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Les chroniques
Comptes rendus

Yvonne Maggie & Claudia Barcellos Rezende (eds), Raça como Retórica, a construção da diferença

Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasileira, 2002
Patricia Birman
p. 203-206
Référence(s) :

Yvonne Maggie & Claudia Barcellos Rezende (eds), Raça como Retórica, a construção da diferença, Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasileira, 2002, 462 p., ISBN : 85-20005-32-2.

Texte intégral

1Organizada no Brasil, a partir de um Programa « Raça e Etnicidade » desenvolvido pelo Núcleo da Cor, do Laboratório de Pesquisa Social (Universidade Federal do Rio de Janeiro), que vem desenvolvendo pesquisas sobre a questão racial no Brasil, esta coletânea apresenta a contribuição de pesquisadores que, ao longo de dois anos passaram por este Programa. Moçambique, Africa do Sul, Cabo Verde, Brasil, Estados Unidos, França e Alemanha como são os países contemplados por estas análises com intenções comparativas.

2Prevalescem na coletânea artigos sobre o Brasil (7 em 11 sendo que um versa sobre a experiência de cabo-verdianos no Brasil) o que se deve pelo fato de as duas organizadoras terem decidido desafiar a forma de comparação que historicamente se estabeleceu entre a intelectualidade deste país : esta, habitualmente, privilegia os Estados Unidos como a nação cujos princípios em termos raciais seriam tomados como contra-ponto ao modelo racial brasileiro.

3A presença de uma certa diversidade de nações através de seus passados coloniais e colonizadores tem um extraordinário efeito refrescante sobre a velha conversa brasileira a respeito da oposição entre o modelos raciais americano (« dual ») e brasileiro (« mestiço ») excessivamente tipificados. Como se sabe, historicamente, esta comparação tem servido de chave explicativa tanto para intelectuais acadêmicos como para membros dos movimentos negros discutirem as supostas vantagens ou desvantagens do sistema dual americano como forma de enfrentar o racismo.

4Percebe-se numa boa parte dos textos um certo privilégio concedido a uma perspectiva pragmática. Mas este traço não nos é suficiente para dar ao leitor uma idéia do conjunto. Sugerimos, simplificando, é certo, uma divisão dos textos em três conjuntos : em primeiro lugar, aqueles em que predomina uma abordagem histórica ; em segundo lugar, aqueles que privilegiam uma abordagem mais situacional e, finalmente, aqueles que se preocupam em destacar o que seriam as dimensões mais estruturantes e modelares das relações raciais.

5« Amostras Humanas : índios, negros e relações inter-étnicas no Brasil colonial », de Flávio Santos Gomes, « Do trabalho de Campo à exposição do Império : a viagem da bosquímana Khanako pela África do Sul, 1936-1937 » de Ciraj Rassool e Patricia Hayes e « Políticas de identidade no Moçambique colonial » de José Luís Cabaço compõem neste volume os trabalhos históricos, voltados para os períodos coloniais no Brasil, em Moçambique e na Africa do Sul. Os textos « Pentecostalismo e identidade negra no Brasil », de John Burdick, « Como os senhores chamavam os escravos : discursos sobre cor, raça e racismo num morro carioca » de Robin Sheriff, o texto « Viajantes profissionais e estrangeiros cabo-verdianos no Rio de Janeiro : experiências do 'outro' de Guy Massart, « O bonde do Mal : notas sobre território, cor, violência e juventude numa favela carioca » de Olívia Gomes da Cunha e, finalmente, o texto de John Norvell, « A brancura desconfortável das camadas médias brasileiras » formam um conjunto mais claramente marcado pela tradição antropológica. Neste percebe-se uma efetiva valorização da descrição etnográfica que dá lugar a agência do indivíduo e suas relações situacionais e seus quadros contextuais, levando em conta a interação com o pesquisador. O texto de Livio Sansone, « Não-trabalho, consumo e identidade negra : uma comparação entre Rio e Salvador » segue esta mesma orientação e busca desenhar « tipos » provenientes das zonas periféricas de Rio de Janeiro e de Salvador da Bahia, através de uma dimensão comparativa importante. O inovador artigo de John Norvell não cabe inteiramente nesta tosca tentativa de classificação. Inclui de forma instigante narrativas que historicamente forjaram as premissas das principais construções modernas da identidade nacional brasileira o que nos ajuda entender como, apesar de transformações pontuais, estão praticamente intactas uma onipresente norma racista na maneira mesma através da qual se busca contorná-la. É o aspecto mais permanente e estruturante do racismo que vamos encontrar nos textos de Verena Stolke, entitulado « A natureza da nacionalidade » e o de Vicente Crapanzano, « Estilos de representação e a retórica de categorias sociais » que fecham o livro.

6Da leitura destes trabalhos saimos agradavelmente surpreendidos pela fineza analítica com que são abordados temas e processos sociais. Foi com uma grata surpresa que lemos alguns artigos que espelham a falsa imunidade dos intelectuais acadêmicos à fixidez essencialista promovida ad nauseam em inúmeros discursos contemporâneos sobre « raças », « etnias » e « nação ». Assim, a Amazônia apresentada por Flávio Santos Gomes não dispõe de fronteiras claras separando suas populações e territórios. Como diz este autor, « negros fugidos, grupos indígenas e outros personagens reinventaram constantemente as próprias fronteiras e também identidades » (p. 47). A cumplicidade quase invisível entre os projetos científicos e as práticas políticas envolvendo discursos e imagens no espaço público é cuidadosamente descrita por Ciraj Rassool e Patricia Hayes através da análise da produção e exibição das imagens da bosquínama Khanako na África do Sul, ao longo de um curto período colonial. A antropologia física, os laboratórios, os museus, o trabalho de campo e os espetáculos públicos se confundem com verdadeiros shows em que os bosquímanos foram exibidos simultaneamente como peças exóticas e objetos da ciência. O trabalho de José Luís Cabaço, por sua vez, com uma significativa densidade histórica nos faz compreender como é impossível dissociar certas dimensões culturais dos seus usos e consequências políticas. Assim os projetos de « assimilação » à nação portuguesa das populações existentes na colônia moçambicana são parte de um relato histórico denso onde ocorrem debates identitários e étnicos, ofensivas diplomáticas e combates armados num contexto onde uma multiplicidade de grupos de interesse se aliam e se degladiam no percurso em que se desenha descolonização de Moçambique e a criação de uma identidade nacional.

