galiza-Norte de Portugal. Mas, de qualquer jeito, a saúde da relação sociocultural entre a Galiza e Portugal não pode depender da celebração de um tratado.
21No futuro será preciso pôr acima da mesa uma reflexão sobre dois temas que dão conta das curiosas características da apertura fronteiriça na Europa : em primeiro lugar, sobre o papel desenvolvido pelos entes inter-regionais no sentido de exercer pressão sobre as instâncias nacionais-estatais e europeias para reivindicar o rol das áreas geográficas sub-regionais na cooperação transfronteiriça ; em segundo lugar, sobre a responsabilidade das próprias regiões para gerar a imprescindível atmosfera política, social, económica e cultural necessária para alentar tal pressão.
22A inovação mais radical nas telecomunicações durante o decénio passado foi o estabelecimento de uma rede informática global, a Internet, que dá fácil acesso a informações específicas que interessam a indivíduos situados a grandes distâncias. Isto implica a gestão de grandes quantidades de informação que antes só estavam disponíveis em cada contexto estatal.
23Esta perda de « soberania informativa » por parte dos Estados pode ter um impacto político maior do que o desenvolvimento da imprensa escrita. Por isso, muitos governos tentam recuperar ou manter o control da informação acessível nos respectivos territórios estatais : uns por meios técnicos que impidam a disseminação de informação e mensagens considerados indesejáveis no território próprio ; outros procuram o estabelecimento de um quadro internacional que ordene o que se considera um sistema anárquico de fluxos incontrolados de informação (Anderson 1996 : 176).
24Não obstante, nenhuma das duas achegas parece efeitiva demais, e o crescente número de indivíduos ligados por interesses comuns que se comunicam através das fronteiras dos Estados sem dificuldade podem dar lugar a mudanças políticas fundamentais.
- * ICANN, Internet Corporation for Assigned Names and Numbers.
25Recentemente, a atribuição pela ICANN* (Internet Corporation for Assigned Names and Numbers??) de um domínio de Internet próprio (.cat) à comunidade cultural catalano-falante teve um importante seguimento mediático no Estado espanhol. De facto, a polémica gera-se a partir de uma opinião generalizada pelos média espanhóis no sentido de que esta iniciativa responde a um intuito de criação de novas fronteiras « separadoras », legitimadoras de um futuro espaço político catalão independente. Do lado dos promotores da iniciativa aponta-se ao papel do « .cat » como nexo de união simbólica, transcendendo territórios e fronteiras políticas, dos que partilham uma cultura (manifestada principalmente na língua) ou sentem interesse por essa cultura. A continuação passo a analisar esta polémica desde um ponto de vista crítico. Penso que a sua compreensão dá claves para entender as rigidezes às vezes impostas pelos Estados no sentido de impedir a legitimação pública (através, neste caso, da atribuição de um nome específico) de comunidades culturais que não abrangem os limites territoriais de um Estado internacionalmente reconhecido.
26Num entorno como Internet, definido e concibido originariamente como um espaço para a criação e a liberdade, sem mais fronteiras formais que a nossa capacidade de acção e imaginação, o facto de que só pudessem existir domínios vinculados a Estados ou a determinadas temáticas muito concretas era algo anacrónico. A nível de história e evolução própria da Internet, os nomes de domínio assignados a Estados foi uma forma de organizar-se fácil de compreender mas que supunha ir contra-corrente. Uma das promessas da Internet era a de acabar com as fronteiras. Só mais tarde fomos sendo conscientes de que, na realidade, Internet só racha o monopólio das formas de dar-se nomes, fronteiras e símbolos. Ou o que é o mesmo, romperá o monopólio do Estado-nação para dizer quem somos na Internet, algo bastante comum e estendido noutros âmbitos e dimensões do processo globalizador.
27Além disso, o ciber-espaço só existe quando é praticado, quando há gente nel, quando se enche de sociedade. Internet está formada por uma infinidade de espaços e de grupos superpostos e inter-conectados que, quando assumen uma identidade e um nome próprios, convertem-se em novos territórios. A sua realidade estrutural é diferente da dos territórios com base física, com os seus limites, as suas terras, as suas alfândegas e as suas fronteiras.
