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La recherche : Genre et rapports sociaux dans les espaces lusophones
Le genre à la maison, au travail et dans la maison

Género e poder nas famílias da periferia de Maputo

Genre et pouvoir dans les familles des faubourgs de Maputo
Gender and Power in Families on the Outskirts of Maputo
Ana Bénard da Costa
p. 203-216

Résumés

À partir d’études sur les stratégies de survie et de reproduction sociale de familles vivant dans les faubourgs de Maputo, cet article examine ces stratégies sous l’angle des relations entre le sexe et le pouvoir. La perspective, qui met en articulation la capacité réelle de contrôler les ressources telle qu’elle est exercée par des hommes et des femmes, avec les représentations sociales et culturelles et l’auto-perception qu’ont les membres des familles du pouvoir qu’ils exercent ou qui s’exerce sur eux, éclaire les dynamiques sous-jacentes des relations liées au sexe et au pouvoir dans un univers social donné.
Après une brève introduction décrivant le contexte de l’étude et les stratégies familiales, l’article se concentre sur les données empiriques liées aux alliances et pratiques des membres de ces familles pour obtenir un revenu et/ou un produit. L’article examine la question de savoir si les transformations qui s’effectuent dans ces deux aspects de la réalité sociale peuvent contribuer à changer la distribution des rôles en fonction du sexe et, de façon plus spécifique, si elles ont aidé à augmenter le pouvoir et l’autonomie – et le statut social – des femmes.

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Maputo, Mozambique
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Texte intégral

  • 1 . Costa 2003 ; Oppenheimer 2003.

1Este artigo baseia-se em investigações que decorreram no âmbito de dois projectos realizados entre os anos de 1998 e 2002 junto de famílias residentes nos bairros de Mafalala, Polana Caniço A e Hulene B na periferia de Maputo1. Estes bairros incluem-se no conjunto dos sessenta e seis « bairros de caniço » cujo a maioria não sofreu qualquer processo significativo de urbanização planificado : os serviços de apoio social são escassos, as ruas asfaltadas raras, o saneamento básico praticamente inexistente e a maior parte das habitações não possui água canalizada nem energia eléctrica. Foi neste contexto social e espacial, caracterizado por uma precariedade de infra-estruturas urbanas e de serviços sociais, por índices elevados de « pobreza » e desemprego formal, que as investigações se desenvolveram, centrando-se em famílias maioritariamente originárias das regiões rurais do Sul de Moçambique.

  • 2 . Entende-se como estratégias económicas o conjunto de práticas articuladas através das quais os me (...)

2Jà foi concluido que as estratégias de sobrevivência e reprodução social das famílias no contexto em análise se caracterizam pela coexistência de múltiplas articulações e inter-relações entre diferentes actividades geradoras de recursos económicos, sociais, e simbólicos, diferentes tipos e níveis de relações sociais e diferentes comportamentos regidos por valores díspares. Para a compreensão de todo este processo foi essencial o estudo das relações de género e poder que se processam no interior das famílias. Nas páginas seguintes deste artigo analisam-se os diferentes papéis desempenhados pelos homens e mulheres ao nível das famílias, reflectindo-se sobre as implicações que as mudanças ocorridas nas relações de aliança e nas estratégias económicas das famílias2 têm (ou não) na sua transformação.

Uniões conjugais em transformação e questões de género

  • 3 . O lobolo não é um acto ou uma cerimónia circunscrita a um momento, é um processo que, entre outra (...)
  • 4 . Uma informante referiu que existiam palavras diferentes em changana para designar os diferentes t (...)

3No contexto em análise, coexistem diferentes processos de formalização das uniões conjugais que não são exclusivos entre si. Desta forma, quando os actores sociais se afirmam « casados » podem referir-se a inúmeros tipos de casamento. Há uniões formalizadas simultaneamente no Registo Civil, na Igreja Católica e através de lobolo3 ; há casais que só cumpriram parcialmente as diferentes cerimónias e prestações que o lobolo implica ; outros referiram que se casaram « muçulmanamente » ; há famílias poligâmicas, em que cada uma das mulheres é casada de forma diferente com o marido e há « uniões de facto » que não envolveram qualquer formalização4.

Matrimónios, leis e tradições

4A diversidade de tipos de uniões matrimoniais é significativa. Formalizar de algum modo uma união implica, pelo menos ao nível das representações, uma intenção de compromisso, não só entre o casal e entre as duas famílias que assim se unem, mas também entre estas e o(s) modelo(s) social (is) de onde emanam os ritos ou as leis através dos quais esse casamento se realiza.

5Não formalizar uma união num contexto onde se cruzam diferentes sistemas matrimoniais – criando diferentes tipos de relações familiares – pode ter múltiplos significados : 1) uma diminuição da importância do casamento dentro da estrutura familiar, por já não serem importantes as alianças entre famílias, por exemplo ; 2) a desadequação dos diferentes sistemas matrimoniais ao contexto peri-urbano actual (e muitos referiram o crescente peso financeiro das prestações matrimoniais como factor impeditivo da formalização da sua união) ; 3) as mudanças estruturais nas relações familiares que se estabelecem através das alianças matrimoniais e cuja dinâmica não se coaduna com o « compromisso » de « longo prazo » que os diferentes sistemas criam. E, por último, 4) pode significar alterações substantivas nas relações de género e de poder que implicam rupturas profundas com os modelos matrimoniais prevalecentes e com os papéis que os respectivos cônjuges supostamente assumem dentro da união conjugal.

