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Outros como nós: Sexualidade, nacionalidade e conflito no Candomblé em Portugal

D'autres comme nous : sexualité, nationalité et conflit dans le Candomblé au Portugal
Others Like Us: Sexuality, Nationality and Conflict in Candomblé in Portugal
João Ferreira Dias
p. 136-158

Résumés

Cet article étudie les structures conflictuelles et mouvantes du champ religieux luso-afro-brésilien au Portugal. Ces dynamiques organisent les relations entre babalorishás brésiliens et portugais, à travers un processus de compétition et d’allégeance qui prend pour référence tout à la fois la nationalité et le genre. Reproduisant des schémas déjà à l’œuvre dans le processus migratoire brésilien, on montre comment les mécanismes d’exotisation et la formation de clusters assurent la cohésion des groupes religieux et en particulier, leur assurent une position dans un marché religieux, marqué par des processus conflictuels et de marginalisation.

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Texte intégral

1O presente trabalho resulta de dados coletados em uma condição etnográfica particular. Desde a década de 1990 que mantenho contato com as religiões afro-brasileiras em Portugal, através de um processo de pertença religiosa. Desse modo, este texto não corresponde a uma pesquisa etnográfica específica, delimitada no tempo, ou parte de um projeto de investigação terminado ou em curso, mas antes é produto de uma participação, de uma observação e convivência demoradas, que permitem um acesso a informação etnográfica que de outro modo não seria evidenciada.

2Não obstante a existência de uma literatura longue durée sobre estas religiões no campo religioso português, a mesma possui uma natureza eminentemente sociológica. Ora, partindo de uma experiência etnográfica particular que evidencia uma outra realidade, o presente artigo pretende observar as religiões afro-brasileiras em Portugal, a partir não dos processos de adaptação e ressignificação religiosas, essenciais mas que já vêm sendo evidenciados, em particular os primeiros, mas antes dos conflitos camuflados, construídos a partir da nacionalidade dos sacerdotes, e das alianças assentes na sexualidade dos sujeitos, onde participação e marginalidade são negociadas em cada momento. Com efeito, a história da transnacionalização destas religiões para a Europa constrói-se, precisamente, sobre a participação e a marginalidade, e com isso sobre o conflito.

  • 1 Por clusters entendo a formação de um grupo com tipologias sociais-padrão como pertença, sentido de (...)

3Para efeitos teóricos, o conceito de conflito é utilizado aqui como dizendo respeito a um sistema dinâmico, politizador e polarizador do campo religioso luso-afro-brasileiro. É através do conflito que a comunidade dispersa e contrastante produz e reordena clusters1. Ao sobrepor a nacionalidade à sexualidade, e esta à ‘competência’ ritual, i.e., à legitimidade/autoridade, o campo religioso em questão evidencia continuidades com as lógicas migratórias, mais do que pressupostos estruturantes do campo religioso afro-brasileiro. Valoriza-se, neste sentido, a afinidade cultural, a partilha da nacionalidade, mais do que compatibilidades religiosas. Verificam-se, portanto, solidariedades migrantes antes de negociações de espaço, solidariedade e competição religiosas.

  • 2 Problemas de ordem ritual estão evidenciados nas dinâmicas de abandono de um terreiro para outro. A (...)

4A fabricação e dissolução de alianças religiosas no campo luso-afro-brasileiro operam a partir do fuxico, das acusações mais ou menos veladas, e que residem, maioritariamente, em desentendimentos extrarreligiosos, de natureza sociológica, e não em matéria ritual2. Nessa lógica, reproduzem-se parte das normas do campo religioso brasileiro. Evidencia-se, portanto, um processo em que as alianças não possuem um sentido espiritual-religioso, cenário onde vigoram pressupostos de parentesco espiritual, correspondendo, então, a uma partilha de nacionalidade, que coloca os sacerdotes brasileiros e portugueses em contraponto, fazendo destes últimos, diria, “outros como nós”, mas sempre outros.

5Assim, ao longo do artigo serão evidenciados os processos pelos quais os sacerdotes estabelecem as suas teias de relações, e como estes articulam conflitos e alianças tendo por base a sexualidade e a nacionalidade, em que estratégicas de exotização e estereotipia permitem construir um arquétipo de sacerdote com o qual os pais de santo brasileiros operam distintivamente.

1 Religiões afro-brasileiras em Portugal

6Tais eventos decorrem, antes de mais, da entrada destas religiões e do confronto das mesmas com os padrões locais. Uma vez que o campo religioso português é estimulado na procura de previsões do futuro e soluções para problemas de ordem espiritual, material e sentimental, onde as práticas de cura para todos estes males são bens de mercado, a presença das religiões afro-brasileiras em Portugal não se desvincula dessa capacidade plástica de responder aos estímulos do mercado de chegada.

7Entre os fatores determinantes para o sucesso da implementação destas religiões no campo religioso português, destaca-se, em primeiro lugar, a abertura resultante da secularização, em que o catolicismo perde o seu lugar como detentor do capital religioso – a desfragmentação da unidade católica (Teixeira 2013) – para se verificar um pluralismo no campo religioso português. Nesse contexto impera uma ‘escolha racional’ (Stark & Bainbridge 1985), diante das múltiplas opções. Não é o clássico weberiano do ‘desencantamento do mundo’ (Weber 1958) em marcha, mas pelo contrário, o encantamento diante do religioso plural, aquilo que Margry (2008) chamaria de ‘novos itinerários para o sagrado’. Este processo acompanha a proliferação das minorias religiosas em Portugal, consolidadas com a segunda metade do séc. XX e o intensificar da imigração. Conforme afirma Helena Vilaça (2016), o fenómeno da pluralidade religiosa não se traduz num esvaziamento significativo do catolicismo dos posicionamentos religiosos, apesar do crescimento dos indivíduos sem religião nas camadas mais jovens e urbanas, fenómeno cujo alcance Steffen Dix aprofunda (2013). Com efeito, não podemos deixar de ter uma certa cautela em relação à declaração do catolicismo como pertença religiosa. Vilaça reconhece tal facto, afirmado mais numa atitude “de belonging without believing do que believing without belong” (2013: 106). Em segundo lugar, o alcance destes censos é limitado quando levamos em consideração fenómenos de dupla-pertença religiosa, extremamente correntes entre as comunidades africanas (Ferreira Dias 2016a) e muito demarcado, por exemplo, entre os membros das religiões ditas afro-brasileiras (Consorte 1998, 2009).

  • 3 Divindade do universo religioso afro-brasileiro, cujo culto se origina na atual Nigéria, no espaço (...)

