1A historiografia sobre os partidos políticos da I República demonstrou alguma letargia nas últimas décadas. No entanto, nos finais dos anos setenta as expectativas sobre o futuro das investigações sobre a I República eram animadoras, principalmente após a publicação da História da 1ª República Portuguesa (Marques 1972-1979). Nesta obra foram apresentados os programas dos diversos partidos políticos e foram elaborados quadros-síntese e mapas sobre os resultados das eleições legislativas. Este estudo poderia ter servido de base para posteriores trabalhos de aprofundamento destas temáticas, especialmente após a publicação do Guia de História da 1ª República Portuguesa, no qual A. H. de Oliveira Marques divulgava os instrumentos (fontes e bibliografia) necessários para desenvolver investigações sobre este período. Este historiador lamentava o facto de não existir “qualquer História dos agrupamentos partidários da I República, nem como todo, nem como unidades”. E sublinhava que “fazê-la constitui uma das tarefas primaciais da nossa historiografia” (Marques 1981, 132).
- 1 Veja-se uma análise desenvolvida sobre o estado da arte no referente aos partidos políticos da I Re (...)
2Nas décadas seguintes, os estudos sobre os partidos políticos da I República foram diminutos, ainda que se possam assinalar alguns meritórios.1 Mais recentemente foram publicadas algumas obras de referência sobre a União Liberal Republicana (Pinto 1995), o Partido Republicano de Reconstituição Nacional (Silva 1996), o Partido Republicano da Esquerda Democrática (Queirós 2008) e o Partido Republicano Nacionalista (Baiôa 2015). Destacamos ainda duas obras de Ernesto Castro Leal. Na primeira, são analisados todos os partidos republicanos da I República, apresentando para cada um as suas principais características e os seus programas políticos (Leal 2008). A segunda é uma antologia dos manifestos e programas republicanos de 1873 a 1926 (Leal 2014). Contudo, há ainda muitos partidos da I República que procuram o seu historiador, em particular o dominante, o Partido Republicano Português (PRP), conhecido também como Partido Democrático.
3Após o Sidonismo parecia que se tinha regressado à situação política da primeira fase da República. No entanto, a situação política estava profundamente alterada depois da participação de Portugal na Grande Guerra e das experiências “ditatoriais” de Pimenta de Castro e de Sidónio Pais. Os políticos e os partidos republicanos estavam profundamente divididos entre intervencionistas e neutralistas, entre apoiantes de Pimenta de Castro e participantes no 14 de Maio e entre Sidonistas e «verdadeiros republicanos». Estes ressentimentos agravados por ódios pessoais afetaram internamente todos os partidos (Meneses 2004, 421-26). Afonso Costa, o líder carismático da República Velha (1910-1917) e do PRP, afastou-se do país e do partido profundamente magoado pelas incompreensões de que tinha sido vítima. O preço que colocou para o seu regresso ao Governo era impraticável – a união de todos os partidos republicanos. Nem dentro do PRP isso foi possível. Foi difícil encontrar uma estratégia e um líder consensual dentro do PRP após 1919. A orgânica interna dos partidos republicanos assentes em diretórios e contrários ao presidencialismo também contribuiu para acentuar os conflitos internos e as cisões.
4Os novos candidatos a líderes do PRP, António Maria da Silva, Domingos Pereira e Álvaro de Castro, enfrentaram as suas estratégias e o seu pessoal político no partido e no Parlamento, chegando ao ponto de governos democráticos caírem com votos democráticos, casos dos governos de Sá Cardoso, a 21 de janeiro de 1920 e de Domingos Pereira a 4 de março de 1920. Em março/abril de 1920 Álvaro de Castro abandonou o PRP conjuntamente com 19 deputados e 10 senadores. Nos meses seguintes, outros parlamentares viriam a unir-se ao grupo de Álvaro de Castro formando o Partido Republicano de Reconstituição Nacional (PRRN), que chegou a contar com 33 deputados e 10 senadores (Silva 1996, 36-39). Em novembro de 1920, Domingos Pereira, conjuntamente com os seus amigos, também criou uma nova dissidência dentro do PRP, mas viria a integrar-se novamente no seu antigo partido em dezembro de 1921, após a trégua acordada entre os líderes dos principais partidos republicanos, na sequência da “noite sangrenta”.
5O PRP deixou de ter a maioria absoluta na Câmara dos Deputados em março de 1920 e só voltou a recuperá-la em dezembro de 1925. Esta situação deveu-se à falta sistemática de alguns parlamentares às sessões do Parlamento, mas principalmente à falta de coesão e às cisões no PRP que levaram à formação de novos partidos. Esta circunstância não tem sido suficientemente compreendida e assinalada pela historiografia portuguesa. O facto de se olhar de uma forma estática para o número de deputados e senadores conseguidos pelo PRP e pelos outros partidos apenas após cada uma das eleições esconde cisões, deslealdades e a formação de novos partidos que tiveram um efeito determinante na formação dos governos e no processo político do regime nos anos seguintes, pois passado alguns meses das eleições a composição do Parlamento era completamente diferente.
6A falta de unidade não afetava apenas o PRP. O Partido Republicano Evolucionista, a União Republicana e até o Partido Monárquico também viviam momentos de instabilidade interna. Os fracos resultados eleitorais obtidos pelos dois partidos republicanos conservadores em maio de 1919 levaram-nos a reconhecer o erro cometido no mês anterior, ao recusarem a proposta de José Relvas, então à frente do executivo, de se fundirem num partido das direitas republicanas, alternativo ao PRP. Esta fusão viria a concretizar-se em outubro de 1919, com o aparecimento do Partido Republicano Liberal (PRL) numa época mais propícia. Os líderes históricos dos dois antigos partidos republicanos, António José de Almeida e Brito Camacho, estavam a retirar-se progressivamente da política partidária, tendo o primeiro sido eleito Presidente da República em agosto de 1919 e o segundo desempenhado o cargo de alto-comissário de Moçambique entre 1920 e 1923. O novo Chefe de Estado, António José de Almeida, viu o seu poder reforçado devido à revisão constitucional de 1919, que proporcionava ao Presidente o poder de dissolver o Congresso, após prévia consulta do Conselho Parlamentar. Esta alteração constitucional dava ao partido que dominasse o executivo a oportunidade de “fazer” as eleições, o que previsivelmente quebraria a invencibilidade dos democráticos. No entanto, a vida do PRL não foi fácil, dividido internamente pela contínua ligação dos seus membros às antigas fidelidades partidárias e pelo facto de alguns parlamentares insatisfeitos com a fusão terem enveredado pela formação do Partido Republicano Popular, que adotou uma orientação esquerdista.
- 2 República, 17/02/1923, 1.