28Em determinadas linhas de investigação antropológica sobre as identidades colectivas e sobre o fenómeno da fronteira, afirma-se que nos territórios físicos as identidades culturais fundamentam a sua existência e a sua supervivência na essencialização e o endurecimento da diferença, da fronteira. Frederik Barth, é provavelmente o representante mais citado desta linha de interpretação que sinala que « na criação da identidade do grupo a cultura interna desse grupo tem menos importância do que os limites concretos que os seus membros querem afirmar » (Barth 1976).
29Sob esta linha de interpretação que pode perfeitamente aplicar-se a multidão de grupos e colectivos humanos, a fronteira estabelece o perímetro, a qualidade de ser ou não ser membro de um determinado colectivo. Em última instância, é o endurecimento da fronteira e não a essencialização do seu conteúdo o que fundamenta a existência de um colectivo. Porém, no ciber-espaço os territórios superpõem-se e partilham-se. Os colectivos virtuais só se mantêm firmes no seu centro, onde mais se parecem á definição que eles estabelecem de si mesmos.
30Os novos territórios « electivos » são um tipo de comunidade, um novo tipo de agregação social, radicalmente diferente dos territórios e os colectivos próprios da Modernidade. Estamos perante uma fórmula de criação e modificação constante de colectivos sociais que se materializam quando elegem fazê-lo, quando escenificam a sua existência. Assim, os novos territórios virtuais como o que gera o « .cat », formam-se a partir de comunidades « virtuais » electivas.
31As « comunidades virtuais » são, na maioria das ocasiões, comunidades lúdicas que têm mais a ver com como queremos passar o nosso tempo livre do que com uma dimensão mais « dura » da identidade colectiva. As « comunidades virtuais », de facto, são « ligeiras », flexíveis, não excluintes.
32As regiões, do mesmo jeito que qualquer outro tipo de comunidade baseada no territorial, ante o fenómeno de desterritorialização do social que estamos a viver, têm a possibilidade de aproveitar e aprender do ciber-espaço. Quer dizer, tentar recriar e realimentar esses vínculos sociais duros e territorializados nos que se baseava, a partir de novas ligações, ciber-espaciais estas, menos transcendentes, mais banais, mas igualmente vinculantes e úteis para a construção ou a supervivência de uma identidade colectiva. Em definitiva : parecer-se ou converter-se, dalgum jeito, em comunidades electivas (Mayans 2003).
33O dominio « .cat » não é conseqüência directa de que exista um colectivo cultural ou lingüístico catalão. O que causou todo isto é que este colectivo cultural ou lingüístico actuou, mobilizou-se, teve a vontade de referendar a sua existência com um nome. O social e politicamente relevante de todo isto é que a acção, a decisão e a insistência de uma comunidade electiva, de um grupo social, levou-o á definição de um espaço próprio. Um espaço virtual não excluinte, que se combina com outros muitos territórios Um espaço virtual territorializado e apropriado por um colectivo social e cultural.
34Se o compararmos com o da Catalunha, no caso da Galiza, não há um fortalecimento da identidade ao interior devido, principalmente, a que non se assume a mesma e a condicionantes políticos integrados no sentir cidadão. Este estado de cousas coexiste com um fortalecimento da identidade cara ao exterior, ainda que muito limitada ao turístico e ao folclórico. Neste caso, a imagem própria forja-se a partir da caricatura que reflectem os outros, a(s) resultas da qual se forma uma identidade alheia (Chao Rego 2001 : 31). No que concerne à identidade « galega » em sentido genérico, difuminam-se as fronteiras virtuais com Espanha e afirma-se a fronteira (física e psicológica) com Portugal. Na minha opinião esta é a principal razão pela qual a demanda de uma produção audiovisual-cultural-televisiva galego-portuguesa transfronteiriça não tem um grande nível de ressonância social no território galego.
35As telecomunicações internacionais possibilitam « intrussões » nos territórios dos Estados que são combatidas por razões estratégicas, ao considerar-se incomensurável o impacto dos meios de comunicação de massas no campo das mentalidades e das identidades culturais. De facto, temos indícios de como no futuro o control da informação e de potentes meios de comunicação de âmbito internacional vai ser cada vez mais importante.
36Porém, as únicas acções tendentes a criar um marco regulatório internacional comum têm sido na Europa. Este quadro geral pretende garantir a comunicação livre de informação. Ademais, Europa pretende adoptar uma achega comum às emissões satelitares, de jeito a ser um ente negociador único ante os Estados Unidos e Japão. A regulamentação europeia da política em matéria de televisão é um resultado do trabalho conjunto do Parlamento e da Comissão, atendendo a Comissão basicamente aos aspectos económicos e de mercado comum, enquanto o Parlamento dedica mais atenção às liberdades e à cultura (Campos 2002 : 199).
