Editorial. Portugal e Espanha: histórias comparadas
Texto integral
1Independentemente das disposições individuais ou colectivas, políticas e culturais, ora de aproximação ora de antagonismo (mesmo conflito) entre os dois países ibéricos – que se poderiam sintetizar na dualidade iberismo vs. nacionalismo – a verdade é que Portugal e Espanha têm uma história largamente partilhada, conectada, cruzada, paralela. Cada um destes termos tem uma carga historiográfica própria, que não é este o momento nem o lugar para discutir. Mas todos eles traduzem a ideia de dois percursos históricos que, embora autónomos, têm porventura mais semelhanças e pontos comuns do que diferenças. Veja-se o próprio processo inicial de construção territorial e política no quadro da denominada “Reconquista”; veja-se, depois, o impulso expansionista para fora da Europa e a construção de impérios ultramarinos; veja-se, mais tarde, o paralelismo das experiências de absolutismo reformista da segunda metade do século XVIII, ou a coincidência cronológica da implantação do liberalismo, com os seus avanços e recuos, e dos processos de independência das suas colónias americanas, na primeira metade de Oitocentos; veja-se, já no século XX, a longa vigência em paralelo dos dois regimes autoritários, a sua queda e a transição para a democracia nos anos 70 e até a entrada em simultâneo, no mesmo dia de Janeiro de 1986, na então CEE, hoje União Europeia. Se ao emparelhamento cronológico destes “grandes momentos” da história, sobretudo política, das duas nações ibéricas acrescentarmos a proximidade linguística e as semelhanças culturais, económicas e sociais que as ligam, torna-se evidente a necessidade de aprofundar a abordagem comparativa da sua história, em todas as épocas, em qualquer domínio.
2Vem tudo isto a propósito do título genérico que escolhemos para este número – Portugal e Espanha: histórias comparadas. Nele sobressai, com efeito, um conjunto de trabalhos que assumem explicitamente esse propósito comparativo. É o caso, desde logo, do dossier de abertura, organizado por Ana Bela Morais e dedicado à censura ao cinema no tempo dos regimes autoritários nas suas diferentes fases. É o caso também do artigo de Alfonso Iglesias, que compara o modo como as guerras coloniais africanas foram tratadas no plano do discurso e das políticas de memória dos dois regimes. Para uma comparação mais alargada, e que poderá servir de enquadramento a estes vários artigos, veja-se o ensaio interpretativo de Juan Carlos Jiménez sobre aquilo que aproximava e que distinguia as ditaduras de Franco e de Salazar.
3Nos restantes artigos desta edição, quase todos dedicados à história contemporânea e ao século XX, Yvette Santos trata da reconversão da marinha mercante portuguesa no período entre-guerras; Pedro Gomes e Matilde Machado oferecem-nos a análise quantitativa, que em grande parte faltava, para a discussão da questão educativa no Estado Novo; Ana Carina Azevedo analisa os projectos de reforma administrativa do período marcelista; André Caiado, Verónica Ferreira e Miguel Cardina abordam, numa perspectiva de estudos pós-coloniais, os processos de memorialização da guerra colonial no espaço público, num artigo que, de algum modo, emparelha com o de Alfonso Iglesias, atrás referido, e que adquire uma especial oportunidade neste ano em que passam 60 anos sobre o início daquela guerra em África; por fim, um artigo que traça uma história longa (250 anos) da cultura do arroz em Portugal, país que regista hoje, na Europa, o maior consumo per capita deste cereal. Fora deste conjunto, Sanjay Subrahmanyam, em mais um ensaio da secção Magna Opera, revisita as condições de nascimento e o impacto do seu livro sobre o império português na Ásia. A fechar o número, quatro recensões, duas delas sobre livros que também põem em comparação, numa perspectiva de história global e conectada, os impérios ibéricos na época moderna.
4Num pequeno balanço de conjunto do ano de 2021 (números 78 e 79) a Ler História publicou 26 artigos e 6 recensões, assinados por 45 autores, 40% dos quais vinculados a instituições académicas de países como Espanha, Estados Unidos, Reino Unido, Brasil, França, Holanda, Argentina e Lituânia, o que testemunha a crescente internacionalização da colaboração na revista. Também cabe aqui uma referência à renovação do Conselho Consultivo Internacional para o triénio 2021-2024, que teve lugar no início do ano, dentro de uma política de renovação periódica e de envolvimento activo do corpo de consultores na vida da revista. A nova composição do CCI confere-lhe algum rejuvenescimento, mais internacionalização e maior equilíbrio de género, além de reforçar a cobertura de algumas áreas geográficas ou de especialidade que interessam à Ler História, como a história de África, do Atlântico, do Brasil e da América Latina, ou a história indígena, ambiental, intelectual, da ciência, do colonialismo, da escravatura e do trabalho.
5Finalmente, refira-se que foi iniciada a digitalização completa da colecção Ler História, numa acção financiada e realizada pela Biblioteca Nacional de Portugal. O processo deverá ficar concluído muito em breve, passando assim a estar disponível online toda a colecção da revista, incluindo os números 1 a 50 (anos 1983-2005), até agora não incluídos na plataforma OpenEdition Journals. Uma boa notícia para fechar o ano.
Para citar este artigo
Referência do documento impresso
José Vicente Serrão, «Editorial. Portugal e Espanha: histórias comparadas», Ler História, 79 | 2021, 1-3.
Referência eletrónica
José Vicente Serrão, «Editorial. Portugal e Espanha: histórias comparadas», Ler História [Online], 79 | 2021, posto online no dia 20 dezembro 2021, consultado no dia 19 janeiro 2025. URL: http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/lerhistoria/8747; DOI: https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/lerhistoria.8747
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