7O Partido Republicano Nacionalista (PRN) nasceu da fusão do Partido Republicano Liberal (PRL) e do Partido Republicano de Reconstituição Nacional (PRRN). Estes dois partidos consideravam que só reunindo as forças republicanas conservadoras seria possível criar uma oposição eficaz ao partido dominante da I República (o PRP), que continuava a dominar o sistema multipartidário, a administração pública e a rede clientelar. No dia 17 de fevereiro de 1923, o Partido Republicano Nacionalista foi apresentado formalmente ao país através de um manifesto difundido na imprensa.2 A formação do PRN iria simplificar e equilibrar as forças políticas republicanas em dois grandes grupos: à esquerda a opinião radical reunida em torno do PRP e à direita a opinião conservadora agrupada em torno do PRN.
8O PRN formado inicialmente por liberais e reconstituintes teve ao longo da sua história a adesão de mais dois agrupamentos políticos e sofreu duas importantes cisões. No final de março de 1923 alguns movimentos e partidos de reduzida dimensão começaram a equacionar fundirem-se e eventualmente ingressarem no PRN. Os antigos membros do Centro Reformista (vulgarmente designado por Partido Reformista, 1914/1915) e da Federação Nacional Republicana (movimento fundado por seguidores de Machado Santos em 1920/1921) e os membros do Partido Nacional Republicano Presidencialista (continuador do Partido Nacionalista Republicano após o fim do regime Sidonista) estabeleceram negociações conjuntas a fim de se fundirem com o PRN. A maioria dos antigos membros do Partido Reformista e da Federação Nacional Republicana liderados, então, pelo coronel Manuel Soares de Melo e Simas ingressou no PRN a 8 de maio de 1923. Pelo contrário, outros antigos amigos de Machado Santos decidiram aderir ao Partido Nacional Republicano Presidencialista que optou, naquele momento, por não integrar o PRN, vindo a fazê-lo apenas a 4 de março de 1925, quando era liderado por João Tamagnini de Sousa Barbosa.
9Em dezembro de 1923 o PRN sofreu a sua primeira grande cisão, após desentendimentos internos na sequência do seu efémero governo e da revolta de 10 de dezembro de 1923. Álvaro de Castro e alguns dos seus amigos abandonaram o PRN, constituíram um governo de concentração, a que se opunham os restantes nacionalistas e formaram o Grupo Parlamentar de Ação Republicana. Em março de 1926, durante o IV Congresso do PRN, Cunha Leal, que se preparava para disputar a liderança do partido, foi duramente atacado na sua honra e decidiu sair do congresso e do partido, sendo seguido por um vasto grupo de congressistas, formando logo a seguir a União Liberal Republicana (Pinto 1995). Contudo, outras divergências internas de menores proporções contribuíram para a saída de vários membros da elite do PRN ao longo da sua existência (Baiôa 2015).
10O Partido Republicano Nacionalista formou um breve ministério liderado por António Ginestal Machado (15/11/1923 a 18/12/1923) e apresentou-se às eleições legislativas de 8 de novembro de 1925 com candidatos próprios em quase todos os círculos. Nestas eleições o PRN fez acordos lícitos em alguns círculos com quase todos os partidos republicanos. No entanto, envolveu-se no sistema clientelar e caciquista, fazendo acordos ilícitos com várias forças políticas que falsearam as eleições em muitos círculos. Os resultados obtidos pelo PRN foram sofríveis, embora tivesse continuado como a segunda força política do regime. Conseguiu eleger 33 deputados (em 163) e sete senadores (em 36). O PRP conseguiu novamente uma maioria absoluta elegendo 84 deputados e 18 senadores (Baiôa 2015, 307-17).
11O PRN, à semelhança da maioria das forças políticas de oposição ao PRP, viu-se envolvido diretamente no “Movimento do 28 de Maio” através de alguns dos seus dirigentes máximos. Na primeira fase da Ditadura Militar o PRN teve uma posição ambivalente. Os dirigentes do PRN procuraram preferencialmente um entendimento com os militares ordeiros, com o objetivo de transformar o seu partido no suporte do novo regime. No entanto, nunca esqueceram os seus antigos companheiros revolucionários, pois sabiam que a qualquer momento podia haver uma revolução que instaurasse uma II República. Por isso, ao mesmo tempo que havia negociações com o ministro da Guerra, Passos e Sousa, e com os presidentes do Ministério José Vicente de Freitas e Artur Ivens Ferraz, elementos do PRN participavam nas conspirações e nas revoltas promovidas pelo «reviralho» e pela Liga de Paris. Quando a União Nacional surgiu no início dos anos trinta com um projeto estruturado, o PRN já estava profundamente desgastado por alguns anos de Ditadura, tendo canalizado as suas débeis energias para o frustrado projeto da Aliança Republicano-Socialista. As estruturas nacionais do PRN deixaram de reunir regularmente a partir de 1931, acabando o partido por dissolver-se a 7 de fevereiro de 1935, após alguns dos seus mais importantes dirigentes terem aderido ao Estado Novo, sendo o mais emblemático, o presidente do Diretório, Júlio Dantas. No entanto, uma parte significativa da elite do PRN, como Custódio Maldonado de Freitas, Tito Augusto de Morais, Rafael Augusto de Sousa Ribeiro, Jaime António da Palma Mira, João Tamagnini de Sousa Barbosa, José Augusto de Melo Vieira, Eugénio Rodrigues Aresta, Alberto Jordão Marques da Costa, Pedro Góis Pita e António Ginestal Machado continuou a militar na oposição durante longas décadas (Baiôa 2015, 363-464).
12Neste estudo pretendemos analisar a rede de centros políticos, a imprensa e o financiamento do Partido Republicano Nacionalista no contexto dos partidos políticos portugueses dos anos 20 e 30 do século XX. Os tópicos referentes ao estatuto do Partido Republicano Nacionalista, aos órgãos diretivos centrais e locais (Baiôa 2016, 369-91), à sua elite política (Baiôa 2014, 187-200), à ideologia (Baiôa 2012a, 239-70) e ao clientelismo (Baiôa 2013, 326-38) já foram objeto de outros estudos. Uma vez que se desconhece o paradeiro dos arquivos centrais e regionais do Partido Republicano Nacionalista teve de recorrer-se a outras fontes, principalmente à imprensa e a arquivos particulares inéditos de alguns dos seus principais dirigentes políticos.
