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Comptes rendus

Aurora Almada e Santos, A organização das Nações Unidas e a questão colonial portuguesa. 1960-1974

Lisboa, Instituto da Defesa Nacional, 2017, ISBN 9789729393396.
Marçal de Menezes Paredes
p. 122-125
Référence(s) :

Aurora Almada e Santos, A organização das Nações Unidas e a questão colonial portuguesa. 1960-1974, Lisboa, Instituto da Defesa Nacional, 2017, ISBN 9789729393396.

Texte intégral

1Ancorada em extensa e consistente pesquisa empírica, o livro de Aurora Almada e Santos presta um relevante contributo para um melhor entendimento do cenário internacional das lutas anticoloniais. Seu foco está centrado no debate ocorrido nas Nações Unidos (NU) no contexto de maior tensão relativamente à questão colonial portuguesa (1960-1974). A pesquisa demonstra o impacto que os debates operaram no entendimento das NU sobre o conceito de autodeterminação dos povos e sua aproximação paulatina ao princípio de liberdade, combate à discriminação racial e defesa dos Direitos Humanos.

2Partindo do paradoxo já apontado por Mazower (2009) – de que a ONU nascera atrelada aos interesses das potências coloniais e que acabará por tornar-se no palco de pressão internacional em prol justamente da descolonização –, a autora não se contenta com a explanação nos resultados políticos finais ocorridos na arena diplomática. Ao contrário da síntese genérica, prefere perseguir as idas e vindas argumentativas esgrimidas em intensas negociações em torno das resoluções apuradas no âmbito das NU. Mesmo que essa estratégia por vezes torne o texto cansativo porque assaz minucioso, a escolha se justifica na medida em que permite o detalhamento das posições de diferentes atores internacionais e, principalmente, porque trata das ideias e proposições na sua historicidade semântico-política. E este é o um ganho da obra: ela fornece uma escala histórica tão ampla quanto significativa que permite comparar os efeitos morais e políticos produzidos no enquadramento jurídico e diplomático incidindo progressivamente até o reconhecimento internacional dos movimentos de libertação como interlocutores entre o povo (sujeito da soberania nacional) e a cena política multilateral, culminando com a legitimação da luta armada enquanto estratégia justa frente aos crimes contra a Humanidade cometidos pelo colonialismo português. De uma ponta a outra desse processo, Aurora Almada e Santos desfia o novelo de posicionamentos e argumentações em detalhe – nas comissões e subcomissões, conselhos e Assembleia Geral. Através de suas lentes, pode-se acompanhar a interessante alternância de períodos de moderação e radicalismo que irá construindo novos parâmetros do direito internacional.

3Assim, vê-se que o acolhimento que a Assembleia Geral das NU dá ao princípio de autodeterminação como veículo para a descolonização se dá em decorrência da ampliação do número de Estados membro da entidade: os novos membros, eles próprios oriundos do amplo movimento de descolonização daquele ano (1960), formarão um grupo de pressão africano-asiático importante.

4A Resolução 1514 da XV Assembleia Geral, de Dezembro de 1960, doravante conhecida como Carta Magna da Descolonização, é também fruto dessa nova configuração internacional. Dela sairá a consideração da manutenção das fronteiras coloniais em contexto pós-independências.

5Quando inicia propriamente a luta de libertação de Angola (no 4 de Fevereiro e no 15 de Março de 1961) o cenário internacional será menos favorável aos argumentos portugueses. Naquela altura, tanto Kennedy quanto Khrushchev somaram-se aos países árabes e afro-asiáticos no sentido de censurar a repressão operada pelas tropas lusitanas ao despoletar do conflito e pedir informações e relatórios técnicos sobre a situação colonial portuguesa. Contudo – e há sempre um porém diplomático – a semântica lusotropical de Adriano Moreira, ministro do “ultramar” português, bem como a perspicácia jurídico-política de Franco Nogueira, ministro dos negócios estrangeiros de Portugal, conseguem contornar a situação desfavorável usando, entre outros argumentos, a incorporação de São João Batista de Ajudá ao Estado do Daomé (julho de 1961) e de Goa à União Indiana (dezembro de 1961) na defesa de um Portugal “transcontinental”. A deslegitimação do colonialismo era ainda um processo em construção.

6O início da Guerra de Libertação na Guiné Bissau (23 de Janeiro de 1963) e em Moçambique (25 de Setembro de 1964) já acontecem num contexto onde a diplomacia portuguesa obtivera êxito em frear a pressão descolonizadora. Hábil em usar a importância estratégica da Base de Lajes, nos Açores, Portugal obtém mais concretude no apoio dos Estados Unidos da América – pressionado pelo turbulento cenário do Oriente Médio (e pela crise da Baía dos Porcos em Cuba), bem como de aliados mais tradicionais como o Brasil (interessado em abocanhar influência internacional), Reino Unido e França (parceiros intrinsecamente vinculados aos interesses coloniais). Mesmo assim, a fundação e consolidação da Organização da Unidade Africana (OUA), em maio de 1963, como fórum intermediador entre os movimentos que lutavam pela libertação de seus povos e a ONU, será um passo importante no sentido geral do processo em curso.

7Entre 1965 e 1970 o colonialismo português perde o destaque da pauta internacional. Será incorporado a um turbilhão de acontecimentos internacionais que, na África, incluía a recente fratura da Federação das Rodésias e da Niassalândia (em independência da Zâmbia, do Malawi e a criação do regime de minoria branca da Rodésia de Ian Smith), a radicalização da questão do Sudoeste Africano/Namíbia e do apartheid da África do Sul, bem como a Independência do Tanganica (e Zânzibar) apenas para citar os mais evidentes. Mesmo assim, é nesse período que a Resolução 218 de 1965 irá representar um papel importante no sentido de consolidar o princípio de autodeterminação como um direito inalienável.

