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Espelho de Clio

Uma açoriana na história da APHES

Conceição Andrade Martins e Irene Vaquinhas
p. 187-190

Texto integral

1Com a entrada da Fátima para a Associação Portuguesa de História Económica e Social (APHES), em 1996, os Açores e a história económica e social deste arquipélago – do ciclo da laranja aos cultivadores de ananás e fabricantes de tabaco; ou do sucesso dos Bensaúde nesta economia periférica até às obras do porto de Ponta Delgada e ao abastecimento de gás às ilhas – passaram a ter muito maior visibilidade e protagonismo na vida desta associação. Desde logo graças à personalidade radiosa e comunicativa de uma associada que, apesar dos transtornos decorrentes da sua insularidade, nunca se escusou a participar ativamente em todas as suas atividades. Antes pelo contrário, fê-lo sempre de bom grado e com o entusiasmo que constituía uma das suas imagens de marca. Entusiasmo esse que, de resto, ficaria bem patente logo aquando da sua filiação, ao disponibilizar-se de imediato para ajudar a organizar o XVII Encontro da APHES na Universidade dos Açores.

2A «ousadia» subjacente a esta iniciativa por parte de uma neófita na APHES (sócia n.º 76), deixou logo transparecer a cepa de que era feita esta mulher franzina, porém tenaz, corajosa e muito trabalhadora. E também um pouco «louca», tendo em conta, por um lado, a logística que pressupunha a deslocação de várias dezenas de «continentais» e a sua permanência na ilha durante, pelo menos, quatro dias. E, por outro, os recursos financeiros e humanos que foi necessário arregimentar para tal. Subordinado ao tema mobilizador História do crescimento económico em Portugal, o XVII Encontro da APHES que se realizou na Universidade dos Açores entre os dias 27 e 29 de novembro de 1997 seria um sucesso e, como realçaria Maria Eugénia Mata na «Noticia» que escreveu para o Boletim da APHES, mostrou «a perfeição» posta na sua organização por Fátima Sequeira Dias, que «Detalhista, preocupou-se com todas as componentes deste tipo de congressos, desde os científicos aos logísticos e sociais». Com todas mesmo, já que só daria por concluída esta sua «missão» quando, juntamente com Jaime Reis e Hélder Fonseca, organizou a publicação do grosso das comunicações apresentadas neste Encontro numa brochura intitulada História do crescimento económico em Portugal.

3Quase uma década depois (em 2006), a Fátima voltaria a encarar de bom grado o desafio de organizar mais um Encontro da APHES na Universidade dos Açores. Só que desta vez fá-lo-ia em condições bastante mais desafogadas, quer do ponto de vista financeiro quer institucional e operacional, uma vez que as suas funções na Universidade lhe permitiram ter o apoio de um secretariado, o que se mostraria fundamental para a dimensão internacional que, à data, já tinham os Congressos da APHES. Muito mais concorrido do que o de 1997, o XXVI Encontro da APHES (Ponta Delgada 17 e 18 de novembro de 2006), que teve como tema aglutinador A Emergência do Estado Fiscal em Portugal e na Europa, juntou mais de uma centena de académicos nacionais e estrangeiros que em sessões paralelas abordaram não só temas mais diretamente relacionados com o do Encontro – Portugal antes do Estado fiscal, o crescimento do Estado fiscal europeu ou a construção do Estado-providência –, como muitos outros que podem ser consultados nas Atas do XXVI Encontro da APHES. Com a simpatia e competência que lhe era comummente reconhecida, a Fátima não esqueceu nenhum detalhe para que, tal como o anterior, este congresso fosse também um sucesso em todos os aspetos. E, mais uma, vez conseguiu-o e contribuiu para consolidar a projeção internacional da APHES e da Universidade dos Açores.

4O mesmo entusiasmo, aliado à sua vivacidade de espírito, marcaram também o envolvimento da Fátima nas duas direções da APHES a que pertenceu. A primeira, em 1997/1999, enquanto vice-presidente da gestão encabeçada por Hélder Adegar Fonseca. E a segunda, em 2007/2009, novamente como vice-presidente, desta vez da direção presidida por Pedro Lains. Além de dinamizar as reuniões dos corpos gerentes com novas ideias e sugestões ela tornou-as, inegavelmente, bem mais animadas e produtivas. Como o terão sido as reuniões do júri do prémio APHES 2004 que integrou, juntamente com os colegas Joaquim Costa Leite, Leonor Freire Costa, Luís Miguel Duarte e Jorge Pedreira, e votou por unanimidade na tese «Os Cavaleiros da Ordem de S. João de Malta em Portugal de finais do Antigo Regime ao Liberalismo», defendida por Inês Versos na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa.

