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Amílcar Cabral et l’idée de la révolution anticoloniale

A luta de libertação nacional nas ilhas de Cabo Verde na encruzilhada da(s) memória(s)

La lutte de libération nationale dans les Îles du Cap-Vert au carrefour de la mémoire
The National Liberation Struggle in the Cape Verde Islands at the Crossroads of Memory
José Augusto Pereira
p. 76-100

Résumés

Le PAIGC, en même temps qu’il menait la lutte armée contre l’armée portugaise en Guinée, tenta de se rapprocher du Cap-Vert, suivant en cela les lignes politiques définies par Amílcar Cabral. Entre 1959 et 1974, les dirigeants politiques nationalistes se rendirent dans l’archipel pour y mobiliser la population en faveur de l’indépendance du pays. Simultanément, ils tentèrent de créer des conditions favorables pour un débarquement de guérilleros dans l’archipel. Dans cet article nous fixerons les caractéristiques et les étapes de cette tentative de rapprochement. Les témoignages des militants nationalistes vivant alors dans la clandestinité apportent des éléments indispensables pour la reconstruction de ce puzzle et nous aident à comprendre les contraintes qui conditionnèrent l’action du PAIGC au Cap-Vert pendant la période en question.

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Texte intégral

Introdução

1Ao longo dos últimos tempos, tem-se assistido a um reequacionar do processo histórico que conduziu à independência da Guiné e Cabo Verde, assim como o papel central nele desempenhado pelo Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) liderado por Amílcar Cabral. Esta reavaliação tem-se traduzido num retirar da sombra da questão cabo-verdiana e na sua abordagem de forma mais sistemática e integrada, e não como um capítulo mais ou menos secundário da crónica da libertação da Guiné (Sousa 2016). Com efeito, a mobilização política empreendida pelo PAIGC em Cabo Verde e entre os cabo-verdianos na diáspora esteve ausente dos estudos científicos dados à estampa entre meados dos anos 70 e o início dos anos 90. O mesmo poderia ser dito sobre os sucessivos planos de desembarque de guerrilheiros do PAIGC no arquipélago, esboçados pela sua direção e, em particular, pelo seu secretário-geral, Amílcar Cabral.

2Subjacente aos primeiros trabalhos dedicados ao PAIGC, estava a preocupação de proceder a uma primeira tentativa de definição do pensamento político do seu dirigente máximo e, ao mesmo tempo, de caracterizar a ação do PAIGC nas frentes política, diplomática e militar (Silva 1997, Dhada 1995, Dhada 1993, Chilcote 1991, Chabal 1983, Rudebeck 1974). Recorde-se que o PAIGC inscreveu no seu programa a luta pela independência da Guiné e Cabo Verde e, ancorado numa conceção pan-africana de unidade política para o continente, a futura união dos dois estados. Porém, se o papel determinante desempenhado pelo PAIGC na independência das duas colónias é um facto inelutável, os percursos que conduziram à emancipação dos dois territórios revelaram-se divergentes.

3No caso da Guiné, o PAIGC conduziu uma guerra de guerrilha contra o exército português, constituindo um embrião de Estado nas ditas “zonas libertadas”, combinada com uma intensa ação diplomática que conduziu à proclamação unilateral da independência daquela colónia a 24 de setembro de 1973. A profunda crise que abalou a organização nacionalista, indiciada aos olhos do mundo através da notícia do assassinato de Amílcar Cabral, ocorrido em janeiro desse ano, não afastou as hostes nacionalistas do desígnio da independência e da proclamação do Estado da Guiné-Bissau. Quanto a Cabo Verde, a independência foi proclamada a 5 de julho de 1975 na Cidade da Praia, mais de um ano depois do 25 de abril de 1974, data que marca o fim do regime do Estado Novo. A partir desta data, ganhou expressão uma ampla mobilização associada a uma disputa política na qual se envolveram formações adversas ao plano de independência de Cabo Verde em unidade com a Guiné-Bissau – o caso da União dos Povos das Ilhas de Cabo Verde (UPICV) – ou mesmo da independência do arquipélago – o exemplo da União Democrática de Cabo Verde (UDC).

4Desde a viragem para os anos 60, militantes do PAIGC, atuando na clandestinidade, haviam procurado desenvolver trabalho político, tendo como fim a mobilização da população em torno da causa independentista, e criar um ambiente favorável à chegada ao arquipélago de guerrilheiros armados. Todavia, os membros dessa estrutura clandestina depararam-se com constrangimentos de vária ordem que limitaram as possibilidades de prosseguir a missão delineada pela direção do partido.

5São recentes na historiografia as aproximações a uma leitura integrada dos processos guineense e cabo-verdiano que tornem inteligíveis os termos da décalage entre eles e a influência desta circunstância nas dinâmicas internas do PAIGC. Julião Soares Sousa colocou-se na linha da frente dessa demanda, uma vez que a ele se deve um primeiro inventário das aproximações ensaiadas pelo PAIGC a Cabo Verde, do ponto de vista da infiltração de militantes nacionalistas nas ilhas e da preparação de planos de desembarque de guerrilheiros. Ao mesmo tempo, Julião enquadrou estas abordagens enquanto respostas da cúpula do PAIGC a um grupo de militantes das ilhas que acusava Amílcar Cabral de menosprezo pela questão cabo-verdiana, num partido onde, simultaneamente, setores da ala guineense contestavam o princípio da unidade entre a Guiné e Cabo Verde (Sousa 2016: 422-427, Lopes 2002: 223-234, Tomás 2007: 181-190).

6A organização clandestina idealizada pelo PAIGC tinha como propósito propagandear e agitar a ideia nacionalista entre a população, conquistar aderentes para a causa nacionalista e criar todas as condições para permitir a chegada dos guerrilheiros que desencadeariam a luta armada no arquipélago, algo que (como demonstraremos mais adiante) nunca se efetivou. Datam de finais dos anos 50 os primeiros indícios da presença de ativistas nacionalistas nas ilhas de Cabo Verde, sendo que, na década seguinte, a estrutura aí implantada evoluiu num quadro de grandes constrangimentos.

7Pretendemos, ao longo deste artigo, traçar o percurso político do PAIGC em Cabo Verde desde finais da década de 50 até 1974. Teremos em conta os seus propósitos e procuraremos definir e explicar as características que esse processo assumiu, bem como as suas etapas. Será nossa preocupação cotejar os constrangimentos que limitaram o raio de ação dos nacionalistas nas ilhas. Sublinhe-se que Amílcar Cabral foi o pivô destas manobras de aproximação ao arquipélago. Contudo, a sua atuação terá de ser entendida no quadro interno e externo ao movimento nacionalista, onde também se movimentaram outros atores, eles próprios agentes de pressões, interferências, constrangimentos e resistências aos objetivos enunciados no programa do PAIGC.

  • 1 Este autor publicou mais tarde outras duas obras (Querido 2016, Querido 2011), ambas de índole memo (...)

8A apreensão abrangente e aprofundada da presença do PAIGC em Cabo Verde, antes do 25 de abril de 1974, é um processo ainda em aberto que conta com os contributos de obras de cariz memorialístico escritas por militantes nacionalistas cabo-verdianos que estiveram na clandestinidade. São disso exemplo os livros Subsídios Para a História da Nossa Luta de Libertação, de Jorge Querido1, e Testemunho de Um Combatente, de Pedro Martins, editados em 1988 e 1990, respetivamente. Estes autores cruzaram-se na ilha de Santiago, enquanto militantes na clandestinidade, entre 1968 e 1970 e os relatos por eles produzidos constituíram ingredientes essenciais para a reconstituição do percurso do PAIGC em Cabo Verde. Editadas na viragem da década de 80 para os anos 90, ambas as obras têm como pano de fundo um quadro de alterações políticas e institucionais que ditaram o fim do regime de partido único e constroem os instrumentos de um combate contra o esquecimento da luta clandestina em Cabo Verde no âmbito, mais alargado, da luta pela independência das duas colónias.