7Vou destacar, por força do espaço limitado desta resenha, somente dois artigos do conjunto em que agrupei como os textos etnográficos sobre relações raciais no Rio de Janeiro : o trabalho de John Norvell sobre as camadas médias e o artigo de Olívia Maria Gomes da Cunha sobre jovens da periferia. A autora inclui na sua análise sobre territórios, cor e violência, num subúrbio carioca, relatos de vida de jovens urbana do Rio associados a experiências de violência. Deslocamentos e modos de se agrupar em « bandos » se somam como forma de frequentar os territórios abastados na cidade e a violência e o racismo segregador que estes destilam. As « relações raciais » não aparecem isoladas nem particularmente em destaque : mostram-se pela sua quase invisibilidade através da fala emocionada dos jovens como « detalhes », isto é, uma qualidade adicional das circunstâncias difíceis e conflituosas em que vivem. Estas estão sempre marcadas por perigo de vida e pela segregação em que a cor não possui nenhuma neutralidade. A experiência do racismo está em tudo e atravessa o olhar nostálgico e (in) conformado dos jovens no delicado contato com a pesquisadora. O texto de John Norvell, por sua vez, trata de um tema pouco explorado pelos acadêmicos brasileiros, et pour cause : « A brancura desconfortável das camadas médias brasileiras » é o título de seu trabalho, a outra face da moeda, podemos dizer, complementar à experiência dos jovens nas narrativas de Olivia Gomes da Cunha. Após percorrer os ensaios fundadores da chamada brasilidade, Norvell demonstra que o desconforto das camadas médias se deve ao duplo movimento que esta realiza para guardar a sua condição « mestiça » e/ou (principalmente) « branca » isto é, reafirmando constantemente uma ancestralidade européia que a obriga, finalmente, a se colocar distanciada e, em parte, exterior à « cultura nacional". Segundo Norvell, as camadas médias substituiram a ideologia do branqueamento, hoje reconhecida como politicamente incorreta, por « narrativas duais de pertença » : « maneira curiosa de estar ao mesmo tempo dentro e fora da identidade nacional brasileira » e também de reafirmar a norma da brancura como ideal hegemônico.

8Os textos que apontamos como mais « estruturais » de Vicente Crapanzano e de Verena Stolke referem-se sobretudo aos Estados Unidos e a países europeus. Verena Stolke embora não utilize o termo xenofobia de fato nos apresenta as formas de construção identitária européias que resultaram nos princípios político-jurídicos da nacionalidade relacionados a práticas xenófobas cultural e politicamente variadas. O jus soli e o jus sanguini na França, na Alemanha e na Inglaterra que foram forjados como princípios englobantes, quase exclusivos, em certas formações nacionais, paulatinamente se entrelaçaram com o predomínio cada vez maior do jus sanguini. Em outras palavras, uma Europa cada vez mais xenófoba transforma a filiação num instrumento jurídico cada vez mais excludente, limitando o direito à nacionalidade das segundas e terceiras gerações de imigrantes, provenientes de suas ex-colônias. Não dá tampouco para ficarmos otimistas com a descrição que Vicente Crapanzano faz dos discursos norte-americanos. Este autor busca definir o que seria o « estilo de interpretação » ou a forma de utilizar as categorias raciais nos Estados Unidos. Este estilo, designado como literalista, marcado, segundo ele, por uma « abordagem essencialista da palavra e da coisa », nos campos de interpretação predominantes na sociedade norte-americana, termina por negar espaço para a política e reiterar uma ordem moral de base racista e essencialista. Para Crapanzano, a esperança reside nos campos interpretativos dominados por estilos mais flexíveis, mais irônicos e tolerantes que prevalescem em certas sociedades. Mas em qualquer uma, ele adverte, mesmo nas mais tolerantes, há sempre a possibilidade de uma « virada » para a direita e o predomínio de um estilo essencialista. Não há como reassegurar que os bons vencerão : mesmo os que resistem a uma perspectiva essencialista e biologizante podem se converter em momentos difíceis, o que não é difícil de perceber, aliás.

9Infelizmente não foi possível fazer justiça a todos os textos desta coletânea que seguem o excelente padrão dos que pude comentar. A leitura do conjunto enriquece o campo de interpretações a respeito do racismo e demonstra como um grande empenho intelectual é necessário para melhor compreender porquê é tão difícil imaginar o seu desaparecimento.

Janeiro de 2007

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Pour citer cet article

Référence papier

Patricia Birman, « Yvonne Maggie & Claudia Barcellos Rezende (eds), Raça como Retórica, a construção da diferença »Lusotopie, XIV(2) | 2007, 203-206.

Référence électronique

Patricia Birman, « Yvonne Maggie & Claudia Barcellos Rezende (eds), Raça como Retórica, a construção da diferença »Lusotopie [En ligne], XIV(2) | 2007, mis en ligne le 25 mars 2016, consulté le 16 janvier 2025. URL : http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/lusotopie/1013 ; DOI : https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.1163/17683084-01402017

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Auteur

Patricia Birman

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