8É, portanto, a pluralidade religiosa que permite uma recomposição do campo religioso português. Historicamente marcado pelas figuras das bruxas, médiuns e curandeiras, senhoras da virtude e toda a sorte de ofícios, da benzedura à adivinhação, o campo da religião em Portugal oferece ingredientes para uma nova espiritualidade, que não se aparta de dialogar com os padrões historicamente estabelecidos. Depois de uma primeira expansão para a América latina (Segato 1990, 1997, Frigerio 1997, 1999, Oro e Steil 1997), as religiões afro-brasileiras transnacionalizam-se para o Velho Mundo, em países como a Espanha, Itália, França, Suíça, Áustria, Alemanha, Bélgica (Capone e Teisenhoffer 2001, Halloy 2001, 2004, Teisenhoffer 2007, Bahia 2014). Mas é em Portugal, por fatores ligados à história e partilha linguística entre os dois países que estas religiões mais fortemente se veiculam. A alvorada da liberdade, arrastada nas correntes do 25 de abril de 1974, marca o advento da pluralidade religiosa, depois uma história de monopólio católico, e da presença controlada do judaísmo e do protestantismo. A revolução que colocou fim ao Estado Novo, ditadura que durou 41 ininterruptos anos, marcou um período de incremento de ‘retornados’, i.e., de portugueses e seus descendentes que haviam emigrado, em particular para as colónias, mas também para o Brasil. Nesse movimento, chega a Portugal Virgínia Albuquerque, uma mulher portuguesa que se iniciou na Umbanda no Rio de Janeiro (Pordeus Jr. 1996, 2000, 2009), para onde emigrou em 1950. No seu regresso a Portugal traz na bagagem a Umbanda, religião que é um compósito de influências religiosas africanas, ameríndias, católicas, espíritas-kardecistas e orientais. Com a instalação do seu terreiro (templo) – ao caso a variante umbandista chamada Omolocô, uma versão africanizada da Umbanda – e a forte presença da imigração brasileira a partir do novo milénio, ocorrem os primeiros trânsitos religiosos entre o imaginário português e afro-brasileiro. É nesse cenário que Joana Bahia (2015) associa a popularidade de Iemanjá3 às façanhas lusitanas dos Descobrimentos e ao sincretismo com Nossa Senhora dos Navegantes. Há que reconhecer, também, expandindo o argumento de Bahia, que as telenovelas e a música brasileira exerceram um papel importante na divulgação da imagem da divindade iorubá, ressignificada e objeto de cosmética simbólica (de negra dos seios fartos a branca e de corpo coberto, próxima ao imaginário das santas). Em diversas lojas esotéricas de Lisboa ou até mesmo em casas funerárias, lugares onde se vendem santos católicos, cristais, e outros objetos rituais e de devoção, encontra-se, com frequên-cia, o Dr. Sousa Martins acompanhado de Iemanjá, a qual me foi, por diversas vezes, apresentada como “santa Iemanjá do Brasil”. Como nota Montenegro (2005), o campo religioso português reconhece os conceitos de “bruxos” e de “bruxaria”, noções que o marcam indelevelmente, bem animado nas “senhoras de virtude”, “videntes”, e outras denominações, como refere António Maria Romeiro Carvalho (1996), ou entidades espirituais responsáveis por “milagres” do corpo e do espírito, como a Santa da Ladeira ou o Dr. Sousa Martins, tratados por Welter (2007-8). Permanece válida a assunção de Miguel de Unamuno (1984 [1908]: 144), o qual afirmava que o campo religioso português se anima “debajo de las formas regulares y canónicas de la religión oficial”. A todo este catolicismo popular vibrante e fervoroso, cheio de ex-votos (Pina Cabral 1996), e com notórias implicações celtas (Serén 2012), se juntam as experiências da Nova Era (Berger 1992, Amaral 1999, Siqueira 2003, Prandi 2005), na configuração de um dinamismo religioso essencial para a acomodação das religiões afro-brasileiras em Portugal. Clara Saraiva (2017: 320), na esteira de Fry e Howe (1975), considera que as religiões afro-brasileiras são “religiões de aflição”. Há, portanto, um encontro entre os sintomas próprios da religiosidade portuguesa e as respostas afro-brasileiras.

  • 4 Capone (2004) dá conta de casos em que a mudança da Umbanda para o Candomblé permite a continuação (...)

9Mãe Virgínia foi uma figura central na transnacionalização destas religiões para Portugal, tendo sido a porta de entrada no mundo afro-brasileiro para inúmeros sacerdotes portugueses e inclusive brasileiros, muitos dos quais haveriam de se iniciar no Candomblé, num processo de busca de autenticidade africana que Capone (2004) notou para os umbandistas do Rio de Janeiro, como foi o caso de Mãe Tina de Oyá, entrevistada por Maïa Guillot (2009), sacerdotisa entretanto falecida, e que trouxe o Candomblé para Portugal em finais da década de 1980, depois de se ter iniciado no Candomblé em Salvador, com Mãe Olga do Alaketu4. No período que vai de 1980 até ao começo do séc. XXI, vários portugueses rumam ao Brasil para se iniciarem, ocorrendo uma expressiva representação no terreiro do Pilão de Prata, em Salvador da Bahia. Tratou-se, portanto, de uma segunda vaga, depois da implementação do culto Omolocô em Lisboa. A partir da virada do milénio, com a forte vaga imigratória brasileira, motivada pela identificação cultural, histórico-colonial, e linguística, aquilo que Padilha (2006) designa como uma imagem mental de velha mátria, dá-se uma terceira etapa, com a chegada continuada de sacerdotes brasileiros, em particular do Candomblé, iniciando, assim, o crescimento exponencial do culto. Espalhados de norte a sul do país, os terreiros são comandados tanto por brasileiros como por portugueses, cujas relações são complexas, como veremos adiante. Com efeito, apesar das fronteiras de identidade serem permeáveis, e como a literatura especializada mostra, no contexto da imigração ocorrerem trânsitos referenciais, jogadas as identidades num campo de significações utilitárias, como mostra Machado (2003), a verdade é que as categorias de “brasileiro” e “português”, no campo religioso afro-brasileiro em Portugal, são bem delimitadas e operatórias, empoderando os sacerdotes brasileiros e subalternizando os sacerdotes portugueses, em resultado das configurações do próprio mercado religioso.

2 Sexualidade, dominação e conflito

  • 5 Posto ritual masculino, que não participa do curso dos eventos pela via do transe, mas antes desemp (...)