9Com vista a colocar em evidência os diferentes pontos deste artigo, o nosso texto encontra-se estruturado do seguinte modo: apresentaremos os fundamentos do projeto de unidade Guiné-Cabo Verde conforme foi delineado por Amílcar Cabral, inventariando, ao mesmo tempo, as várias iniciativas pensadas pelo dirigente máximo do PAIGC para levar a luta armada ao arquipélago. Seguidamente, procederemos, em dois momentos, à análise da estrutura clandestina do PAIGC em Cabo Verde: a primeira análise visa dissecar alguns vetores centrais que a caracterizam; a segunda procede a uma leitura cruzada das movimentações do PAIGC no interior do arquipélago através de testemunhos de militantes. Mas, antes disso, impõe-se traçar o cenário no qual decorreu esta ação, tarefa a que lançaremos mão nas páginas seguintes.

Espaço, economia, demografia

10A aridez dos solos, conjugada com a grande irregularidade das chuvas, marcou indelevelmente o povoamento humano de Cabo Verde nos últimos 500 anos, contribuindo para moldar a economia e a sociedade das ilhas ao longo dos tempos. Estes dois fatores explicam-se pela localização das dez ilhas na zona de influência do Sahel. Fenómenos climáticos extremos, entre os quais avultam a escassez de chuvas e os ventos fortes, conjugados com a ação humana, representaram, ao longo dos tempos, uma ameaça constante à integridade dos solos e contam-se entre os responsáveis pelos escassos 20% de superfície arável face à área total do arquipélago (Cabral 1952: 24-25). Esta soma de fatores, a que acresce a míngua de recursos aquíferos, vem impelindo a população para a prática de uma agricultura de subsistência, arcaica quanto aos métodos e insuficiente perante as necessidades alimentares dos cabo-verdianos.

11Ainda assim, a agricultura era, no terceiro quartel do século XX, o setor de maior peso na economia cabo-verdiana, mobilizando, nos anos 50, 70% da sua população (Teixeira & Barbosa 1958: 40). O milho, o feijão, a mandioca e a batata-doce ocupavam o lugar cimeiro entre as culturas de maior produção (Andrade 1996: 164-165), enquanto a venda de mercadorias agrícolas para o mercado externo tinha expressão diminuta na economia do arquipélago. Santiago, no sotavento, e Santo Antão, no barlavento, as ilhas mais montanhosas e onde a água e a vegetação estão mais presentes são, deste modo, as que melhores condições reúnem para a prática da agricultura.

12O regime de posse e exploração da propriedade, assim como de distribui-ção dos seus frutos, constitui um importante elemento para a compreensão da questão agrária cabo-verdiana em contexto colonial. Os contratos de arrendamento e parceria eram as formas privilegiadas de mediação das relações entre os donos das propriedades e os camponeses a quem eram entregues o seu cultivo e a quem, em ambos os casos, eram exigidas a entrega de uma parte importante das colheitas.

13A prevalência destes modelos de exploração indireta da propriedade era reveladora do modo como a economia e a sociedade cabo-verdianas se alicerçavam em torno do seu mais importante setor de atividade na altura. Indiciava, a um tempo, escassa liquidez por parte dos donos das terras e, acima de tudo, o grau de dependência de rendeiros e parceiros perante aqueles a quem as prestações eram devidas, uma vez que, face à carência de parcelas de terreno e à abundância de braços para as amanhar, eram sujeitos a pesadas obrigações (Teixeira & Barbosa 1958: 38-40, Furtado 1993: 50-52).

  • 2 As duas siglas significam, respetivamente, Polícia Internacional e de Defesa do Estado e Direção Ge (...)
  • 3 Arquivo Nacional Torre do Tombo (ANTT), PIDE-DGS, Contratos de arrendamento rural – desacatos ocorr (...)

14A ilha de Santiago era, por excelência, o território dos grandes proprietários e o lugar onde, historicamente, registaram-se os maiores enfrentamentos entre rendeiros, parceiros e donos de terras (Pereira 2015). Nos anos 60 do século XX, surgem, aliás, relatos de práticas abusivas na cobrança de prestações ocorridas no concelho de Santa Catarina, interior da ilha de Santiago, que deram origem a queixas endereçadas ao governador de Cabo Verde (Júnior 1974: 232-235), e a PIDE/DGS2 anotou, em agosto de 1969, a entrada de processos em tribunal promovida por proprietários rurais do mesmo concelho, cujo desfecho se saldou pela condenação dos arrendatários, obrigados ao cumprimento das exigências contratuais e colocados sob ameaça de despejo3.

15O setor secundário revelava-se, no ano em que a independência foi procla-mada (1975), pouco expressivo na economia cabo-verdiana se atendermos à circunstância de não representar mais do que 5% do Produto Interno Bruto e de estar associado à indústria extrativa, à reparação naval e a pequenas oficinas de transformação de alimentos. O arquipélago de Cabo Verde era, em suma, uma colónia onde a importação de grandes quantidades de mantimentos destinados à satisfação das necessidades alimentares da população era a regra, o que determinava a existência de balanças comerciais cronicamente deficitárias (Pereira 2004, Andrade 1996: 241).

16Já que se fala em trocas comerciais, é importante vincar o papel historicamente relevante desempenhado pelo Porto Grande do Mindelo, ilha de São Vicente, enquanto plataforma de entrada e saída de mercadorias, em especial entre 1850 e as primeiras décadas do século XX, quando se tornou num ponto de escala obrigatória para o abastecimento de navios a vapor na rota entre a Europa e a América do Sul (Silva 2000). De resto, este elemento chama-nos a atenção para a posição geoestratégica muito particular do arquipélago, com implicações não apenas económicas, mas sobretudo militares, algo que se manifestou em períodos de conflito declarado ou latente, de que são exemplos a II Guerra Mundial (Gomes 2018), a Guerra Colonial e a Guerra Fria.

17Ao longo dos três primeiros quartéis do século XX, a demografia cabo- verdiana seria moldada por duas tendências opostas que se foram alternando. Com efeito, aos períodos de elevada mortalidade causada pelos ciclos de seca, queda significativa da produção agrícola e fome, seguiam-se fases em que se registavam elevadas taxas de crescimento da população. António Carreira estima que as fomes de 1941-43 e de 1947-48 se traduziram em percentagens de mortos em face do total da população da ordem dos 22,4% e 20,5%, respetivamente (Carreira 1984: 124). Cifras estas que ajudam a delimitar a magnitude de uma tragédia humana com amplas repercussões na economia, na sociedade, na política e na cultura cabo-verdianas.

  • 4 Sobre a pressão internacional no contexto da guerra colonial portuguesa em África veja-se (Santos 2 (...)

18Na viragem dos anos 50 para os anos 60, começa a desfazer-se a relação direta entre a falta de chuvas e as crises de subsistência, uma mudança de tendência que terá sido determinada por uma alteração no modo como o poder colonial passou a encarar a resposta a cenários de calamidade. António Correia e Silva chega a sugerir que tal mudança assumiu contornos mais definidos a partir de 1968 e terá passado pela assunção, por parte das autoridades portuguesas, de uma postura assistencial por via da implementação de programas de obras públicas (Silva 2001: 59). Sublinhe-se, porém, que esta evolução nunca poderá ser desligada de uma conjuntura cada vez mais adversa em relação ao projeto colonial português, da qual avultava a luta armada encabeçada pelos movimentos nacionalistas na Guiné, Angola e Moçambique, para além de um crescente isolamento do Estado Novo no plano internacional4.

19Outro elemento central para se compreender a sociedade cabo-verdiana desse período prende-se também com o fenómeno migratório, componente basilar na história do arquipélago ao longo dos tempos. A entrada no século XX trouxe consigo uma continuidade da corrente migratória rumo aos Estados Unidos, um fluxo que manteve a sua relevância durante as primeiras duas décadas do século XX e que utilizou como veículo a marinha mercante que arribava os portos das ilhas. Ao mesmo tempo, gerou-se um movimento de cabo-verdianos com destino à costa ocidental africana e, em particular, à colónia da Guiné, onde Portugal movia uma guerra de ocupação do território e de submissão das suas populações locais. O início do século XX corresponde, segundo António Carreira, à primeira de três fases de uma emigração pelo autor classificada como espontânea (Carreira 1983: 89 e 95).