6A pluralidade de formas possíveis de formalizar uma união matrimonial tem várias implicações, sendo uma das mais importantes a legal. Depois de um longo debate, o Parlamento aprovou em Dezembro de 2003 a nova Lei da Família, sendo esta promulgada pelo Presidente Joaquim Chissano vários meses depois (a 25 de Agosto de 2004). Pretende-se que esta nova Lei da Família venha a ser um importante instrumento de mudança no conjunto de práticas sociais (consagradas na anterior Lei ainda do tempo colonial e imanentes dos diferentes sistemas de parentesco moçambicanos) que sustentam e promovem profundos desequilíbrios nas relações de género5. Entre outros aspectos inovadores que esta Lei consagra, destaca-se o facto de o marido deixar de ser « automaticamente » o representante da família. Importa igualmente referir que esta nova lei reconhece o casamento religioso e tradicional e as uniões de facto desde que estas últimas tenham mais de um ano de duração. Se estas uniões se quebram o homem pode ser obrigado a contribuir com uma pensão para a sua ex-mulher e filhos. As uniões poligâmicas não são reconhecidas (nem proibidas) e a lei estabelece que no caso de morte do marido a herança deste deve ser dividida em partes iguais pelas viúvas6.

  • 7 . Decorre, pelo menos, desde 1991 (Casimiro, Loforte & Pessoa 1991).
  • 8 . A proposta de lei e particularmente a questão da poligamia « inflamaram » os ânimos de alguns sec (...)
  • 9 . Este facto explica, em parte, o facto de este processo legislativo decorrer pelo menos desde 1991 (...)

7A morosidade deste processo legislativo7 e a polémica que à volta dele se desenvolveu8 testemunha as contradições resultantes da coexistência de diferentes sistemas culturais que permitem uma dinâmica « normativa », em que direitos, deveres e obrigações dos diferentes membros da família, sistemas de sucessão e herança e sistemas matrimoniais são interpretados de forma diversa, possibilitando arbitragens permanentes entre vários referentes9.

  • 10 . Foram entrevistadas 81 famílias e inquiridas 1 000 e foi realizado trabalho de terreno mais aprof (...)

8A pluralidade de formas possíveis de formalizar uma união conjugal e o facto de existirem uniões de facto em que casal se considera e é considerado socialmente casado, dificulta a análise das diferentes situações, nomeadamente no que se refere ás uniões poligâmicas. Desta forma, embora em 24 % das famílias estudadas10 existissem relações entre um homem e duas ou mais mulheres, não foi possível apurar se todas estas relações eram poligâmicas de tipo « tradicional » ou se eram casamentos monogâmicos onde havia uma « amante ». Esta distinção é subtil e, no contexto em análise, o lobolo não é o factor que introduz a diferença, pois muitas mulheres (em regime de monogamia ou poligamia) consideram‑se casadas mesmo sem terem sido loboladas.

  • 11 . No dicionário de Bento Sitoe pode ler-se o seguinte : « mùntì […] 1. casa, lar, família. 2. povoa (...)

9A explicação dada para distinguir uma amante de uma segunda (ou terceira…) mulher « legítima » foi a seguinte : é-se amante quando se « namora fora do mùntì11 » e quando a esposa « legítima » desconhece a situação. Se o homem decidir sair definitivamente da sua casa, então passam de amantes a casal, e a amante passa a ser a esposa do homem.

10A propósito da poligamia importa ainda referir que em meios urbanos – em Maputo ou noutras cidades da África Subsariana – a poligamia não implica necessariamente a co-residência das diferentes esposas (Loforte 2003, Hesseling & Lauras-Locoh 1997). Esta co-residência tem um significado diferente no meio rural, já que cada uma das mulheres possui a sua palhota e não tem de partilhar o mesmo espaço físico de habitação com as outras (Junod [1996 : 287). Na cidade, a exiguidade da maior parte dos talhões associa-se a um modelo « moderno » de construção que tende a concentrar, cada vez mais, sob o mesmo tecto, as diversas « divisões ». Este modelo « moderno » é visível nas casas mais recentes e aparentemente mais « ricas » e contrapõe-se a um outro modelo em que as diferentes divisões se distribuem pelo talhão de forma independente.

  • 12 . Algumas casas de construção muito recente ocupavam toda a área do talhão e incluíam no seu interi (...)

11O modelo « moderno » e « urbano » de concentração espacial12, aliado ao facto de muitas casas terem poucos quartos, torna ainda mais problemática a poligamia. E, eventualmente, a tendência para a dispersão residencial das diferentes esposas em meio urbano explica-se mais por esta última razão do que por uma autonomia feminina previamente conquistada.