5O seu empenhamento concretizou-se também na intervenção ativa nos Encontros, seja como comunicante, seja como moderadora, comentadora e/ou presidente de painéis ou sessões. Enquanto comunicante, as problemáticas abordadas incidiram maioritariamente sobre a história dos Açores, a sua área de pesquisa de eleição e tema dominante da sua produção científica. Porém, a sua curiosidade intelectual, energia e capacidade de trabalho conduziam-na a uma permanente renovação dos objetos de estudo, alargando os territórios da história. No ano de 2004, no Encontro realizado em Lisboa, no Instituto de Ciências Sociais, a sua comunicação versou sobre «A Sociedade Agrícola dos cultivadores de ananases da ilha de S. Miguel», problemática que lhe era muito cara e na qual investira muito recentemente. «A ascensão e o declínio de uma cultura agrícola na Ilha de São Miguel, arquipélago dos Açores: o ananás (dos finais do século XIX aos inícios do século XXI» constituíra, precisamente, o tema da lição das suas provas de agregação defendidas no início de 2004, na Universidade dos Açores. Anos mais tarde, em 2008, no Encontro realizado na Universidade do Minho, a sua comunicação incidiu sobre «A Junta Administrativa das Obras do Porto Artificial de Ponta Delgada: a difícil gestão do quotidiano». No ano seguinte, em 2009, apresentaria, no Encontro que teve lugar na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, a comunicação intitulada «Saaga: the gaz provision to Azores (1969 to nowadays)», breve síntese da biografia empresarial da Sociedade Açoreana de Armazenagem de Gás, S. A. que publicou nesse mesmo ano, na sequência de uma apurada investigação sobre o assunto. No último Encontro da APHES, no passado mês de novembro de 2012, no ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa, propôs-se abordar o tema «Inovação e risco: exemplos de sucesso de empresários micaelenses na primeira metade do século XX». Tendo como base de pesquisa fundos notariais e o registo de sociedades comerciais visava analisar o surto de empreendedorismo na ilha de São Miguel, nos inícios do século XX, o qual implicara uma importante transferência de capital do setor fundiário para outras atividades sem tradição no tecido social micaelense. Não chegaria a colaborar neste Encontro, minada pela doença de que viria a falecer.

6Mulher do seu tempo, tinha a perfeita consciência de que o historiador tem o dever de não se limitar a estudar o passado e que deve refletir sobre os problemas da contemporaneidade. Assim o pensou, assim o praticou. O seu espírito empreendedor e a capacidade de gerar diálogos levaram-na a associar à sua atividade académica a intervenção cívica. A problemática das mulheres e do género foi uma das áreas do conhecimento na qual, de uma forma brilhante, soube cruzar aquelas suas competências. Organizaria, através do Departamento de Economia e Gestão, na Universidade dos Açores, o I e o II Curso Livre de Estudos do Género – A mulher na sociedade contemporânea, respetivamente em 2001 e 2002. Destinado a quadros da administração pública regional, o curso visava promover a igualdade de género através do melhor conhecimento da mulher na sociedade contemporânea, assim como estimular a consciencialização da discriminação, «apesar do aparato legislativo», como se escrevia na pagela informativa. Nele colaboraram consagrados investigadores e docentes da Universidade dos Açores de várias áreas departamentais (Ciências da Educação; Economia e Gestão; História, Filosofia e Ciências Sociais; Línguas e Literaturas Modernas), assim como muitos outros conferencistas de várias universidades nacionais. Igualmente foi sócia da UMAR (União das Mulheres Alternativa e Resposta), associação feminista que apoiou, prestando o seu contributo como historiadora e conferencista. Sempre, porém, como uma mulher atenta às questões da discriminação de género.

7À história dos Açores, à história das mulheres e do género, à história da APHES, a Fátima deu o seu saber, o seu talento, o peso do seu capital simbólico, a sua paixão pela vida. Por tudo isto e também pela sólida amizade que nos uniu, se, parafraseando a própria Fátima, nunca as ilhas se (lhe) tornaram demasiado pequenas, o mesmo não sucede com a saudade que deixou nos nossos corações!

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Para citar este artigo

Referência do documento impresso

Conceição Andrade Martins e Irene Vaquinhas, «Uma açoriana na história da APHES»Ler História, 64 | 2013, 187-190.

Referência eletrónica

Conceição Andrade Martins e Irene Vaquinhas, «Uma açoriana na história da APHES»Ler História [Online], 64 | 2013, posto online no dia 01 junho 2014, consultado no dia 18 fevereiro 2025. URL: http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/lerhistoria/643; DOI: https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/lerhistoria.643

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Autores

Conceição Andrade Martins

Investigadora auxiliar do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Tem várias publicações na área da história da agricultura, da história da vinha e do vinho e da história empresarial.
andrade.martins@ics.ul.pt

Irene Vaquinhas

Professora catedrática do Departam

 

ento de História, Arqueologia e Artes da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e investigadora do Centro de História da Sociedade e da Cultura da Universidade de Coimbra (CHSC-UC).
irenemcv@fl.uc.pt

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