20O segundo momento decorreu entre 1927 e 1945, tendo-se nele registado um recuo no total de emigrantes saídos do arquipélago e o seu redireccionamento para outras latitudes, com destaque para Dacar, no Senegal (Carreira 1983: 99-100).

  • 5 Para um conhecimento mais aprofundado da política do Estado Novo perante o fluxo migratório estabel (...)

21O terceiro período identificado por António Carreira estendeu-se até 1973 e colocou a Europa na rota da população das ilhas, através da emergência de destinos como Itália, França, Holanda e Portugal. Tal sucedeu nos anos 50 e, em particular, nos anos 60, apesar dos esforços desenvolvidos pelas autoridades coloniais no sentido de direcionar para outras colónias – São Tomé e Príncipe, por exemplo –, os contingentes populacionais que resultaram da explosão demográfica que então se verificava (Carreira 1983: 107 e 123-132). Pedro Góis, que tem igualmente estudado as migrações com origem no arquipélago, anota a ocorrência, a partir dos anos 60, desse fluxo migratório rumo a Portugal e a outros destinos no norte da Europa. Tal fenómeno relaciona-se com um conjunto de medidas tomadas pelo Governo de Lisboa, de modo a recrutar mão-de-obra proveniente das ilhas para suprir necessidades sentidas na metrópole, motivadas pela partida de portugueses para além dos Pirenéus, em fuga à guerra colonial e à pobreza (Góis 2002: 192-193)5.

22Em paralelo, estabeleceu-se rumo às plantações de cacau e de café em São Tomé e Príncipe uma corrente de migrantes iniciada na segunda metade do século XIX, e que António Carreira classificou como emigração forçada. Esta conclusão baseou-se em indícios que põem em evidência o grau de intervenção das autoridades coloniais na gestão dessa corrente, quer no desencorajar da partida de cabo-verdianos rumo ao estrangeiro, quer na canalização da força de trabalho para outros territórios sob domínio colonial português em África. Carreira está convicto da existência de uma relação direta entre os ciclos de fome e o intensificar, em cada um deles, das partidas de cabo-verdianos para as ilhas da região equatorial, uma conjugação de fenómenos que se insinuou ao longo dos séculos XIX e XX (Carreira 1982: 150-153 e 226). Chegados a São Tomé e Príncipe, os migrantes cabo-verdianos – mulheres, homens e crianças –, agora transformados em serviçais nas plantações de cacau e de café, eram sujeitos a condições sanitárias insalubres e submetidos a sevícias de vária ordem (Nascimento 2003, Carreira 1983: 229).

23Foi neste cenário geográfico, social, políticos e económico, do qual enunciámos sumariamente as linhas gerais, que o PAIGC procurou traçar uma estratégia para Cabo Verde que, com efeito, deveria materializar-se num conjunto concreto de ações. Dos planos e ações dessa estratégia, assim como os seus atores, daremos conta nas próximas páginas.

Em busca da unidade Guiné-Cabo Verde

24A divisa “Unidade e Luta”, para além de polo condensador do programa do PAIGC, poderia assumir-se como instrumento descodificador da sua história, caso quiséssemos estabelecer o contraponto entre os seus princípios, as metas que logrou alcançar e os bloqueios com que se deparou (Cabral 1974). Nesta parte do artigo, procuraremos desvendar algumas aceções do conceito de unidade desenvolvido por Amílcar Cabral, com implicações na questão de Cabo Verde. Desta forma, poderemos compreender o papel central que, segundo o líder do PAIGC, o desenvolvimento da luta no arquipélago desempenharia para o cumprimento dos desígnios da organização nacionalista.

  • 6 Arquivo Mário Soares (AMS), Documentos Amílcar Cabral (DAC), Pasta 07059.026.001, Memorandum enviad (...)

25A luta conjunta dos povos de Cabo Verde e da Guiné pela independência e a futura união política dos dois estados era uma premissa que, para Amílcar Cabral, encontrava a sua razão de ser numa leitura da história dos dois territórios, tributária do passado colonial português, em que ganhavam relevo os vínculos estabelecidos entre as duas colónias ao longo dos séculos. Guiné e Cabo Verde estiveram ligados administrativamente entre a segunda metade do século XVI e 1879 (Amado 2011: 54-55, Pélissier 2001: 41). Avultava ainda nesse vínculo multisecular a presença em Cabo Verde de pessoas escravizadas trazidas da costa ocidental africana, num movimento iniciado em meados do século XV, após a chegada dos portugueses aos rios da Guiné e ao arquipélago. A este elemento, junta-se o estabelecimento de cabo-verdianos no território da Guiné, na segunda metade do século XIX, onde, entre outras funções, assumiram posição de relevo na administração colonial. É tendo em conta estes factos e os processos por eles engendrados que Amílcar Cabral fala em “laços de sangue” unindo as duas colónias e não tem dúvidas em afirmar o carácter vincadamente africano da sociedade, cultura e tradições cabo-verdianas6 (Pereira 2003: 156-157).

26A unidade Guiné-Cabo Verde na fase da luta contra o colonialismo e no pós- independência surgiu, enquanto eixo programático, profundamente sintonizada com as bandeiras políticas agitadas pelo pan-africanismo e com o apelo à unidade política de todo o continente lançado por Kwame Nkrumah, a sua figura cimeira no pós-II Guerra Mundial. Por último, a independência da Guiné em conjugação com a independência de Cabo Verde e a necessidade, sustentada por Amílcar Cabral, de um desenvolvimento combinado dos dois processos políticos assentavam numa relação estratégica, descortinada pelo dirigente independentista, entre os dois territórios. A continuidade de Cabo Verde sob domínio colonial português colocaria em risco não apenas a futura independência da Guiné, mas também a luta de libertação de Angola e Moçambique, assim como a independência dos jovens países da África Ocidental (Cabral 1976: 129).

  • 7 Arquivo Mário Soares (AMS), Documentos Amílcar Cabral (DAC), Pasta 07063.037.010, PAIGC Relatório O (...)
  • 8 Ibid. fl.49.
  • 9 Ibid. fl.50.

27Assim sendo, a luta armada no arquipélago de Cabo Verde era encarada pela cúpula do PAIGC como o único meio consequente de conduzir as ilhas à independência, estabelecendo, ao mesmo tempo, um desejado equilíbrio entre os dois processos. A este propósito, Amílcar Cabral rematava, em 1969, de forma lapidar: “se a luta na Guiné avançar muito, mas a luta em Cabo Verde não avançar nada, mais dias menos dias prejudicamos a luta na Guiné grandemente” (Cabral 1976: 139). Seis anos antes, em 1963, na cidade de Dacar, no decurso de uma importante reunião de quadros nacionalistas na qual a ação do PAIGC em Cabo Verde foi amplamente dissecada, Pedro Pires fora ainda mais taxativo ao declarar não ter cabimento “falar em luta de libertação nacional sem falar em luta armada”7. Nesta mesma reunião, definiram-se algumas premissas que balizariam a abordagem política e militar esboçada pelo PAIGC. A título de exemplo, as ilhas de relevo mais acentuado, com mais vegetação e de colheitas mais abundantes – os casos de Santiago e Santo Antão – foram apontadas como as mais propícias à instalação de bases guerrilheiras8. A razão de ser desta escolha prendia-se com a necessidade, reiterada por Amílcar Cabral, de criar grupos de guerrilheiros com capacidade de suprir as suas necessidades deitando mãos aos recursos naturais aí existentes9.

  • 10 Ibid. fl.51.