37A liberdade de acesso a serviços televisivos esteve na origem do livro verde da CEE « Televisão sem Fronteiras » (1984). Os seus princípios básicos coincidem com a Convenção do Conselho da Europa de 1989 sobre Televisão Transfronteiriça. Deste jeito, uma directiva europeia de Outubro de 1989 (Directiva 89/552/CE modificada pela directiva 97/36/CE) incluia as emissões de telecomunicações entre os serviços aos que fazia referência o Tratado de Roma, sujeitos à liberdade de circulação na Europa dos Doze :
« A presente directiva estabelece as disposições mínimas necessárias para garantir a livre difusão das emissões ; em conseqüência não afectará às competências dos Estados membros e às suas autoridades em matéria de organização, incluídos os sistemas de concesão ou de autorização administrativa ou de taxação, o financiamento e o conteúdo dos programas ; a independência da evolução cultural de um Estado membro respeito a outro e a diversidade cultural da Comunidade ficam assim preservados. »
A aplicação das regras desta directiva comunitária corresponde às autoridades que, em cada Estado-membro, são os responsáveis pela tutela do domínio audiovisual. Deste jeito, as autoridades competentes podem ser quer o Estado, quer as comunidades autónomas no caso de terem transferidas as competências. No ordenamento jurídico do Reino de Espanha a directiva está transposta na lei 25/1994 de 12 de Julho, modificada pela lei 22/1999 de 7 de Junho.
38No artigo 2A parágrafo 1º da directiva 97/36/CE estabelece-se que os estados membros têm a obriga de assegurar a liberdade de recepção. Isto na lei espanhola, lei 22/1999 de 7 de Junho recolhe-se no artigo 2 da seguinte forma :
« Garante-se a liberdade de recepção e retransmissão dentro do território nacional das emissões de televisão de operadores sob a jurisdição de outro Estado-membro da U. E sempre que não interfiram tecnicamente as emissões espanholas, nem vulnerem as normas espanholas relativas a matérias disitintas das reguladas nesta lei. »
A Comissão iniciou um procedimento de infração contra a Bélgica (processo C-11/95 de 10 de Setembro de 1996) ao considerar as autoridades flamengas do sector audiovisual se terem extra-limitado nas suas competências. Neste caso a Comissão julgou que a decisão do Vlaams Commisariaat voor de Media de obrigar o canal VT4, sob jurisdição británica, a apresentar-lhe uma solicitude de autorização, vulnerava, por um lado, as normas de competência jurisdicional da Directiva, que estabelece que só o Estado em que estiver estabelecido o organismo de radiodifusão televisiva tem direito a controlá-lo, e, por outro, que a competência do Estado membro de recepção (das emissões) se limita a comprovar que as emissões em questão procedem realmente de outro Estado membro. Desta sentença resulta que não cumpre as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 2 da directiva o Estado-Membro que :
– mantém um regime de autorização prévia para a retransmissão por cabo de emissões de radiodifusão televisiva provenientes de outros Estados-Membros.
– mantém um regime de autorização prévia, expresso e condicional, para a retransmissão por cabo de emissões de radiodifusão televisiva provenientes de outros Estados-Membros que incluam publicidade comercial ou um programa de televendas especialmente destinados aos seus telespectadores.
39Esta sentença refere-se à transmisão por cabo, mas não há motivos para que não afecte às retransmissões primárias, tendo em conta a definição que se fai no artigo 1 da directiva do que é a radiodifusão televisisiva : « entende-se por « Radiodifusão televisiva », a transmissão primária, com ou sem fio, terrestre ou por satélite, codificada ou não, de programas televisivos destinados ao público. »
40De qualquer jeito, prevê-se que com as novas tecnologias de cabo e satelitares, as emissoras da União Europeia devem ter acesso igualitário às audiências de qualquer Estado-membro da União, independentemente do país no que estea estabelecida fisicamente essa emissora. Porém, esta liberdade de subministro de serviços televisivos enfrenta-se a obstáculos práticos e à oposição das corporações televisivas públicas ou participadas pelos Estados. O contexto jurídico internacional ante as novas formas de radio-difusão abrange a própria actividade da comunicação, submetida a regulamentações diferentes da liberdade de informação em cada Estado e a regras sobre a utilização internacional das freqüências rádio-eléctricas. Aliás, a maior dificuldade para desenvolver serviços televisivos europeus « sem fronteiras » está na forte preferência das audiências por programas realizados no Estado próprio.
