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Recensões

Rubén Castro Redondo, Cartografía digital de Galicia en 1753. Jurisdicciones, provincias y Reino, 2ª ed. Santiago de Compostela: Andavira Editora, 2019, 300 pp. ISBN: 978-84-121160-2-1

Maria Antónia Lopes
p. 219-222
Referência(s):

Rubén Castro Redondo, Cartografía digital de Galicia en 1753. Jurisdicciones, provincias y Reino, 2ª ed. Santiago de Compostela: Andavira Editora, 2019, 300 pp. ISBN: 978-84-121160-2-1

Texto integral

1O valor da publicação que aqui recenseamos reside fundamentalmente na sua absoluta novidade no âmbito da cartografia histórica em Espanha. No nosso país, desde finais do século XX que a reconstituição digital da administração territorial é uma realidade, não apenas para as mesmas datas a que se reporta esta Cartografía Digital de Galicia – no nosso caso através das Memórias Paroquiais de 1758 – mas indo mais além, pois podemos consultar e utilizar a evolução da administração territorial portuguesa desde meados do século XVIII ao ano 2001 graças ao extraordinário trabalho de Luís Espinha da Silveira e da sua equipa (http://atlas.fcsh.unl.pt/​cartoweb35/​atlas/​apresentacao.html). Porém, como se disse, esta tarefa nunca foi realizada em Espanha, nem sequer com atraso, pois não existe ainda hoje uma ferramenta digital similar à portuguesa. Assim sendo, a obra de Rubén Castro, embora limitada no tempo e espaço ao século XVIII e ao Reino de Galiza, é claramente oportuna e, de facto, pioneira em relação aos demais territórios castelhanos e espanhóis.

2Parecendo ser uma publicação clássica, o formato escolhido pelo autor transforma-a numa obra inovadora e inserida nas novas abordagens oriundas das Humanidades Digitais. E isto porque ressaltam duas grandes partes diferenciadas: por um lado, um livro de texto de estilo tradicional; por outro, um ambiente digital acessível livremente na Web. A obra em papel pode dividir-se em quatro grandes blocos. O primeiro é uma apresentação metodológica do trabalho, com uma dupla orientação: Rubén Castro incide, por um lado, no tratamento dos dados administrativos que extraiu das três primeiras perguntas do Interrogatorio General del Catastro de La Ensenada e, por outro lado, na forma como converteu toda essa informação qualitativa em informação administrativo-espacial. Para isso, o autor serviu-se dos Sistemas de Informação Geográfica (SIG), em particular do programa informático Quantum GIS (QGIS), por se tratar, como ele mesmo indica, de software livre e gratuito.

3O segundo bloco refere-se quase exclusivamente à informação estatística que decorre da administração territorial do reino da Galiza nos três níveis mencionados no próprio título do livro. É importante perceber, sob pena de incompreensão da obra e da organização administrativo-espacial de que trata, que o significado de jurisdiciones presente no título é o de concelhos. Grosso modo, o autor especifica o número de unidades de administração territorial em cada um dos níveis, assim como a relação entre cada um deles. Assim, por exemplo, é interessante a análise que faz da estrutura piramidal da dita organização, atendendo à composição territorial de cada nível em relação com as unidades que formam o nível imediatamente inferior. Começando pelos concelhos (jurisdiciones), note-se que os seus territórios não se formam por uma agregação ou soma de freguesias, pois não respeitam as balizas das circunscrições paroquiais – como fica patente nos apêndices da obra, aos quais voltaremos; pelo contrário, os territórios das paróquias repartem-se com frequência entre vários concelhos. Desta circunstância nascem entidades mistas que pertencem a duas ou mais unidades de nível superior, em que parte dos vizinhos são súbditos de um senhor e outra parte de outro ou outros, com as consequências jurídicas, fiscais e/ou governativas que esta diversidade gerava.

4A um nível superior, pelo contrário, as províncias galegas que foram cartografadas a partir do cadastro de 1753 mostram como os seus territórios correspondem ao agregado de concelhos sempre completos. Isto é, um concelho, mesmo sendo descontínuo no espaço, pertencia única e exclusivamente a uma só província, e não a várias, apenas escapando a esta regra cinco casos num total de 662. E essa integridade na vinculação de concelhos e províncias parece reproduzir-se também entre as províncias e a instância superior, o reino, pois nenhuma das sete províncias galegas agregava uma parte do seu território, por mínima que fosse, a outra jurisdição. Mas o inverso acontecia. O Reino de Galicia compunha-se do território conjunto e completo das suas sete províncias tradicionais – Coruña, Betanzos, Lugo, Mondoñedo, Santiago, Ourense e Tui – e de uma parte da província de Valladolid, em concreto dos concelhos completos de Vilavella da Mezquita e de Viana do Bolo. A sua agregação a uma instância fiscal castelhana não impedia que a sua vinculação política fosse com o reino da Galiza, como demonstra o autor através de um argumento pertinente: durante toda a Idade Moderna, os vizinhos desses concelhos da província vallisoletana puderam acudir à Real Audiência da Galiza, direito exclusivo dos súbditos do Reino de Galicia.

  • 1 No caso da Galiza, reconhece-se a paróquia como unidade de divisão interna dos concelhos desde o Es (...)