Há-de vir um senhor que é meu marido

12De forma a compreender as transformações ocorridas ao nível das relações de aliança e nos processos que nos últimos anos poderão ter contribuído para uma alteração significativa nas relações de género no contexto em análise, transcrevem-se aqui as palavras de uma mulher, secretária da OMM (Organização da Mulher Moçambicana) no bairro de Hulene B :

« Minha mãe não quis casar com o cunhado e por isso mandaram-na embora, […] faziam isso antigamente, quando morre o marido eles arrancam todas as coisas da mulher. A família do marido leva todos os bens da senhora […] podem até levar os filhos, mas como eles sabem que os filhos são despesas, não levam os filhos, deixam a viúva com os filhos […] sem nada […] e a mulher volta para casa dos pais […] e ela engravida, mais outra vez, tem outro filho, e assim sucessivamente.
Estão nascendo os filhos com muitos pais e ela sem nenhum marido e então chamamos de « mães solteiras » e ela não tem marido e não tem ninguém que lhe ajude […]
Mas quem ajuda normalmente é a mãe dela […] mas também as mães ficam saturadas […] ela sai, fica sozinha com os filhos, […] mas ela trabalha, ou vender, ou o que ela faz. Ou arranja um amigo que lhe dá qualquer coisa para poder sustentar os filhos ».

13Posteriormente referiu :

« Porque a mulher, antes, ela estava muito fechada […] eu caso, vou viver com aquela família definitivamente porque me lobolaram […] e a mulher era como tipo mão-de-obra […] Depois a Frelimo, com a independência, então deu a liberdade à mulher. […] A mulher tem direito de falar, tem direito de trabalhar como homem, tem todos os direitos iguais aos do homem. Só que a diferença deve haver porque da mulher nasce bebé […] ».

14Nestes excertos estão patentes as contradições entre uma « realidade » que ela descreve como composta de mães solteiras e mulheres abandonadas e as representações ideológicas que contrapõem à mulher submissa da sociedade tradicional, a mulher livre da actualidade. Mas qual é a verdadeira situação da mulher moçambicana em meio urbano ?

15A existência de um elevado número de mulheres « mães solteiras » tem sido apontada como espelhando tanto a crise social que se vive e a dissolução da família « tradicional » e dos laços familiares subjacentes a esta, como a libertação da mulher da tutela da família « tradicional » e das regras rígidas que a reduziam a um « ser menor ». O lobolo (ilustrando o « pluralismo moral » do contexto) é visto como um acto abominável através do qual mulheres são compradas e vendidas e simultaneamente como algo positivo que sanciona e dá estabilidade a uniões.

16Não parece, no entanto, que o papel desempenhado pelo lobolo se relacione exclusiva e fundamentalmente com o estabelecimento de direitos e deveres de mulheres e maridos, mas sobretudo com a criação, manutenção e desenvolvimento de redes de solidariedade entre diferentes grupos familiares. Esta prestação matrimonial era, na sociedade tsonga, estruturante das estratégias matrimoniais que visavam antes de mais estabelecer uma cadeia de relações entre diferentes linhagens (Feliciano 1989a). Se actualmente se verificam transformações que implicam a sua diminuição, estas reflectem, entre outras coisas, o processo de deslocamento em que estas populações estiveram envolvidas nos últimos anos e que tornaram por vezes obsoletas as velhas alianças, obrigando à criação e ao desenvolvimento de novas cadeias de solidariedade. Estas solidariedades, em meio urbano, não passam necessariamente pelo casamento e pelo pagamento de prestações matrimoniais.

17Por outro lado, o aumento verificado nesta prestação matrimonial mencionado por diversos membros das famílias, dificulta ou impossibilita, para muitos dos jovens e das suas famílias, a sua concretização, mesmo que fosse esse o seu desejo, como parece acontecer em muitos casos (Loforte 1996 : 163-165).

18Um dos informantes, Josué, casado com três mulheres a quem lobolou, explica porque o considera importante :

« Eu nunca gostei de ficar com filhos de dono sem saber porque é que estão comigo, e para eles também é muito importante, porque no caso de eu ter um problema aqui, eu não posso ir apresentar o problema a casa dessa pessoa, porque não me conhece. […] a pessoa é conhecida quando faz lobolo. Pode ser conhecido, mas não tem aquele tratamento que a pessoa que fez lobolo tem. E, quando se trata já do matrimónio, você não tem onde apresentar as dificuldades que estão a passar aqui dentro de casa se não fez lobolo […]. Ninguém na família me ajudou, para isso não há contribuição, senão há-de querer casar sem dinheiro e ainda confiar nos familiares ».

19Eduardo, homem de cerca de 30 anos, resume a sua posição face ao lobolo da seguinte maneira :

« O lobolo é uma tradição da família importante, fiquei muito triste por não fazer. Gostava de fazer, porque é tradição, só por isso. É obrigado a fazer. Se não faz lobolo, às vezes acontecem problemas, as coisas não andam bem. Tinha de fazer, a obrigação de fazer. Eles [a família da mulher] não querem saber e põem o lobolo muito caro. Tudo, eles é que decidem. […] A família dela não fez problemas em ela ir para Inhambane sem lobolo, como a vida aqui não consigo… »

  • 13 . É difícil fazer uma análise « objectiva » da evolução do « custo » do lobolo. Primeiro, porque se (...)

20O aumento (relativo)13 do custo desta prestação matrimonial reflecte, simultaneamente, a crise social e económica e as contradições internas das estratégias de reprodução social. Aparentemente esse aumento não é do interesse de nenhuma das partes : os rapazes querem cumprir a obrigação e não têm meios suficientes ; as raparigas sentem que se se (?)« juntarem » sem lobolo não estão casadas ; a família destas sabe que, se exigir muito dinheiro, o noivo (e a família deste) não o pode pagar e que arrisca, por isso, a que este e a sua filha vivam maritalmente, podendo esta ser abandonada com mais facilidade do que aconteceria se fosse lobolada. Mas « a vida está cara », e muitos dos actores sociais disseram que o valor monetário do lobolo era calculado em função das despesas que haviam tido com a educação da filha. Consideram, também, que o dinheiro que assim vão receber pode contribuir para fazer face a outras despesas essenciais (por exemplo, ajudar um filho a pagar o lobolo que outra família exige). Por isso, correndo o risco, escrevem a carta onde as exigências ficam expressas e esperam que, eventualmente, o rapaz e a família deste façam os sacrifícios necessários para as poder cumprir.