41Contudo, as emissões transfronteiriças podem abrir fundas brechas nas fronteiras e na soberania territorial dos Estados. Por exemplo, as primeiras emissões radiofónicas transfonteiriças produziram-se nos anos 1930, con claros fins político-estratégicos deliberados. Por outra banda, as emissões de televisão via satélite generalizam-se nos anos 1990 com o objectivo de obter benefícios comerciais e uma certa homogeneização de gostos, interesses e atitudes, animando a integração do mercado global para bens de consumo (Anderson 1996 : 172-175).
42Ora bem, é sobre todo a televisão a grande organizadora da indústria cultural, como construtora de identidade, de espaços geo-lingüísticos de comunicação e de relações interculturais. Este papel é ainda mais evidente no caso de televisões em nações sem Estado como o caso da TVG para a Galiza.
43O Conselho da Europa publicou o 22 de Setembro de 2005, um relatório sobre o grau de cumprimento da « Carta europeia das línguas regionais ou minoritárias » por parte do Estado espanhol. No caso da Galiza, as conclusões do relatório são claras relativamente ao pouco respeito que as autoridades espanholas têm pelos direitos linguísticos e culturais dos cidadãos e cidadãs lusófonos/as da Galiza. Concretamente no Artigo 11.b da Carta europeia das línguas regionais ou minoritárias, ratificada pelo Governo espanhol no ano 1992, afirma-se textualmente :
« As partes comprometem-se a garantir a liberdade de recepção directa das emissões de rádio e televisão dos países vizinhos numa língua falada de maneira idêntica ou parecida a uma língua regional ou noritária, e a não opor-se à retransmissão de emissões de rádio e de televisão dos países vizinhos em dita língua. »
44Mas além disso, comprometem-se a velar para que : « … não se imponha nenhuma restrição à liberdade de expressão e à livre circulação de informação numa língua falada de maneira idêntica ou parecida a uma língua regional ou minoritária… »
45Porém, o informe do Conselho da Europa, alerta de indícios de incumprimento do Artigo 11.b por parte da Espanha, ao afirmar textualmente que « O governo espanhol não formulou comentários sobre a recepção na Galiza de programas de rádio e televisão em português… »
46Em linhas gerais atrevo-me a fazer uma categorização de três tipos de razões orientadas à não aceptação da emissão em sinal aberto na Galiza das televisões portuguesas :
– Motivos políticos : trata-se basicamente, ainda que não exclussivamente, de uma reclamação associada a grupos luso-nacionalistas que querem fazer crer à opinião pública galega que pertence a um fictício conjunto sóciocultural homogéneo que poderia, no futuro, constituir-se em unidade política. A negativa responde à necessidade de evitar que este tipo de argumentos acabem calando em amplos sectores da opinião pública galega.
- 1 Obtido o 22 de Marzo de 2007 em <http://agal-gz.org/portugaliza/tvsptnagaliza/index.htm>.
– Nega-se a oportunidade ou necessidade de fazê-lo : « galego e português são línguas parecidas mas diferentes » (A. Vidal-Quadras, Euro-deputado espanhol em reportagem sobre o assunto na TV privada SIC, no Jornal da Noite de 10 de Abril de 20061) ; « É Espanha quem tem de decidir o que se emete ou não no seu território » (Euro-deputado português na mesma reportagem da SIC).
– Motivos económico-empresariais : os canais comerciais espanhóis não estão dispostos a partilhar um mercado publicitário de três milhões de pessoas com competidores que não se regem pelas normas a eles impostas pelo Estado espanhol.
– É difícil e mesmo impossível a difusão de uma canal nacional a países vizinhos tendo em conta que a maioria de programas que não são de produção própria (tele-séries de fição, esportes, reality shows) compram-se a produtores estrangeiros com direitos de difusão limitados no tempo e no espaço. Por exemplo, a RTP, a SIC e a TVI não podem emitir na Galiza uma série norteamericana para a qual a TVE, Tele5 ou a TVG adquiriram os direitos de emissão no território espanhol e/ou galego.