13Os primeiros centros republicanos surgiram em Lisboa em meados do século XIX, tendo por objetivo a alfabetização e escolarização dos grupos sociais desfavorecidos e a propaganda dos ideais republicanos. Estas escolas cívicas proliferaram na capital e nas principais cidades portuguesas contribuindo decisivamente para a edificação da República. Após a criação do sistema partidário da I República multiplicaram-se os centros políticos ou clubes associados aos vários partidos que foram surgindo (Queirós 2008, 206-09; Samara 2010, 125-66; Ribeiro, 2011). Os centros políticos promoviam a doutrinação, a propaganda e o crescimento dos partidos na sua região. No entanto, também eram um importante agente na sociabilidade, coesão e educação dos sócios. Alguns destes centros tinham um centro escolar e uma biblioteca, promoviam a circulação e a leitura de jornais e organizavam palestras, festas, passeios e comícios.
14Ao longo da I República o PRP teve sempre a hegemonia dos centros republicanos associados aos partidos políticos. Em 1914 tinha 339 centros ou associações na metrópole (Marques 1991, 409). Não temos dados seguros para o período de 1923 a 1926, mas o seu número deverá ter descido (Queirós 2008, 207). O Partido Republicano Nacionalista contava com uma rede de centros mais modesta, reunindo 28 centros no continente. A maioria dos centros estava concentrada em Lisboa, que contava com nove centros, e no Porto, que tinha dois centros. Os restantes centros estavam espalhados pelo território continental, principalmente em algumas capitais de distrito, como Beja, Coimbra, Évora, Faro, Guarda, Portalegre, Santarém e Vila Real. Havia ainda centros em algumas localidades onde o PRN tinha forte implantação, como Algés, Aljustrel, Barreiro, Figueira da Foz, Loulé, Olhão, Penafiel, Sesimbra e Vila Nova de Gaia. Assim, conforme se pode observar no mapa 1, o PRN contava com uma rede dispersa de centros políticos, mas com uma fraca densidade, quando comparada com o partido dominante da República, pelo que muitos distritos não tinham qualquer centro do PRN, como Castelo Branco, Leiria, Braga, Viseu, Aveiro, Viana do Castelo, Bragança, Ponta Delgada, Angra do Heroísmo, Horta e Funchal. Portanto, a rede de centros do PRN era consideravelmente inferior à do PRP e ligeiramente abaixo da do Partido Republicano da Esquerda Democrática, que chegou a contar com um total de 39 centros, sendo que 20 eram no Porto e 10 em Lisboa (Queirós 2008, 206-09).
- 3 República, 7/3/1923, 1; idem, 14/3/1923, 2; idem, 22/5/1923; idem, 15/6/1923, 2; idem, 16/6/1923, 2 (...)
15Era prática comum atribuir aos centros políticos nomes de figuras prestigiadas da República e do partido ou datas marcantes da afirmação republicana. Dentro do Partido Republicano Nacionalista tínhamos o Centro Republicano Nacionalista do Barreiro – Dr. António Granjo; o Centro Republicano – José Falcão, da Figueira da Foz; o Centro Nacionalista de Loulé – Mendes Cabeçadas; o Centro Nacionalista Cunha Leal, de Olhão; e o Centro Político Nacionalista – Dr. Lopes Coelho, de Penafiel. Em Lisboa existia o Centro Dr. António Granjo, o Centro Republicano 10 de Janeiro de 1919, o Centro Republicano Ribeiro de Carvalho, o Centro Republicano Nacionalista de Alcântara – Dr. Jacinto Nunes, o Centro Escolar Republicano Dr. António José de Almeida, o Centro Republicano Latino Coelho, o Centro Sidónio Pais e o Centro Republicano Nacionalista Dr. Manuel de Arriaga.3
Mapa 1. Centros políticos do PRN (1923-1930)
Gráfico 1. Quota mensal dos sócios fundadores do Centro Republicano Nacionalista Eborense, 1923
- 4 Desconhecemos o número de sócios que se foram desligando do Centro Republicano Nacionalista Eborens (...)
- 5 O deputado Bernardo Ferreira de Matos pagou quotas que oscilaram entre os cinco e os 7,5 escudos en (...)
16Parte do sucesso do PRN em Évora deveu-se ao papel dinamizador do seu centro político, que se formou no dia 1 de março de 1923. O Centro Republicano Nacionalista Eborense era um dos principais polos de sociabilidade política de Évora, onde existiam mais três centros políticos associados ao Partido Republicano Radical, ao Partido Republicano da Esquerda Democrática e ao Partido Republicano Português. O centro iniciou a sua atividade com 230 sócios fundadores e até 31 de agosto de 1926 inscreveram-se 330 sócios. Tendo em conta o número de recenseados no concelho de Évora em 1925, podemos afirmar que o centro dispunha de cerca de 9% dos potenciais votantes.4 A quota mensal que os sócios fundadores pagavam no centro nacionalista em 1923 oscilava entre 0,1 e 2,5 escudos, conforme se evidencia no gráfico 1. A quota média e a moda situavam-se nos 0,5 escudos e a quota máxima chegou aos cinco escudos em 1926. Os sócios que pagavam uma quota mais alta eram aqueles que tinham um estatuto socioprofissional mais elevado e que tinham uma participação política mais ativa. Tinham uma posição de destaque na hierarquia do partido e disputavam os cargos políticos mais prestigiados: deputado, senador, presidente e vereador da câmara municipal, governador civil e administrador do concelho. Os valores pagos pela elite eborense eram inferiores aos praticados nos centros políticos nacionalistas de Lisboa, que em 1923 já cobravam cinco escudos aos membros mais categorizados, chegando aos 7,5 escudos em 1925,5 mas eram semelhantes aos praticados no centro esquerdista da Póvoa do Varzim (Queirós 2008, 209).
- 6 República, 20/2/1923, 2.
- 7 Ver convite enviado pelo Centro Republicano Dr. Sidónio Pais para participar com a família nas exé (...)
- 8 República, 19/10/1923, 2.
17Os centros políticos desempenhavam um papel fundamental na educação moral e cívica dos sócios e na afirmação dos partidos. Os centros nacionalistas realizavam várias atividades políticas e culturais, embora não tenhamos registado nenhuma ligada à formação e educação formal dos seus sócios e familiares. No entanto, houve outras de estímulo à educação das crianças e dos jovens, como atribuir prémios aos melhores alunos. Para além das reuniões ordinárias de gestão do centro, de dinamização política na região e da sociabilidade política no seu espaço, estes clubes despenhavam outras quatro importantes atividades. A primeira função a destacar era o recenseamento eleitoral. Os centros promoviam o recenseamento dos seus sócios e dos seus “amigos” como forma de mobilização política e de preparação dos atos eleitorais. Em Lisboa, no Centro Ribeiro de Carvalho, e nos outros centros, apelava-se frequentemente ao recenseamento eleitoral e dava-se esclarecimentos sobre o processo burocrático. Os dirigentes deste centro tinham consciência de que “sem bons recenseamentos não há possibilidade de ganharem eleições, por maior que seja a dedicação partidária”.6 A segunda atividade era menos frequente e estava associada a alguns dos centros políticos mais conservadores do PRN que promoviam algumas cerimónias religiosas. O Centro Republicano Dr. Sidónio Pais realizava periodicamente missas e exéquias ao patrono na Igreja de S. Domingos.7 Eram também usuais as missas de sufrágio mandadas rezar por amigos de António Granjo e pelas vítimas do 19 de Outubro.8
- 9 Os retratos colocados nas paredes dos centros podiam ser de políticos de primeira ordem (republica (...)