21No entanto, no contexto em que a união se efectiva — Maputo —, não é necessário que todos estes requisitos se cumpram para o casal se sentir « casado » e para a família de ambos os aceitar como tal, apesar de ambas as partes não considerarem que a formalização do acto de matrimonial se tenha cumprido na íntegra. Porém, e como referem : « há-de cumprir-se ». Nesse hipotético futuro se projectam actos e cerimónias como se de processos se tratasse. A cerimónia de casamento é, à semelhança das próprias uniões conjugais (o divórcio e a separação não são propriamente novidades), algo em permanente construção que se pode ir realizando ou protelando no tempo.

22Concluindo, as transformações que se verificam em todo o processo cerimonial do lobolo não reflectem necessariamente mudanças qualitativas nas relações de género, mesmo quando as situações indefinidas criadas ao nível das relações de aliança permitem à mulher uma maior liberdade e autonomia face às suas obrigações tradicionais. Essa liberdade e autonomia, num contexto onde a sobrevivência e a reprodução social dependem em grande medida do estabelecimento de redes familiares de entreajuda, são muitas vezes auto-percepcionadas como negativas e podem traduzir-se num maior isolamento social das mulheres e consequentemente num decréscimo do seu poder e estatuto.

23Essas transformações – instabilidade das uniões matrimoniais verificada sobretudo entre os membros da geração mais nova e a pluralidade de tipos possíveis de uniões conjugais – reflectem a dinâmica das estratégias de sobrevivência e reprodução social que articulam de forma ambígua valores contraditórios. Por outras palavras, os indivíduos para sobreviverem e se reproduzirem necessitam de estar inseridos em redes sociais de solidariedade, sendo a família uma das mais importantes ; simultaneamente, não sobrevivem se não desenvolverem práticas « egoístas » que lhes permitam satisfazer as suas necessidades materiais. Essas práticas podem gerar a quebra de alguns dos compromissos sociais em que se baseiam as referidas redes (neste caso, as famílias) e por conseguinte quebram-se as alianças (neste caso, matrimoniais) que tenderiam a perpetuar essas unidades sociais. No entanto, existe sempre a possibilidade de « circulação » entre redes de solidariedade e por isso é possível aos indivíduos e às famílias estabelecerem novas alianças com outras unidades sociais (novas uniões matrimoniais) e desenvolverem processos dinâmicos e versáteis de reprodução social. Uma das soluções possíveis passa pela aceitação e criação de condições que transformem as cerimónias matrimoniais em processos em permanente construção que podem a qualquer altura ser interrompidos. Desta forma, as famílias desenvolvem uma estratégia pela qual tentam conciliar a instabilidade das relações de aliança com as necessidades de coesão interna, continuidade e reprodução social.

24Concluindo, a fragilidade dos laços matrimoniais não significou a desestruturação da família. Pelo contrário, a flexibilidade desta unidade social permitiu o desenvolvimento de estratégias de reprodução social adaptadas a um contexto social e económico que exige uma grande versatilidade de práticas e a articulação permanente de valores opostos. A especificidade deste contexto social não lhe advém, contudo, desta articulação que é sentida por todos os homens independentemente da sociedade a que pertencem (Casal 2001 : 123). Advém sim da forma particularmente dinâmica de que se revestem as articulações entre valores opostos.

O trabalho feminino nas estratégias económicas das famílias

25A estas transformações nas práticas matrimoniais e à instabilidade das uniões conjugais aliam-se importantes mudanças económicas. Antes de reflectirmos sobre o seu impacto nas relações de género e de poder importa apresentar alguns dados das investigações mencionadas, de forma a contextualizar a análise.

  • 14 . A necessidade de considerar as múltiplas formas de trabalho possíveis na análise das estratégias (...)
  • 15 . A actividade agrícola tem uma importância significativa na amostra deste estudo e essa importânci (...)
  • 16 . A importância continuada da actividade agrícola desenvolvida por mulheres em meios urbanos moçamb (...)
  • 17 39 % das famílias em Mafalala, 61 % no Polana caniço A e 50 % em Hulene B.

26Da análise dos dados concluiu-se que em praticamente todas as famílias existem várias pessoas a trabalhar em actividades geradoras de rendimentos ou de produtos14. Grande parte destas actividades realiza-se de modo « informal » e/ou destina-se ao auto consumo, como é o caso da produção agrícola15 nas machambas urbanas16 ou rurais exploradas directamente por membros da família residentes na cidade ou por outros familiares que residem no campo17. Muitas destas famílias têm bancas de vendas dos mais variados produtos à porta de casa ou vendem noutros locais : mercados do bairro, pequenos « bares » que fazem em casa, na estrada. Muitos dos membros das famílias desenvolvem outros tipos de actividades geradoras de rendimentos em casa : são curandeiros, têm pequenas oficinas, confeccionam comida para venda.

