José Augusto Pereira, O PAIGC perante o dilema cabo-verdiano [1959-1974]
José Augusto Pereira, O PAIGC perante o dilema cabo-verdiano [1959-1974], Lisboa, Campo da Comunicação, 2015, ISBN 9789898465238.
Texte intégral
1Tendo resultado de uma Tese de Mestrado, apresentada à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, a obra em apreço, distinguida com uma menção honrosa do Prémio de História Contemporânea Victor de Sá em 2010, dá continuidade ao trabalho deste investigador em torno do arquipélago cabo-verdiano. Com efeito, tendo já, em 2004, publicado o artigo “A Economia de Cabo Verde no contexto do Estado Novo (1940-1960)” na conceituada revista Ler História, o autor propõe-se aqui alargar a sua reflexão ao campo político e militar, sendo que o capítulo inicial desta obra recupera essa incursão na questão económico-social do arquipélago, acabando por funcionar como uma longa introdução. Refira-se que, na introdução propriamente dita, José Augusto Pereira identifica os trabalhos mais recentes e significativos neste campo, como são os contributos de José Vicente Lopes, Ângela Coutinho e Julião Soares Sousa, os quais abordam os bastidores da luta de libertação, a natureza e as dinâmicas das elites do PAIGC e a trajectória da figura de Amílcar Cabral. De igual modo aí é delimitado o principal problema a tratar: “descrever e analisar o processo de aproximação do PAIGC a Cabo Verde antes do 25 de Abril” (p. 14). Ou seja, pretende-se explicitar de que modo os cabo-verdianos integraram aquele movimento de libertação, como dialogaram com os guineenses e, sobretudo, como se equacionou, mas sem concretizar, a abertura de uma nova frente de combate no arquipélago.
2Num estilo depurado e incisivo, fazendo uso de uma linguagem escorreita e objectiva, o autor estrutura a obra em três capítulos, no primeiro dos quais, conforme já mencionado, oferece um “esboço de contextualização económica e social” de Cabo Verde e da Guiné (pp. 21-68). As seis alíneas traçam o quadro económico-social e étnico dos dois territórios, das suas ancestrais ligações, da secular presença portuguesa (e cabo-verdiana) nos “rios da Guiné”, socorrendo-se da bibliografia de referência (António Carreira, Cláudio Alves Furtado e António Leão Correia e Silva), assim como de artigos do Cabo Verde. Boletim de Propaganda e Informação (da época colonial), sem perder de vista outros periódicos e fontes primárias. Esta longa digressão, apesar de enquadrar o problema, não discute outras questões, como as continuidades/rupturas do ideário colonial, os movimentos ditos “protonacionalistas” (também existe um debate acerca do conceito em si-mesmo), nem integra as impressionantes descrições de cunho literário acerca da emigração cabo-verdiana para S. Tomé e Príncipe. Neste particular, existindo já diversas obras versando estes temas, a tónica é posta na concisão e na economia discursiva.
3Por seu lado, o segundo capítulo, “Breve história do PAIGC: das origens à proclamação unilateral da independência da Guiné” (pp. 69-93), começa por retomar a controvérsia sobre a fundação do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde, cuja versão mais generalizada aponta para 1956. O autor, que recorreu à entrevista (refere, nas páginas finais do livro, que realizou um total de treze), contrasta documentação e bibliografia, sendo que parece responder logo no subtítulo da sua obra a esta interrogação, que chama de “obscuro parto” (p. 71), com a data de 1959, de acordo com a proposta formulada pelo historiador Julião Soares Sousa (p. 75). E, de uma forma sucinta, nas páginas seguintes, enumera as principais operações militares do PAIGC, o desafio colocado pela ofensiva “psicossocial”, ou de “contra- insurgência”, levada a cabo durante o consulado de António de Spínola na Guiné, e a gestão da “frente interna” dos territórios libertados da administração colonial pelo partido liderado por Amílcar Cabral. No que concerne a este último tópico, embora José Augusto Pereira dedique apenas duas páginas ao tema assaz interessante das “escolas do mato”, quer dizer, dos inícios da montagem da infra-estrutura educativa, a verdade é que a sua síntese resulta plenamente satisfatória (pp. 101-102).
4O âmago do livro é, pois, o terceiro capítulo, intitulado “PAIGC: do desencadear da luta armada em Cabo Verde à crise” (pp. 105-221). O autor consagra-lhe sete alíneas. Assim, enquanto a primeira capta o pensamento de Cabral acerca da unidade Guiné/Cabo Verde, a segunda analisa a propaganda do movimento de libertação no que respeita àquelas ilhas. Salazar e Marcello Caetano que, em vários discursos, enfatizaram a importância do arquipélago, o qual constituiria uma posição-chave nas comunicações, “numa altura em que a esquadra soviética cresce de dia para dia”, mantiveram e reforçaram os “dispositivos de defesa e segurança de Cabo Verde”, conforme assinala o autor na terceira alínea do capítulo (pp. 119-129). Após considerações sobre a agitação política neste espaço insular, divididas em três períodos (1959-1963; 1963-1968; e 19681974), passa-se aos planos de desembarque de membros do PAIGC em Cabo Verde e ao modo como a não concretização operacional terá despoletado “sintomas de impaciência entre alguns militantes cabo-verdianos que, em certos casos, se converteram em contestação à forma como o secretário-geral estava a conduzir o dossiê Cabo Verde” (pp. 189-190). Inventariando diversos elementos, como o treino de militantes em Cuba e na URSS, o romantismo de uma expedição capaz de gerar uma nova Sierra Maestra ou “outras actividades de cariz político desenvolvidas no interior do arquipélago”, José Augusto Pereira procura “avaliar o impacto do desenvolvimento assimétrico da luta nos territórios guineense e cabo-verdiano na vida interna do PAIGC” (p. 189). Com efeito, esta última alínea, partindo da situação de desgaste e cansaço que começou a afectar os guerrilheiros do movimento nos finais dos anos 60, retoma a velha questão da tensão entre guineenses e cabo-verdianos, que teria como pomo da discórdia “uma preferência pelos militantes de origem cabo-verdiana na ocupação dos lugares cimeiros da hierarquia do partido” (p. 199). Contrariando esta tese, sobretudo com os dados colhidos por Ângela Coutinho, que identificou uma segunda geração de quase 70% de quadros guineenses, o autor não se furta a passar em revista a morte de Amílcar Cabral, argumentando que “houve implicados no assassinato que eram contrários a uma união de esforços entre as duas comunidades nacionais no sentido de, juntas, obterem a independência” (p. 221).
Pour citer cet article
Référence papier
Sérgio Neto, « José Augusto Pereira, O PAIGC perante o dilema cabo-verdiano [1959-1974] », Lusotopie, XIX(1) | 2020, 130-132.
Référence électronique
Sérgio Neto, « José Augusto Pereira, O PAIGC perante o dilema cabo-verdiano [1959-1974] », Lusotopie [En ligne], XIX(1) | 2020, mis en ligne le 02 janvier 2022, consulté le 11 décembre 2024. URL : http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/lusotopie/4855 ; DOI : https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.1163/17683084-12341754
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