10Apesar de elaboradas como espaço comunitário por excelência, idealizadas na utopia das sobrevivências culturais africanas, as religiões afro-brasileiras são palco de conflitos estruturais. Nessa matéria, o trabalho de Yvonne Maggie (1975) afigura-se um marco, ao tratar diretamente do conflito como modus operandi, afastando-se da linha seguida por Landes (1947), onde o conflito dizia respeito a uma memória instituída (Triaud 1999) de tradição. Na obra, Maggie revela-nos as estratégias utilizadas na negociação da autoridade e da legitimidade, em que fatores económicos e intelectuais são utilizados para modelar o grupo. O fenómeno de inversão de poder, no quadro da hierarquia dos terreiros, em que o capital intelectual ou económico não é decisório nem estruturante, mas antes o poder se regula pela lógica da detenção da autoridade, onde a hierarquia se estabelece na antiguidade e no posto sacerdotal, é operatório no contexto das religiões afro-brasileiras em Portugal. Subalternizados economicamente e socialmente enquanto imigrantes, muitos brasileiros invertem a dominação no interior dos terreiros. A imagem exotizada do brasileiro que Igor Machado menciona (2003, 2006), e que os brasileiros no seu papel de imigrante atualizam, incorporam e utilizam como recurso no mercado laboral, é encontrada no campo religioso afro-brasileiro, através da exotização do género e do estereótipo. Num panorama geral, a heteronormatividade social, i.e., a constituição de um padrão sexual normativo na heterossexualidade, não é coincidente com o multicolorido étnico e sexual candomblecista. No entanto, como Luís Filipe Rios afirma (2012), não obstante um ambiente favorável para a presença de homossexuais, aquele nem sempre encontrou, nos terreiros da baixada fluminense, uma total aceitação da homossexualidade. Diferentes fatores concorrem para tal, destacando-se a citada heteronorma social e a forma como esta chega aos terreiros de Candomblé, quer por via do sincretismo afro-cristão que imprime padrões de pensamento cristãos-ocidentais, quer por via da presença de investigadores e elites intelectuais, dentro dos terreiros, que transportam os seus valores morais, como aconteceu com Landes e Carneiro. Num exercício de valorização da agência feminina no Candomblé, a partir dos casos paradigmáticos do Gantois e Engenho Velho, Ruth Landes e Edison Carneiro marginalizaram a agência masculina e homossexual. Nas palavras da antropóloga norte-americana, “A tradição diz, sem rodeios, que só as mulheres são adequadas, por seu sexo, para cuidar das divindades, e que o serviço dos homens é blasfemo e assexuado”. (1940: 387-388 [tradução minha]). James L. Matory (2008) importa responsabilidade ao casal americano-brasileiro na transformação do papel do homossexual no Candomblé, interação que levou Carneiro a alterar a sua posição nessa matéria, como o autor detalha. Não obstante, parece viável reconhecer que A Cidade das Mulheres de Landes é condicionada quer pela ideologia feminista da autora, quer pela orientação de Carneiro que a conduziu pelos terreiros marcados pela exclusiva liderança feminina, quer ainda pelas dinâmicas de conflito e narrativas de acusação/demarcação que estariam na ordem do dia. Seria a mescla destas questões a condicionar o caminho da obra. Não surpreende que Arthur Ramos (1942) tenha imediatamente reagido e denunciado as conclusões apressadas de Landes. No entanto, esta imagem adulterada de que o sacerdócio é exclusivamente feminino fez escola. É nessa lógica que Vertuan (2007: s.p.) afirma que “a principal função do homem no antigo candomblé era o cargo de ogã5”. Estamos, pois, diante de um contexto onde o conflito, enquanto ferramenta do mercado religioso, opera determinantemente na constituição de um modelo social. Nesse sentido, o conflito mantém as fronteiras sociais, operando muito próximo do fuxico, o “diz-que-disse”, que seria, nessa lógica, uma verbalização daquele. Júlio Braga, em obra dedicada ao fuxico no Candomblé, escreve:

visto pelo viés positivo, parecer colaborar, (…) com a prática de preservação da tradição, na medida em que veicula e critica, na sua circunstância aparentemente negativa, aqueles acontecimentos que não deveriam ocorrer, posto que ferem ou se chocam com os preceitos da tradição estabelecida (1998: 25)

  • 6 Todavia, como nos informa Miguel Vale de Almeida (1996: s.p.), “a masculinidade não é a mera formul (...)

11O conflito verbalizado permite adentrar nas tramas religiosas mais profundas, como escreve Braga, na mesma obra, revelando as questões na ordem do dia nos terreiros. A obra de Landes (1947) é, acima de tudo, um retrato dos conflitos vigentes na Salvador afro-religiosa de então. A questão de género, estava, pois, em evidência, num contexto em que a concorrência religiosa começava a afirmar-se determinantemente, em face de uma sociedade onde a sexualidade constituía tabu e a heterossexualidade a norma vigente. É curioso notar o impacto da norma social sobre os padrões candomblecistas. Sabendo que os Orixás, deuses africanos cultuados no Candomblé, possuem diversidade de género, a homossexualidade tenderia, a princípio, a ser um dado considerado normal6. Em rigor, ao desempenhar o papel de noiva (iaô) do Orixá, todo o iniciado é jogado a uma pluralidade de papéis, razão pela qual em Oyó o sacerdote de Xangô se traja de forma feminina (Matory 1994, 2005) e Carneiro, citado por Matory (2008), refere que, naquele tempo, os homens iniciados vestiam-se de mulheres. Castillo e Parés (2007: 121) trazem à luz um relato nessa sequência, datado da época de Francisca da Silva, Iyánassô Oká, fundadora da Casa Branca do Engenho Velho, relativa ao traje de um negro chamado Thomé: “uma camisa grande, com gola redonda, debruada de pano vermelho”. Tal como Milton Silva dos Santos bem refere, o iniciado que cai em transe funciona como “vaso, vasilhame” (2008: s.p.) para os Orixás, sendo, pois, possuído por aquele, operando, então, como feminino. De igual modo, afirma Patrícia Birman (1995) que os Orixás aparecem como “moldura” cultural para pensar a sexualidade dos sujeitos, razão pela qual Maria Teixeira (2000) recolhe depoimentos em que a ambivalência sexual das divindades é utilizada como justificativa para a sexualidade dos sujeitos.