Eu não faço nada, só vendo

27Verificou-se que em praticamente todas as famílias, as mulheres exercem actividades geradoras de rendimentos ou produtos e as vendas são uma das tarefas principais em que se ocupam. Para subsistir e fazer face às suas responsabilidades « tradicionais » de provedoras do sustento da família, estas mulheres, em face da ausência de outras alternativas viáveis (entre os membros das famílias estudadas que trabalham no sector formal apenas se encontra uma mulher) tiveram de inserir-se nos circuitos do chamado mercado informal, executando aí um leque muito variado de actividades – confecção e venda de carvão, venda de lenha, venda de produtos hortícolas e frutícolas, confecção e venda de alimentos ou revenda de produtos importados. Normalmente as crianças colaboram nestas actividades, estando nas « bancas » sempre que é necessário.

28Importa notar que, em alguns casos, as mulheres e os seus maridos não consideram as actividades que estas desenvolvem como « trabalho », e referem : « eu não faço nada, só vendo » ou « aquilo que ela faz é para entreter ». Não obstante este facto e a dificuldade de apurar a importância da contribuição financeira das mulheres para os orçamentos familiares – a maioria das actividades não tem um rendimento constante e não é realizada de forma continuada –, foi possível concluir que em muitas famílias o número de mulheres que trabalham é igual ou superior ao número de homens que trabalham. Em alguns casos, as mulheres afirmaram que eram elas que efectivamente sustentavam a família e que a contribuição financeira do marido para as despesas domésticas não era suficiente : « atirou toda a responsabilidade, ele não tem nada a ver com isso », ou que ele tinha arranjado outra mulher e quando vinha dava uma quantia insignificante.

29Segundo alguns autores (Tripp 1989 ; Loforte 1996), as mulheres, em meio urbano africano, pelo facto de obterem rendimentos monetários em actividades que exercem « fora de casa », têm a possibilidade de aceder a certas posições de poder e de conquistar uma certa visibilidade a nível do bairro que pode influenciar positivamente o seu estatuto na família e fora da família. Estas actividades e as redes sociais em que as mulheres se inserem contribuiriam, assim, para um acréscimo da sua autoconfiança, para uma maior determinação no controlo das suas vidas e um maior poder de negociação e independência face aos homens.

30Esta ideia tem sido contrariada por outros autores (Caplan 1995 & Campbell 1995 ; Rocha & Grinspun 2001), que têm chamado a atenção para o facto de muitas mulheres que desenvolvem actividades geradoras de recursos financeiros terem, face às mulheres que não as desenvolvem, um acréscimo de trabalho e de responsabilidades. As primeiras continuam a ser responsáveis pela preparação das refeições da família e por todas as outras tarefas domésticas e muitas horas são despendidas a ir buscar água, ou a procurar produtos mais baratos para cozinhar. Muitos desses produtos, nomeadamente a lenha, eram obtidos gratuitamente no campo e na cidade têm de ser comprados. Mercedes González de la Rocha e Alejandro Grinspun chegam a uma conclusão semelhante na análise comparativa que estabelecem sobre a situação da pobreza em quinze países « em vias de desenvolvimento » :

« Na verdade, as reestruturações que ocorreram nos agregados familiares por reacção ao decréscimo de oportunidades e ao ajustamento não afectaram todos os membros da mesma forma. Em muitos países, as mulheres parecem estar a pagar o custo mais elevado da transformação dos agregados. Trabalham mais e durante mais horas, sem que haja uma mudança positiva significativa no seu estatuto » (2001 : 64).

31Em termos da análise empírica constatou-se que existiam situações muito diversas, sendo necessário relacionar inúmeras variáveis para compreender a posição das mulheres em termos de autonomia, poder e estatuto. Destacam-se algumas : a estrutura familiar (tipo de família, número de membros da família e distribuição por sexo) ; a posição que a mulher ocupa dentro desta estrutura ; as actividades que desenvolve e a importância relativa dos rendimentos daí resultantes no orçamento familiar ; a relação afectiva e emocional com o cônjuge ou, na ausência deste, com outros elementos masculinos da família ; a situação do homem em termos de trabalho/rendimentos ; os recursos materiais disponíveis e a capacidade da mulher para os mobilizar e rentabilizar em seu benefício.

32Assim se, para muitas mulheres, as actividades geradoras de rendimentos representam um acréscimo de trabalho, para outras tal não acontece. Estas últimas, embora continuem a gerir as actividades domésticas, não as realizam. Quem vai buscar água e comprar lenha, quem varre o chão e lava a roupa, quem vai às compras ou cozinha, são as outras mulheres da família de estatuto inferior (noras, irmãs mais novas, segundas mulheres, as crianças e os jovens (incluindo rapazes). Esta situação é comum nas famílias numerosas onde existem muitas mulheres nas diferentes faixas etárias. Nestes casos, há uma repartição hierárquica das diferentes tarefas e responsabilidades e uma maior autonomia e disponibilidade daquelas que têm um estatuto mais elevado.