- 10 O Figueirense, 29/10/1925, 1-2.
18A terceira função prendia-se com a visita dos máximos dirigentes do PRN. Este tipo de evento trazia grande visibilidade aos centros, principalmente aos da província, pelo que constituía uma verdadeira “festa”. No dia 25 de outubro de 1925 deslocaram-se a Coimbra alguns membros do diretório. Foram recebidos na estação do caminho de ferro por numerosos correligionários, mas também por alguns adversários que tentaram perturbar a manifestação ordeira que os nacionalistas iam realizar. Houve ainda alguns confrontos verbais, mas a chegada da polícia acalmou os ânimos. Posteriormente houve uma sessão de propaganda, onde intervieram Pedro Pita, Cunha Leal e António Ginestal Machado. Ao terminar o comício os convidados deslocaram-se ao Centro Nacionalista de Coimbra onde decorreu uma cerimónia clássica neste tipo de eventos: foi descerrado o retrato do velho republicano Francisco Vilaça da Fonseca.9 De seguida houve uma reunião para analisar e escolher os candidatos a apresentar às eleições pelo círculo de Coimbra. Por fim, para terminar a jornada de propaganda, decorreu um banquete no Palácio Ameal para 200 convivas, onde os líderes locais e os membros do diretório puderam novamente discursar e mobilizar os seus correligionários para o ato eleitoral.10
- 11 República, 20/10/1923, 1.
- 12 Democracia do Sul, 7/10/1928, 4.
- 13 Acção Nacionalista, 6/7/1925, 4.
19Noutra ocasião, realizou-se uma sessão em memória de António Granjo na sede do Centro Dr. Manuel de Arriaga de Lisboa. A cerimónia iniciou-se às 21 horas e 30 minutos do dia 19 de outubro de 1923. A sala estava repleta de republicanos de todas as camadas sociais e inclusivamente com muitas senhoras e crianças das escolas, o que não era muito comum neste tipo de eventos. A sala estava decorada com os retratos de António José de Almeida e do venerado Manuel de Arriaga. Na mesa da presidência encontrava-se o busto da República e o retrato do malogrado António Granjo. À esquerda deste, ainda coberto com a bandeira nacional, encontrava-se o retrato do almirante Machado Santos que ia em breve ser descerrado. A sessão decorreu com uma série de discursos dos principais políticos do PRN, sendo o de Cunha Leal o mais saudado e aplaudido. No fim dos discursos uma menina chamada Alice Soares de Oliveira descerrou “no meio do maior silêncio, o retrato do Almirante Machado Santos”. A assistência estava de pé em silêncio e com grande emoção. De repente, irrompem vibrantes palmas e vivas a Machado dos Santos e a António José de Almeida. Foram ainda contemplados com o prémio Dr. António Granjo alguns alunos das escolas da freguesia do Sacramento. Este prémio consistiu num “diploma e 25$00 escudos” entregues a alguns meninos e livros a outros.11 Outra atividade habitual dos centros em dias festivos era distribuir um bodo pelos “pobres republicanos”.12 O Centro Nacionalista de Loulé – Mendes Cabeçadas tinha uma filarmónica e, numa visita do seu patrono, a filarmónica recebeu-o com o hino nacional, seguido de “vivas”, “palmas” e da realização de um copo-d‘água.13
20A quarta atividade periódica levada a cabo pelos centros era a romagem ao cemitério para prestar homenagem a um eminente republicano junto da sua campa. Uma das romagens mais famosas era ao túmulo de Machado Santos. Os “bons republicanos” e alguns antigos revolucionários do 28 de Janeiro, 5 de Outubro, 27 de Abril e da escalada de Monsanto reuniam-se junto ao monumento de D. Pedro IV no Rossio para iniciarem o cortejo. Na frente da romagem iam estes antigos revolucionários, seguidos de uma carreta dos bombeiros municipais coberta de flores, tendo na frente o retrato do fundador da República e uma bandeira que esteve hasteada na Rotunda no 5 de Outubro. No fim do cortejo seguiam os representantes dos centros políticos republicanos conservadores de Lisboa e dos partidos políticos. O cortejo dirigia-se ao largo do Intendente, onde foi assassinado Machado Santos, onde se fazia dois minutos de silêncio. No cemitério do Alto de S. João discursavam várias personalidades realçando as qualidades de Machado Santos. Este tipo de cerimónias permaneceu durante várias décadas. Durante o Estado Novo esta atividade reforçou os laços de camaradagem e solidariedade entre os membros da oposição. Em Beja, durante largos anos, os republicanos visitaram a campa de Jaime António da Palma Mira, antigo deputado e membro do PRN.
- 14 Algumas fichas de inscrição de associados foram inutilizadas com letras enormes com a palavra “MEDO (...)
- 15 Dos 21 polícias, cinco funcionários das escolas e dez funcionários da câmara municipal que se tinha (...)
21Após a instauração da Ditadura Militar os diversos centros políticos do Partido Republicano Nacionalista foram encerrando, principalmente entre 1928 e 1931, em datas difíceis de circunscrever. O Centro Republicano Nacionalista de Évora também entrou em decadência neste período, pois a maioria dos sócios abandonou este espaço político, uns por não pagarem a quota, outros por “medo”14 da Ditadura. Em 1928 só restavam 40 sócios dos 330 que ao longo dos anos tinham ingressado neste espaço de sociabilidade política. Os lavradores e proprietários abandonaram maciçamente o centro nacionalista possivelmente por encontrarem no novo regime resposta às suas antigas reivindicações. Os membros da polícia e os funcionários das escolas e da Câmara Municipal de Évora que tinham sido tão expeditos a ingressar no centro saíram também em grande número,15 certamente com receio da repressão das suas novas chefias e pelo facto de verem o seu antigo patrono e antigo reitor do liceu e presidente da Câmara Municipal de Évora, Alberto Jordão Marques da Costa, estar a ser punido pelas novas autoridades. Houve uma clara desmobilização dentro do partido dado que as benesses que os correligionários podiam receber desapareceram e, pelo contrário, as contrariedades podiam ser muitas.