47As primeiras reflexões sobre este argumentário apontam ao provável desconhecimento que se deve ter das possíveis consequências da apertura da fronteira do Minho às emissões televisivas e radiofónicas sobre as audiências : seriam estas tão altas que justificassem os medos e reticências apontados ? Estão a maoiria dos galegos acostumados a ler e ouvir o portugués na escrita e pronúncia padrão como para consumir de forma massiva os produtos televisivos portugueses ? Claro que, poderia dizer-se, estas últimas hesitações vêm a reforçar o argumento da falta de oportunidade e necessidade de permitir às emissões portuguesas de ultrapassar as fronteiras. Não obstante, fica patente a contradição subjacente entre a muito publicitada constituição de uma Euro-região transfronteiriça que deveria prestar atenção a todos os âmbitos da vida dos seus cidadãos e o facto de os seus promotores só toma-la a sério quando se trata de questões económico-empresariais.
48Em efeito, persistem obstáculos evidentes para a comunicação social transfronteiriça. O grande público mostra a sua preferência pelos meios audio-visuais nacionais-estatais. As razões desta preferência estão nas afinidades lingüístico-culturais, de hábitos e estilos de vida, junto da « lei do mínimo esforço » aplicável às actividades de lazer próprias do consumo televisivo e dos investimentos de cada Estado na própria programação televisiva e não em canais de vocação transfronteiriça.
49Por outra banda, isto último pode indicar uma certa miópia, mesmo cinguindo-nos unicamente a questões económicas, pois a indústria audiovisual e, em sentido amplo, a indústria cultural de ambos territórios ganharia novos mercados e daria uma nova dimensão à língua e cultura galego-portuguesa no contexto Europeu. Contexto no qual existem já cinco importantes mercados lingüísticos de base internacional : o alemão (Alemanha, Áustria, Suíça, Luxemburgo, Bélgica, Liechtenstein), o francês (França, Bélgica, Suíça, Luxemburgo), o inglês (Reino Unido, Irlanda), o italiano (Itália, Suíça) e o holandês (Holanda, Bélgica). Estes mercados conformam um sistema multinacional no que os cidadãos consumem produtos informativos dos países vizinhos com os que se partilha cultura e/ou língua. Sem dúvida, este modelo constituiria uma boa oportunidade para insertar a cultura galega no mercado através do espaço geo-lingüístico lusófono.
50A questão de fundo é que no caso da Galiza e o Norte de Portugal, a identidade cultural não coincide com a identidade política, como tampouco a região económica representada pela Euro-região coincide com uma região política. Assim, existe uma clara incongruência entre a tendência à homogeneização técnica, com telecomunicações reguladas por normas de inspiração económica e industrial (com efeitos sobre as infra-estruturas), e a fragmentação dos sistemas de rádio e televisão, regulados por normas de inspiração política e cultural (com efeitos sobre as programações). Deste jeito, existem redes transeuropeias de infra-estruturas de transportes, telecomunicações e energia, mas não existe uma rede transeuropeia de conteúdos e espaços comunicativos (excepção feita do canal de notícias Euronews e outras experiências pontuais). As empresas do sector audiovisual começaram tímidas colaborações sob o influxo dos fundos europeus, mas não existe interesse por chegar aos públicos do outro lado da fronteira por nenhuma das partes. Em efeito, são os meios de comunicação os que têm a responsabilidade de criar e manter uma demanda transfronteiriça tanto aquém como além das próprias fronteiras estatais.
51Em último termo, a questão não é tanto saber que é, como é e que faz (ou não faz) a Euro-região senão saber para quem é, a que intereses concretos responde a sua constituição. Neste caso, parece que os sujeitos protagonistas da cooperação galego-portuguesa são as elites (políticas, intelectuais, empresariais) por uma banda, e, por outra, os habitantes das Comunidades Territoriais arraianas, onde a relação e o contacto quotidiano existiu sempre. Por isso, uma das fortalezas da relação Galiza-Norte de Portugal, a identidade cultural, vem determinada pela intencionada fraqueza de uma política cultural que fica no anecdótico mas que interessa, porém, como parte do discurso legitimador da própria Euro-região (Gómez Saborido 2001). O resultado mais visível disto último é o freqüente recurso ao discurso cultural comunitário sobre a antiga Gallaecia, que engloba muito mais do que a unidade histórica, mas que não pode constituir a base da construção de um espaço público na sociedade actual.