33Se o exercício de actividades geradoras de rendimentos monetários cria possibilidades para o aumento de autonomia e liberdade das mulheres face às obrigações e normas tradicionais e maior espaço social de circulação, essa possibilidade pode gerar conflitos quando é concretizada – « há muita zanga entre os homens e as mulheres por causa do que hão-de fazer ao dinheiro, por isso às vezes a mulher faz sem dizer nada ao marido. Os homens não tiram o dinheiro, é ela que dá ao marido » – ou rompimentos com redes familiares e de parentesco. O potencial de conflitos, que por vezes atingem níveis dramáticos, e a ausência de alternativas – uma mulher sem família é socialmente marginalizada – podem transformar a autonomia em sofrimento e a liberdade num pesadelo.

Agradeço a Deus o que me deu, estou num lar

34O estatuto do casamento e da maternidade constitui um factor de grande peso cultural e social. Uma mulher sem filhos, solteira e com uma situação económica que lhe permite possuir casa própria e usufruir de uma certa independência não se considera necessariamente mais « valorizada » socialmente (embora seja certamente mais independente e tenha mais poder e autonomia sobre a sua vida) do que outra mulher inserida numa família poligâmica e sem rendimentos próprios. A autonomia da mulher pode ainda traduzir-se numa capacidade limitada para mobilizar recursos (humanos e materiais) e num aumento consequente de responsabilidades face a si e aos seus filhos e num maior isolamento social.

35Como exemplo destas situações e da importância de equacionar diferentes dimensões da realidade social quando se reflecte sobre questões de género no contexto em análise, apresenta-se aqui o testemunho de duas amigas da mesma idade que vivem situações muito diferentes. Uma (Eva) é a terceira esposa de um casamento poligâmico e outra (Cristina) afirma-se casada, mas vive sozinha. A primeira trabalha na machamba da família e não obtém quaisquer rendimentos monetários com essa actividade, apenas produz para o consumo da família. Cristina é professora na escola comunitária do bairro Polana Caniço A, tem um ordenado e casa própria. Estas mulheres referem-se nos seguintes termos às suas situações :

« Cristina (29 anos) : Eu há dois anos que vivo numa casa que é só minha em Magoanine, comprei o talhão sozinha e foi o meu irmão que fez a casa […]. Prefiro assim, não tenho quase despesas, sou só eu e o meu irmãozinho de dez anos que vive comigo […]. Sou casada mas ainda não fui lobolada, nem registo nem nada, ele está na África do Sul e nunca mais veio, estou à espera que ele venha para saber se fica comigo ou não. […] Mas gostava mais de ter uma família, marido e filhos, do que esta situação de independente, sozinha.

Eva (30 anos) : Não me considero uma mulher com sorte porque não tive o marido só para mim, ele é de três, mas também não posso dizer que sou muito azarada em relação à minha amiga, porque esta aí ainda anda a tentar ver se consegue um lar […] agradeço a Deus o que me deu, estou num lar que já tinha lá duas mulheres, mas desde que o senhor Josué [marido] cuide de mim, trate de mim, para mim basta ».

36Claúdia (43 anos), constitui outro exemplo elucidativo das contradições e ambiguidades de que se pode revestir a autonomia feminina. Cláudia separou-se do marido ou, precisando melhor, vive um processo de separação conjugal. Segundo ela, foi o marido que quis sair de casa ; segundo o marido, foi ela que o expulsou, porque ele tinha outra mulher, um filho dessa relação e estava desempregado. Seja como for, pelo que se observou e ouviu de diversas vozes, Cláudia desempenha um papel activo em todo este processo. E esse papel está longe de corresponder ao estereótipo da mulher africana abandonada pelo marido – embora ela, ao nível do discurso, represente esse papel. Obviamente que se pode interpretar de múltiplas formas o comportamento de Cláudia – e o ciúme existe –, mas as atitudes que tomou não correspondem às que « tradicionalmente » se esperariam de uma esposa moçambicana. Por isso, não é bem vista pelos vizinhos, pelos hóspedes que lhe alugam quartos e pelos familiares do marido : « desde que o meu marido se foi embora a família dele já nem sequer me visita ». E todos aqueles que falaram sobre ela (homens e mulheres, vizinhos e familiares) fizeram-no em termos « menos simpáticos » (« aquela mulher é esquisita » ; « aquela mulher é só confusão »).

37Foi possível concretizar a separação do casal nos moldes em que decorreu e ainda decorre porque, desde há vários anos, Claúdia exerce actividades geradoras de rendimentos monetários. Foram estes rendimentos (certamente agregados a outros factores) que tornaram possível a Claúdia afirmar-se perante uma situação que não era do seu agrado. E, de vontade própria ou expulso por ela, o marido acabou por sair de casa. Esta situação não é comum, pois em casos de separação, nas sociedades patriliniares, é normalmente a mulher que sai de casa do marido.

38As « conquistas » de Claúdia, em termos da sua autonomia individual e de acréscimo de poder face ao marido parecem evidentes : detém um poder efectivo sobre a casa, sobre alguns membros da família que aí residem e sobre a gestão dos rendimentos que aufere ; obteve igualmente benefícios materiais com a separação, ficou com a casa e esta é uma importante fonte de rendimentos pois aluga quartos. Mas, por outro lado, parece também evidente que essas conquistas tiveram um preço alto, pois enfrenta uma pesada crítica social e acusações diversas, eventualmente relacionadas com feitiçaria.