- 16 Democracia do Sul, 3/1/1930, 1. Em Viseu, na Covilhã e noutras localidades também se formaram centr (...)
- 17 Democracia do Sul, 27/11/1928, 1.
- 18 Democracia do Sul, 25/3/1930, 1.
- 19 Democracia do Sul, 5/7/1931, 1.
- 20 Democracia do Sul, 7/10/1928, 4.
22O Centro Republicano Nacionalista Eborense acabaria por se extinguir em 1929 devido à falta de mobilização. No entanto, continuou a funcionar como “Grémio Republicano” até 1930/1931,16 desenvolvendo algumas atividades de “conjunção” com as restantes forças republicanas da cidade, como a Junta de Defesa Republicana, em 1928,17 a Liga da Mocidade Republicana Eborense, em 1930,18 e a participação a nível nacional, em 1931, na Aliança Republicano-Socialista.19 Durante as comemorações do 5 de Outubro realizavam-se reuniões no centro, bem como romagens ao cemitério para enaltecer as figuras republicanas eborenses já desaparecidas e distribuía-se um bodo pelos “pobres republicanos”.20 Estas atividades entraram em decadência a partir do 5 de Outubro de 1930 dada a desmobilização de grande parte das forças republicanas devido à pressão repressiva do governo e à progressiva afirmação da União Nacional. Contudo, alguns destes centros nacionalistas, como o de Aljustrel, ainda em funcionamento atualmente, adaptaram-se às condições da Ditadura Militar e do Estado Novo, transformando-se em centros republicanos, com um carácter mais recreativo. Estes centros abandonaram a ação puramente política para se dedicarem a atividades desportivas, lúdicas e culturais.
- 21 Como não identifiquei nenhuma lista oficial da imprensa do PRN, embora houvesse um cadastro da impr (...)
- 22 Os jornais oficiosos não indicavam no subtítulo qualquer ligação ao PRN e não declaravam expressame (...)
- 23 Artigo 44 do Estatuto ou Lei Orgânica do Partido Republicano Nacionalista (1923, 12).
23A imprensa era fundamental para a divulgação e afirmação dos partidos políticos. Os dirigentes estavam conscientes desta necessidade e procuraram dotar o PRN de uma densa rede de jornais cobrindo todo o território nacional. Entre 1923 e 1932 o PRN teve 35 jornais, sendo 26 oficiais21 e nove oficiosos.22 Segundo os estatutos do PRN eram considerados jornais oficiais as publicações regulares que defendessem as doutrinas do programa do PRN, adotassem a sua orientação política e fossem reconhecidos pelo diretório.23 Estes 35 jornais foram editados em 29 localidades. Chaves e Torres Vedras tiveram dois jornais e Lisboa teve cinco jornais apoiantes do PRN. O PRN teve dois diários e 24 não diários entre os órgãos oficiais de imprensa. Dos órgãos de imprensa não oficiais, três eram diários e seis não diários. (Baiôa 2012b, anexo 5 em CD). O PRN nunca conseguiu ter jornais nas colónias, nas ilhas adjacentes e nos distritos de Faro, Portalegre e Bragança, conforme se pode verificar no mapa 2. A sua rede de imprensa ficava atrás do PRP e ligeiramente à frente do Partido Republicano da Esquerda Democrática, que chegou a contar com um total de 21 jornais, 11 oficiais (dois diários) e dez oficiosos (um diário) entre 1925 e 1926 (Queirós 2008, 313) e do Partido Republicano Radical que também teve 21 periódicos oficiais e oficiosos (Pinto 2015, 159). Já em relação ao Partido Republicano Popular e ao Partido Republicano de Reconstituição Nacional a diferença era substancial, pois o primeiro terá tido apenas o apoio de cinco jornais (Leal 2008, 87; Sá e Rêgo 2011, 236) e o segundo contou com 13 periódicos (Silva 1996, 63).
24A rede de jornais do PRN foi-se deteriorando com o passar dos anos (ver Quadro 1). Na fase de formação do partido contou com a adesão de numerosos órgãos de imprensa do PRL e do PRRN, contando 24 jornais em maio de 1923. A dissidência levada a cabo por Álvaro de Castro em dezembro de 1923 abalou as estruturas do PRN, passando o partido a contar com 20 jornais em março de 1924. O afastamento do poder e os problemas internos contribuíram para que, em dezembro de 1925, já só contasse com 14 jornais. O enfraquecimento continuou com a cisão de Cunha Leal, uma vez que o PRN passou a ter apenas nove jornais a defender os seus ideais nas vésperas do “Movimento do 28 de Maio de 1926”. A Ditadura Militar acentuou a decadência do PRN e da sua rede de imprensa. Em agosto de 1927 já só contava com seis jornais e, em agosto de 1930, com três. Em 1923 os jornais do PRN cobriam quase todo o território nacional. No entanto, nos anos seguintes a presença de jornais do PRN no território nacional foi diminuindo, havendo vastas áreas sem nenhum jornal nacionalista, conforme se pode verificar na evolução dos mapas 3 a 8.
- 24 A Voz do Guadiana, 15/4/1926, 1.
25As cisões, as questões financeiras e a Ditadura Militar foram os principais motivos do enfraquecimento da rede de jornais do PRN. A Voz do Guadiana suspendeu a sua publicação desde 1 de janeiro de 1926 até 15 de abril 1926 e apresentou as seguintes causas para o sucedido: “Ausência indeterminada do diretor e proprietário do jornal; doença continuada de quase todo o corpo redatorial; défice apreciável nos nossos rendimentos”.24 Durante a Ditadura Militar a censura dificultou o trabalho da imprensa associada à oposição e houve o encerramento compulsivo de alguns jornais, embora as razões financeiras continuassem a ser preponderantes na suspensão de atividade de grande parte dos jornais. As autoridades governamentais também tiveram responsabilidades nesta situação, uma vez que aos jornais da oposição estava vedada a publicidade de organismos estatais. Veja-se a seguinte circular enviada em janeiro de 1934 pelo chefe de gabinete do ministro do Interior para os governadores civis:
Exmo. Senhor Governador Civil
Confidencial 100-A
- 25 Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT), Ministério do Interior, Gabinete do Ministro, Registo de (...)
Encarrega-me sua Exa. o Ministro do Interior de comunicar a V. Exa. que os anúncios das Câmaras Municipais desse distrito devem ser concedidos apenas aos jornais locais situacionistas; e só em caso de extrema necessidade, poderão ser dados a outros jornais, preferindo d’entre estes, aqueles que, ao menos, se limitem, com exclusão de orientação política, a ser de simples informação. A Bem da Nação. 27-1-1934. O Chefe de Gabinete, António Leite Cruz.25
Mapa 2. Localidades com jornais oficiais e oficiosos do PRN, 1923-1932
26Um dos pontos negros na estratégia organizacional do PRN foi não conseguir sustentar com continuidade um jornal diário em Lisboa de dimensão nacional e não ter nenhum jornal no Porto e em Coimbra. Nos primeiros tempos o República, de Lisboa, ocupou parcialmente as funções de jornal de referência do partido. Durante o I congresso do PRN surgiu a ideia de se criar um jornal afeto ao PRN:
- 26 Firmino Martins, “O Novo Jornal Nacionalista”, O Bejense, 9/7/1923, 1.