3 Redes de relações entre conflitos e alianças

12Todas estas questões são transpostas ao campo das religiões afro-brasileiras em Portugal. Para explicitar como a questão da sexualidade, da subalternidade e do conflito se processam no campo das religiões afro-brasileiras em Portugal, recorro aos casos de dois pais de santo, um português e um brasileiro, e suas relações em rede, essenciais para se compreender o cenário em discussão. Pai A tem cerca de 40 anos, é natural do Estado de São Paulo. É pai de santo (babalorixá) em Portugal há cerca de uma década, atuando na região do grande Porto. A sua atividade religiosa vem embrulhada numa série de acontecimentos marginais que espelham a forma como se tecem as redes de sociabilidade, solidariedade e conflito nos terreiros portugueses. Recentemente viu o seu nome envolvido num cenário de conflitos que terminou em violência física, graças a gravações de áudio que circularam pela rede-aplicação para telemóvel WhatsApp, e que envolviam a difamação do nome da sua iniciadora, Mãe B, que também atua como sacerdotisa em Portugal, oriunda de São Paulo. Outros episódios de violência física têm marcado a carreira religiosa do sacerdote, mas que não colocam em causa a sua agência, haja visto o número significativo de clientes que consegue fidelizar. Este fenómeno, o do sucesso dos sacerdotes e sacerdotisas brasileiros face aos seus pares portugueses, é frequentemente referido por estes últimos, que tendem a ter maior dificuldade em consolidar a sua legitimidade dentro de um mercado religioso restrito e competitivo – em geral “as pessoas preferem os brasileiros”. O facto destas religiões serem oriundas do Brasil, funciona como emblema de autenticidade para qualquer sacerdote originário daquele país.

  • 7 Em Ferreira Dias (2016b) é dado conta que o mercado religioso afro-brasileiro não postula a legitim (...)
  • 8 O conhecimento (awô) é uma categoria que opera determinantemente no quadro da afirmação de uma auto (...)

13Tais episódios são resultantes de um fenómeno de competição própria do mercado religioso, em que a troca de acusações e a concorrência financeira são marcas d’água das dinâmicas destas religiões em Portugal. A associação entre religiosidade e clientelismo constitui tabu candomblecista, sendo raro encontrarmos sacerdotes que afirmem, abertamente, o lado financeiro da sua atividade. O financeiro acarreta uma série de perceções polutas, muito provavelmente em decorrência de um longo histórico de associação entre religiões africanas, bruxaria, clientelismo e curandeirismo, de que se destaca o Código Criminal brasileiro de 1890. Não obstante a importância que este adquire no Candomblé, inclusive no ritual (Baptista 2007), o financeiro constitui-se recurso de acusação e conflito, num segmento religioso em que os clientes surgem como fonte de rendimento, através de trabalhos religiosos como ritos de limpeza espiritual, amorosos, de saúde ou profissionais, pois que o financeiro é uma moeda de troca na relação com as divindades. Como reporta Guillot (2010: 66), existe, uma outra face da realidade, que resulta, igualmente, da competitividade num mercado de bens altamente transacionáveis, mas igualmente marcado pela eficácia e pela legitimação permanente7, que se prende com a acusação de clientelismo aos pais de santo brasileiros, os quais viriam para Portugal com o intuito de “enganar” uma clientela portuguesa desconhecedora dos “fundamentos”, i.e., da praxis afro-brasileira. Com efeito, uma parte dos conflitos que venho encontrando no cenário religioso afro-brasileiro em Portugal, é a permanente troca de acusações entre sacerdotes. Constata-se que, em sede de autoridade religiosa, muitos babalorixás e iyalorixás brasileiros são referenciados como não sendo sacerdotes no seu país. Se é verdade que uma parte significativa dos sacerdotes brasileiros, nomeadamente do Candomblé, não possuíam no seu país de origem o estatuto de babá ou iyalorixá, adquirindo o posto em Portugal, através do reconhecimento dado por outro sacerdote ou pela via da auto-proclamação8, outros há que tinham no Brasil já os seus próprios terreiros montados, os quais deixaram a cargo de alguém da sua confiança na hierarquia do templo, estando em trânsito entre Portugal e o Brasil, ou fechando temporariamente ou mesmo de vez os espaços de culto no Brasil e instalando-se em Portugal. Não obstante, é seguro afirmar que na sua larga maioria, os sacerdotes brasileiros implementaram-se em Portugal, enquanto tal, pela primeira vez, aproveitando uma oportunidade de mercado.

3.1 A exotização e a estética do sacerdote

  • 9 Uma outra estratégia de distinção no mercado religioso passa pela criação de associações ou outros (...)
  • 10 Atado ao peito, o pano da costa é um adereço exclusivamente feminino, cobrindo o peito e o sexo das (...)
  • 11 Apesar das relações entre prostituição e Candomblé em Portugal serem importantes e de algum modo es (...)

14Uma vez que a representação demográfica destas religiões é ínfima em Portugal, a luta pela captação de fiéis e clientes é uma fonte permanente de conflitos, mesmo no caso em que estão estabelecidas alianças9. Em rigor, uma das razões pelas quais os sacerdotes afro-brasileiros em Portugal transitam entre terreiros é, precisamente, um jogo de marketing, em que se dão a conhecer aos fiéis e clientes alheios, seja na pompa com que se apresentam, com trajes muito elaborados e, não raras vezes, de feição feminina com torsos (ojá) e pano da costa10, seja pela entoação de cânticos rituais, buscando mostrar competência religiosa que os faça sobressair diante do sacerdote anfitrião. Em alguns casos, aproveitam-se, ainda, dos intervalos das cerimónias para abordar diretamente clientes do seu anfitrião. Por seu turno, a indumentária é um aspeto de singular importância, num quadro onde a estética ritual tem um alcance quer ritual quer mercadológico (Santos 2005, Souza 2007, Paiva 2009). É precisamente pela ótica do mercado religioso que ela é utilizada no contexto português. A literatura reconhece (acompanhando uma visão alargada da comunidade religiosa afro-brasileira) que o Estado de São Paulo, de onde são originários uma parte significativa dos sacerdotes brasileiros em Portugal, se distingue pela estética ‘carnavalesca’, por aquilo que se pode designar pela hiperestetização (Ferreira Dias 2016b), marcada pela utilização de brilho, lantejoulas, tecidos e outros recursos importados do carnaval. Se no quadro do Candomblé brasileiro esse cenário concorre para uma categorização de tais práticas como “abusivas”, como fora “da tradição”, no contexto português tal hiperestetização opera num sentido de exotização dos sacerdotes, estabelecendo um estereótipo que demarca as fronteiras do campo religioso, autenticando tais sacerdotes. Esse exotismo e hipérbole estética que seriam, a priori, condenáveis a partir de uma lente cultural judaico-cristã, servem para destacar os agentes religiosos. Ao mesmo tempo, evidenciando as formas multiversas pelas quais se estrutura o campo das religiões afro-brasileiras em Portugal, encontra-se a afirmação de Joana Bahia de que alguns pais de santo brasileiros prefeririam não ter filhos de santo brasileiros, “que tornariam seu axe um axe com menos respeito, pelo excesso de homossexuais, que se comportariam como “meninas”” (2015: 122). Compreende-se que a estética e o género andam também entrelaçados no contexto religioso luso-afro-brasileiro. Com efeito, Bahia, bem nota, felizmente, um fenómeno sociológico importante no quadro do Candomblé em Portugal: o da presença significativa de “prostitutas, travestis e michês, transitam como membros das suas famílias de santo, participando ativamente da vida ritual. Clientes, donos de casa de prostituição, muitos trazidos pelos brasileiros, solicitam proteção de e cuidado com os seus negócios” (2015: 122)11.