39Através deste conjunto de discursos é possível concluir, neste « estudo de caso », que existem efectivamente mudanças no papel que a mulher desempenha dentro da família, mas estas mudanças ocorrem em múltiplos sentidos. A formação escolar, o exercício de profissões, os ganhos monetários provenientes de diversas actividades, a afirmação de interesses individuais e a capacidade (e coragem) de certas mulheres tornam possível, em certos casos, romper com fidelidades antigas que as subalternizavam. E tal pode, efectivamente, traduzir-se num aumento relativo do espaço de poder feminino face ao masculino. No entanto, estas « conquistas » só adquirem « valor » quando têm significado e reconhecimento social dentro do contexto em que se efectivam. Esse contexto, para além de estar profundamente marcado por relações de género que subalternizam o papel social da mulher face ao do homem, é pleno de contradições e articula de forma complexa valores « tradicionais », interesses « modernos » e representações ideais de modernidade. Neste complexo jogo e face às alternativas existentes, é necessário prudência quando se tenta extrair conclusões sobre eventuais modificações nas relações de género e é difícil percepcionar as direcções para as quais tendem as transformações observadas.

40Por outro lado, mesmo limitando o universo de análise às mulheres estudadas, estas não são um grupo homogéneo nem são vítimas passivas ; têm estratégias de poder diferenciadas que variam em função de inúmeros factores : tipo de família em que se inserem, idade, experiências e memórias acumuladas. Simultaneamente, cada mulher é portadora de identidades múltiplas, complexas, contraditórias e em transformação, de acordo com as circunstâncias diversas com que interage e com as diferentes posições que nestas circunstâncias ocupa. As diferenças entre essas mesmas experiências são ontologicamente complexas, uma vez que as mulheres não partilham uma mesma realidade material (Casimiro 1999 : 53-54, 60) e que uma mesma mulher vive uma multiplicidade de relações de diferente tipo, onde, de forma dinâmica e por vezes ambivalente, se manifestam diferentes graus de subordinação ou de poder (Mouffe 1996 : 104).

  • 18 Seibert (2001: 5 e 15) acrescenta em relação às igrejas Zione, que as mulheres não podem ser membro (...)

41A análise monstrou que as mulheres constituem um elemento essencial nas estratégias económicas, mas o facto de as mulheres terem a responsabilidade de prover ao sustento alimentar básico da sua família não constitui uma mudança, pois esta era « tradicionalmente » a sua obrigação. A diferença reside nos rendimentos monetários que agora adquirem através do seu trabalho. No entanto, esta mudança não significou, por si só, uma transformação valorativa no estatuto das mulheres. Da mesma forma o acesso aos rendimentos monetários não se traduziu numa maior visibilidade ou intervenção a nível do bairro. A participação das mulheres em ONG, associações de bairro (excluindo aqui a Organização da Mulher Moçambicana) e grupos de entreajuda, por exemplo no « xitike », é reduzida. Pelo contrário, as mulheres participam frequentemente em grupos religiosos (igrejas). Mas mesmo a vida religiosa da mulher está por vezes dependente da vontade do marido. Estas mudam frequentemente de culto quando se casam e passam a seguir a religião do marido18.

42As informações empíricas disponíveis não permitem chegar a conclusões acerca de modificações nos papéis de género. O que se verificou foi que questões relacionadas com « autonomia », « independência », « controlo » e « relações de poder » são extremamente complexas e têm de ser contextualizadas. A compreensão destas questões pressupõe uma análise integrada onde intervêm diferentes significados e interpretações : o significado que o investigador dá a esses conceitos e que influencia as interpretações que faz da realidade social que analisa, bem como significados que essas questões e conceitos têm no contexto cultural e social em observação. Neste último caso, há ainda que ter em conta não só os múltiplos referentes em presença como as diferenças entre valores culturais e representações sociais, por um lado, e as práticas concretas dos actores, por outro.

43Simultaneamente, a análise das questões de género constitui essencialmente uma análise relacional e o que está em jogo são fundamentalmente relações sociais entre os membros masculinos e femininos da família. Sendo assim, não faz sentido falar de poder ou de autonomia sem os contextualizarmos dentro desta dinâmica relacional (Medick e Sabean 1988 : 18). Neste sentido, as relações de poder devem ser compreendidas em termos de avaliação da capacidade de controlo de recursos materiais e humanos por parte dos homens e mulheres da família, ao nível das representações sociais e culturais no contexto em questão (como a sociedade em causa molda os papéis e os comportamentos de ambos os sexos) e em termos da auto-percepção que os membros da família têm do poder que exercem ou ao qual se submetem. Da mesma forma, a essência multidimensional das relações familiares implica que nessas mesmas relações sejam expressos diversos tipos e níveis de poder que não só podem não ser coincidentes como são dinâmicos e se alteram permanentemente sob a influência de inúmeros factores (Medick e Sabean, 1988 : 18).

44De todos estes factos deriva a presente dificuldade em expressar conclusões gerais – mesmo que limitadas ao universo em análise – sobre a influência que as actividades geradoras de rendimentos desenvolvidas por mulheres terão nas relações de género no seu maior ou menor acréscimo de poder e estatuto no interior ou no exterior da família moçambicana.

4531 de Janeiro de 2005

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Notes

1 . Costa 2003 ; Oppenheimer 2003.

2 . Entende-se como estratégias económicas o conjunto de práticas articuladas através das quais os membros das famílias obtêm rendimentos e/ou produtos. Estas práticas, envolvem múltiplas dimensões (social, simbólica e económica) e diferentes tipos de recursos (humanos, sociais, culturais e naturais) que são articulados de forma dinâmica e relacional pelos actores sociais no quadro das estratégias económicas que desenvolvem.