Quando na segunda sessão do Congresso Nacionalista, que em Lisboa se realizou no mês de Março levamos para aquela assembleia a nossa proposta de criação dum jornal, órgão oficioso do partido, não tivemos senão em vista contribuir para uma eficiência maior dos esforços partidários, por meio da unidade dos trabalhos da imprensa. O partido tem vários jornais pela província e até em Lisboa a República, de honrosas tradições republicanas e de uma intensa e brilhante combatividade. No entanto, cada um destes jornais representa mais ou menos o modo de ver individual dos jornalistas, que os escrevem, e, por mais que todos eles queiram aproximar-se e convergir para uma ação harmónica, não há possibilidade de alcançar plenamente esse desideratum, visto que a orientação dos dirigentes só muito vagamente é conhecida, através da imprecisa concisão das notas oficiosas.26
Quadro 1. Evolução da rede de jornais do PRN, 1923-1930
- 27 República, 22/3/1923, 1.
- 28 Álvaro de Castro, O Século, 18/3/1923, 2.
- 29 Em setembro de 1923 surgiram algumas notícias anunciando a publicação de um diário do Partido Repub (...)
- 30 Diário de Lisboa, 13/11/1923, 1; O Jornal, 3/1/1924, 2.
27Embora o República defendesse o partido, não era um órgão oficial, uma vez que nunca se quis “sujeitar a pensar pela cabeça dos outros”,27 como já antes tinha feito A Lucta. Álvaro de Castro concordou com a fundação de um diário, órgão do PRN, porque “atualmente não há nenhum órgão do Partido Nacionalista mas apenas jornais que defendem a política dele”.28 No entanto, a fundação deste jornal tardou e o República nunca chegou a ser o órgão oficial do PRN.29 A autonomia do seu diretor, Ribeiro de Carvalho, conduzia a constantes diferendos com a hierarquia do PRN, tendo culminado com o afastamento deste jornal do PRN e a sua adesão à causa da Acção Republicana em dezembro de 1923. Nesse mês, constitui-se um jornal que ocupou um lugar central na difusão e afirmação do PRN. O Jornal iniciou a sua publicação no dia 24 de dezembro de 1923 e pretendia tornar-se no periódico de referência dos republicanos conservadores. O Jornal era parcialmente um continuador de A Lucta, uma vez que era feito nas mesmas oficinas (Largo do Calhariz, 17) e vários colaboradores e correspondentes deste antigo jornal republicano continuaram a dar o seu contributo ao novo jornal dos nacionalistas.30
- 31 Carta datada de maio de 1924 em Lisboa e assinada pelo presidente do diretório, António Ginestal Ma (...)
28O Jornal acabou por ter uma duração efémera. As dificuldades económicas eram muitas, tendo o diretório enviado várias missivas aos correligionários e às comissões políticas solicitando um maior contributo para a manutenção do órgão oficial do Partido Republicano Nacionalista. O Jornal tinha uma “despesa diária de 1000 escudos e a receita de 500 escudos”, pelo que era necessário cobrir o deficit de 500 escudos. A estratégia passou primeiramente por solicitar o aumento da assinatura aos correligionários que pudessem pagar mais. No entanto, esta estratégia não deu os frutos necessários pelo que o diretório teve de enveredar por pedir aos membros do Partido Republicano Nacionalista que conseguissem “um ou mais assinante, a fim de que O Jornal possa viver sem deficit”.31
- 32 Acção Nacionalista, 25/1/1925, 4.
- 33 O Jornal, 27-3-1924, 1; Acção Nacionalista, 22/8/1925, 4.
- 34 O Jornal, 14/1/1924, 1.
- 35 O Jornal, 18/1/1924, 1.
- 36 Espólio Bernardo Ferreira de Matos (EBFM) – Lisboa (em posse da família). Recibo de pagamento.
29O Jornal tinha ainda problemas de gestão e de distribuição. Alguns nacionalistas colaboradores do Acção Nacionalista explicaram o fracasso de O Jornal, por ser mal dirigido e haver muitos colaboradores com ordenados elevados, quando outros não ganhavam nada.32 Os problemas de distribuição pretendiam-se com o facto de O Jornal apenas ser vendido em tabacarias de Lisboa, Porto e Coimbra por 30 cêntimos.33 Por outro lado, em janeiro de 1924 surgiram alguns problemas na receção de O Jornal pelos assinantes, uma vez que não receberam alguns números. A administração deste periódico estranhou o sucedido, uma vez que alguns destes assinantes receberam o jornal A Batalha. Donde, chegaram à conclusão que deveria haver uma mão oculta responsável pelo sucedido.34 Foi elaborado um protesto enviado à administração geral dos correios e telégrafos. Reclamavam por os assinantes não terem recebido os exemplares do jornal e concluíram que havia um propósito de “não só prejudicar o jornal, mas também os assinantes”.35 Estes problemas associados à escassez de assinantes e publicidade ditaram problemas de liquidez. Durante algum tempo ainda foi possível manter O Jornal. No entanto, teve de suspender abruptamente a publicação a 20 de agosto de 1924, com um deficit de dezenas de contos, que foi liquidado com o capital dos parlamentares e dos membros do diretório do PRN. Um dos que contribuíram foi o deputado Bernardo Ferreira de Matos, que em novembro de 1924 entregou 300 escudos para “pagar o défice da administração de O Jornal”.36 O relatório do diretório apresentado em março de 1925 no III Congresso do PRN concluiu o seguinte:
- 37 Acção Nacionalista, 8/3/1925, 2-3.
O PRN ressente-se da falta de um diário, seu órgão, que difunda os seus pontos de vista. [...] Durante alguns meses foi possível manter um jornal, órgão diário do PRN. Mas o sacrifício que tal empreendimento acarretou, de penoso que era, transformou-se em insuportável, e para avaliar, basta que vos digamos ter sido necessário suspender abruptamente a sua publicação, com deficit de dezenas de contos, quase totalmente suportado pelos membros do Diretório e do Grupo Parlamentar. E no entanto, porque não dizê-lo – um pequeno sacrifício de todos os nossos correligionários seria bastante para manter esse indispensável órgão de propaganda partidária. É esse pequeno sacrifício que a todos vimos pedir. Agora mesmo, dentro desta sala do Congresso, não seria difícil angariar os meios para iniciar a publicação.37
Mapa 3. Imprensa oficial e oficiosa do PRN (maio de 1923)
Mapa 4. Imprensa oficial e oficiosa do PRN (março de 1924)
- 38 O Figueirense, 16/9/1923, 3.