3.2 Nacionalidade e sexualidade, um jogo de espelhos complexo

15Apesar da existência de uma forte concorrência, existe um fenómeno significativo de alianças entre sacerdotes afro-brasileiros em Portugal, forjadas tendo por base o princípio da nacionalidade e da sexualidade, numa teia complexa, permanentemente recriada. Babalorixás e iyalorixás brasileiros formam um núcleo coeso, os quais se fazem presentes nas celebrações uns dos outros. A este grupo junta-se, pontualmente, babalorixás portugueses homossexuais, os quais participam parcialmente desse núcleo, haja visto que são considerados, na maioria dos casos, como outsiders, pois embora participem da sexualidade não participam da nacionalidade. Estes dois grupos que se cruzam e na maioria das vezes se justapõem, o dos sacerdotes brasileiros (na esmagadora maioria deles homossexuais) e o dos sacerdotes homossexuais, possuem uma dinâmica interna marcada pela cooperação e pelo conflito, em que o ejó, o fuxico, tem papel central, sendo um recurso tanto para a construção de alianças quanto para a contestação da legitimidade alheia. Regra-geral, o ausente numa celebração é coletivamente escolhido como alvo das críticas alheias, o que permite ao grupo contestar-se e associar-se continuamente. Não se tratam de alianças fabricadas nas “trocas de águas” que Capone (2004) menciona como parte do processo de estabelecimento de estatuto religioso do sacerdote. Os sacerdotes em causa não têm, no geral, relações de parentesco religioso entre si, e quando têm, esse facto não participa das equações de conflito e aliança. Sexualidade e nacionalidade operam como principais fatores de aliança, sendo que esta última tem força normativa maior, haja visto que os sacerdotes homossexuais portugueses tendem a formar uma segunda categoria de sacerdotes, seguidos pelos sacerdotes heterossexuais portugueses, numa estratificação social interna poderosa.

16Para ilustrar regresso ao caso do Pai A, citado, e Pai C, o babalorixá português que serve de exemplo ao argumento. Inúmeros outros pais de santo poderiam ser citados, no entanto os casos utilizados neste texto configuram-se paradigmáticos. Como visto, a carreira religiosa de Pai A não configura o ideal kantiano de convivência pacífica. Não obstante a controversa atividade religiosa, este permanece como figura importante no panorama religioso em menção. Pai A é abertamente homossexual, tendo-se casado, em Portugal, com D, brasileiro, do qual se viria a separar pouco tempo depois, seguindo este último para casa de Pai E, outro babalorixá homossexual brasileiro, com o qual deu obrigação de odunjé, a obrigação de sete anos que confere maioridade no Candomblé. As suas teias de relações em rede no Candomblé são todas estabelecidas com outros babalorixás brasileiros homossexuais, quer da região do grande Porto, quer do restante do país, os quais acorrem às suas celebrações religiosas. Estas, como já mencionado, são momentos de conflito, visando sempre o ausente, e ao mesmo tempo de reforço das alianças. Um dos aspetos centrais do estabelecimento destas alianças é a valorização de uma identidade contrastativa, aplicada face aos zeladores portugueses. Nesse sentido, o conflito é simbólico – ele atua como processo de estabelecimento de fronteiras, sendo que no caso da nacionalidade a linha é estanque. A nacionalidade é, portanto, central na consolidação de uma identidade grupal a meio do processo de alterização. O “nós e os outros” é traçado na nacionalidade, em que ser brasileiro traduz (no sentido de ‘identidade traduzida’, conforme Amorim (2015)) um modus vivendi candomblecista, na sua própria conceção, que se distinguiria dos sacerdotes portugueses. Se recordarmos o que Machado (2007) nos informa acerca da opção dos imigrantes brasileiros do Porto por apoiarem um clube de futebol de Lisboa como forma de afirmação de identidade por oposição, compreendemos os mecanismos pelos quais os imigrantes brasileiros reconfiguram e/ou reordenam a sua identidade, da exotização ao contraste. Ao mesmo tempo, num sentido mais amplo, estas identidades traduzidas não se independentizam do fenómeno maior que é o da imigração brasileira em Portugal, os seus desafios e dificuldades na adaptação social. Há, deste modo, um reforço de sentido de grupo em função da nacionalidade dos agentes religiosos. Pai A relaciona-se, acima de tudo, com sacerdotes brasileiros, e é dentro desta identidade partilhada que se jogam as alianças mais importantes, em que o conflito é menos significativo, sobressaindo um coletivismo, um sentido de grupo baseado nas familiaridades religiosas, mas acima de tudo culturais. Essas alianças são ainda mais fortes nos casos dos sacerdotes homossexuais, operando uma dupla confinidade identitária: a nacionalidade e a sexualidade. Nesse sentido, tais dados, que poderiam operar como demarcadores negativos, excludentes dos sujeitos em função de uma sociedade baseada na nacionalidade portuguesa e na heteronorma, operam positivamente como princípios de inclusão, como empowerment do grupo. Esta exaltação permite criar um estereótipo no mercado religioso, utilizado em proveito dos seus membros. Esta exotição que opera no mercado religioso como reforço positivo, recorda o que Machado (2006: 127) afirma a propósito dos imigrantes brasileiros negros e mulatos, afirma um processo de “inversão racial”:

os brasileiros mulatos, que viveram uma experiência de “opressão racial” no Brasil, experimentaram uma situação inusitada: no Porto, eles tinham mais facilidade de encontrar empregos que imigrantes brasileiros brancos. Mesmo brasileiros negros tinham mais facilidade de conseguir vagas no mercado de trabalho que os brancos.

  • 12 É importante salientar que no campo religioso afro-brasileiro português Umbanda e Candomblé não se (...)

17Ora, essa identidade, por sua natureza, em princípio periférica, torna-se o epicentro das religiões afro-brasileiras em Portugal, em particular no quadro do Candomblé12, a partir das quais se negoceiam as alianças e surgem os conflitos.