28A insularidade do território cabo-verdiano, aliada ao seu clima, à sua oro-grafia e às especificidades da sua demografia, colocaram a direção do PAIGC perante um conjunto de desafios no momento de encarar a aproximação da luta armada ao arquipélago. É neste quadro que deve ser entendida a orientação saída da reunião de Dacar: procurar ganhar junto das comunidades cabo- verdianas na diáspora militantes para a causa nacionalista dispostos a lutar dentro do arquipélago. O mesmo pode ser dito relativamente ao transporte de combatentes, armas e mantimentos, uma operação logística para a qual o PAIGC deveria concitar o máximo de apoios externos10. Quando foram encetados os preparativos para o desembarque de guerrilheiros em Cabo Verde, o regime de Fidel Castro cotou-se como o principal parceiro do PAIGC.

  • 11 Pedro Pires era alferes miliciano da Força Aérea Portuguesa quando, em 1961, integrou o grupo dos 1 (...)
  • 12 Arquivo Mário Soares (AMS), Documentos Amílcar Cabral (DAC), Pasta 07063.037.010, PAIGC Relatório O (...)
  • 13 Arquivo Nacional Torre do Tombo (ANTT), PIDE-DGS, Osvaldo Vieira, proc. n.º 15704 – PI – 5770, Auto (...)

29Foi em solo cubano que um grupo de 31 militantes nacionalistas cabo- verdianos, encabeçado por Pedro Pires11, recebeu treino militar. Os preparativos decorreram entre 1966 e 1968 e o desembarque deveria ter-se realizado em Ponta Morena, norte da ilha de Santiago12. A morte de Guevara na Bolívia, em 1967, terá contribuído para o abortar desta expedição militar, visto que as autoridades cubanas ter-se-ão recusado a assumir os riscos inerentes a uma missão desta envergadura (Tomás 2007: 188)13.

30Este revés não impediu que outras tentativas de aproximação de guerrilheiros a Cabo Verde fossem consideradas. Falamos, por exemplo, da cedência pela URSS, em 1970, de um navio de pesca de longo alcance, o 28 de Setembro, que reunia todo o equipamento necessário ao transporte e desembarque de homens e armamento (Pereira 2003: 443). Com o mesmo propósito, teve também início, em finais de 1970, na URSS, o treino de um conjunto de militantes cabo- verdianos que deveriam constituir a marinha de guerra do PAIGC, uma formação que deveria prolongar-se por dois anos (Pereira 2003: 548). Um último esforço para levar a luta armada ao arquipélago deu-se em 1973, ainda em vida de Amílcar Cabral, com o envio de dois militantes provenientes de Lisboa com destino a Cuba, onde seriam preparados para desencadear, em Cabo Verde, ações de guerrilha urbana. O assassinato de Amílcar Cabral a 20 de janeiro de 1973 terá conduzido à saída da ilha dos dois ativistas por ordem das autoridades de Havana (Lopes 2002: 27-28).

31Muitos destes esboços de intervenção militar pressupunham a implantação prévia de uma organização política apta a conquistar o ânimo da população para a luta pela independência, proporcionando, ao mesmo tempo, o necessário acolhimento às forças guerrilheiras entretanto desembarcadas. Dedicaremos as próximas páginas a uma caracterização mais aprofundada da estrutura desenhada pela direção do PAIGC para Cabo Verde, assim como o breve elenco de atores que, no terreno, procuraram dar-lhe vida; nesse mesmo trilho, realizaremos um inventário das vicissitudes de vária ordem que a moldaram e cercearam.

A Organização do PAIGC em Cabo Verde

32Datam de finais dos anos 50 os primeiros indícios da presença de ativistas nacionalistas nas ilhas, sendo que, na década seguinte, a organização que ali se implantou viu o seu crescimento e enraizamento limitados por escolhos surgidos do meio e das circunstâncias económicas, sociais, políticas e culturais. A leitura cruzada destas condicionantes e da ação daqueles a quem Amílcar Cabral confiou a tarefa de interpretar as suas intenções e planos possibilita-nos a fixação de algumas linhas de força para a compreensão da presença do PAIGC em Cabo Verde entre 1959 e 1974.

33A primeira linha de força prende-se com a primazia atribuída ao campesinato enquanto grupo social privilegiado nas ações de propaganda e agitação levadas a cabo pelos militantes do PAIGC. Subjacente a esta opção, estava o peso da agricultura na economia do arquipélago. O PAIGC pretendia explorar o potencial de descontentamento associado às distorções existentes quanto à posse, ao uso e repartição dos frutos da terra, distorções introduzidas pelos sistemas de exploração indireta da propriedade que identificámos acima. As fomes, decorrentes da escassez de produção e responsáveis por milhares de mortos ao longo dos tempos, foram diretamente imputadas pelo PAIGC ao colonialismo. O secretário-geral do PAIGC procurou refletir acerca das virtualidades e dos obstáculos que se levantavam à mobilização em contexto rural. No horizonte, estava a necessidade de assegurar o suporte humano e material que só os camponeses poderiam garantir, no caso de se confirmar um desembarque de guerrilheiros.

  • 14 Arquivo Mário Soares (AMS), Documentos Amílcar Cabral (DAC), Pasta 07063.037.010, PAIGC Relatório O (...)
  • 15 Ibid.
  • 16 Ibid., fl.17.

34Em 1963, no decurso da reunião de quadros em Dacar, Amílcar Cabral considerava que a mobilização da população cabo-verdiana deveria “girar […] em torno do problema da terra e do salário porque é o elemento que pode dinamizar a resolução do problema em Cabo Verde”14. Acreditava o dirigente nacionalista poder, desta forma, “virar o parceiro e o rendeiro contra o colonialismo”15, ainda que tenha ressalvado a necessidade, por si sentida, de o “problema da Reforma Agrária […] ser posto com cautela, porque, se por um lado, isso estimula os que não têm terra, desencoraja, por outro lado, os proprietários”16.

35Pedro Martins, militante cabo-verdiano com responsabilidades na organização clandestina do PAIGC na ilha de Santiago nos finais da década de 60, confirma-nos o lugar de destaque assumido pela mobilização da população camponesa. Nesse sentido, as abordagens feitas a cada um dos camponeses que se pretendia ganhar para a causa da independência procuravam levar em conta a situação de pobreza a que estavam votados os rendeiros, tendo a estrutura local do partido arriscado a realização de reuniões públicas em que esse tema era debatido (Martins 1990: 79 e 99-100). A permeabilidade da população camponesa do interior de Santiago a um certo messianismo em torno da figura de Amílcar Cabral não passou despercebida a Pedro Martins (Martins 1990: 176 e 178).

36Jorge Querido, a quem coube a coordenação de toda a atividade política em Cabo Verde desde 1968, assume igualmente essa primazia ao campesinato enquanto setor social que deveria ser ganho para a causa independentista. No entanto, este destacado dirigente sublinhou as dificuldades associadas em atingir esta meta, ao falar da “fluidez da demarcação dos interesses de classe das diversas camadas da população rural” (Querido 1988: 35). Esta observação remete para a complexidade das relações sociais no campo, em Cabo Verde, antes da independência e suscita questões acerca do posicionamento dos diversos atores sociais face ao colonialismo português, um problema a merecer estudos mais aprofundados.

37Ainda no tocante à mobilização política em ambiente rural, torna-se necessário evidenciar o impacto que um longo período de ausência de chuvas, iniciado em 1968, teve nos esforços de agitação política levados a cabo pelo PAIGC, conjugado com a corrente migratória entretanto iniciada rumo à Europa. As medidas de carácter assistencialista tomadas pela administração da colónia, em resposta à seca que assolava o arquipélago, foram encaradas pelos responsáveis locais do PAIGC como ações desencadeadas com o propósito de desmantelar a organização nacionalista, retirando-lhe a sua base de apoio. Quer Jorge Querido (1998: 34-36), quer Pedro Martins (1990: 69), corroboram a leitura segundo a qual a administração colonial portuguesa incentivou ativamente a emigração, promovendo o êxodo dos campos do interior de Santiago. As questões migratórias no interior do arquipélago e na diáspora serão importantes, como veremos a seguir, para o evoluir do processo de contestação política do colonialismo português empreendido pelo PAIGC.