- 39 Afonso de Melo, Notícias de Viseu, 4/3/1923, 1.
30Ainda surgiram outras tentativas de criar um jornal de referência associado ao PRN na capital, como o Acção Nacionalista (9/11/1924 a 6/3/1926), O Imparcial (21/8/1925 a 28/8/1925) e o Republica Portuguesa (14/7/1927 a 13/12/1927). No entanto, foram experiências sem grande continuidade e com pouca divulgação. Em Lisboa e na província os jornais iam sobrevivendo com a contribuição dos notáveis locais, uma vez que as empresas não conseguiam criar receitas suficientes para o seu funcionamento, pois o número de jornais vendidos era baixo, como reconhecia O Figueirense: “Se formos verificar as tiragens dos diferentes diários políticos de Lisboa, de qualquer campo ou «nuance», reconhecer-se-á que elas são verdadeiramente irrisórias em relação ao número dos correligionários”.38 As tiragens dos jornais deste período são na maior parte dos casos um enigma, embora se especule que uma parte significativa tivesse tiragens abaixo dos 800 exemplares (Sardica 2014, 346), o que os tornava inviáveis sem o contributo de alguns beneméritos. Em Viseu, Afonso de Melo, José Júlio César e José Marques Loureiro foram os mentores do Notícias de Viseu. Estes membros do PRN assumiram “a totalidade dos encargos financeiros e a quase totalidade dos seus trabalhos de redação”. Afonso de Melo justificava esta opção, uma vez que o partido precisava de “ter na capital do distrito de Viseu, voz na imprensa”.39
Mapa 5. Imprensa oficial e oficiosa do PRN (dezembro de 1925)
Mapa 6. Imprensa oficial e oficiosa do PRN (maio de 1926)
- 40 A Lucta, 1/1/1925, 1.
- 41 Diário de Lisboa, 2/1/1925, 1.
31Alguns nacionalistas nunca aceitaram o facto de o partido não ter um órgão de imprensa forte na capital e criticavam os banquetes pagos a preços elevados, quando essas receitas podiam ser canalizadas para a constituição de um jornal. No dia 11 de janeiro de 1925 estava previsto realizar-se um almoço oferecido ao diretório do PRN, custando cada inscrição 60 escudos, estando inscritos 200 pessoas dez dias antes do almoço. No jornal A Lucta questionava-se o seguinte: “Se for de trezentos o número de convivas, custará o banquete dezoito contos. Não é quantia suficiente para fundar um jornal: mas é bem a quarta parte do que será necessário para que o jornal reaparecendo, tivesse garantido a existência por um ano”.40 Ainda sobre o mesmo assunto, o Diário de Lisboa criticou o facto de o PRN ir fazer um jantar de homenagem ao diretório no S. Carlos, quando o partido não tinha nenhum órgão de informação em Lisboa. Por isso, interrogava: “Não seria mais útil reativar O Jornal?”. 41
- 42 Espólio António Ginestal Machado, Biblioteca Nacional de Portugal, E55/788.
- 43 Espólio António Ginestal Machado, Biblioteca Nacional de Portugal, E55/1304.
32Com o início da Ditadura Militar agravaram-se os problemas dos jornais afetos ao PRN. Mesmo assim, o PRN ainda conseguiu criar um diário em Lisboa, A República Portuguesa, que iniciou atividade no dia 14 de julho de 1927. Contudo, começou logo a sofreu a pressão das autoridades e da Censura, o que acentuou os seus problemas financeiros. Cunha Leal relatou os problemas que estavam a afetar o jornal numa carta enviada no dia 2 de outubro de 1927 a António Ginestal Machado: “Situação aflitiva do jornal [...] apesar dos sacrifícios de todos. A situação política não é menos aflitiva”.42 Esta situação acabaria por ditar a cessação de A República Portuguesa a 13 de dezembro de 1927. Num artigo intitulado “Ao suspender” que foi publicado num jornal não identificado, mas que está depositado no espólio António Ginestal Machado, foram apresentados alguns dos motivos que contribuíram para a suspensão do República Portuguesa: a ação da Censura não deixava publicar o que o diretório queria; o jornal foi uma vez suspenso por ter enviado à Comissão de Censura uma notícia que já tinha sido cortada; não foi autorizada uma sessão partidária em Algés; foi mandado encerrar pela polícia uma sessão comemorativa da revolução de 5 de Dezembro que estava a acontecer no centro Sidónio Pais; a conferência de António Ginestal Machado marcada para o dia 13 de dezembro de 1927 não foi autorizada, recebendo o diretório essa informação duas horas antes do seu início. Perante este quadro político e tendo em conta as dificuldades financeiras, o diretório ordenou a suspensão do jornal.43
33A desmobilização em torno do partido e a ação da Censura contribuíram decisivamente para a suspensão da publicação dos jornais afetos aos nacionalistas. Em agosto de 1930 (Mapa 8) o Partido Republicano Nacionalista já só contava com três jornais que continuavam a defender os seus ideais: O Debate, de Algés (Oeiras); O Correio da Extremadura, de Santarém; e o Democracia do Sul, de Évora. O primeiro deixou de ser editado em abril de 1932; o segundo aproximar-se-ia da Ditadura a partir de 1932; o último converter-se-ia no jornal de referência da oposição no Sul do país até à sua extinção nos anos sessenta, embora sem uma ligação direta ao PRN a partir de 1932. Portanto, a partir de 1932 o Partido Republicano Nacionalista deixou de ter uma voz presente na imprensa nacional.
34O financiamento clássico dos partidos de notáveis era feito maioritariamente através dos contactos e dos laços pessoais, não existindo uma coleta generalizada e regular de fundos. Por isso, não existia uma verdadeira filiação, uma vez que a maioria dos membros de um partido ou de um centro não pagava regularmente a quota ou pagava uma quota muito baixa. Com o aumento da burocratização e com a necessidade de contratar funcionários, a necessidade de financiamento aumentou. Como as quotas não eram suficientes para o desenvolvimento das atividades dos partidos, era necessário recorrer às dádivas pessoais dos seus notáveis e a alguns fundos públicos, que eram dilapidados (Lopes 2004, 29-49). O financiamento dos partidos de massas que começaram a emergir na Europa era conseguido de outra forma. No SPD alemão a quota paga pelos membros (masculinos e femininos) tinha um importante peso no financiamento do partido, dado o elevado número de membros. O Partido Trabalhista inglês era financiado principalmente pelos sindicatos, através da quota dos seus associados (Berger 1994, 98-102).