18Dentro desta comunidade de sacerdotes brasileiros opera o princípio da antiguidade no país, o qual é potenciado ou diminuído em função do sucesso no mercado religioso, em que fatores financeiros não estão, novamente, fora da equação. Captar fiéis e clientes, e com isso obter elevada renda, é sinal de sucesso e ganho de prestígio, ao mesmo tempo que é motivo de conflito, fuxico e competição, num ciclo permanente de jogos de poder. Nesse sentido, Pai A relaciona-se com os outros sacerdotes numa lógica de cooperação e conflito, ora dissimulado, ora aberto. É com aqueles que estabelece as alianças mais importantes e com os quais concorre mais diretamente, ao oferecer o mesmo tipo de serviço, com as mesmas caraterísticas: pai de santo brasileiro, homossexual, com trajes elaborados e de feição feminina, oferecendo serviços de consulta de búzios, tarot e entidades, e curas para todos os males que historicamente animam o mercado religioso português.

3.3 O sacerdote português no meio da pertença e do conflito

  • 13 No Candomblé a iniciação religiosa é, muitas vezes, referida através do termo “fazer a cabeça”, uma (...)
  • 14 “Nação” diz respeito a ordenações ideológico-utópicas relativas a geografias africanas, ressignific (...)
  • 15 O trabalho de Rafael Soares de Oliveira (2005), sob as relações em rede do terreiro da Casa Branca, (...)

19Pai C, aproximadamente da mesma idade, também homossexual, é português. Iniciou-se e reiniciou-se diversas vezes, com diferentes sacerdotes. Por si só, a sua carreira religiosa constitui um interessante caso do impacto dos conflitos na gestão do percurso individual do agente religioso. Iniciado na década de 1990 por Mãe F, por incompatibilidades com a sua iniciadora muda-se para a casa de Pai G, com quem “refez a cabeça”13, mudando também de “águas”, i.e., de “nação”14. Depois de conflitos com Pai G, derivados de tramas amorosas, Pai C abandona o terreiro daquele, e regressa a casa de Mãe F. Novos desentendimentos dão origem ao abandono definitivo e à instalação do seu próprio terreiro, na zona de Almada. Nesse intermeio, Pai C passa a estar sob a orientação de um zelador brasileiro, por um período. Novos desentendimentos dão origem a alianças menos vinculativas, e ao sacerdócio independente. A par dos demais babalorixás portugueses homossexuais possui uma relação complexa com o núcleo de babalorixás brasileiros, cenário onde os conflitos e as identidades contrastivas são evidentes. Trata-se de alguém, que do mesmo modo que os demais sacerdotes portugueses masculinos, participa do grupo sem verdadeiramente participar. As afinidades são estabelecidas tendo por base o princípio da sexualidade. Enquanto sacerdote homossexual, Pai C é acolhido no seio daquela comunidade elástica de babalorixás brasileiros, participando do grupo, através das alianças de género. A sexualidade opera, naquele contexto, como sentido de partilha e pertença. Pai C acorre às festas de Pai A e de outros babalorixás, participando ativamente nestas, e recebe-os em sua casa, aquando do seu calendário litúrgico. É evidenciado o compromisso de presença, parte significativa da etiqueta candomblecista, que advoga que a presença de um sacerdote numa festividade impõe a reciprocidade ao anfitrião. Este ato, verdadeira etiqueta social, é parte de um processo alargado de constituição de uma ‘comunidade imaginada’ (Anderson 1991) das religiões afro-brasileiras. Nos casos dos sacerdotes mais reconhecidos do campo candomblecista baiano, é comum que estes se apresentem noutros terreiros apenas nas festividades dos seus Orixás e do Orixá do/a sacerdote/isa da casa, como já tive a oportunidade de presenciar, por diversas vezes. Tal processo foi fundamental no estabelecimento de uma rede de solidariedades entre terreiros, mas contribuiu, de igual modo, para incentivar a circulação do “correio nagô”, i.e., do fuxico, promovendo, a dois tempos, a cooperação e o conflito15.

20Todavia, apesar de participar dessa comunidade, Pai C experiencia a elasticidade das fronteiras. Não obstante o género, o facto de possuir nacionalidade portuguesa opera como marco de fronteira. No seio da comunidade de babalorixás brasileiros homossexuais, ele – tal como os demais babalorixás e iyalorixás portugueses – é o “outro”. Este facto participa, também, do fenómeno maior da alteridade brasileira em Portugal. Como relata Igor Machado (2003: 177), a propósito dos imigrantes brasileiros na cidade do Porto, a experiência de ser brasileiro é de oposição, que o autor refere a partir do vocábulo “engalegar”, i.e., aproximar-se do ponto de referência oposto, facto que se refere ao desprezo dos brasileiros mais pobres pelos brasileiros de classe média que assimilam o modus vivendi português. Constrói-se, assim, um sentido de grupo, um cluster cultural particular, que se identifica na oposição quer ao mainstream cultural, quer a clusters com os quais partilha afinidades e até se relaciona, mas que não se justapõe.

21Não obstante a participação sem pertença, em que se verifica, como visto, uma posição subalterna, Pai C não pertence à base da estrutura social candomblecista, segundo os moldes estabelecidos pelos sacerdotes brasileiros. No fundo da pirâmide encontram-se as iyalorixás portuguesas heterossexuais, agentes religiosas que são marginalizadas pelo cluster homossexual e pelo cluster brasileiro. É face àquelas que pais de santo portugueses e brasileiros homossexuais estabelecem as suas alianças e acima de tudo oposição partilhada, baseando-se numa alteridade sexual da qual todos eles participam silenciosamente. Tratam-se de princípios sociológicos que se configuram em “não-ditos”, mas que possuem significativo valor operatório. No entanto, a sua posição intermediária – bem como todos os sacerdotes do universo religioso luso-afro-brasileiro na mesma condição – faz com que não pertença, verdadeiramente, a nenhum dos grupos, embora transite quase exclusivamente pelo grupo dos sacerdotes homossexuais brasileiros. Nesse sentido, parece haver uma reinterpretação do papel de ‘estrangeiro’ no seio da comunidade diaspórica candomblecista em Portugal, papel desempenhado pelos nativos portugueses, os quais mesmo participando da sexualidade, não participam da nacionalidade, sendo considerados sacerdotes de segunda categoria. Desse modo, a Pai C é permitida a participação, mas não a integração, razão pela qual é alvo de escarnio continuado, experiência partilhada com outros sacerdotes homossexuais portugueses, como Pai H, que mesmo presidindo a uma associação religiosa afro-brasileira é considerado ignorante em matéria de preceitos rituais. Esta lógica conflituante e segregadora permite reforçar uma ideologia de grupo, onde a legitimidade e a autenticidade se constroem tendo por base a nacionalidade brasileira. Essa construção de cluster – que não é independente de uma forte conflitualidade interna – produz uma coesão típica de um grupo migrante, apresentando, pois, como visto, similitudes com a dinâmica maior da imigração brasileira para Portugal.