38A diáspora cabo-verdiana, espalhada pelos continentes europeu e africano, foi tida em conta nos esforços de mobilização realizados pelo PAIGC. Tal medida explica-se pela forte presença de migrantes cabo-verdianos em Dacar e, também, na Holanda, França e Portugal em associação, neste último caso, com uma importante comunidade estudantil cabo-verdiana presente nestes países. O fenómeno migratório enquanto dado estrutural da sociedade cabo-verdiana, combinado com a insularidade do território, impunha-se de forma incontornável ao PAIGC, obrigando a sua direção a adequar-se.

  • 17 Ibid., fls.56-57.
  • 18 Segundo as palavras de João Silva (“Djunga de Biluca”) em entrevista que me concedeu na cidade da P (...)
  • 19 Arquivo Mário Soares (AMS), Documentos Amílcar Cabral (DAC), Pasta 04999.026, Carta dirigida por Am (...)

39Ao mergulhar entre os cabo-verdianos na diáspora, o movimento nacionalista procurava responder a dois objetivos: em primeiro lugar, assegurar um fluxo de contactos regular e tão seguro quanto possível com o interior das ilhas; em segundo lugar, engrossar as suas fileiras e, desta forma, preparar a ação clandestina e a luta armada no arquipélago. Dacar, no Senegal, e Roterdão, na Holanda, foram portos de abrigo de muitos insulares em busca de melhores condições de vida e, ao mesmo tempo, locais de difusão de propaganda nacionalista, no caso da cidade da costa ocidental africana17, e de realização de encontros de cariz político, como os registados na cidade portuária do Norte da Europa, animados pela associação cabo-verdiana local18. Já Lisboa viu surgir entre os estudantes, desde o final dos anos 50, um polo nacionalista que se tornaria um importante celeiro de ativistas, transformando-se alguns deles em militantes na clandestinidade e outros em quadros intermédios com funções de direção no PAIGC e noutros movimentos de libertação. De resto, foi na capital portuguesa que se constituiu um Comité Coordenador, com o fim de assegurar a transmissão de informações e instruções entre a direção em Conacri e a estrutura clandestina em Cabo Verde19.

  • 20 Arquivo Mário Soares (AMS), Documentos Amílcar Cabral (DAC), Pasta 07063.037.010, PAIGC Relatório O (...)
  • 21 Ibid.

40O terceiro aspeto relaciona-se com as ilhas consideradas alvos primeiros para o desenvolvimento de trabalho político. É neste plano que se inscrevem as ilhas de Santiago e Santo Antão, por sinal, as mais montanhosas, as mais extensas geograficamente, as mais ricas em recursos hídricos, com vegetação mais densa, maior produção agrícola e de maior contingente populacional. Num quadro geral em que a aridez predomina, estas duas ilhas eram aquelas que, ainda assim, reuniam as melhores condições do ponto de vista físico e humano para um futuro desembarque militar20. Num outro plano, estava São Vicente, a ilha onde se localiza Mindelo, a cidade portuária do arquipélago e que, por esta via, detinha um peso que não era ignorado pelo secretário-geral do PAIGC, a ponto deste a denominar “o coração de Cabo Verde”21.

  • 22 Ibid.

41A quarta linha de força assenta numa avaliação do impacto da insularidade no acentuar das dificuldades de comunicação entre Conacri, Lisboa e Cabo Verde. Ao contrário do que sucedia em relação à Guiné, em Cabo Verde o fator geográfico impunha dificuldades relacionadas com a inexistência de fronteiras terrestres contíguas com outros territórios que pudessem abrigar estruturas de apoio à luta anticolonialista. Tal determinante foi uma das causas das descontinuidades nos fluxos de informações e instruções estabelecidos entre o quartel-general do PAIGC em Conacri, o teatro das operações em Cabo Verde e os responsáveis sediados em Lisboa que asseguravam as ligações entre aqueles dois polos. À insularidade, somava-se a vigilância exercida pelo aparelho repressivo do Estado Novo num ambiente de ausência de liberdades políticas. Em face deste cenário, Amílcar Cabral lamentava a escassez e irregularidade das informações enviadas a partir de Cabo Verde22. Por seu turno, a organização clandestina em Cabo Verde queixava-se do tom alegadamente vago das diretrizes provenientes de Conacri (Martins 1990: 76).

  • 23 Carlos Lineu Miranda residia em Portugal quando, em 1966, foi contatado por Vasco Cabral, dirigente (...)
  • 24 Fernando dos Reis Tavares era emigrante em França. Em 1965, foi contatado nesse país por Pedro Pire (...)

42A quinta linha de força pretende sublinhar a exposição dos militantes nacionalistas à ação da PIDE/DGS que, manifestando-se em sucessivas prisões, contribuiu para cercear a eficácia das ações do PAIGC em Cabo Verde. Nesta sequência, a organização nacionalista viu expostas as suas fragilidades em momentos cruciais, precisamente quando Amílcar Cabral se preparava para dar passos decisivos rumo ao encetar da luta armada no arquipélago. A título de exemplo, as detenções de Carlos Lineu Miranda23, em Santo Antão, e Fernando dos Reis Tavares24, em Santiago, em 1967 e 1968, respetivamente, ocorreram numa altura em que estava em fase de conclusão o treino de guerrilheiros cabo-verdianos que, provenientes de Cuba, deveriam desembarcar nas ilhas. Além deles, outros militantes do PAIGC também foram presos em Cabo Verde nessa mesma altura. Criminalizados como presos políticos, muitos deles foram internados no Campo de Trabalho de Chão Bom, no Tarrafal, onde, desde 1962, também estavam aprisionados outros independentistas desterrados de Angola e da Guiné (Barros 2009).

43Carlos Lineu Miranda e Fernando dos Reis Tavares encontravam-se em Cabo Verde no cumprimento de diretrizes da direção, enquadradas nos preparativos da intervenção militar. Igualmente sintomático é o caso de Jorge Querido. Este responsável, que desde novembro de 1968 assumiu a coordenação geral de toda a ação do PAIGC no arquipélago, foi alvo de apertada vigilância por parte da PIDE/DGS até à sua detenção em janeiro de 1974. As forças de repressão do Estado Novo revelaram-se eficazes no desarticular da organização clandestina nacionalista em Cabo Verde. Porém, tais resultados não teriam sido obtidos sem a força de uma geografia que determina um território formado por dez ilhas, aliada a um certo relaxamento no cumprimento das regras de segurança conspirativa pelos ativistas no terreno (Martins 1990: 77).

44Por último, acreditamos ser pertinente equacionar qual o grau de permeabilidade e qual o índice de adesão da sociedade cabo-verdiana ao ideário anticolonial e, em particular, à reivindicação de independência do arquipélago no quadro de uma posterior unidade política com a Guiné. A este propósito, e no âmbito de uma reflexão em que são discutidas as atitudes dos elementos cabo-verdianos da administração colonial portuguesa em face do colonialismo e do anticolonialismo, socorremo-nos das conclusões a que chegou Alexander Keese. Este declara não ter existido adesão à causa nacionalista entre os quadros cabo-verdianos da estrutura administrativa das ilhas (Keese 2012: 136 e 142).

45Por outro lado, se nos aproximarmos desta questão pelo prisma cultural, é sabido que setores ligados à administração do arquipélago foram tocados, a partir da década de 30, pelas teses da Claridade acerca do carácter singular da sociedade e cultura cabo-verdianas no contexto africano e no contexto do império colonial português. O movimento literário Claridade surgiu na cidade do Mindelo na década de 30 e teve em Baltasar Lopes, Manuel Lopes, João Lopes e Jorge Barbosa as suas figuras de proa. Afirmava um regionalismo cabo- verdiano ligado a caracteres culturais portugueses, construindo ao mesmo tempo uma representação cultural do arquipélago apartada de manifestações conotadas como africanas e consideradas como pretensamente inferiorizantes (Barros 2009: 151-185). Esse regionalismo cultural foi construído com diversos recursos argumentativos, dentre eles os postulados luso-tropicalistas do sociólogo brasileiro Gilberto Freyre (Barros 2010: 53-84, Neto 2009).