- 44 Centro Republicano Nacionalista – Livro de Sócios Inscritos. Arquivo Particular de Cláudio Percheir (...)
35No PRN as comissões paroquiais, concelhias e distritais e os centros políticos tinham grande autonomia financeira. Cada comissão ou centro canalizava as suas receitas para os seus gastos. O financiamento era feito pela quota associativa dos centros e pela assinatura do jornal partidário nacional ou regional. Por vezes, era solicitada uma subscrição pontual para acudir a dificuldades de um jornal ou para a campanha eleitoral, onde se pedia o empenho e o esforço dos membros do partido, em particular dos mais ricos. Havia uma quota mínima, mas cada membro contribuía conforme o seu estatuto socioprofissional e posição dentro do partido. Assim, no Centro Republicano Nacionalista Eborense, Sebastião Batista, trabalhador, e Artur da Conceição Reis, barbeiro, pagavam uma quota mensal de 0,1 escudos, enquanto Alberto Jordão Marques da Costa, reitor do liceu e deputado, e Florival Sanches de Miranda, proprietário, pagavam 2,5 escudos em 1923.44
Mapa 7. Imprensa oficial e oficiosa do PRN (agosto de 1927)
Mapa 8. Imprensa oficial e oficiosa do PRN (agosto de 1930)
- 45 Acção Nacionalista, 6/7/1925, 3.
36A publicidade nos jornais nacionalistas também era conseguida através da intervenção dos notáveis. As empresas dirigidas ou próximas de elementos nacionalistas colocavam preferencialmente publicidade em jornais afetos ao PRN. A Mutualidade Geral de Seguros era uma das principais empresas que pagava publicidade no jornal Acção Nacionalista. Esta opção estará certamente relacionada com o facto de dois dos seus administradores serem membros do PRN: Joaquim dos Prazeres Lança (comerciante, jornalista, antigo presidente das associações comerciais e industriais de Beja e Setúbal e membro da comissão organizadora do PRN no distrito de Beja) e Luís Costa Santos (técnico de seguros e diretor da Acção Nacionalista).45
- 46 Espólio António Ginestal Machado, Biblioteca Nacional de Portugal, E55/1909.
37Cada organismo do PRN era autónomo financeiramente e muitas vezes politicamente, pelo que não havia uma centralização dos recursos económicos. Este sistema organizativo, com uma grande independência financeira dos vários núcleos do partido, marcava a diferença face aos partidos de massas existentes na Europa nos anos vinte. Os novos partidos de integração social eram bastante mais organizados e hierarquizados, com uma preponderância dos órgãos nacionais no controlo do dinheiro do partido (Ridolfi 1992, 8-14). No PRN qualquer despesa extraordinária, como a fundação de um jornal ou uma campanha eleitoral, tinha de ser financiada através da fortuna pessoal dos notáveis. Este tipo de financiamento dos partidos políticos vinha desde o tempo da Monarquia e manteve-se durante a I República. No espólio de António Ginestal Machado existe um documento com uma listagem da subscrição para as despesas a fazer com as eleições camarárias e das juntas gerais do distrito, que deviam realizar-se a 4 e 18 de dezembro de 1917. Nesta listagem constam diversos nomes e donativos, sendo iniciada por António Ginestal Machado, que deu 30 escudos.46 No Partido Republicano de Reconstituição Nacional recorreu-se frequentemente à fortuna dos seus notáveis para superar as dificuldades financeiras do partido (Silva 1996, 61-62). No PRN também temos alguns exemplos destas práticas, conforme relatamos nas páginas anteriores.
- 47 O Rebate, 21/4/1923, 3-4; idem, 23/4/1923, 3.
- 48 Orçamento do PRP para o ano de 1922/1923: receita de 9.196$08 escudos e despesa de 7.348$73 – O Reb (...)
38Como não foi possível identificar o arquivo central do Partido Republicano Nacionalista, as fontes consultadas sobre a organização e o financiamento levantaram sérias dúvidas sobre se o PRN tinha algum funcionário remunerado para tratar dos assuntos administrativos e financeiros do partido. No entanto, os dados recolhidos apontam para que não tivesse nenhum funcionário a tempo inteiro, uma vez que o Partido Republicano Português, no mesmo período, apenas tinha um funcionário na secretaria e um funcionário a meio tempo na tesouraria47 com salários baixos (Queirós, 2008, 214), tendo o diretório um orçamento relativamente exíguo.48 Donde é bem provável que a comissão administrativa e o diretório tivessem de tratar de todas as tarefas burocráticas e financeiras do Partido Republicano Nacionalista, à semelhança do que sucedia com os outros partidos portugueses da mesma época.
39O Partido Republicano Nacionalista formou-se em fevereiro de 1923 com a ambição de se tornar numa alternativa conservadora ao Partido Republicano Português, partido dominante da I República. Donde, o PRN procurou ter uma estrutura organizativa e institucional que lhe permitisse concretizar essa aspiração. O PRN tinha um estatuto e uma estrutura semelhante aos restantes partidos republicanos portugueses. Contudo, a sua rede de comissões políticas ficou sempre aquém da do PRP. O mesmo sucedeu com os seus centros políticos, que chegaram a um total de 28, quando o PRP ultrapassou a centena e o PRED alcançou 39 centros. Ainda assim, os centros do PRN desempenharam importantes funções de propaganda, sociabilidade, coesão e educação dos sócios, para além das tarefas políticas, como a realização de reuniões partidárias, apoio no recenseamento eleitoral e preparação das visitas dos dirigentes nacionais, que representavam uma autêntica festa de propaganda política.
40Ao nível da imprensa o PRN teve 35 jornais, 26 oficiais e nove oficiosos espalhados por 29 localidades do continente. No entanto, não conseguiu sustentar com continuidade um jornal diário em Lisboa de dimensão nacional e não teve nenhum jornal no Porto e em Coimbra. A posse de um grande número de jornais continuava a ser decisiva para afirmação de um partido e nesse aspeto o PRN estava atrás do PRP, mas ligeiramente à frente dos restantes partidos. A sua rede de imprensa perdeu pujança com o passar dos anos, principalmente a seguir às cisões e após o início da Ditadura Militar e da ação da Censura. O financiamento do PRN era bastante descentralizado, tendo cada organismo uma grande autonomia financeira. A obtenção de receita passava já pelo contributo individual de cada membro, embora cada um pagasse consoante o seu estatuto social e político. Contudo, permaneceu muito dependente de receitas extraordinárias provenientes da fortuna pessoal dos notáveis, pelo que a falta de dinheiro foi uma constante.