8Será nesse contexto que os movimentos de libertação das colônias portuguesas irão arrebatar grande movimentação internacional, mobilizando a realização da II CONCP em Dar-es Salam entre 3 e 8 de Novembro de 1965. Aqui o papel de articulação feito por Amílcar Cabral irá ganhar grande relevo internacional. Para ele, a Resolução 218 representará uma base legal para a rebelião. Neste mesmo período, a substituição de Salazar por Marcelo Caetano irá dar mais algum fôlego ao colonialismo português. Contudo, a realização de obras coloniais de grande vulto, como o colonato do Limpopo ou a construção da Hidrelétrica de Cabora Bassa, em Moçambique, bem como o consórcio internacional de empresas a ela vinculadas – numa evidente ineficácia dos instrumentos das NU em bloquear que os investimentos do internacionais (financiando indiretamente o colonialismo português) – representarão mais motivos de frustração aos desígnios de autodeterminação. É nesse contexto que a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) abre a frente de Tete e Eduardo Mondlane, seu líder, denuncia a presença de mercenários sul-africanos em Moçambique. O colonialismo português passará a ser diretamente associado aos regimes de minoria branca.

  • 1 Ambas as operações significaram um recrudescimento das ações militares de Portugal tentando isolar (...)

9O ano de 1970 é um turning point na abordagem que as Organização das Nações Unidas fez à questão da autodeterminação enquanto descolonização e independência. A condenação moral do colonialismo é concreta, o reconhecimento jurídico-político dos movimentos de libertação afigura-se uma evidência – e o uso de “todos os meios necessários” para realização do direito à independência torna-se um recurso legitimado. As denúncias relativas à Operação Nó-Górdio em Moçambique e à Operação Mar Verde na Guiné-Bissau comprovarão que o colonialismo português se tratava de um crime contra a Humanidade1. Num cenário tal, as NU darão mais atenção específica ao caso da libertação das colónias portuguesas. Os 10 anos da Declaração 1514 (XV) dará mais simbologia ao caso e representará o passo final para a formulação de um consenso internacional no sentido da inadmissibilidade de qualquer obstáculo à realização da autodeterminação enquanto independência.

10A partir de 1971 as NU irão adotar uma postura bem mais agressiva quanto à persistência do colonialismo português. Contatados diretamente, os movimentos de libertação legitimados pela OUA assumem uma simbologia de quase-governo. Um fato significativo nesse sentido é a própria instalação de reuniões do Conselho de Segurança da ONU em Addis Abeba, capital da Etiópia (e também sede da OUA) em 1972. Na série de encontros que decorrem, Amílcar Cabral irá se destacar como figura proeminente do PAIGC e este como único representante as populações guineenses. Sua perspicácia diplomática, bem como sua morte prematura serão importantes para o reconhecimento da Independência Unilateral da Guiné Bissau pela ONU em de 1973, bem como até a culminação com a descolonização geral no desdobramento do 25 de Abril de 1974.

11Das muitas contribuições de Aurora Almada e Santos ao debate, destaco uma em especial. Segundo sua interpretação, a consolidação do estatuto dos movimentos de libertação junto à ONU irá “promover uma desigualdade na legitimação das organizações anticoloniais” (p. 246). Entende-se. A partir da legitimação da OUA e dos movimentos anticoloniais que apelaram ao uso da força como representantes legítimos dos povos coloniais nesta (e, consequentemente, na ONU), bem como o fato de que, desde a Resolução 1514 (XV) de 1960, ter-se acordado pela manutenção das fronteiras coloniais – entendendo-se a soberania política neste escopo –, a consequência daí resultante foi a implícita deslegitimação de outros movimentos anticoloniais que adotavam estratégias diferentes de pressão política (que não usaram a luta armada) ou que tiveram menor acesso aos fóruns diplomáticos internacionais. Menor visibilidade de uns, maior legitimidade de outros. Muitas conclusões podem ser tiradas desta questão – que, por ventura, logo após a concretização das independências irá mostrar seu potencial explosivo. Esta considerações abre, por certo, novas indagações à pesquisa historiográfica – inquérito ao qual a leitura de A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974 se afigura obrigatória.

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Notes

1 Ambas as operações significaram um recrudescimento das ações militares de Portugal tentando isolar e contra-atacar os movimentos de libertação. Na Guiné-Bissau, liderados pelo tenente Alpoim Calvão, as tropas portuguesas invadem o território da Guiné-Conacri com objetivo de interromper o apoio que o PAIGC recebia na fronteira sul. Em Moçambique, chefiados pelo general Kaúlza de Arriaga, o plano militar português buscava retomar o controle das províncias do Norte (Cabo Delgado e Niassa) – que a FRELIMO chamava de “zonas libertadas”. Tratava-se, no dois casos, do emprego de estratégicas militares de confronto direto e que tiveram suas expectativas frustradas.

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Pour citer cet article

Référence papier

Marçal de Menezes Paredes, « Aurora Almada e Santos, A organização das Nações Unidas e a questão colonial portuguesa. 1960-1974 »Lusotopie, XIX(1) | 2020, 122-125.

Référence électronique

Marçal de Menezes Paredes, « Aurora Almada e Santos, A organização das Nações Unidas e a questão colonial portuguesa. 1960-1974 »Lusotopie [En ligne], XIX(1) | 2020, mis en ligne le 02 janvier 2022, consulté le 13 décembre 2024. URL : http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/lusotopie/4825 ; DOI : https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.1163/17683084-12341752

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Auteur

Marçal de Menezes Paredes

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Brasil

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Droits d’auteur

Le texte et les autres éléments (illustrations, fichiers annexes importés), sont « Tous droits réservés », sauf mention contraire.

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