  • 25 Para uma compreensão do papel da Claridade na sociedade e cultura cabo-verdianas no século XX e os (...)

46Não será difícil de supor que as ideias acerca do regionalismo cultural cabo- verdiano tenham servido de travão à disseminação de mensagens de cunho nacionalista25. Ao lançar este tema a debate, fazemo-lo procurando não esquecer que se trata de atitudes avaliadas no contexto de sistemas políticos como o Estado Novo, em que as liberdades políticas eram cerceadas e as tomadas de posição dissonantes em face do poder estabelecido, perseguidas. Por seu turno, o colonialismo é, ele próprio, produtor de ideologias excludentes e fautor de práticas repressivas. Esta circunstância, por exemplo, está intimamente relacionada com a defesa do estatuto de ilhas adjacentes para Cabo Verde, o que equipararia o arquipélago ao dos Açores e da Madeira e significaria, automaticamente, o fim do estatuto de colónia para as ilhas cabo-verdianas. Tal reivindicação teve em Adriano Duarte Silva, deputado cabo-verdiano à Assembleia Nacional entre 1945 e 1961, o seu porta-estandarte, e era vista como a saída política e institucional para subtrair Cabo Verde ao quadro de pobreza crónica a que estava votado (Centeio: 2007).

O PAIGC em Cabo Verde a partir das memórias dos seus militantes

47As mutações que se foram registando na estrutura do PAIGC em Cabo Verde terão sido ditadas por necessidades encaradas pela sua direção, tendo em conta as especificidades do território onde esta seria implantada. É a partir de 1963, o ano da reunião de Dacar em que se discute a questão de Cabo Verde nos seus aspetos político e militar, que se nota uma maior organicidade nessa estrutura. Desde finais da década de 50, época dos primeiros indícios da presença de militantes independentistas em Cabo Verde, até à data desse encontro de militantes em Dacar, as iniciativas de contestação ao colonialismo surgiram desligadas de qualquer controlo hierárquico visível.

48Quer Abílio Duarte, membro pioneiro do PAIGC, quer Leitão da Graça, na altura sem ligação que se conhecesse a este partido, agiram por conta própria. O primeiro estabeleceu-se na cidade do Mindelo em 1959, inserindo-se no meio estudantil, e procurou estabelecer pontes com o operariado (Lopes 2002: 57-59). Quanto a Leitão da Graça, terá mantido contactos políticos nas cidades do Mindelo e da Praia entre 1959 e 1960 e, na capital da colónia mais especificamente, inseriu-se num grupo de jovens que elegeu para debate a atualidade política e cultural (Lopes 2002: 63 e 109). Estas duas primeiras abordagens, ocorridas quase em simultâneo, foram de curta duração e o seu fim, em 1960, foi ditado pelo espectro da detenção pela PIDE, o que obrigou os dois ativistas a fugirem do arquipélago (Lopes 2002: 61-66 e 85-89).

49Uma efetiva interligação entre o PAIGC, em Cabo Verde, e a sua cúpula dirigente, em Conacri, passa a ser procurada a partir de 1963. Como temos vindo a sublinhar ao longo do texto, esse ano é marcado por um virar de página no equacionar da questão cabo-verdiana, com o assumir de um objetivo – a luta armada – e um inventariar de estratégias e de recursos.

  • 26 Arquivo Nacional Torre do Tombo (ANTT), PIDE/DGS, PAIGC, proc. n.º 641/61 – SR – 3064, 2.º vol., [s (...)
  • 27 Ibid.

50Até 1968, o PAIGC irá colocar no arquipélago dois ativistas recrutados em França26 (Pereira 2003: 425), que irão interpretar as tarefas centrais definidas pela organização num momento em que, recorde-se, tinha início em Cuba o treino militar dos 31 militantes cabo-verdianos que deveriam desembarcar nas ilhas. Fernando dos Reis Tavares e Carlos Lineu Miranda foram os indigitados para a realização dos trabalhos de mobilização e agitação nas ilhas de Santiago e Santo Antão, respetivamente. A sua presença nestas ilhas não foi superior a um ano e a sua missão foi interrompida a partir do momento em que, como já referimos, eles foram detetados e presos pela PIDE, Carlos Lineu Miranda, em outubro de 1967, na Ribeira Grande, Santo Antão27, e Fernando dos Reis Tavares, em julho de 1968, em Assomada, Santiago (Pereira 2003: 427).

  • 28 Arquivo Nacional Torre do Tombo (ANTT), PIDE/DGS, Jorge Maria Ferreira Querido, proc. n.º 4404 – CI (...)

51A centralização do trabalho político em Cabo Verde nas mãos de um único responsável acontecerá a partir de novembro de 1968, com a chegada de Jorge Querido28, dirigente da organização do PAIGC na então metrópole. Esta alteração na orgânica do partido em Cabo Verde marcará o período até 1974, consumado que foi o encarceramento de Carlos Lineu Miranda e Fernando dos Reis Tavares e confirmado o abortar do desembarque dos guerrilheiros provenientes de Cuba. Contudo, não foram alterados o rumo e as metas definidas por Amílcar Cabral.

  • 29 Arquivo Nacional Torre do Tombo (ANTT), PIDE/DGS, Incidentes – com a população na ilha de Santo Ant (...)

52Jorge Querido havia concluído a licenciatura em Engenharia de Minas e esteve envolvido na organização nacionalista estudantil cabo-verdiana surgida em Portugal, em finais dos anos 50, da qual se tornaria o principal responsável (Querido 1988: 16). A sua militância política, que se estendeu às lutas estudantis na metrópole, valeu-lhe por três vezes a prisão pela PIDE/DGS. A sua chegada ao arquipélago ocorreu ao mesmo tempo que se faziam sentir os efeitos de uma prolongada seca que se estenderia pela década seguinte, e que trouxe às ilhas carências de produção agrícola. O governo da colónia viu-se forçado a tomar medidas de combate aos efeitos da seca, das quais destacamos o aprovisionamento e distribuição de alimentos e a abertura de novas frentes de trabalhos públicos (Santos 1971: 14-17), procurando, assim, acudir às necessidades elementares de uma população que, segundo a PIDE-DGS, apresentava sinais de “intranquilidade social de certa monta”29.

  • 30 A 20 de agosto de 1970, o navio Pérola do Oceano, que assegurava a ligação entre a cidade da Praia (...)

53É neste cenário que Jorge Querido e Pedro Martins se cruzam, encontro esse que ocorre na ilha de Santiago entre 1968 e 1970. Os relatos memorialísticos por eles produzidos constituem ingredientes essenciais para a reconstituição do percurso do PAIGC em Cabo Verde antes do 25 de abril de 1974. Se o percurso militante de Jorge Querido já foi aqui assinalado, sobre Pedro Martins r efira-se que despertou para o anticolonialismo em 1966, enquanto estudante liceal, e aderiu mais tarde ao PAIGC, ligando-se hierarquicamente a Jorge Querido (Martins 1990: 117-118). Foi preso em 1970, aos 17 anos, na sequência do caso do navio Pérola do Oceano30, sendo então conduzido à prisão do Tarrafal, donde só sairia depois do 25 de abril de 1974.

54Os escritos de Jorge Querido e Pedro Martins são coincidentes numa avaliação da conjuntura política vista a partir do local de militância, a ilha de Santiago. São igualmente concordantes quanto à identificação das debilidades e desafios por que passava o PAIGC em Cabo Verde. É através destas obras que tomamos conhecimento de um aumento de adesão da população de Santiago, em particular do seu interior, ao programa da organização nacionalista. Pedro Martins afirma: “O partido tinha crescido imenso em número de elementos politizados” (Martins 1990: 21). Jorge Querido reflete este indicador e a forma como ele influenciou o modo de implantação do partido. Diz-nos o dirigente: “os militantes entusiasmados e estimulados pela aceitação que a nossa mensagem de libertação encontrava entre os camponeses, os trabalhadores de todos os ramos e a população em geral, lançavam-se numa atividade de mobilização ‘em extensão’ ” (Querido 1988: 27).