22Curiosamente, este processo de segregação, em que se secundarizam os babalorixás portugueses e se terceirizam as iyalorixás portuguesas, nem sempre é coincidente em questão dos filhos de santo. Joana Bahia (2015) nota dois discursos acerca dos filhos de santo em Portugal. Se por um lado há uma preferência por não terem filhos de santo brasileiros, associando esta população a uma presença predominantemente homossexual, por outro os babalorixás brasileiros condenam a dificuldade dos portugueses, membros das suas comunidades, em respeitarem a hierarquia e em começarem como abians, i.e., a categoria mais baixa da hierarquia dos terreiros de Candomblé, que corresponde a potenciais iniciados. Com efeito, esse fenómeno de recusa em respeitar uma cultura religiosa marcada pela rigidez hierárquica está na base de inúmeros outros conflitos no interior dos terreiros, próximo a processos destacados por Maggie, em obra citada, e que merecerão uma futura abordagem. Ainda, a busca por um Candomblé mais familiar e menos exótico, parece ser uma narrativa de demarcação de alguns babalorixás brasileiros, procurando fugir a eventuais associações entre os seus terreiros e prestações de serviços sexuais e/ou intercâmbios sexuais. Apesar dessa narrativa, a realidade não lhe é coincidente. Uma parte significativa dos terreiros de babalorixás e iyalorixás (com presença demograficamente residual) brasileiros são frequentados por pessoas cujas atividades profissionais se ligam a sexo.

4 Notas finais

23Gilberto Velho define conflito como um “constante e ininterrupto processo de negociação da realidade, com idas e vindas, recuos e avanços, alianças sendo feitas e desfeitas, projetos adaptando-se e alterando-se, com transformações institucionais e individuais” (2006: 246). Com efeito, ao longo destes vinte anos de circulação pelas religiões afro-brasileiras, em Portugal e no Brasil, tem sido possível compreender que o conflito constitui-se como elemento estruturante destas religiões, validando na experiência etnográfica e na convivência informal, aquilo que Yvonne Maggie havia detalhado. É pelo conflito que se alinham as dinâmicas dos terreiros e dos agentes religiosos. Conflitos e alianças entrelaçam-se, pois é o conflito que faz e desfaz as alianças que ordenam as redes de relações no campo das religiões afro-brasileiras. Desentendimentos entre sacerdotes desfazem as alianças e produzem, quase invariavelmente, novas parcerias. Desentendimentos entre filhos de santo e os seus zeladores fazem com que os primeiros sigam para outros terreiros ou se aventurem a abrir os seus próprios. Na base desses conflitos, reside o chamado ejó , o fuxico, o “diz-que-disse”. Trata-se da troca de acusações, de uma sequência de desmentidos, da circulação de informações truncadas ou não, que vão circulando e sendo, eventualmente, alteradas, ampliadas e descontextualizadas, para serem recontextualizadas e reordenadas numa lógica discursiva que alimente o conflito, o que no quadro afro-brasileiro tende a ser observado pelo questionar da autenticidade alheia, seja da competência/autoridade religiosa (Costa Lima 2011 [1977]), seja do transe (Maggie 1975). Esse substrato normativo das religiões afro-brasileiras não esteve independente do processo de implementação, por exemplo, do Candomblé em Portugal. Mãe Tina de Oyá, é considerada, na memória coletiva da religião em Portugal, como a primeira iyalorixá em terras lusas, tendo implantado o seu terreiro com a ajuda de Mãe Olga do Alaketu, a sua iniciadora, e com o filho carnal daquela, o qual é hoje – sob enorme controversa – babalorixá em Portugal. Um dos grandes ejó em relação ao seu nome deriva da informação de que aquela não teria completado as suas obrigações, e que mesmo a sua iniciação teria ficado incompleta. Esta acusação permite questionar a sua competência e a efetividade ritual dos por ela iniciados, que nesses termos seriam apenas abian. O crescimento do Candomblé em Portugal acompanhou esse trânsito de fuxicos e conflitos, ampliados com a vaga de imigração brasileira para Portugal, que trouxe não apenas devotos para a religião como novos sacerdotes ao campo religioso luso-afro-brasileiro. Nesse quadro, alianças entre sacerdotes brasileiros e destes com portugueses, são construídas a partir da nacionalidade e da sexualidade, numa teia complexa, permanentemente recriada, que invoca continuidades com processos ligados à imigração brasileira, em que a coesão identitária e a dissolução cultural ocorrem em níveis paralelos, consoante a situação económica dos indivíduos. Ao mesmo tempo, e seguindo a mesma tendência geral apresentada por Igor Machado, os sacerdotes brasileiros fazem uso do exótico para se autenticarem, reforçando um estereótipo que lhes é favorável no mercado religioso, o que implica numa conclusão da importância estratégica e da atitude ativa dos atores-imigrantes no teatro social de imigração. Eles não apenas se apropriam de uma imagem exótica do Brasil, como a utilizam para se autenticarem, estilizando a imagem do babalorixá, e continuando em terras portuguesas os modelos emergentes hipertetizados do Candomblé paulista.

24No campo religioso português, como visto, babalorixás e iyalorixás brasileiros, predominantemente homossexuais, formam um núcleo coeso, os quais se fazem presentes nas celebrações uns dos outros. A este grupo junta-se, pontualmente, babalorixás portugueses homossexuais, os quais participam parcialmente desse núcleo, haja visto que são considerados, na maioria dos casos, como outsiders, pois embora participem da sexualidade não participam da nacionalidade. Tais grupos possuem uma dinâmica interna marcada pela cooperação e pelo conflito, em que o ejó, o fuxico, tem papel central, sendo um recurso tanto para a construção de alianças quanto para a contestação da legitimidade alheia. Regra-geral, o ausente numa celebração é coletivamente escolhido como alvo das mais variadas calúnias e acusações, o que permite ao grupo contestar-se e associar-se continuamente. Estas alianças não encontram correspondência com o sistema de afiliações designado por “troca de águas”, já devidamente mencionado como mecanismo de estabelecimento de estatuto no mercado religioso. Relações de parentesco religioso não são operatórias no campo religioso afro-brasileiro português. É, pois, a sexualidade e a nacionalidade que operam no sentido de regular o contexto em questão, oferecendo os canais através dos quais se fabricam as alianças e os conflitos. Como visto, a nacionalidade possui um caráter normativo superior, visto os sacerdotes homossexuais portugueses tenderem a formar uma segunda categoria de sacerdotes, seguidos pelos sacerdotes heterossexuais portugueses, numa estratificação social interna de grande operatividade.