3 . O lobolo não é um acto ou uma cerimónia circunscrita a um momento, é um processo que, entre outras coisas, implica diferentes cerimónias e o pagamento de uma prestação matrimonial, que pode ser repartida por tempos diferentes.

4 . Uma informante referiu que existiam palavras diferentes em changana para designar os diferentes tipos de uniões conjugais. Mutchade significa casamento no registo civil ; kulovoliva designa o casamento com lobolo ; kukandza ou avukate designam a mulher que não foi lobolada e não formalizou a união conjugal de nenhuma das formas possíveis e significam « estar no lar (mùntì) » ; kutilhuva designa uma situação em que o homem sai de sua casa e vai viver para casa de outra mulher ; e himbuya significa amantes.

5  <http://www.mujeresenred.net/mozambique/Outras_voces-3Maio % 202003.doc>.

6 . <http://allafrica.com/stories/200312090271.html>.

7 . Decorre, pelo menos, desde 1991 (Casimiro, Loforte & Pessoa 1991).

8 . A proposta de lei e particularmente a questão da poligamia « inflamaram » os ânimos de alguns sectores da « sociedade civil moçambicana » (cf. entrevista radiodifundida pela Rádio Moçambique a 15 de Maio de 2002 às 10.30 TMG).

9 . Este facto explica, em parte, o facto de este processo legislativo decorrer pelo menos desde 1991 (Casimiro, Loforte & Pessoa 1991).

10 . Foram entrevistadas 81 famílias e inquiridas 1 000 e foi realizado trabalho de terreno mais aprofundado com seis famílias do bairro Polana Caniço A.

11 . No dicionário de Bento Sitoe pode ler-se o seguinte : « mùntì […] 1. casa, lar, família. 2. povoação, aldeia vila, cidade. 3. instalações, sede (1996 : 132).

12 . Algumas casas de construção muito recente ocupavam toda a área do talhão e incluíam no seu interior a cozinha e a casa de banho que em muitos talhões se situam em anexos no exterior.

13 . É difícil fazer uma análise « objectiva » da evolução do « custo » do lobolo. Primeiro, porque se trata de uma prestação matrimonial que envolve um sistema de trocas complexo onde a « lógica da dádiva » se articula com a « lógica de mercado ». Coexistem, por conseguinte, valores simbólicos e monetários. Segundo, porque no passado envolvia bens de prestígio com valor simbólico (vacas) mas aos quais não era estranho o valor material. Actualmente, muitos dos bens transaccionados (roupa, anel e dinheiro) ainda conservam essa conotação. Finalmente, porque o que importa aferir não é o valor monetário dos bens transaccionados, mas sim as possibilidades (facilidades) que os rapazes e as famílias têm de os adquirir – e estas talvez fossem maiores no passado.

14 . A necessidade de considerar as múltiplas formas de trabalho possíveis na análise das estratégias de sobrevivência e reprodução social tem sido salientada por vários autores em diferentes partes do mundo. Cristina Rodrigues (2004) chegou a uma conclusão semelhante na investigação que desenvolveu na periferia de Luanda. Theodore Trefon afirma em relação aos habitantes de Kinshasa que « "trabalho" é qualquer pequeno emprego, actividade ou oportunidade que proporcione francos suficientes para comprar comida ou pagar a tarifa dos táxis colectivos » (2002 : 6). Bebbington considera essencial que nos estudos sobre a pobreza e as condições de vida rurais (rural livelihoods) se tenha em consideração todos os recursos disponíveis – humanos, naturais, produzidos, sociais e culturais – e os meios de os mobilizar, defender, manter e transformar em rendimentos, dignidade, poder e sustentabilidade (1999 : 2022 e 2028-2029).

15 . A actividade agrícola tem uma importância significativa na amostra deste estudo e essa importância não é apenas económica, mas advém também do valor simbólico atribuído à « terra de origem », que funciona como um dos elementos de coesão e de identidade do grupo familiar.

16 . A importância continuada da actividade agrícola desenvolvida por mulheres em meios urbanos moçambicanos foi plenamente demonstrada por Sheldon 1999.

17 39 % das famílias em Mafalala, 61 % no Polana caniço A e 50 % em Hulene B.

18 Seibert (2001: 5 e 15) acrescenta em relação às igrejas Zione, que as mulheres não podem ser membros desta Igreja sem autorização do seu parceiro. Refere ainda que, embora a maioria dos crentes das igrejas ziones sejam mulheres, a hierarquia destas igrejas (incluindo o pastor, o evangelista, os secretários e diáconos) é constituída exclusivamente por homens.

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Pour citer cet article

Référence papier

Ana Bénard da Costa, « Género e poder nas famílias da periferia de Maputo »Lusotopie, XII(1-2) | 2005, 203-216.

Référence électronique

Ana Bénard da Costa, « Género e poder nas famílias da periferia de Maputo »Lusotopie [En ligne], XII(1-2) | 2005, mis en ligne le 30 mars 2016, consulté le 12 janvier 2025. URL : http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/lusotopie/1250 ; DOI : https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.1163/17683084-0120102015

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Auteur

Ana Bénard da Costa

Instituto de Investigação Científica e Tropical, Lisboa

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Droits d’auteur

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