52Parece mais realista pensar na geografia lusófona como campo estratégico para a Galiza e Portugal estabelecer todo tipo de intercâmbios, promovendo deste modo um aproveitamento lógico da língua galega, que para uns é variante do português e para outros língua diferente que, no entanto, permite um perfeito entendimento entre as pessoas galegas e as dos países e regiões de língua portuguesa. Assim, o problema da língua em geral, e o problema da língua dos meios de comunicación social em concreto, deveria ser tido em conta como factor de singularidade útil para a projecção do galego no mundo. Esta consideração nem se tomou ainda em consideração de forma séria por ser temida de forma irracional, por estar vinculada a um debate que, certamente, predispõe a muitos à defensiva. Mas resulta evidente que não se está a valorizar nem interiorizar suficientemente a potencialidade da língua galega no plano internacional. Seria mesmo factível convencer ao Estado espanhol de tirar proveito da vantagem comparativa que Galiza tem como plataforma especializada para desenvolver as relações com o mundo de língua portuguesa2 ?
53Ao mesmo tempo, fala-se da necessidade de fomentar as novas tecnologias nas regiões europeias do Objectivo 1 (como a Galiza e a maior parte de Portugal), mas quando falamos de novas tecnologias falamos, sobre todo, de tecnologias da informação, e esta é uma indústria de conteúdos : audiovisual, imprensa, rádio, televisão e cinema, que geram anualmente na Galiza cerca de 400 milhões de €, mais de 800 milhões se incluimos todas as comunicações e a actividade cultural no seu sentido mais amplo. A produção audiovisual é, desde meados do passado século, um dos factores de internacionalização mais poderosos, e as trocas de produções de cultura audiovisual é um dos alicerces da cooperação, como já sinalava a Declaração do Rio da Cimeira União Europeia-América latina-Caribe de Junho do 1999. Aliás, o sinal da TVG chega a um milhão de fogares na Europa e a mais de cinco milhões na América ; o galego é uma das únicas quatro línguas menos estendidas da Europa comunitária que conta com um sistema televisivo estável. As produtoras galegas, recentemente aliadas, começam a co-produzir com empresas portuguesas e a olhar cara ao mercado americano.
54Apesar deste panorama superficialmente alentador, três instâncias regionais específicas da União Europeia, além dos caríssimos programas comunitários de coesão, não são quem de normalizar a recepção do sinal de rádio e TV transfronteiriça da que se beneficiam já quase todas as regiões fronteiriças do continente. Resulta paradoxal que desfrutemos a diário da mundialização das comunicações enquanto na Galiza não se pode ver a televisão do vizinho.
* * *
55Na minha opinião, os científicos sociais de diversas disciplinas têm muito a dizer sobre a tensão existente no nosso entorno entre poderes territorializados e modelos (retóricos ou virtuais) de socialização desterritorializada. Por uma parte, sostém-se que o território, como espaço delimitado, ordenado e categorizado desde o poder, passa a ter uma importância relativa. O importante seriam os fluxos, as mobilidades e as relações entre os nós (os centros urbanos) e ao interior deles, nos que se forjam novas culturas ou cidadanias globais sempre marcadas pelas especificidades locais e regionais. Por outra banda, os Estados (sem excepção) mantêm uma atenção especial em controlar certos instrumentos de « enquadramento » e « formação social ». Trata-se de instrumentos culturais e ideológicos que dão forma ao cidadão « nacional » em base a atitudes, gostos, valores e interesses comuns à maoria de habitantes do espaço político-territorial (o Estado).
56Este duplo jogo de identidades na sociedade da informação leva-nos a paradoxos como o facilmente constatável interesse que suscitam feitos « globais » ou « nacionais » afastados do nosso espaço de vida quotidiano, enquanto é manifesto o desinteresse pelo que acontece a pouca distância, do outro lado das diferentes fronteiras (sejam locais, regionais ou estatais) que nos servem de marco de referência identitário. A definição de Barth semelha ajustar-se ao caso ; para este autor, a identidade « configura-se a partir das relações sociais que uns indivíduos estabelecem com outros, até chegarem a partilhar uma série de pautas comuns, experiências e símbolos, a partir das quais os actores acabam por sentir-se grupo. A clave estaria, pois, na consciência que se tem de pertencer a um grupo e de partilhar alguma coisa com os outros » (Barth 1976). À luz desta última definição fica claro o importante papel de construção identitária que poderia ter a emissão de canais audio-visuais portugueses na Galiza e, ainda mais, a identificação de um mercado audiovisual transfronteiriço e a criação de um consórcio transfronteiriço para a produção audiovisual.
Março de 2007