5O terceiro dos blocos identificados protagoniza o que talvez seja a secção mais complexa da obra. Trata-se dos extensos apêndices nos quais se particularizam, por províncias, todas as povoações que cada concelho compreendia, identificadas aquelas através das paróquias, solução a que, como em Portugal em 1758 ou em 1801, também recorreram os responsáveis do Catastro no caso galego. Esta identificação torna-se muito útil, pois, como se esclarece no texto, a rede paroquial galega não foi substancialmente modificada em relação à que existia no Antigo Regime. Então e agora o seu número ronda as 3650 paróquias; apesar disso, Rubén Castro assinala com numerosas notas de rodapé as alterações que se verificaram nessas unidades eclesiásticas desde meados do século XVIII à atualidade: nomes, oragos e, sobretudo, o mais relevante para um estudo como este, os seus territórios, comprovando o autor a existência de uma manifesta continuidade territorial da rede e das unidades paroquiais da Galiza durante os últimos 500 anos. Convém, contudo, explicar que em Espanha as paróquias ou freguesias nunca adquiriram natureza administrativa, permanecendo até hoje unidades exclusivamente eclesiásticas.1 Tal como sucedia em Portugal antes das reformas liberais. A consulta dos apêndices é favorecida, em parte, pelo seu formato. Individualizado o caso de cada província, pode seguir-se por ordem alfabética, em cada uma delas, o conjunto dos concelhos que a compõem e, dentro de cada concelho, o de paróquias, também alfabetadas; tudo isso com outra informação capital num estudo sobre a administração territorial da Galiza no Antigo Regime: a titularidade de senhorio. Como já é sabido, apenas 8% do território galego era administrado diretamente pela coroa e daí decorre a relevância da identificação dessas titularidades senhoriais.

6O último bloco da obra não é texto nem está fisicamente no interior do livro. Trata-se de toda a série de mapas que o autor elaborou e que se encontram no interior de uma pasta fornecida com o livro. São no total 22 mapas, divididos em categorias: os que compreendem o conjunto da Galiza, tanto na sua divisão provincial como concelhia, diferenciando em ambos os casos o território do reino da Galiza em 1753 e o da Galiza atual, de maneira que podem comparar-se facilmente os espaços das duas realidades administrativas; noutra categoria surgem as províncias, também em duplo formato: um que nos permite ver a sua divisão concelhia interna e outro que nos possibilita atentar exclusivamente no seu perfil territorial.

7Finalmente, a segunda parte da obra é aquela que responde ao caráter digital patente no título – o que permite a possibilidade de consultar a já mencionada cartografia elaborada pelo autor, mas agora de forma digital. Mas não é apenas isso. A consulta deste material pode fazer-se através de uma página web de acesso livre e gratuito, na ligação https://galiciadigital1753.wixsite.com/​proyecto. A página permite consultar toda a cartografia apresentada no livro através de um visor cartográfico aí integrado; mas talvez o mais interessante seja a possibilidade de descarregar os mapas tanto em formato .pdf como em .shp. Esta última modalidade permite descarregar os ditos mapas como camadas de informação geográfica nos programas SIG, sendo assim possível não só a sua visualização, mas também a sua modificação para se adaptar às necessidades cartográficas de cada investigação em particular.

8No meu entender, Cartografía Digital de Galicia en 1753. Jurisdicciones, provincias y Reino é obra de excelência, respondendo a uma necessidade que existia face às novas tendências da cartografia histórica no caso espanhol, em geral, e galego em particular. O facto de ter saído uma segunda edição em menos de um ano, numa área científica com mercado tão difícil, e de o conteúdo virtual da obra na web superar as 13.000 visitas, é prova do interesse que gerou. Assim, tanto pelo que ficou dito como pela comparação que agora será possível fazer com a administração territorial do Antigo Regime português e de outros espaços e cronologias, recomenda-se a consulta atenta desta obra, tanto no formato livro, como na sua página web.

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Notas

1 No caso da Galiza, reconhece-se a paróquia como unidade de divisão interna dos concelhos desde o Estatuto de Autonomia da Galiza (1981), mas nunca foi dotada de instituições ou competências. Configura-se, assim, como uma via intermédia entre os casos português e espanhol.

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Para citar este artigo

Referência do documento impresso

Maria Antónia Lopes, «Rubén Castro Redondo, Cartografía digital de Galicia en 1753. Jurisdicciones, provincias y Reino, 2ª ed. Santiago de Compostela: Andavira Editora, 2019, 300 pp. ISBN: 978-84-121160-2-1»Ler História, 76 | 2020, 219-222.

Referência eletrónica

Maria Antónia Lopes, «Rubén Castro Redondo, Cartografía digital de Galicia en 1753. Jurisdicciones, provincias y Reino, 2ª ed. Santiago de Compostela: Andavira Editora, 2019, 300 pp. ISBN: 978-84-121160-2-1»Ler História [Online], 76 | 2020, posto online no dia 30 junho 2020, consultado no dia 21 janeiro 2025. URL: http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/lerhistoria/7017; DOI: https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/lerhistoria.7017

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Autor

Maria Antónia Lopes

Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Portugal

lopes.mariantonia@gmail.com

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Apenas o texto pode ser utilizado sob licença CC BY-NC 4.0. Outros elementos (ilustrações, anexos importados) são "Todos os direitos reservados", à exceção de indicação em contrário.

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