55Porém, este alastramento da organização expunha o partido a dificuldades de organização e colocava a nu as suas deficiências de segurança. Ao caracterizar a tática de mobilização empregue, Jorge Querido considerava que “aumentava […] os riscos e punha, até certo ponto, em causa a possibilidade de uma sólida e profunda implantação do partido entre as massas” (Querido 1988: 27). Sobre o mesmo tema, oiçamos Pedro Martins: “o partido evoluíra, assim, bastante nesse período sem que, contudo, tivesse chegado a ser uma estrutura eficiente, no que diz respeito a segurança, divisão de tarefas e hierarquias” (Martins 1990: 77).

56Entretanto, a organização do PAIGC na ilha de Santiago era atingida pela incerteza quanto a um possível desembarque de guerrilheiros armados no arquipélago. A impaciência tomou conta do ânimo de militantes localizados em vários níveis do partido, tendo Jorge Querido assumido que os responsáveis locais se sentiram “fortemente pressionados pelos militantes de base e dos escalões intermédios que queriam, a todo o custo, passar à ação direta” (Querido 1988: 27), e instados a providenciar armamento e treino militar.

57O dirigente local reconhece ter sido favorável a um acelerar do processo político, “a necessidade de um salto qualitativo, isto é […], a passagem a uma fase mais avançada da luta” (Querido 1988: 28), o que implicaria o despoletar de ações violentas, por forma a responder à sangria da população dos campos originada pela emigração maciça e a consequente erosão da base de apoio que o PAIGC havia conquistado (Querido 1988: 28). Pedro Martins notou, igualmente, (Querido 1988: 28) a predisposição dos militantes de vários pontos da ilha de Santiago para a realização de ações armadas, uma perceção por si recolhida por via de contactos estabelecidos no decurso de 1969.

  • 31 Homi Grandi é uma expressão do crioulo de Santiago e da Guiné que, neste contexto, significa homem (...)

58Pedro Martins recebeu solicitações no sentido de pedir ao homi grandi – o nome pelo qual era tratado Amílcar Cabral no interior de Santiago – o envio de armas para a ilha, o que não deixa de sugerir um certo messianismo associado à figura do secretário-geral do PAIGC (Martins 1990: 100)31. De resto, Martins considerava o uso da violência um caminho necessário, até como forma de defender a organização da violência exercida pelas autoridades coloniais (Martins 1990: 97).

Conclusão

59Os elementos que aqui trouxemos, corroborados pelas vozes de dois quadros com papel de relevo no palco cabo-verdiano, sugerem uma organização que se viu perante uma encruzilhada ao enfrentar os desafios colocados pelo seu programa, encarando, do mesmo passo, as debilidades impostas pelo meio envolvente.

60A divisa do PAIGC, “Unidade e Luta”, peça-chave para entender os propósitos programáticas enunciados por Amílcar Cabral, acabou por explicar o modo como o secretário-geral deste movimento nacionalista encarou o evoluir dos processos de libertação nacional guineense e cabo-verdiano, que deveriam caminhar de forma harmoniosa. Tal premissa assentava numa compreensão da localização estratégica de Cabo Verde no contexto africano e do seu peso específico no dispositivo de defesa das colónias portuguesas desenhado pelas autoridades militares de Lisboa. O atraso registado no processo cabo-verdiano poderia prejudicar o curso da luta armada na Guiné e interferir negativamente na vida interna do PAIGC.

61É tendo em conta este enquadramento que devem ser entendidos os planos de aproximação a Cabo Verde desenhados pela direção do PAIGC, quer na sua vertente política, quer na sua vertente militar. Tratou-se de um esforço insistentemente perseguido pela direção do PAIGC e, em particular, por Amílcar Cabral, apesar de condicionantes de vária ordem que tolheram a iniciativa nacionalista no arquipélago.

62A geografia e o clima eram particularmente adversos, os solos pobres, a vegetação escassa e a falta de recursos hídricos, uma realidade sempre presente. As comunicações entre a direção do partido e a sua estrutura em Cabo Verde eram irregulares e as forças repressivas do Estado Novo lograram efetuar prisões que foram desarticulando a organização e a eficácia da implementação das ações do PAIGC nas ilhas. Perante um cenário destes, seria difícil o desencadear de ações armadas no arquipélago, apesar do lançamento delas ter sido cogitado por Amílcar Cabral até à sua morte.

63A proclamação da independência da Guiné, em 1973, e a Revolução dos Cravos em Portugal, em 1974, alteram radicalmente o posicionamento das peças no tabuleiro cabo-verdiano. A chegada ao arquipélago de militantes cabo-verdianos experimentados na guerra da Guiné contribuiu para que Jorge Querido e Pedro Martins fossem remetidos para um plano secundário. Os dois livros de que são respetivamente autores foram editados na viragem da década de 80 para os anos 90, numa época em que se anunciava uma mudança no ciclo político que ditaria a entrada no multipartidarismo, consumada em 1991 com a saída do PAICV do poder dirigido por Aristides Pereira e Pedro Pires.

64Com as suas publicações, quer Jorge Querido, quer Pedro Martins terão procurado forjar as ferramentas de um combate contra o esquecimento da luta clandestina nas ilhas no âmbito de dois processos em si mesmo desiguais, como foram as independências da Guiné e de Cabo Verde.

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Silva, A. L. C. e 2001, “O Nascimento do Leviatã Crioulo”, Cadernos de Estudos Africanos, 1: 53-68.

Silva, A. L. C. e 2000, Nos Tempos do Porto Grande do Mindelo, Praia-Mindelo, Instituto Camões/Centro Cultural Português.

Sousa, J. S. 2016, Amílcar Cabral (1924-1973). Vida e Morte de um Revolucionário Africano, Coimbra, Edição de Autor.

Teixeira, A. J. da S. & Barbosa, L. A. G. 1958, A Agricultura do Arquipélago de Cabo Verde, Lisboa, Junta de Investigação do Ultramar.

Tomás, A. 2007, O Fazedor de Utopias. Uma Biografia de Amílcar Cabral, Lisboa, Edições Tinta da China.

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Notes

1 Este autor publicou mais tarde outras duas obras (Querido 2016, Querido 2011), ambas de índole memorialística que, por razões cronológicas, não foram consideradas na elaboração deste artigo.

2 As duas siglas significam, respetivamente, Polícia Internacional e de Defesa do Estado e Direção Geral de Segurança. A primeira nomenclatura esteve em uso entre 1945 e 1969, tendo a segunda vigorado entre 1969 e 1974. Ambas designam a polícia política do Estado Novo. Neste artigo, usaremos cada uma das siglas consoante os factos referidos tenham ocorrido antes ou depois de 1969. PIDE/DGS (Polícia Internacional e de Defesa do Estado/Direção Geral de Segurança). Sobre a história desta polícia política veja-se (Araújo 2019, Mateus 2011, Pimentel 2011, Ribeiro 1995).

3 Arquivo Nacional Torre do Tombo (ANTT), PIDE-DGS, Contratos de arrendamento rural – desacatos ocorridos em Vila de Assomada, concelho de Santa Catarina, Ilha de Santiago (5 out. a 16 ago. 1969), proc. n.º 77 – SR – 5407, [s/ título], 16 de agosto de 1969, dact., fls.1-2.

4 Sobre a pressão internacional no contexto da guerra colonial portuguesa em África veja-se (Santos 2017).

5 Para um conhecimento mais aprofundado da política do Estado Novo perante o fluxo migratório estabelecido entre Portugal e o Norte da Europa nas décadas de 60 e 70, veja-se Pereira, V. 2014, A Ditadura de Salazar e a Emigração: O Estado Português e os Seus Emigrantes em França (1957-1974), Lisboa, Temas e Debates.

6 Arquivo Mário Soares (AMS), Documentos Amílcar Cabral (DAC), Pasta 07059.026.001, Memorandum enviado ao Governo Português, 1 de dezembro de 1960, 4 p.

