Editorial
Texto integral
1Jogo, casinos, comércio marítimo, sindicalismo, literatura política seiscentista, administração colonial, heráldica régia, imprensa, guerra civil de Espanha, partidos políticos, descolonização e história oral – eis, em jeito de palavras-chave, os temas fortes que dão conteúdo a este número. Portugal, Espanha, o Mediterrâneo, a Ásia e o Pacífico constituem a geografia dos seus interesses. Em termos cronológicos, sai desta vez privilegiado o século XX e a época contemporânea. Aliás, tanto a história contemporânea como a história moderna têm-se vindo a consolidar, ao longo dos anos, como as épocas preferenciais dos autores que apostam na Ler História como espaço de publicação dos seus trabalhos. No entanto, como revista generalista de história que é, a Ler História está plenamente receptiva a artigos com outros enfoques cronológicos, nomeadamente a época medieval. Sinal disso mesmo – e cumpre pô-lo em relevo – é o facto de este volume abrir com dois artigos nos quais a Idade Média surge em lugar de destaque. No primeiro deles, Ana Clarinda Cardoso oferece um conjunto de dados novos sobre o comércio e a navegação entre Portugal e o Mediterrâneo no século XV, que permitem discutir, além do mais, como é que essas rotas competiam, ou se articulavam, com as novas oportunidades abertas pela expansão atlântica. O segundo artigo, não sendo estritamente medievalista, já que a sua cronologia se estende até ao final da monarquia em 1910, tem nesse período o essencial do seu desenvolvimento e da explicação que o autor dá para a forma peculiar da assinatura régia portuguesa, que incluía no seu desenho a cruz quinada de cinco pontos.
2O século XVII foi, por toda a Europa, uma época especialmente fértil de discussão política, quer quanto aos fundamentos e aos modelos de governo, quer quanto às relações entre estados e outras formas de soberania. No caso português, a Restauração de 1640 constituiu, tanto por razões de ordem interna como externa, o enquadramento “perfeito” para a proliferação de uma literatura política. É desse tema que se ocupam José María Iñurritegui e David Martín Marcos. É também de história política que trata um outro artigo deste número, assinado por Manuel Baiôa, se bem que o contexto histórico e o enfoque temático sejam bastante diferentes. Neste caso, trata-se de um estudo especificamente dedicado a um partido – o Partido Republicano Nacionalista – que representava a ala direita e conservadora do republicanismo português nos anos 20 e 30 do século XX, e que aqui é analisado quanto ao seu financiamento, imprensa própria e centros políticos. Com o advento do Estado Novo, o PRN extinguir-se-ia em 1935. No ano seguinte começava em Espanha a guerra civil. E são os relatos dessa guerra nos principais títulos da imprensa portuguesa da época que Clara Sanz analisa no seu artigo, para concluir que, ora por opção própria de jornalistas e editores ora por acção dos serviços de censura, essas crónicas de guerra acabaram por ser incorporadas pela máquina de propaganda do regime de Salazar contra as forças republicanas espanholas e em favor do projecto franquista. O último artigo, assinado por Zélia Pereira, transporta-nos para Timor e para a complexa situação política que ali se viveu nos meses que se seguiram à revolução de Abril de 1974 em Portugal. É mais um contributo para a história da descolonização.
3Também merece destaque neste número um par de artigos que têm em comum o jogo, ou melhor, o universo do jogo, ainda que o abordem sob perspectivas bastante distintas. No primeiro caso, Célia Reis analisa o licenciamento e a exploração do jogo em Macau, na viragem do século XIX para o XX, à luz das questões de administração e de política colonial. No caso do artigo de João Gomes, é o jogo na perspectiva dos seus trabalhadores e das características específicas do sindicalismo neste sector. Para além dos artigos, propriamente ditos, a presente edição conta ainda com a habitual secção de recensões e com uma importante entrevista que dá voz ao Professor Paul Thompson, historiador britânico reconhecido como uma das principais referências da história oral – um método de pesquisa e, muitas vezes, uma forma de narrativa histórica cuja essência se resume, nas palavras do entrevistado, a saber ouvir.
4Com este número 77 fechamos o ano de 2020. Num pequeno balanço anual, registe-se que publicámos 18 artigos e 9 recensões, assinados por 33 autores e apreciados por 47 avaliadores externos. A todos, o nosso agradecimento pela colaboração. Mais difícil é avaliar a visibilidade e o impacto do conhecimento que publicamos no mundo académico e na sociedade, mas pode-se apontar as cerca de 340 mil visitas registadas no site da Ler História nos primeiros 11 meses do ano (um aumento de 44% em relação ao ano anterior). São números que valem o que valem e que podem ser interpretados de várias maneiras, mas que, em qualquer caso, traduzem a vitalidade da revista, em contraste com o ambiente pesado e dramático provocado pela calamidade epidémica, económica e social que assola o mundo, e que todos esperamos que passe depressa.
Para citar este artigo
Referência eletrónica
José Vicente Serrão, «Editorial», Ler História [Online], 77 | 2020, posto online no dia 05 janeiro 2021, consultado no dia 22 janeiro 2025. URL: http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/lerhistoria/7748; DOI: https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/lerhistoria.7748
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