25No campo das religiões afro-brasileiras em Portugal, em especial no Candomblé, os babalorixás e iyalorixás portugueses são forasteiros na terra que os viu nascer, sendo, afinal, diríamos outros como nós, aos olhos dos sacerdotes brasileiros.

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Notes

1 Por clusters entendo a formação de um grupo com tipologias sociais-padrão como pertença, sentido de grupo, coesão e conflito.

2 Problemas de ordem ritual estão evidenciados nas dinâmicas de abandono de um terreiro para outro. A competência ritual de um sacerdote é, permanentemente, avaliada. Todavia, outros aspetos mercadológicos e alojados às ambições de carreira são, também, evidenciados nesta dinâmica de troca de sacerdote. Tais questões apartam-se do propósito deste trabalho, merecendo uma futura análise.

3 Divindade do universo religioso afro-brasileiro, cujo culto se origina na atual Nigéria, no espaço cultural-religioso Yorùbá. O seu nome deriva da composição das palavras Yèyé, omon, ejá, significando “mãe querida que tem por filhos os peixes”. Como é evidenciado pela literatura, em solo brasileiro ocorre um esvaziamento da carga sexual de Iemanjá, sendo convertida numa figura materna cuja densidade teológica se aproxima do feminino cristão (Augras 1989).

4 Capone (2004) dá conta de casos em que a mudança da Umbanda para o Candomblé permite a continuação das carreiras sacerdotais sem o cumprimento restrito da cadeia iniciática até, pelo menos, aos sete anos, altura em que se está apto a receber o posto de zelador.

5 Posto ritual masculino, que não participa do curso dos eventos pela via do transe, mas antes desempenha funções ligadas à música sacra, aos sacrifícios animais e a uma relação com a sociedade civil.

6 Todavia, como nos informa Miguel Vale de Almeida (1996: s.p.), “a masculinidade não é a mera formulação cultural de um dado natural; e que a sua definição, aquisição e manutenção constitui um processo social frágil, vigiado, auto-vigiado e disputado. Os significados circulantes sobre género, herdados do passado, assentam numa simbólica de divisão do mundo em masculino e feminino, constituindo-se esta numa dicotomia fundamental e princípio classificatório. Isto é visível em múltiplos aspectos etnográficos, como seja, por exemplo, a atribuição de género a actividades, objectos, acções, emoções, espaços da casa, espaços da aldeia etc”.

7 Em Ferreira Dias (2016b) é dado conta que o mercado religioso afro-brasileiro não postula a legitimidade ad eternum, mesmo quando em referência aos terreiros históricos. Pelo contrário, a legitimidade é um bem que necessita ser permanentemente reativado.

8 O conhecimento (awô) é uma categoria que opera determinantemente no quadro da afirmação de uma autoridade religiosa afro-brasileira. Nesse sentido, o conhecimento litúrgico, ao menos em matéria pública, i.e., dos cânticos festivos, confere uma perceção de autoridade. Tal facto é extremamente importante no quadro luso-afro-brasileiro, onde o conhecimento, em particular no Candomblé, é um bem escasso. Verifica-se a existência de sacerdotes portugueses que, por seu trajeto nebuloso de ascensão, desconhecem as fórmulas elementares da liturgia candomblecista, necessitando do apoio ou da contratação de terceiros para o comando do xirê, vulgarmente referenciado como “a festa”. Ocorre, ainda, um fenómeno curioso, que se prende com o recurso a gravações áudio, ou a percussão rítmica descontextualizada.

9 Uma outra estratégia de distinção no mercado religioso passa pela criação de associações ou outros órgãos de natureza jurídica que Clara Saraiva bem menciona (2013).

10 Atado ao peito, o pano da costa é um adereço exclusivamente feminino, cobrindo o peito e o sexo das mulheres. A utilização desta indumentária em homens é considerada violação dos códigos estéticos, razão pela qual, a Casa de Oxumarê, terreiro baiano, emitiu um comunicado na sua página no Facebook proibindo os homens de entrarem com pano da costa e torso naquele espaço de culto.

11 Apesar das relações entre prostituição e Candomblé em Portugal serem importantes e de algum modo estruturais, a literatura tem passado ao lado deste fenómeno, ficando por saber se caindo na tentação de produzir um retrato limpo destas religiões no campo português, ou se tal facto etnográfico terá passado ao lado, camuflado por situações de terreno. Para quem transita nos terreiros este fenómeno é conhecido, e por si só valerá um trabalho posterior.

12 É importante salientar que no campo religioso afro-brasileiro português Umbanda e Candomblé não se distinguem tão claramente. Uma parte significativa dos terreiros de Candomblé praticam, largamente, cerimónias e atendimentos de Umbanda, apresentando-se, inclusivamente, os seus terreiros como centros espíritas, terreiros de Candomblé e Umbanda, e todas as denominações possíveis no campo religioso, onde o valor utilitário mercadológico é móbil central. O terreiro de Pai A é exemplo disso mesmo.

13 No Candomblé a iniciação religiosa é, muitas vezes, referida através do termo “fazer a cabeça”, uma vez que os rituais principais ocorrem no cume do crânio do noviço. Segundo o ethos candomblecista a pessoa só “faz a cabeça” uma vez na vida, mesmo que mude de sacerdote. Apesar dessa regra, inúmeros casos ocorrem em que a pessoa refaz a sua iniciação, por razões diversas, como a assunção de falhas iniciais, nomeadamente no Orixá para o qual a pessoa foi iniciada.

14 “Nação” diz respeito a ordenações ideológico-utópicas relativas a geografias africanas, ressignificadas ritualmente no Candomblé, designando segmentos de culto. Ver Lima (1976).

15 O trabalho de Rafael Soares de Oliveira (2005), sob as relações em rede do terreiro da Casa Branca, evidencia, precisamente, essa dinâmica.

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Pour citer cet article

Référence papier

João Ferreira Dias, « Outros como nós: Sexualidade, nacionalidade e conflito no Candomblé em Portugal »Lusotopie, XVII(1) | 2018, 136-158.

Référence électronique

João Ferreira Dias, « Outros como nós: Sexualidade, nacionalidade e conflito no Candomblé em Portugal »Lusotopie [En ligne], XVII(1) | 2018, mis en ligne le 01 juillet 2021, consulté le 16 janvier 2025. URL : http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/lusotopie/2720 ; DOI : https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.1163/17683084-12341701

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Auteur

João Ferreira Dias

Investigador Integrado do Centro de Estudos Internacionais – IUL Investigador Associado do Centro de História – UL
Centro de Estudos Internacionais (CEI-IUL), Av. das Forças Armadas, 1649-026 Lisboa, Portugal
joaoferreiradias[at]outlook.pt; www.joaoferreiradias.net

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