7 Arquivo Mário Soares (AMS), Documentos Amílcar Cabral (DAC), Pasta 07063.037.010, PAIGC Relatório O desenvolvimento da luta em Cabo Verde. Reunião de quadros responsáveis, Dakar, 17 a 20 de Julho de 1963, fl.7.

8 Ibid. fl.49.

9 Ibid. fl.50.

10 Ibid. fl.51.

11 Pedro Pires era alferes miliciano da Força Aérea Portuguesa quando, em 1961, integrou o grupo dos 100 jovens africanos, muitos deles membros da Casa de Estudantes do Império, que fugiu de Portugal rumo a França, a fim de se juntar aos movimentos nacionalistas das colónias portuguesas. Sobre essa fuga veja-se (Harper & Nottingham 2015). Pedro Pires integrou a direção política e militar do PAIGC e foi o primeiro Primeiro-Ministro de Cabo Verde após a independência nacional, cargo que ocupou até 1991 (Mateus 1999: 109-111).
Sobre as trajetórias dos dirigentes do PAIGC veja-se (Coutinho 2017).

12 Arquivo Mário Soares (AMS), Documentos Amílcar Cabral (DAC), Pasta 07063.037.010, PAIGC Relatório O desenvolvimento da luta em Cabo Verde. Reunião de quadros responsáveis, Dakar, 17 a 20 de Julho de 1963, fl.7.

13 Arquivo Nacional Torre do Tombo (ANTT), PIDE-DGS, Osvaldo Vieira, proc. n.º 15704 – PI – 5770, Auto de Declarações, 14 de abril de 1969, dact., fl.14. António Tomás baseia esta informação em declarações prestadas por Pedro Pires em entrevista (Tomás 2007: 188).

14 Arquivo Mário Soares (AMS), Documentos Amílcar Cabral (DAC), Pasta 07063.037.010, PAIGC Relatório O desenvolvimento da luta em Cabo Verde. Reunião de quadros responsáveis, Dakar, 17 a 20 de Julho de 1963, fl.3.

15 Ibid.

16 Ibid., fl.17.

17 Ibid., fls.56-57.

18 Segundo as palavras de João Silva (“Djunga de Biluca”) em entrevista que me concedeu na cidade da Praia, a 11 de setembro de 2004.

19 Arquivo Mário Soares (AMS), Documentos Amílcar Cabral (DAC), Pasta 04999.026, Carta dirigida por Amílcar Cabral aos militantes do PAIGC residentes em Portugal, 18 de setembro de 1969, fl.4.

20 Arquivo Mário Soares (AMS), Documentos Amílcar Cabral (DAC), Pasta 07063.037.010, PAIGC Relatório O desenvolvimento da luta em Cabo Verde. Reunião de quadros responsáveis, Dakar, 17 a 20 de Julho de 1963, fl.49.

21 Ibid.

22 Ibid.

23 Carlos Lineu Miranda residia em Portugal quando, em 1966, foi contatado por Vasco Cabral, dirigente do PAIGC, que lhe propôs regressar à ilha de Santo Antão, onde deveria reunir em seu redor um grupo de ativistas incumbido de agitar a mensagem nacionalista e organizar um possível desembarque de militantes armados. Foi preso pela PIDE a 24 de outubro de 1967. Em outubro de 1969, foi julgado pelo Tribunal Militar Territorial do Mindelo e conduzido ao Campo de Trabalho de Chão Bom, onde cumpriu pena. Arquivo Nacional Torre do Tombo (ANTT), PIDE-DGS, PAIGC, proc. n.º 641/61 – SR – 3064, 2.º vol., [s/ título] …, fl.257.

24 Fernando dos Reis Tavares era emigrante em França. Em 1965, foi contatado nesse país por Pedro Pires, que lhe propôs o seu regresso à ilha de Santiago, onde a coberto da gestão de um estabelecimento comercial, deveria desenvolver atividade política clandestina. Foi preso pela PIDE a 17 de julho de 1968 na vila de Assomada, tendo sido posteriormente encarcerado no Campo de Trabalho de Chão Bom. Presente a julgamento no Tribunal Militar Territorial do Mindelo, foi absolvido em janeiro de 1971 (Pereira 2003: 425-427). Arquivo Nacional Torre do Tombo (ANTT), PIDE/DGS, Amílcar Cabral, proc. n.º 1915/50 – SR – 2676, pasta 6, Informação n.º 1.199 – SC/CI(2), 8 de novembro de 1968, dact., fl.1633; PIDE/DGS, Pedro Verona Rodrigues Pires, proc. n.º 822 – SR – 5258, Ao camarada Amílcar Cabral Secretário Geral do PAIGC, 29 de dezembro de 1967, dact., fl.55. Sobre a prisão desses militantes e outros independentistas no Campo de Chão Bom veja-se (Barros 2009).

25 Para uma compreensão do papel da Claridade na sociedade e cultura cabo-verdianas no século XX e os seus pontos de contacto com a ideologia colonial portuguesa, atente-se aos trabalhos de Victor Barros (Barros 2008) e de Sérgio Neto (Neto 2009).

26 Arquivo Nacional Torre do Tombo (ANTT), PIDE/DGS, PAIGC, proc. n.º 641/61 – SR – 3064, 2.º vol., [s/ título] …, fl.257.

27 Ibid.

28 Arquivo Nacional Torre do Tombo (ANTT), PIDE/DGS, Jorge Maria Ferreira Querido, proc. n.º 4404 – CI(2) – 7354, [s/ título], 21 de novembro de 1968, dact., fl.250.

29 Arquivo Nacional Torre do Tombo (ANTT), PIDE/DGS, Incidentes – com a população na ilha de Santo Antão: 4/2/1969 (4 fev. a 21 ago. 1969), proc. n.º 124 – SR – 5409, [s/ título], 22 de maio de 1969, dact., fl.6.

30 A 20 de agosto de 1970, o navio Pérola do Oceano, que assegurava a ligação entre a cidade da Praia e as ilhas do Fogo e Brava, é tomado por 12 homens e uma mulher, posteriormente detidos pelas autoridades após o retorno do barco à ilha de Santiago. O grupo, chefiado por José dos Reis Borges, que se autoproclamou “elemento do PAIGC ao serviço de Amílcar Cabral”, dominou os tripulantes e passageiros e terá ordenado ao proprietário do barco que alterasse a sua rota rumo ao Senegal. Os assaltantes terão tomado o barco com o fito de, chegados àquele país, receberem treino militar e retornarem a Cabo Verde para desencadear ações armadas. José dos Reis Borges não era membro do PAIGC e este episódio assume contornos de um ato de provocação urdido pelas autoridades portuguesas com o objetivo de desmantelar o PAIGC, prendendo os seus militantes e responsáveis. Do incidente, resultou a morte de um tripulante. Arquivo Nacional Torre do Tombo (ANTT), PIDE/DGS, Pedro Rolando dos Reis Martins, proc. n.º 15941 – CI(2) – 7757, [s/ título], 16 de setembro de 1970, dact., fl.222-227 e DGS – Praia – Rádio, 25 de agosto de 1970, dact., fl.368.

31 Homi Grandi é uma expressão do crioulo de Santiago e da Guiné que, neste contexto, significa homem grande ou líder.

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Pour citer cet article

Référence papier

José Augusto Pereira, « A luta de libertação nacional nas ilhas de Cabo Verde na encruzilhada da(s) memória(s) »Lusotopie, XIX(1) | 2020, 76-100.

Référence électronique

José Augusto Pereira, « A luta de libertação nacional nas ilhas de Cabo Verde na encruzilhada da(s) memória(s) »Lusotopie [En ligne], XIX(1) | 2020, mis en ligne le 02 janvier 2021, consulté le 13 décembre 2024. URL : http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/lusotopie/4707 ; DOI : https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.1163/17683084-12341749

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Auteur

José Augusto Pereira

Instituto de História Contemporânea, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, Portugal
jadpereira2[at]yahoo.com.br

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